Revista online | Veja lista de autores da edição 49 (novembro/2022)
*Daniel Costa é autor do artigo Um revolucionário cordial em revista. É historiador pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e desenvolve pesquisa acerca da corrupção na América portuguesa ao longo do século XVIII.
*A Fundação Astrojildo Pereira detém os direito do editorial da revista de novembro (edição 49): O caminho da democracia.
*Luis Sérgio Henriques é autor do artigo Breve notícia da terra devastada. É tradutor e ensaísta.
* JCaesar é o autor da Charge sobre Copa do Mundo e manifestantes. É pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
*Mauricio Vianna é autor do artigo Sobre saúvas e saúde. É médico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em psiquiatria pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Benito Salomão é autor do artigo Sinalizar uma regra fiscal é importante? economista e doutor em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGED-UFU).
*Álvaro José dos Santos Silva, 72 anos, é jornalista profissional, ex-editor do jornal A Gazeta de Vitória, no qual atuou durante 27 anos. É ex-assessor de comunicação, escritor, membro da Academia Espírito-Santense de Letras (AEL) e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES). Também foi membro do PCB, PPS e Cidadania.
Veja todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online
Revista online | Combate à intolerância religiosa é desafio do governo Lula
Jane Monteiro Neves, Sionei Leão, Cleomar Almeida e João Rodrigues*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o professor Babalawô Ivanir dos Santos destaca a importância do movimento negro para a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e diz que a “intolerância religiosa está espalhada por todo o país”. Em entrevista à revista Política Democrática deste mês de novembro (49ª edição), ele diz que o problema se agravou nos últimos quatro anos, com “interferência muito forte na democracia brasileira”.
O professor, que também é membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), defende um plano nacional de combate à intolerância religiosa, cuja proposta, segundo ele, foi apresentada ainda em 2008 a Lula. “O novo governo deve ter medidas concretas e efetivas de combate à intolerância religiosa”, assevera.
Pesquisador do Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER-UFRJ) e do Laboratório de Estudos de História Atlântica das sociedades coloniais pós coloniais (LEHA-UFRJ), Santos também critica o academicismo nas universidades brasileiras e ressalta a necessidade de pensamento intelectual que reflita sobre a realidade dos mais pobres, a maioria da população. “Nem todos os acadêmicos são intelectuais”, afirma.
Diante do alerta de o Brasil ter voltado ao Mapa da Fome, das Nações Unidas, o professor também chama a atenção para a urgência de se garantir a segurança alimentar da população. “Fome Zero não é só dar o cartão para o pessoal adquirir o alimento no mercado, mas criar um processo de produção e de escoamento de alimentos para que cheguem a uma rede mais barata e a quem mais precisa”, sugere. A seguir, confira trechos da entrevista.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
Política Democrática (PD): O que o senhor espera para o Brasil nos próximos quatro anos?
Babalawô Ivanir dos Santos (BIS): Neste momento, o sinal é de que se deve caminhar em sintonia com o respeito à democracia, às liberdades, às diversidades, ao Estado laico e aos direitos humanos e o fortalecimento das lutas contra a misoginia, o racismo, a homofobia. No processo eleitoral, além das questões econômicas e sociais, havia um divisor de águas entre o ódio e a democracia, envolvendo o racismo, a intolerância religiosa, a diversidade e as liberdades. Ganhou o campo da diversidade e da liberdade. Tenho chamado atenção de que os partidos progressistas foram muito importantes nesse processo. Houve uma unidade nunca pensada antes, independente das questões do primeiro turno. Quem garantiu essas eleições foram os que eles chamam de grupos de identidade, porque correm dizendo que são identitários, que são os grupos, acham que são minoritários - e não são tão minoritários assim -, que já garantiram a eleição no primeiro turno, junto a essas forças progressistas, mas todos os apoios foram importantes do ponto de vista político, mas, do ponto de vista eleitoral, não garantiram uma larga vitória. Tivemos uma vitória eleitoral muito pequena, mas uma grande vitória política, inegavelmente. Não se pode esquecer desses movimentos sociais e desses grupos que foram aliados importantes desde o primeiro turno e, obviamente, no segundo. Por isso, espero que assim seja na compreensão da montagem do governo, que precisa ter uma expressão de representação simbólica muito importante desses grupos.
PD: O senhor publicou o livro Marchar não é caminhar: interfaces políticas e sociais das religiões de matriz africana no Rio de Janeiro (2019, 360 páginas). Ao longo de sua vida, como marchar não é caminhar?
BIS: Essa é a minha tese de doutorado em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É o que implantamos agora na sociedade brasileira. Você tem um setor da sociedade que quer marchar, marchar… Consequentemente, quer destruir o outro, quer impor ao outro, quer, de forma autoritária e fascista, impingir ao outro a sua vontade, e caminhar é o contrário. Caminhar é uma frente. Caminhar é estarmos juntos. Para caminhar, é preciso sentar, recuar, ter diálogo e convivência com o outro, aprender com o outro, trocar com o outro. Por isso, caminhar é um processo. Quando se diz marchar, você está fazendo o jogo do adversário ou do inimigo. E caminhar, não. Caminhar é esse processo de frente ampla. Tem, às vezes, conflitos, mas você aprende na caminhada. Na caminhada, não se impõe ao outro a sua vontade. Aqui também faço, justamente, uma comparação entre a Marcha para Jesus e a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa. O resultado da eleição não foi diferente. Em suposto nome de Jesus, impõe-se o ódio, a misoginia, a homofobia, o fascismo. No caminhar, há grupos evangélicos, cristãos, não cristãos, ateus. E foi isso sempre que as religiões de matriz africana fizeram. São grupos minoritários do ponto de vista da expressão política, mas podemos construir uma hegemonia sem ser maioria política.
PD: O senhor é Babalawô. Na luta em defesa da liberdade religiosa, o senhor está otimista neste momento?
BIS: Fui iniciado no candomblé há 41 anos, na Bahia, em Maragojipe, onde fiz todas as minhas obrigações. Tornei-me Babalorixá. E hoje sou um Babalawô, iniciado na Nigéria há 17 anos. Um sacerdote que é o pai, que olha o oráculo. Na Nigéria, o Babalawô não é só um líder espiritual, é um líder espiritual e político do seu povo, é aquele que orienta espiritualmente e politicamente o seu povo. Então, essa é uma questão importante a ser observada, para entender o meu papel, inclusive, nesse cenário. Não é só o lado espiritual, é conjugando o lado espiritual com as questões sociais, políticas, culturais e econômicas no qual esse povo vive. Se tem desemprego, o Babalawô deve defender o pleno emprego. Precisa, ainda, lutar pela diversidade, por respeito, contra o racismo. Se há homofobia, deve ser contra a homofobia. Se tem antissemitismo, ele tem lutar contra o antissemitismo, Babalawô é isso. Ele não pode ser omisso, não pode só ficar ligado ao lado espiritual nem apenas à teologia da prosperidade, que não é riqueza, não são bens materiais. É viver bem, ter um bom salário, ter um bom emprego, ter uma boa casa, construir uma família, ter uma boa educação, ter saúde. Isto é prosperidade. Além disso, pouca gente tem noção da intolerância religiosa, que virou um problema sério na América Latina. Essa é uma agenda civil, e tem piorado muito esse aspecto no país. No final do mês de janeiro, vou lançar um relatório nacional que demonstra isso. A intolerância religiosa está espalhada por todo o país, em todos os lugares, e, nesses últimos quatro anos, fez uma interferência muito forte na democracia brasileira. O presidente [Jair Bolsonaro] diz que o Brasil é um país ocidental cristão e que a minoria tem que se enquadrar. Todos nós sentimos o impacto disso. Na vida de todos, houve uma divisão e briga nas famílias. A família brasileira sempre foi muito diversa. Há cristão católico, cristão protestante, ateu, candomblecista, espírita kardecista, umbandista. Quando tenta se colocar uma única forma de religiosidade, cria-se uma divisão enorme. Desde os anos 1970, havia uma forma de o fascismo crescer no Brasil. Ele cresceria a partir do viés religioso, neopentecostal, embora haja grupos neopentecostais minoritários que estiveram no nosso campo, no trabalho conosco da diversidade religiosa, porque no Rio mostramos isso muito bem. Lá atrás, em 2008, encontramos com o então presidente Lula logo depois da primeira caminhada pela liberdade religiosa, aqui no Rio de Janeiro. Foram 20 mil pessoas para a rua, e entregamos a ele um documento para que se fizesse um plano nacional de combate à intolerância religiosa. E não foi feito. Nenhum dos governos seguintes deu atenção a esse tema, e agora vai ter que dar não só para ampliar o diálogo com os evangélicos, como tenho escutado muito. Acho que tem que ampliar o diálogo com os evangélicos, não sou contra, muito pelo contrário, sou um homem de diálogo, mas, antes de tudo, o novo governo deve ter medidas concretas e efetivas de combate à intolerância religiosa. É preciso garantir a aplicação da Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira. Ela foi capturada como se fosse uma lei religiosa, e não é. É uma lei de história e cultura. Vai ter que implantar isso, com orçamento, capacitação de professores e produção e distribuição de material didático. Também é preciso discutir a cultura indígena, porque a lei foi complementada depois. O Brasil não pode ter modelo civilizatório simplesmente europeu e achar que isso está correto. Existem outros grupos que estão na constituição desse país, embora em condições totalmente diferentes. Uns vieram como escravos, outros foram marginalizados, como a comunidade indígena, que também deve ser levada em conta e faz parte dos valores civilizatórios brasileiros. Todos temos noção do que é muito importante, mas há uma luta contra a hegemonia cultural no país. É preciso considerar a agenda do movimento negro, do movimento LGBTQIA+, das mulheres, das populações indígenas, assim como a agenda da diversidade religiosa. Não basta criar conselhos. Isto é importante, mas não é tudo. A questão é saber quais são as medidas efetivas de combate ao racismo, à homofobia, à misoginia, à intolerância religiosa... É importante considerar isso no projeto de governo, em todas as esferas. Estou falando não é só nos puxadinhos. Não é apenas reformular a Fundação Palmares, por exemplo. Tudo isso é importante, mas não dá conta da imensidão de brasileiros e brasileiras desses grupos na luta pelos seus direitos. Eles precisam estar representados nos ministérios, na economia, e devem participar da formulação de políticas públicas sociais, de saúde, de educação, de cultura e das demais áreas. É preciso haver diálogos e políticas públicas efetivas, com conferências também, mas, se as conferências propuserem medidas que não possam ser executadas, o país cai em uma situação de manter o status quo, que, no momento, é extremamente racista, do ponto de vista estrutural.
