Nas entrelinhas: MDB pleiteia três ministérios, um para Simone Tebet
Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense*
A participação do MDB no governo Lula é assunto resolvido. O presidente da legenda, deputado Baleia Rossi (SP), pacificou o partido internamente para que integre a coalizão que está sendo formada com o PT e mais 14 partidos. A ex-candidata à Presidência Simone Tebet será a estrela da legenda no novo governo, com apoio integral das bancadas da Câmara e do Senado, que também estarão representadas na ampla coalizão democrática em formação. O martelo deve ser batido no encontro de Rossi com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Baleia considera Simone Tebet a grande liderança democrática de centro que emergiu da disputa eleitoral, não apenas pela votação que teve no primeiro turno, no qual a chamada “terceira via” foi esvaziada pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Sua atuação no segundo turno, quando se engajou de corpo e alma na campanha do petista, contribuiu decisivamente para levá-lo à vitória. Lula sabe disso.
O excelente desempenho durante os debates entre os candidatos à Presidência e a clareza de suas propostas fizeram de Simone a candidata do MDB com melhor desempenho em disputas presidenciais da História, com 4.915.423 votos — o equivalente a 4,2%. O apoio a Lula no segundo turno não foi por gravidade, mas condicionado à adoção de propostas de seu programa de governo, como o pagamento de uma bolsa de R$ 5 mil para alunos que terminarem o ensino médio. Durante a campanha, Simone se empenhou para transferir o maior número de votos possível para Lula