PD: Como o senhor vê essa possibilidade de mudança de paradigma e do fortalecimento da cultura antirracista em nosso país no novo governo?
BIS: Primeiro temos que observar a retórica do próximo presidente da República que nós elegemos. Durante a campanha, ele falou da questão racista, prometeu restaurar as estruturas antirracistas importantes. Ele tem noção muito boa, quando fala da escravidão, tem compreensão estrutural, mas há uma distância entre o que ele fala e o que aqueles que estão em sua volta executam. Lá atrás ele disse que os negros não só seriam ouvidos, mas que os iriam participar da construção do seu governo. Isso não aconteceu no primeiro momento da formulação da equipe de transição. Pelo contrário, foi necessária uma reação de setores da comunidade negra, muito irritados, porque o apoiaram e votaram nele, como eu e outros. Se não fosse essa pressão, não teria ampliado a participação minoritária, quase insignificante, em outros grupos da equipe de transição. Foi majoritária no grupo da igualdade racial. Nos demais grupos, a participação de pessoas negras foi extremamente minoritária. Por isso, digo que existe uma distância entre a fala de Lula, o compromisso que ele assumiu [na campanha eleitoral], e as ações subsequentes por parte daqueles que o cercam na compreensão política de diversidade. Não entendem nada de diversidade. Hoje há uma massa crítica de negros no Brasil que não havia antes, de formados, inclusive, de militantes ativistas, de intelectuais orgânicos e públicos, que construíram essa agenda racial. A academia vem um pouco depois, porque não formulou nada para nós. Muito pelo contrário. Fomos para a academia sistematizar a nossa experiência, totalmente diferente de uma grande parcela de homens e mulheres brancos, que discutem estado, políticas públicas, a partir não de uma experiência empírica que eles têm. E, no nosso caso, sim. Então, é preciso aproveitar essa capacidade. Nem todo acadêmico é intelectual. Às vezes, é mero reprodutor de teorias e metodologias. Devemos tomar muito cuidado ao trazer essas contribuições de formulações para dentro dos processos, para que não permaneçam os mesmos. Observamos que a estrutura não muda. Como é que você entende que, ainda nos dias de hoje, em governos progressistas, nos quais muitos de nós votamos e com os quais concordamos, a polícia continua, de forma lombrosiana, matando jovens negros, encarcerando jovens negros? O governo é progressista, mas a prática da máquina operacional do cotidiano ainda se reelege por conta disso. Essas mesmas práticas continuam nos aparelhos de Estado, de maneira até eugenista.
PD: Como o senhor interpreta a questão da história brasileira, seus estudos e a contribuição do negro, enquanto intelectual acadêmico?
BIS: Não é uma presença fácil, até porque, como digo, não fui para a academia para que a academia entrasse em mim, porque tem muitos negros que vão e ficam acadêmicos, muito teóricos. Discutir com a juventude teoria, metodologia e regras da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas] todo mundo sabe, mas a experiência empírica é quase nenhuma. Fui pela ideia de sistematizar a minha experiência. É diferente. Não é à toa que uso bem, por exemplo, obras de Antonio Gramsci e Thompson, que falam de experiência, e sempre, como militante de esquerda, achei que tinha um vácuo para se compreender essa noção, como se a classe operária fosse um único modelo. E os negros nunca vão ser analisados como classe operária nesse sentido. O trabalhador, às vezes, tem religião. Então, quando se amplia uma compreensão de classe operária, dá para compreender que se pode analisar as nossas experiências a partir desses lugares. Então, traz uma nova participação, inclusive, da questão negra, e, ao utilizar muito a história dos que vêm de baixo, estou na história comparada. Constrói-se uma história dos que vêm de baixo com os de baixo, não pelos de cima que querem analisar os de baixo e têm muita diferença também sobre isso. Por isso que minha tese é uma experiência que construímos, usando todas as regras acadêmicas da objetividade, da metodologia, da teoria, porque essa tese teve prólogo. Vou falar de uma experiência de que participei, mas analisando a experiência com distância. Eu tinha que fazer um prólogo para dizer de onde eu vim, o que eu fazia, para as pessoas entenderem o que eu estava falando. Então, isso é uma nova epistemologia. Como é esse negócio de se analisar uma coisa se você, de tão de baixo, pobre, operário, não vai se colocar? Isso é bom para quem? Para a elite, porque ela não precisa dizer que está estudando. Objetividade tem um pouco a ver com isso. Se você está em um debate político e traz um problema que incomoda, não está sendo racional. Como se os negros só fossem emoção e como se a razão fosse o único ponto importante da ciência. Então, é muito mentiroso. Acho que, do ponto de vista dos africanos, é preciso haver equilíbrio entre razão e emoção, obviamente. Essas estruturas racionais que foram criadas, e ainda são mantidas, são racistas e perversas. Em qualquer país, isso é muito nítido, como para nós. Para a nossa comunidade, elas são muito draconianas, muito tristes. Para manter o status quo da sociedade e os privilégios, são ótimas. Entrar na academia exige trazer novas reflexões, novos diálogos e novas possibilidades. Agora, querendo ou não, é um lugar de poder. Sempre comento que a sociedade discrimina alguém por ser Babalawô e ser negro, mas ser pós-doutor é outra história. Porque entrou-se naquela lógica do mérito, já que são poucos os que vão para esse lugar. A questão é como se exerce este lugar, esta capacidade como intelectual. Nem todos os acadêmicos são intelectuais. Normalmente, são reprodutores de meros conhecimentos, uma boa parte deles. Não é à toa que eles não topam certos debates porque não dominam, pois a academia não é uma verdade absoluta. Ela tem várias verdades. A academia não é para dar respostas. Na verdade, surge para criar novas perguntas, e perguntas interessantes. Isto é dialética. Quando acha a resposta e acha que a resposta é a verdade absoluta, você engessa e não compreende a dinâmica social. Sou acadêmico, historiador, mas, antes de tudo, sou um negro, militante, candomblecista, militante pela questão racial e direitos humanos. Não sou só um acadêmico. Porque, ao se observar a trajetória de todos nós [negros], todo mundo vem de família pobre, em que a mãe era empregada doméstica, ou o pai, operário. Raros são aqueles que tiveram famílias na classe média. Marechal do Exército João Baptista de Mattos, primeiro negro a ocupar esse posto nas Forças Armadas, era filho de mãe solteira. Se pegar a história dele e observar como se dá a sua ascensão, verá um filho de mãe solteira, extremamente discriminado. Os filhos viraram da classe média depois porque ele virou marechal, general, oficial do Exército, mas quase ninguém assim nasce na classe média. Uma pessoa comprometida e brilhante que nasceu na classe média é Heleno Teodoro. O pai já era uma pessoa importante do Partidão, inclusive, na administração, já era contador, formado em economia, e a mãe era professora tradutora, mas são raros [esses casos]. A maioria absoluta dos intelectuais negros hoje, apesar de não unanimidade, veio das esferas populares. Na minha família, somos a terceira geração, a partir de mim, de universitários. Tenho dois filhos que fazem mestrados, outros são formados. Meus dois netos mais velhos estão na universidade. Meu pai era um mecânico que tinha que se virar. Então, é preciso entender essas histórias. As novas gerações estão tendo possibilidades, e as pessoas não podem se deslumbrar com a academia, que tem uma diversidade muito grande. Saber levantar esse debate a partir dessa diversidade é o grande barato. É o que os negros hoje em dia têm feito na academia porque pode nascer uma academia mais voltada para a compreensão brasileira. A academia que tem hoje [no Brasil] é europeia, digamos francesa, ou dos Estados Unidos. Quem é valorizado é quem tem algum doutorado ou mestrado fora. Os grandes debates acadêmicos vêm desses dois grandes centros e se conhece muito pouco da Ásia e da própria África. Há muita produção na África que dialoga muito mais com a nossa realidade social, com a nossa possibilidade, do que a dos europeus. Muitos europeus progressistas que achamos fora se inspiraram nos africanos. Há muita gente da África que foi até esses centros e os questionou. Muitos africanos questionaram, a partir do acesso que a colônia tinha como privilégio, como o próprio Amílcar Cabral e muitos outros nomes brilhantes. É isso que temos que fazer também aqui no Brasil, criar uma possibilidade de um pensamento intelectual acadêmico que reflita mais os de baixo no nosso país. Mesmo aqueles que falaram do povo brasileiro deixaram uma lacuna enorme para entender a questão racial até do ponto de vista acadêmico. Sérgio Buarque, assim como muitos outros, foi brilhante. A esquerda o tem como referência importante, mas há lacunas enormes a partir das nossas perspectivas. Não quer dizer que você vai desqualificar essa produção, pelo contrário, mas tem que fazer um diálogo crítico com ela e criar novas perguntas que levem a novas possibilidades.
Confira, a seguir, galeria:
PD: Como o senhor vê a possibilidade de se fazer uma grande mobilização para garantir a segurança alimentar da população negra e dos povos tradicionais como um todo?
Primeiro, ampliando o apoio à produção de alimentos necessários. Todo mundo acha que a África é fome para todo mundo. As pessoas conhecem as áreas de crise na África, onde o povo, de fato, às vezes, por questões climáticas ou de dificuldades de agricultura ou de conflitos, não tem o que comer, mas a África tem o que comer. Na Guiné-Bissau, há alimento e pesca. Em países que têm a pesca como ponto fundamental e onde não entrou a ideia do lucro em si, excessivo, a produção é mais coletiva, e é isso que tem que ser feito no Brasil, nas comunidades quilombolas. Como se constrói uma rede de produção nas áreas tradicionais que resulte em preços mais baratos nas favelas? A gente não tem uma rede de comunicação, porque o agronegócio e os grandes empresários dos mercados dominam essas áreas. Até nas dos quilombolas, eles financiam a produção, mas como se transforma a lógica de produção de alimento para alimentar quem está no campo, mas também quem está na cidade? São desafios, mas essas áreas podem produzir alimentos de qualidade. Na Nigéria, há produção de inhame, que é a base da comida nigeriana. Há grandes mercados populares de rua com comércio de inhame, pimenta, dendê, peixe, batata doce e laranja. Há comida farta. Todo mundo acha que não há na África, mas existe. Fome Zero não é só, na minha opinião, dar o cartão para o pessoal adquirir o alimento no mercado, mas criar um processo de produção e escoamento de alimentos para que cheguem a uma rede mais barata e a quem mais precisa.
Sobre o entrevistado
Professor Babalawô Ivanir dos Santos é doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN); pesquisador do Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER-UFRJ) e do Laboratório de Estudos de História Atlântica das sociedades coloniais pós coloniais (LEHA-UFRJ); coordenador da Coordenadoria de Religiões Tradicionais Africanas, Afro-brasileira, Racismo e Intolerância Religiosa (ERARIR/LHER/UFRJ); conselheiro Estratégico do Centro de Articulações de População Marginalizada (CEAP); interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro de 2022 (49ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
Equipe de entrevista
Jane Monteiro Neves participou como entrevistadora da 48ª edição da revista Política Democrática online. É professora da Universidade do Estado do Pará (Uepa), especialista em processos educacionais (2012 a 2013 – IEP/Sírio Libanês). Foi diretora de extensão e coordenadora do curso de graduação em Enfermagem da UEPA. Também é diretora de Atenção Primária (Atenção à Saúde) da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Estado do Pará e diretora executiva da Fundação Astrojildo Pereira.
Sionei Leão participou como entrevistador da 48ª edição da revista Política Democrática online. É jornalista, pesquisador e autor de Kamba’Race: afrodescendências no Exército Brasileiro, resultado de uma pesquisa de 20 anos.
Cleomar Almeida participou como entrevistador da 48ª edição da revista Política Democrática online. É jornalista e coordenador de Publicações da Fundação Astrojildo Pereira.
João Rodrigues participou como entrevistador da 48ª edição da revista Política Democrática online. É jornalista e coordenador de Audiovisual da Fundação Astrojildo Pereira.
Leia também
Revista online | Por um programa para os batalhadores e um horizonte para o país
Revista online | Para uma crítica progressista do identitarismo
Revista online | A COP 27 fracassou?
Revista online | Copa do Mundo: poder do dinheiro comanda o espetáculo
Revista online | As chagas da Copa do Mundo
Revista online | Sinalizar uma regra fiscal é importante?
Revista online | Sobre saúvas e saúde
Revista online | Confira charge de JCaesar sobre Copa do Mundo e manifestantes
Revista online | Breve notícia da terra devastada
Revista online | Editorial: O caminho da democracia
Revista online | Um revolucionário cordial em revista
Acesse a 48ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse a 47ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Especialistas debatem o futuro das regras fiscais no país
Luciara Ferreira*, com edição da coordenadora das Mídias Sociais da FAP, Nívia Cerqueira
Mediado pelo diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira, Marco Aurélio Marrafon, o webinar: O futuro das regras fiscais no Brasil será transmitido nesta quarta-feira (30/11), a partir das 18h30, nas redes sociais e portal da entidade. O debate contará com a participação dos economistas Benito Salomão, Fábio Terra, Manoel Pires e Leonardo Ribeiro.
"O evento vai abordar as regras fiscais, que estabelecem os limites até onde os políticos podem ir e a partir dos quais os custos macroeconômicos são relevantes", diz Benito.
De acordo com o economista, o assunto vem à tona com o governo eleito para escancarar a voracidade da elite política brasileira sobre o gasto público.
Confira webinar
Serviço
Webinário: O futuro das regras fiscais no Brasil
Realização: Fundação Astrojildo Pereira
Data: 30/11, às 18h30
Transmissão no YouTube e Facebook da FAP
*Integrante do programa de estágio da FAP sob supervisão.
Revista online | As chagas da Copa do Mundo
Álvaro José dos Santos Silva*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Corriam os anos de 1982/83/84. Embora a ditadura militar brasileira estivesse agonizando por falta de apoio popular, um clube de futebol resolveu dar uma ajuda ao esforço de fechar a alça daquele caixão. Jogadores unidos ao técnico e diretoria criaram o movimento intitulado Democracia Corinthiana. Mário Travaglini, o treinador, uniu-se a jogadores como Wladimir, Casagrande, Zenon e, sobretudo, Sócrates para criarem um movimento revolucionário e contagioso no Corinthians. Em 1985, quando a ditadura militar finalmente acabou, democracia era um termo consagrado.
No caso corintiano, foi muito simples: tudo o que devia ser feito no clube e envolvia o esporte profissional tinha que ser votado antes de aprovado. O voto do jogador mais famoso – no caso, Sócrates – tinha o mesmo peso que o do roupeiro. Com tanto tempo de ditadura pela frente, estávamos todos desacostumados com esse tipo de comportamento.
Durante muitos anos, o regime de exceção que infelicitou os brasileiros entre 1964 e 1985 deixou o terreno das discussões no Brasil. No lugar dele, com todos os seus méritos e defeitos, a democracia vicejou, inclusive e também no futebol. Sócrates passou. Nunca mais um jogador aprendeu a dar passes de calcanhar como ele, mas, no reino da bola, outros profissionais, talentos consagrados ou não, assumiram o protagonismo político. Um movimento que culmina agora em 2022 com a Copa do Mundo do Catar.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
Jamais um campeonato mundial de futebol teve tanto interesse no campo da política. Maior do que o de 1978, na Argentina, quando os ditadores de lá conseguiam ser mais raivosos e criminosos do que os daqui. No caso do Catar, o cardápio de opções de protesto é muito grande. Tão vasto que transcende o próprio país anfitrião da competição.
Esta Copa está nos remetendo à luta contra a negação de direitos às mulheres, pelo reconhecimento dos movimentos LBGTQIA+, contra regimes políticos totalitários e sem apoio popular, com fundamentalismo religioso ou não, contra a islamofobia, por uma bandeira libertária que une quase todos, inclusive com protestos silenciosos representados pela negativa de cantar o hino nacional ou entrar em campo com as mãos tapando a boca, calada.
No nosso caso, exportamos para lá um pedaço considerável do ódio que foi implantado em terras brasileiras desde meados de 2018, quando Jair Bolsonaro tomou posse como presidente da República na cauda de cometa do movimento antipetista surgido depois de diversos escândalos, verdadeiros ou não, do período de governos do PT. Gilberto Gil, que viajou para o Catar em companhia da sua esposa, Flora, teve a oportunidade de constatar isso ao ser agredido com palavras grosseiras por grupos bolsonaristas no dia do jogo Brasil 2 X 0 Sérvia. Claro que isso aconteceria! A Copa do Catar é muito cara e para lá viajou boa parte de quem pode pagar alto, a fina flor do apoio ao ainda presidente.
Não por outro motivo, em algumas faixas que se apresentam nos estádios, há algumas referências veladas ao bolsonarismo, que não pode ser escancarado numa competição como essa. “Movimento Verde Amarelo” é um deles e está presente nos jogos do Brasil. Outro é a participação quase subterrânea, mas denunciada, de forma clara, do filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro, que estava presente no estádio quando o Brasil venceu a Suíça por 1 a 0 no desmontável 974. Ele não se furta a uma aproximação como essa de seu séquito, ainda que ao preço de deixar a ralé de plantão diante de quartéis o tempo todo, preferencialmente, debaixo das chuvas fortes que ainda castigam o Brasil.
Confira, a seguir, galeria:
Mas um elemento mais revelador de como essa Copa separa os dois brasis existentes hoje pode ser notado nos casos dos jogadores Neymar e Richarlison. O primeiro, declaradamente bolsonarista, foi para o Catar com a incumbência de ser o líder de um grupo que sonha com o título mundial de futebol. O segundo é um centroavante clássico, daqueles que o futebol tem aberto mão nos últimos tempos, em parte porque nos têm faltado talentos reais para assumir o protagonismo de gols nos times e seleções. Neymar se contundiu no primeiro jogo. Contusão mais ou menos séria. Nesse mesmo jogo, Richarlison, um capixaba da pequena Nova Venécia envolvido com causas sociais, marcou os dois gols da vitória brasileira, um deles belíssimo. Bastou isso para que as redes sociais fossem inundadas por memes que pediam para Tite colocar Neymar bem à frente… de um quartel.
O técnico, declaradamente contrário a Bolsonaro, ficou fora da querela. Ele sabe que Neymar, apesar de seus incontáveis defeitos, é peça importante para um sonho do hexacampeonato de uma seleção como a do Brasil. Afinal, política colocada de lado tem muito mais competência em campo do que o centroavante de quem não gosta nem um pouco. E deixa isso claro.
Mas a celeuma existe e parece não estar diminuindo com o passar dos dias. A atuação apagada de Richarlison contra a Suíça mostra que Neymar merece curar todas as suas chagas físicas em nome de uma seleção brasileira que ainda vai precisar dele por um bom tempo. Já as chagas morais, só mesmo ele será capaz de ser remédio para elas. Tomara que seja.
*Álvaro José dos Santos Silva, 72 anos, é jornalista profissional, ex-editor do jornal A Gazeta de Vitória, no qual atuou durante 27 anos. É ex-assessor de comunicação, escritor, membro da Academia Espírito-Santense de Letras (AEL) e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES). Também foi membro do PCB, PPS e Cidadania. Formou-se em Comunicação Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com especialização pela Universidade Cândido Mendes.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
Leia mais
Revista online | Sobre saúvas e saúde
Revista online | Confira charge de JCaesar sobre Copa do Mundo e manifestantes
Revista online | Breve notícia da terra devastada
Revista online | Editorial: O caminho da democracia
Revista online | Um revolucionário cordial em revista
Acesse a 48ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse a 47ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Revista online | Sinalizar uma regra fiscal é importante?
Benito Salomão*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
No momento em que escrevo este artigo, o Ibovespa anda de lado, à espera da definição da equipe econômica, e o dólar beira a R$5,40. O humor do mercado se reverteu subitamente com os movimentos da equipe de transição e a retórica anti-austeridade do presidente eleito. Isso se deu devido à lembrança, ainda muito viva, da herança fiscal dos governos Dilma Rousseff (PT). Lula foi eleito, a partir de uma frente ampla que incorporou muitos não petistas, para salvaguardar a democracia e blindar o retorno da extrema direita em 2026. Do sucesso deste seu terceiro mandato, depende o futuro do país.
Após uma eleição acirrada, o governo tenta, acertadamente, criar no orçamento de 2023 espaço fiscal para acomodar um colchão de amparo social. Ainda não está exatamente clara a magnitude deste colchão. Há dois cenários: no primeiro, se especula despesas extras na casa de R$ 90 bilhões; já no segundo, o pacote pode custar R$ 203 bilhões. A diferença entre ambos os cenários consiste nas despesas que serão incorporadas, ou não, ao pacote. Particularmente, creio que a magnitude do pacote tende a importar pouco se as expectativas sobre a sustentabilidade fiscal de longo prazo estiverem ancoradas.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
Em outras palavras, numa perspectiva de longo prazo, a sustentabilidade fiscal está relacionada com a sinalização que o governo deve dar, a partir de já, de que, apesar dos furos no teto de 2023, estará disposto a cumprir uma regra para a dinâmica da despesa pública nos demais anos da legislatura. Ao sinalizar uma regra, o governo resolve o problema da inconsistência dinâmica, dando aos agentes informações acerca do problema fiscal no decorrer do mandato. Contrariamente, ao não fazê-lo, o governo sinaliza maior discricionariedade de longo prazo, e os agentes precificam isso, trazendo, a valor presente, a probabilidade de uma piora na área fiscal.
Não se trata de mero fiscalismo. Há formas de conciliar responsabilidade social e fiscal. As economias modernas dependem do estado geral das expectativas. Estas, por sua vez, são estados psicológicos subjetivos que respondem tão melhor às políticas econômicas quanto mais credibilidade o governo tiver. Lula foi eleito com mais de 60 milhões de votos. Mudanças de governo são excelentes oportunidades para revisão de expectativas, em geral, para melhor. A janela de otimismo com o novo governo tende a ser tão maior quanto maiores forem seus acertos.
Se o governo eleito sinalizar uma regra fiscal já na transição, se comprometendo com uma dinâmica realista do gasto, particularmente o obrigatório, independentemente das tecnicidades, há espaço para a valorização do câmbio, o arrefecimento da inflação, a queda dos juros e, consequentemente, do custo de rolagem da dívida.
Confira, a seguir, galeria:
Isso funcionou em 2016, com o teto de gastos, levando a uma redução do custo implícito da dívida pública, que havia recuado de 13,1% para 9,9% nos 12 meses seguintes. Funcionou, ainda, em 2020, no contexto pandêmico, com a aprovação da PEC do orçamento de guerra que autorizava o governo ampliar os gastos o quanto necessário para fazer face às novas despesas. O contrário também é verdadeiro, os governos Dilma e o segundo biênio de Bolsonaro mostraram o quão desastrosa é para o equilíbrio macroeconômico do país a expansão discricionária de despesas públicas à revelia dos protocolos fiscais.
Infelizmente, os sinais da transição até aqui não foram bons nesse campo. O governo trouxe para a transição uma equipe econômica demasiadamente heterodoxa, afrontando o mercado com o uso de uma retórica contra sustentabilidade fiscal e tentando tirar o Bolsa Família permanentemente do teto de gastos. Sobre este último tópico, a saída do programa de transferência de renda do teto é um péssimo sinal, pois abre margem para o recorrente uso eleitoreiro do programa; além de permitir espaço no teto para ampliação de gastos obrigatórios que são contraproducentes do ponto de vista dos efeitos multiplicadores sobre o PIB.
A curto prazo, é perfeitamente possível acomodar maiores despesas sociais, independentemente da magnitude, se o governo eleito sinalizar um compromisso formal com o lado fiscal.
Sobre o autor
Benito Salomão é economista e doutor em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGED-UFU).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
Leia mais
Revista online | As chagas da Copa do Mundo
Revista online | Sobre saúvas e saúde
Revista online | Confira charge de JCaesar sobre Copa do Mundo e manifestantes
Revista online | Breve notícia da terra devastada
Revista online | Editorial: O caminho da democracia
Revista online | Um revolucionário cordial em revista
Acesse a 48ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse a 47ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Revista online | Economia: Cenários para 2023
Nelson Tavares Filho*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
1) O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, através de um de seus representantes no Legislativo, protocolou um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que exclui do Teto de Gastos R$ 198 bilhões durante o período de quatro anos. Os recursos seriam utilizados em projetos sociais.
2) Todos sabemos que se inicia agora um processo de negociação para aprovação do projeto. Dificilmente, um projeto desse impacto é aprovado integralmente, tal qual elaborado.
3) Além do corporativismo dos legisladores, cada um tentando impedir impactos negativos nos setores que representam, este projeto apresenta justos motivos para não ser aprovado tal como está.
4) 2022 foi um ano melhor do que os últimos cincos que o procederam. A perspectiva de um aumento mais significativo do PIB (2,7%) e a queda do desemprego, retornando à casa de um dígito, cerca de 8%, são elementos que diferenciam este ano.
5) A dívida pública situava-se no início deste ano na ordem de R$ 5,6 trilhões. Ao longo do ano, sua relação com o PIB, que estava na casa de 90%, apresentou certa diminuição, basicamente devido ao crescimento do produto e da inflação, que permitiu ao governo maior arrecadação.
6) Este cenário não deve permanecer em 2023. Neste ano, a economia dos 20 maiores países – G20 – deverá apresentar taxas menores de crescimento, devido à crise energética e a guerra no continente europeu. Os Estados Unidos também passam por um processo de ajustamento, que dificultará o crescimento. Alguns analistas preveem uma recessão mundial.
7) No Brasil, a maior arrecadação obtida pelo governo no ano de 2022 não foi suficiente para zerar o déficit. A relação dívida pública/PIB diminuiu mais pelo crescimento do denominador.
8) O cenário de 2023 indica, sem contar os efeitos da PEC, um déficit público de R$ 200 bilhões. A aceitação integral da PEC significará elevar o déficit em quase 100%.
9) Teremos um cenário de crescimento da dívida, que deverá superar o montante de R$ 6 trilhões.
10) A elevação do déficit de R$ 400 bilhões anuais (R$ 200 bilhões da PEC mais R$ 200 bilhões de gastos correntes e outros) significará a necessidade de um esforço anual de R$ 40 bilhões, se calculada uma taxa média de juros de 10%.
Confira, a seguir, galeria:
11) Para uma receita corrente que deve se situar perto de R$ 3 trilhões, significa que, a cada ano, teremos que arrecadar, no mínimo, 13% a mais do que o ano anterior, mantida as demais despesas constantes. Hoje R$ 40 bilhões significam 1,6% do orçamento, verba maior que a de muitos ministérios.
12) Não haverá outra solução sem que, além do maior esforço de arrecadação, diminua-se a verba orçamentária de outros ministérios. Corre-se o risco de tentar resolver um problema criando outro maior.
13) Ninguém discute a necessidade de, pelo menos para o próximo ano, fazer maior esforço para combater a miséria. Mas a busca de recursos para os demais anos deveria ser proveniente de uma análise aprofundada e revisão dos gastos do orçamento.
Sobre o autor
*Nelson Tavares Filho é economista, especialista em planejamento estratégico.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Leia também
Revista online | Combate à intolerância religiosa é desafio do governo Lula
Revista online | A COP 27 fracassou?
Revista online | Copa do Mundo: poder do dinheiro comanda o espetáculo
Revista online | As chagas da Copa do Mundo
Revista online | Sinalizar uma regra fiscal é importante?
Revista online | Sobre saúvas e saúde
Revista online | Confira charge de JCaesar sobre Copa do Mundo e manifestantes
Revista online | Breve notícia da terra devastada
Revista online | Editorial: O caminho da democracia
Revista online | Um revolucionário cordial em revista
Acesse a 48ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse a 47ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Revista online | O que a luta LGBT pode cobrar do novo governo?
Eliseu de Oliveira Neto*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Para responder a essa pergunta, precisamos relembrar a história da luta LGBT. Nunca tivemos um governo que realmente tivesse isso como prioridade. Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro presidente a segurar a bandeira do arco-íris, mas isso porque um militante colocou-a na mão dele durante um ato. É inegável que a quebra de patentes que José Serra fez no combate ao HIV foi uma das melhores políticas para a população, mas também se dirige aos héteros.
Luiz Inácio Lula da Silva fez eventos, conselho lgbt (por decreto), criou o plano de combate à homofobia, mas nada que eu veja como significativo. Ao menos dialogava com a sociedade civil organizada, tinha atenção com as organizações não-governamentais (ONGs), mas poderia e deveria ter lutado pelo casamento homoafetivo, pela criminalização da lgbtfobia e muitas outras pautas, ainda mais com a força que tinha no Congresso e popularidade, mas sua base evangélica e católica segurava os avanços.
Dilma Rousseff foi decepcionante, teve Marco Feliciano na comissão de Direitos Humanos, o governo se colocou contra a criminalização e ainda fez manobras para derrubar o PLC122. Retirou material escolar para ajudar professores a lidar com a homofobia e teve a infeliz ideia de ir à TV, dizendo que não faria “propaganda de opção sexual”, como se alguém pudesse escolher sua orientação.
O governo de Michel Temer não tinha essa pauta como prioridade, mas, como sua base já era conservadora, foi muito menos cobrado, e pudemos avançar em alguns pontos, como o pacto pelos direitos humanos na educação, o programa de combate à lgbtfobia e a criação da diretoria LGBT no Ministério de Direitos Humanos (que foi restaurado em seu governo).
As grandes conquistas foram feitas pelo movimento social. Passamos de um país que nem nos considerava família (cidadãos) para um dos países com mais direitos lgbts do mundo, mas tudo via Judiciário.
Depois, veio o grande desastre: uma ideia de que queríamos privilégios, e os reais privilegiados (homens, ricos, brancos ,cisgêneros) elegeram alguém que fez sua carreira atacando a comunidade. O presidente Jair Bolsonaro destruiu tudo que conseguiu, fechou a diretoria de Direitos Humanos do Ministério da Educação (MEC), atacou o turismo LGBT, que é altamente rentável no Brasil, e tornou praticamente nulo o conselho nacional LGBT.
Teremos muita luta pela frente, um congresso ultraconservador e uma série de mentiras que foram distribuídas para a nação, como a tolice de ideologia de gênero, mamadeira de piroca. Os fundamentalistas sabem exatamente que a escola é o grande campo dessa destruição. Projetos como homeschooling são justamente para evitar a diversidade nas escolas, ensinar criacionismo, transmitir lgbtfobia.
Na educação, precisamos que as escolas sejam um lugar acolhedor, sem violência e sem discriminação, aplicando a lei 13185/2014, que prevê uma equipe multidisciplinar em cada escola para atender aos casos de violência e discriminação.
Somente em 2017, foram apresentados em 35 municípios do Brasil, por 47 vereadores de 10 partidos, projetos que visem proibir e coibir explicitamente qualquer ação ou termo educacional que evoque a discussão sobre gênero e/ou sexualidade nas escolas municipais, estaduais e privadas, inclusive em municípios que já tinham projeto de leis em combate ao bullying nas escolas. Isso demostra uma contradição ideológica em relação ao entendimento sobre o real objetivo de combater a violência no âmbito escolar, que já vinha ocorrendo com intuito de combater o preconceito e a discriminação em relação a gênero, sexualidade e raça.
O bullying pode ser considerado uma ação de violência física ou psicológica, intencional e repetitiva, que ocorra sem motivação evidente, praticada por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. Esta ação muitas vezes ocasiona às suas vítimas doenças psicológicas e físicas, como depressão aguda, suicídio, abandono escolar, mutilações corporais leves ou graves, coerção, esquizoidismo, baixa alto-estima, acidentes por mortes, assassinatos entre outras causas. Em sua maioria, as violências estão direcionadas às pessoas que demonstram ter algum tipo de referencial de diferença expressa nos aspectos físico, intelectual, cognitivo, de raça/etnia, sexual e/ou de gênero, os quais não estão aparentemente dentro das normas estabelecidas como normativas na sociedade ou na cultura vigente.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
A relação de poder pode ser evidenciada por meio de uma cultura em que prevalece a masculinidade, a branquitude e a cisgeneridade heterossexual como quesitos de superioridades entre os humanos, colocando-os no ápice da pirâmide social como preponente às benesses da vida cotidiana. Portanto, as mulheres, os homens femininos, as masculinas mulheres, deficientes físicos e/ou intelectuais, os negros e as negras, as(os) homossexuais, as(os) bissexuais e/ou os transgêneros são associados como pessoas de menor valor social.
Por isso, nos projetos que envolvem trabalhos de combate ao bullying, devem estar incluídas, com maior atenção, ações contra as violências e violações de direitos que envolvem as relações de gênero, sexualidade, raça/etnia, classe, expressão e identidade de gênero de crianças e adolescentes em âmbito escolar, por estarem inseridas em uma sociedade que prioriza a cultura de direitos pela garantia da diversidade humana. É preciso garantir a solidariedade, a cidadania, o respeito e a dignidade humana em relação à multiculturalidade existencial, que compõe as diferenças sociais.
Em 2010, a Unesco promoveu uma grande campanha “Quebre o silêncio” com objetivo de evidenciar o mutismo que envolvia as questões sobre o bullying homofóbico e suas consequências na humanidade. É evidente que isto deve ser a prioridade máxima do novo governo.
Bolsonaro destruiu o programa de HIV/Aids, retirou orçamento, cortou medicação. As escolas não falam do tema. O resultado pode ser visto na pesquisa divulgada recentemente pelo Ministério da Saúde que aponta para fatos ainda mais tristes: o número de casos de HIV em jovens de 15 a 24 anos apresentou maior aumento. Em dez anos, a taxa mais que dobrou nesta faixa etária.
É urgente retomar e ampliar o programa de HIV, garantir orçamento, medicação e atendimento pelo SUS (que já foi modelo mundial). Além disso, é necessário retomar o debate nas escolas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional preconiza que se educa para a vida. Os pais não são donos dos seus filhos, são responsáveis por eles, junto ao estado e à sociedade (artigo 245 da Constituição Federal). Assuntos como Infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), sexualidade, profilaxia pré-exposição (prep) e profilaxia pós-exposição (pep) devem ser debatidos dentro das escolas. É um caso de saúde pública.
Precisamos de um “cumpra-se” para as leis que conquistamos, treinar delegados, orientar magistrados e cartórios, além de inserir o assunto na formação dos professores. Leis têm que ser assimiladas para, de fato, funcionarem.
O primeiro secretário de educação de Bolsonaro pediu demissão porque o governo proibiu filmes sobre a pauta. A cultura tem um papel tremendo para combater os preconceitos e transformar pensamentos. É fundamental um grande esforço para reconstruir o Ministério da Cultura (Minc), desaparelhar a Agência Nacional de Cinema (Ancine) e apoiar projetos que versem sobre o tema.
Outros temas atingem a população, a baixa empregabilidade, deixando-os totalmente vulneráveis. O governo precisa oferecer capacitação gratuita e inserção de pessoas transgêneras (transexuais, travestis, não binários) no mercado de trabalho da tecnologia, buscando ser uma ponte entre pessoas trans e empresas.
No recorte mais vulnerável das pessoas trans, percebemos que muitas estão em situação de vulnerabilidade porque não tinham conseguido terminar os estudos, e a prostituição acaba se tornando um mecanismo de geração de renda justamente pela baixa escolaridade. Estimativas apontam que 96% das trans que se prostituem dizem que a prostituição é a única forma de sustento.
Pesquisa realizada pelo partido Cidadania23, em parceria com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), realizada com mais de mil profissionais LGBT e heterossexuais no país, revela que metade dos que se declararam gays assumiram sua orientação sexual no ambiente de trabalho. Desse mesmo total, cerca de 35% alegaram terem sofrido algum tipo de discriminação sexual. Outros 25% decidiram não assumir a orientação sexual. Deste total, 32% optaram por não revelar sua orientação por receios de represálias.
Outro dado preocupante revela que 33% dos heterossexuais pesquisados afirmam ter presenciado algum tipo de discriminação com algum profissional LGBT no ambiente de trabalho. Deste total, 17% revelaram que o episódio teria ocorrido nos últimos seis meses anteriores à entrevista.
Outro estudo utilizado no artigo aponta que 82% dos entrevistados LGBT destacam a existência de um longo caminho para que as empresas os acolham melhor. Por outro lado, apenas 38% dos heterossexuais afirmam que colegas LGBTs se sentem devidamente acolhidos no trabalho.
Ao serem questionados sobre o atual governo, 64% dos entrevistados LGBT afirmaram que a atual gestão não se preocupa com a diversidade no Brasil. Além disso, para 67%, a promoção de igualdade entre gêneros é uma responsabilidade governamental. Em relação à homofobia, 76% dos pesquisados afirmaram que o Brasil é uma país homofóbico.
Dados do Instituto Ethos apontam que mulheres são pouco mais de 10% em posições de conselho – excluindo as herdeiras, o número é ainda menor. Pessoas negras, que é como 54% dos brasileiros se reconhecem (IBGE), não chegam a 5% dos cargos diretivos. Pessoas com deficiência ainda são contratadas sob uma perspectiva meramente legalista, de cumprimento da Lei de Cotas. Em relação a pessoas trans, quantas delas você já viu liderando grandes equipes?
Dos respondentes LGBT, apenas 13% afirmaram ocupar ou ter ocupado, anteriormente, um cargo de diretoria ou C-level. Outros 15% ocupavam ou ocupam cargos de coordenação e gestão, enquanto a grande parte (54%) representa cargos de entrada, isto é, analistas, assistentes ou estagiários.
Confira, a seguir, galeria:
Direito ao emprego é dignidade, sustento, e gera saúde mental. O próximo governo pode lutar por incentivos nas empresas e investir em campanhas publicitárias contra a discriminação, além de lutar contra essa disparidade
Pesquisas mostram que LGBTs são 8% dos moradores de rua. São graves a exclusão familiar e o desamparo. É fundamental criar abrigos preparados para esta população, pois, muitas vezes, idosos LGBTs têm que voltar para o armário, já que há muito preconceito em asilos e abrigos.
Voltando para a saúde, precisamos de médicos capacitados, que usem o nome social e tenham sensibilidade. Imagine uma mulher lésbica sendo examinada por um homem?
Temos muita luta pela frente e um total retrocesso para enfrentar. Precisamos cobrar do próximo governo um compromisso real e não sermos mais usados como moeda de barganha.
Sobre o autor
*Eliseu de Oliveira Neto é psicólogo, psicanalista, educador, membro da executiva do Cidadania, coordenador nacional do Diversidade23 e integrante da Aliança Nacional LGBTI.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Leia também
Revista online | Por um programa para os batalhadores e um horizonte para o país
Revista online | Para uma crítica progressista do identitarismo
Revista online | A COP 27 fracassou?
Revista online | Copa do Mundo: poder do dinheiro comanda o espetáculo
Revista online | As chagas da Copa do Mundo
Revista online | Sinalizar uma regra fiscal é importante?
Revista online | Sobre saúvas e saúde
Revista online | Confira charge de JCaesar sobre Copa do Mundo e manifestantes
Revista online | Breve notícia da terra devastada
Revista online | Editorial: O caminho da democracia
Revista online | Um revolucionário cordial em revista
Acesse a 48ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse a 47ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
O que defendem os "policiais antifascistas"
Made for minds*
Eles são um grupo heterogêneo, que congrega policiais na ativa e aposentados de diversas forças de segurança pública. Todos se reconhecem como progressistas e defendem pautas que costumam ser opostas ao status quo da categoria no Brasil. E já somam pelo menos 5 mil adeptos — com muitos outros simpatizantes, a julgar pela página mantida por eles no Facebook, que congrega 21 mil membros.
O movimento, batizado de Policiais Antifascismo, nasceu em 2016 em cidades do Nordeste, foi oficializado em evento realizado no Rio de Janeiro em 2017 e, a partir de 2018, espalhou-se pelo Brasil. Durante os quatro anos de governo Jair Bolsonaro, preocupou-se em demonstrar que o apoio às pautas de extrema direita não é consenso absoluto dentro das forças de segurança.
"Éramos 200 em 2016, hoje somos mais de 5 mil, graças à mobilização", diz o policial penal Abdael Ambruster, de São Paulo. Com 28 anos de carreira, ele é pós-graduado em segurança pública e direitos humanos e integra organizações de defesa dos direitos LGBT e de direitos humanos. "Ser um policial antifascismo é direcionar nossos esforços naquilo que diz o Alto Comissariado da ONU [para os Direitos Humanos]: um policial é, antes de tudo, um defensor dos direitos humanos", enfatiza.
"A gente só está seguindo os preceitos constitucionais de nosso país e os preceitos internacionais, apenas isso. Estamos trabalhando o óbvio. Nossa profissão, nossa razão de ser, é defender os direitos. E nosso sonho é trabalhar por um Brasil melhor e um mundo melhor."
O que querem
Datado de 2017, o manifesto que norteia as posições do grupo contém princípios que podem ser agrupados em cinco pontos. Eles defendem a desmilitarização da segurança pública, acreditando que todo policial deveria ter formação civil; pedem a reestruturação das forças policiais, com unificação de carreiras e revisão das hierarquias; são contra a narrativa de que há uma "guerra" contra o crime, por entenderem que isso não resolve o problema da violência — mas, sim, incentiva; argumentam que a criminalização das drogas é uma política de encarceramento em massa que vitima principalmente jovens negros; e ainda querem que policiais tenham direitos compatíveis com os de outros trabalhadores, como direito de greve e de livre associação.
Para o coronel aposentado da Polícia Militar de Alagoas, Luciano Antonio Silva, coordenador nacional do Policiais Antifascismo, o grupo se define como "um movimento progressista suprapartidário".
"Ser policial antifascismo é lutar contra o fascismo que existe na nossa sociedade, no Estado brasileiro e principalmente nas forças de segurança pública do Brasil. É valorizar os direitos fundamentais, os direitos sociais previstos na Constituição e em todo o ordenamento jurídico do país", afirma Silva. "É não aceitar ações fascistas por parte de integrantes das forças de segurança pública."
Ele resume a luta do grupo como algo em prol de uma segurança pública "mais democrática, mais comunitária e de aproximação junto ao cidadão". Diz que o brasileiro precisa ter respeito, e não medo, frente aos "operadores de segurança pública".
"Não concordamos com a frase errada e fora de lugar que tem sido propagada pelo atual presidente da República, que diz que 'bandido bom é bandido morto'. Em nosso país não existe pena de morte e todas as pessoas, sejam quais forem, devem ser submetidos à legislação, ao que prevê o Estado de direito", exemplifica.
"Precisamos rever muito a segurança pública no nosso país. Um dos conceitos fadados ao fracasso é a ideia de 'guerra às droga''. Isso resulta apenas na morte da população pobre, preta e periférica", argumenta Ambruster. "Mas levantar a bandeira dos direitos humanos dentro das instituições policiais, ainda mais com o avanço do bolsonarismo, é ser a voz dissonante, a voz que tentam abafar."
Tenente-coronel aposentado da Polícia Militar do estado de São Paulo, Adilson Paes de Souza diz que o chamado "policial antifascismo" é todo aquele "que é a favor do Estado democrático de direito, a favor de uma atuação policial cidadã, que trabalhe de forma correta, dentro dos limites da lei, sem preconceito ou discriminação".
Debate da pauta progressista
Souza é mestre em direitos humanos e doutor em psicologia e desenvolvimento humano — ambos os títulos conferidos pela Universidade de São Paulo — e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.
"É muito bom haver espaços onde policiais de várias corporações, de todo o Brasil, debatem uma pauta progressista. Desejo que haja mais grupos como esse, pois se constituem como verdadeiros fóruns do exercício da democracia", afirma Souza.
Historiador e policial civil no Rio Grande do Norte há 10 anos, Pedro Chê explica que o movimento parte do princípio "que não é polícia que resolve". E o faz a partir "de nosso lugar de fala bem específico". "Ser policial antifascismo é um estado de altruísmo e abnegação em algum sentido, porque você sabe que vai sofrer", comenta, ao citar o fato de estar "contra a corrente" dentro da instituição policial, onde impera "uma racionalidade perversa de produzir números de prisões".
"Temos de mudar para que o policial seja um defensor do Estado democrático de direito em todos os sentidos", resume Chê.
Policial civil licenciado, vereador em Porto Alegre e recém-eleito deputado estadual no Rio Grande do Sul, Leonel Radde diz que ser "policial antifascismo significa lutar contra a lógica autoritária racista, misógina, lgbtfóbica violenta que o fascismo representa". "É defender a democracia de fato, com a atuação policial como uma pessoa que cumpre a Constituição e as leis", sintetiza ele, que lançou recentemente o livro Manual do Policial Antifascista. Radde fez parte do movimento Policiais Antifascismo até 2020.
Pouca expectativa sobre novo governo Lula
A derrota de Bolsonaro na eleição, segundo Souza, não significou nenhuma mudança de postura quanto ao apoio às pautas do atual presidente entre a categoria dos policiais. "Os que reverberavam essa ideias, seguem na mesma", pontua. Ele não nutre expectativas de que o novo governo Luiz Inácio Lula da Silva irá implementar bandeiras do movimento. "Não tenho esperança. Mas espero estar errado e pagar para ver", diz.
Mesmo sendo filiado ao Partido dos Trabalhadores, Radde também não demonstra muita empolgação, até o momento, diante do novo governo. "Como policial que faz a luta antifascista, encaminhamos propostas e esperamos que tenham eco. Infelizmente, até o primeiro momento [a equipe de transição] não chamou a base dos policiais para o diálogo. Chamou a cúpula e pesquisadores. Isso é um sinal muito ruim", avalia.
Enquanto isso, ele diz que a função será "desarmar algumas bombas colocadas pelo Bolsonaro" dentro das instituições e lutar pela sua democratização.
Silva, por sua vez, acredita já ser perceptível, após as eleições, "uma mudança de comportamento de uma parcela dos operadores de segurança pública". "Há os que são fascistas, bolsonaristas… Esses não mudaram, porque é o seu jeito de ser. Mas há uma parcela que não aparecia por medo de sofrer perseguição e represálias, mas que não concorda com as ações dos policiais ditos como bolsonaristas. Esse pessoal começa a aparecer", contextualiza.
"Espero que a partir do ano que vem nossas propostas sejam debatidas, discutidas. Que haja um avanço na segurança pública", diz Silva.
Chê espera mudanças "a partir do momento em que o governo Lula disser qual é a mensagem" que deve ser a tônica para a segurança pública. "Tem a questão da revogação dos decretos [armamentistas, da gestão Bolsonaro]… A maioria dos policiais entende que mais armas nas ruas não beneficia. A horda bolsonarista é minoria [dentro das polícias]", diz.
Texto publicado originalmente no Made for minds*
Nota oficial: Cidadania rejeita CPI e defende Estado Democrático de Direito
Cidadania23*
O voto livre e universal de mais de 156 milhões de brasileiros elegeu o novo presidente da República em outubro em um processo limpo, acompanhado por órgãos internacionais, a partir de urnas eletrônicas checadas e auditadas por uma série de autoridades, inclusive pelos partidos políticos, entre eles o do atual presidente Jair Bolsonaro.
A contestação do resultado, sem qualquer fundamento técnico, tem de ser de pronto rechaçada como foi por parte do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, em decisão irretocável. É preciso sufocar o golpismo na raiz, esteja ele nas ruas ou até no Congresso Nacional.
O Cidadania é um partido que traz no seu estatuto e no seu programa a defesa das liberdades individuais e da democracia como valor universal.
Por isso, rejeita de forma veemente as articulações em torno de uma CPI, que longe da apurar supostos abusos, tem como único fito constranger o exercício do controle de constitucionalidade por parte do STF, da lei eleitoral por parte do TSE e dos abusos, esses sim, praticados por quem não aceita o resultado das urnas.
O instituto das CPIs, assim como o do impeachment, é constitucional, mas deve ser usado com responsabilidade e não pode servir a teses conspiratórias, oportunistas e atentatórias à ordem democrática. Os inconformados com decisões judiciais têm à disposição o instrumento do recurso. Não podem cassar ministros por deles discordarem.
Estranhamos que ditos conservadores e pretensos liberais estejam adotando e até incentivando golpistas e revolucionários nas ruas e no Legislativo contra a sólida instituição da democracia representativa que lhes garantiu vários mandatos eletivos sucessivos sob o mesmo arcabouço legal que ora deu a vitória a Luís Inácio Lula da Silva.
O Cidadania desautoriza a participação de quaisquer de seus filiados, dirigentes e mandatários em tais manifestações golpistas levadas a cabo por movimentos de extrema-direita, alguns dos quais – é preciso que se diga – flertam com o fascismo e o supremacismo, o que ofende frontalmente os princípios partidários.
Roberto Freire
Presidente Nacional do Cidadania
Texto publicado originalmente no Cidadania23*
Revista online | Por um programa para os batalhadores e um horizonte para o país
Carlos David Carneiro*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Em 2018, o Brasil elegeu presidente, como outsider, um deputado que, há décadas no Congresso Nacional, demonstrava ser grotesco em posicionamentos e, no mínimo, medíocre em termos de ideias. Um de seus possíveis méritos? Ter vocalizado, ainda que de modo difuso, as frustrações de setores da sociedade que aqui chamarei, acompanhando o sociólogo Jessé Souza, de “batalhadores”. Entender as frustrações deste segmento e dialogar com elas parece ser uma tarefa necessária para que o desastre de 2018 possa enfim ser superado.
Mas de quem, afinal, está se falando? Com certa simplificação e afastamento do emprego original do termo, tratam-se das classes trabalhadoras brasileiras, com renda superior, no entanto, aos 25% mais pobres. Em 2020, sob a coordenação da antropóloga Esther Solano e da cientista política Camila Rocha, a pesquisa “O conservadorismo e as questões sociais”, ajudou a destrinchar as visões de mundo de parte deste segmento (a moderadamente conservadora e residente em grandes metrópoles), oferecendo ao país informações valiosas para a compreensão das tarefas presentes.
Entre as conclusões da pesquisa, que entrevistou em profundidade 120 batalhadores residentes em quatro metrópoles, apontou-se um sentimento recorrente, sobretudo entre os evangélicos, de “decadência social”, ligada à crise de valores como ordem e hierarquia. Foi constante, nessa chave, a preocupação com a “educação moral” das crianças e jovens.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
A pesquisa também concluiu que há muita frustração e revolta com a violência, o que levaria a um sentimento de perda do espaço público e insegurança mesmo no âmbito privado. Em relação ao poder público, haveria, segundo as autoras, sentimentos de abandono, “de inutilidade, descartabilidade, vulnerabilidade e insegurança”.
No plano do trabalho, as autoras identificaram uma relação ambivalente dos batalhadores com o “empreendedorismo”. Entre os mais jovens e mais estáveis, este aparece como forma de complementar a renda, e/ou mesmo de trabalhar de forma flexível e sem patrões. Já para as pessoas mais pobres, o “empreendedorismo popular” seria “uma forma de sobrevivência para a qual se é empurrado por uma situação econômica muito ruim”.
Descontadas as ideologias presentes nos discursos, tratam-se de demandas justas e, muitas vezes, necessárias. Ocorre que hoje há uma certa dificuldade do que se chama de “esquerda”, em dialogar com elas. Se, de um lado, um certo economicismo tende a subsumir as frustrações a uma questão de “crise econômica”, por outro, certas referências intelectuais têm dificultado que a imaginação programática se volte aos anseios dos batalhadores. Comecemos pelo segundo ponto.
A “crítica”, como amálgama de uma pletora de ferramentas intelectuais, parece ter tornado seu próprio exercício no “horizonte último” das possibilidades políticas. Se esse tipo de expediente confere alguma vantagem em termos de “não se deixar enganar”, as contradições encontradas na sociedade deixam de ser vistas como produtivas e a moralidade imanente ao tecido social deixa de ser fonte de energia transformadora para se tornar apenas fonte inesgotável de autoengano.
Quanto ao economicismo, certamente um ponto central de enfrentamento ao “mal-estar” dos batalhadores, assim como ponto central de um projeto nacional, consiste em desenvolver uma economia de alta produtividade e ocupações de qualidade. É preciso, no entanto, situar este projeto no tempo. Mesmo se hoje fizermos tudo o que precisa ser feito e, em alguns setores, inclusive por conta disso, ainda teremos, durante anos, amplos contingentes da população excluídos do trabalho de ponta. Nesse sentido, a convivência com a realidade do “empreendedorismo”, desejado ou por necessidade, será duradoura, queiramos ou não.
O que fazer? Apesar de resgatar linhas de crédito e pautar a questão do endividamento sejam bons começos, já sinalizados pelo novo Governo Lula, é preciso ir muito mais além. É preciso pensar em um Estado para os batalhadores. Certamente, uma estratégia nacional de desenvolvimento jamais poderá ser baseada em negócios muito pequenos. Mas é possível pensar em formas permanentes de capacitação de batalhadores e organização de seus negócios, seja na condição de programas sociais ou como estratégia complementar de desenvolvimento.
O encontro entre velhas e novas ferramentas, como o fomento ao cooperativismo (e agora o de plataforma), organização de hubs tecnológicos periféricos, escritórios de auxílio a pequenos negócios (como Sebraes flexíveis) e organizações de redes de negócios são alguns dos caminhos possíveis, ainda que longe de serem os únicos.
Também, para além do economicismo, considerando a já mencionada autonomia, ao menos relativa, das diversas esferas da vida em sociedade, é preciso levar a sério as experiências de humilhação, descarte e insegurança dos batalhadores. Nesse sentido, é preciso avançar na consolidação dos sistemas de proteção, expandir a transferência de renda para jovens com a condicionante de conclusão do ensino médio e repensar a transição da escola para o mundo do trabalho. Na segurança, não é possível perder mais tempo. Um caminho de combate efetivo aos homicídios, por exemplo, já foi dado por experiências estaduais exitosas baseadas em políticas integradas em territorializadas.
Confira, a seguir, galeria:
Por fim, no plano cultural, é preciso acabar com os preconceitos em relação a uma “política dos valores”. Afinal, não se luta pelo que não se ama e nem se comunga quando nada se tem em comum. Muitas são as formas de promover, encarando tensões e diferenças como contradições produtivas, a ideia de um destino e de uma brasilidade comuns. Aliás, um pouco mais de apreço à tradição histórica dos oprimidos, seus partidos e movimentos seria o suficiente para nos curar do veneno da iconoclastia neste campo.
É possível, assim, dialogar com o espírito dos batalhadores sem se prostrar a ele. Se fechar a este diálogo, por outro lado, é continuar dançando na beira do abismo, em um momento no qual não temos mais o direito de errar.
Sobre o autor
*Carlos David Carneiro é doutor em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), consultor legislativo da Câmara dos Deputados e foi pesquisador visitante na Harvard Law School.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Leia também
Revista online | Para uma crítica progressista do identitarismo
Revista online | A COP 27 fracassou?
Revista online | Copa do Mundo: poder do dinheiro comanda o espetáculo
Revista online | As chagas da Copa do Mundo
Revista online | Sinalizar uma regra fiscal é importante?
Revista online | Sobre saúvas e saúde
Revista online | Confira charge de JCaesar sobre Copa do Mundo e manifestantes
Revista online | Breve notícia da terra devastada
Revista online | Editorial: O caminho da democracia
Revista online | Um revolucionário cordial em revista
Acesse a 48ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse a 47ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
PL atende Bolsonaro e tenta reverter resultado eleitoral
Made for minds*
O PL, partido de Jair Bolsonaro, protocolou nesta terça-feira (22/11) uma petição no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em que pede a anulação dos votos registrados em 279 mil urnas usadas no segundo turno da eleição, no qual o presidente foi derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva.
A iniciativa é a mais recente tentativa de Bolsonaro para lançar dúvidas sobre o sistema de votação e buscar, de alguma forma, questionar o resultado do pleito, no qual ele se tornou o primeiro presidente brasileiro a perder uma disputa à reeleição.
A ação argumenta que essas 279 mil urnas fabricadas antes de 2020 têm um mesmo número de série registrado no log, um arquivo gerados por cada equipamento, e apresentavam "desconformidades irreparáveis de mau funcionamento", o que impediria a sua correta fiscalização, uma alegação rejeitada pelo TSE e por especialistas.
Marcos Simplício, professor de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da USP e vice-coordenador do convênio USP-TSE que analisa a segurança do sistema de votação, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que, além do número de série, há pelo menos outros três conjuntos de dados identificadores de uma urna: o código de identificação, os dados de zona, local, município e seção, e o código de identificação de carga da urna.
"É como se você tivesse três documentos: o RG, o CPF e um registro no INSS, mas você não tivesse esse INSS em mãos. Isso não compromete a sua identificação porque eu consigo dizer quem você é a partir do seu RG e do seu CPF", disse ele ao jornal.
As urnas questionadas pelo PL representam 59% dos equipamentos usados nestas eleições. Se os votos depositados nelas no segundo turno fossem anulados, Bolsonaro ficaria com 51,05% dos votos válidos, segundo o pedido, e seria reeleito.
A ação não pede que os votos registrados no primeiro turno nas mesmas urnas sejam anulados. Os equipamentos questionados pelo PL também já foram usados em pleitos anteriores.
O PL cita em seu pedido uma auditoria feita pelo Instituto Voto Legal (IVL), contratado pelo partido, que aponta que as urnas fabricadas antes de 2020 apontam um número idêntico nos arquivos gerados por elas com o registro dos votos.
O Ministério da Defesa, instrumentalizado por Bolsonaro ao longo do ano para também lançar dúvidas sobre as urnas eletrônicas, entregou no início de novembro seu relatório sobre a fiscalização do processo eleitoral e não indicou nenhum indício de fraude.
O TSE e observadores eleitorais internacionais reconheceram a lisura do processo eleitoral, e o governo Bolsonaro já deu início à transição para a equipe do presidente eleito Lula.
Apoiadores radicais de Bolsonaro, no entanto, seguem mobilizados em frente a quartéis militares e em algumas rodovias na esperança de reverter o resultado das eleições.
Nesta semana, também veio à tona um áudio do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes, no qual ele relata a conhecidos do agronegócio que "está acontecendo um movimento muito forte nas casernas" brasileiras, com "desenlace" que seria, segundo ele, imprevisível.
Moraes questiona PL sobre votos no 1º turno
Após o recebimento da petição, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, ressaltou que as urnas eletrônicas mencionadas foram usadas no primeiro turno das eleições, e deu 24 horas para que o PL inclua também o pedido para que a anulação atinja ambos os turnos da eleição, sob pena de indeferimento da ação.
Ao fazer isso, Moraes coloca o PL em uma saia justa, pois foi o partido que elegeu neste ano a maior bancada de deputados federais da próxima legislatura da Câmara, além de oito senadores.
Segundo apuração do jornal O Globo, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, relatou ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que confia nas urnas eletrônicas, mas vinha sofrendo pressão do presidente e do setor bolsonarista da sigla a encaminhar a representação ao TSE.
Texto publicado originalmente em Made for minds.
Erasmo Carlos morre aos 81 anos no Rio de Janeiro
CNN Brasil*
Morreu no Rio de Janeiro na tarde desta terça-feira (22) o cantor, compositor e ator Erasmo Carlos, aos 81 anos. Ele estava internado no Hospital Barra D’Or, na zona oeste do Rio de Janeiro, desde a segunda-feira (21) com um quadro de síndrome edemigênica, doença que retém líquidos na corrente sanguínea.
No dia 2 deste mês o artista teve alta hospitalar após 17 dias de internação no mesmo hospital. Ele realizou uma bateria de exames e readequação dos medicamentos de uso contínuo, segundo sua assessoria de imprensa.
Após a saída, Erasmo comemorou nas redes sociais a alta hospitalar e agradeceu a todos que torceram por sua recuperação.
“Bem simbólico… depois de me matarem no dia 30, ressuscitei no Dia de Finados e tive alta do hospital!!!!”, escreveu Erasmo, fazendo uma referência a notícias falsas que foram veiculadas reportando que ele havia morrido.
O artista trabalhava ativamente e no fim de semana foi um dos vencedores do Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock ou de Música Alternativa em Língua Portuguesa com “O Futuro Pertence À… Jovem Guarda”. Ele também usou seu perfil no Instagram para comemorar.
Ao longo de mais de 60 anos de carreira, foram mais de 680 músicas e 640 gravações. O artista era casado e deixa três filhos.
Pioneiro no rock brasileiro, Erasmo fez parte da Jovem Guarda, movimento cultural brasileiro da década de 1960, ao lado de Roberto Carlos e outros grandes nomes da música que marcou gerações e a história da música brasileira.
Sua carreira começou ainda na adolescência, na década de 1950, ao integrar a banda The Sputniks, ao lado de Tim Maia, Roberto Carlos, Arlênio Lívio, Edson Trindade e Wellington Oliveira.
Após o desentendimento entre Tim Maia e Robertos Carlos, Erasmo e outros amigos da Tijuca, na zona norte do Rio, onde o artista cresceu, formaram o The Boys of The Rock, que posteriormente passou a se chamar The Snakes. O grupo acompanhou os dois cantores em seus respectivos shows.
Após o fim do grupo em 1961, poucos anos depois, o músico voltou a acompanhar Roberto Carlos. Dessa vez na gravação de “Splish Splash”, numa versão para o português feita por Erasmo. O sucesso do disco foi o nascimento da lendária parceria entre Roberto e Erasmo.
Nessa época, ele começou a compor versos para diversos artistas.
Em 1965, ao lado de Robertos Carlos e Wanderléa, Erasmo estreou o programa Jovem Guarda, na Record TV, que deu nome ao movimento musical influenciado pelo pop britânico que introduziu o rock no Brasil. O programa foi ao durante três anos e colocou o trio como os principais nomes do rock brasileiro.
Nos anos 1970, o músico teve suas raízes influenciadas pelo MPB, que geraram diversos álbum mesclando o rock com a música popular brasileira.
Ao longo de 60 anos de carreira, o músico lançou 29 álbuns e 5 discos ao vivo. Erasmo acumula diversas parcerias de sucesso com artistas como Renato Russo, Leo Jaime, Kid Abelha, Tim Maia e, claro, Roberto Carlos.
Como ator, ele participou de seis filmes. Sua última aparição foi em “Modo Avião”, da Netflix.
Amigos, como Boninho, diretor artístico da TV Globo, lamentaram a perda do artista.
Texto publicado originalmente na CNN Brasil.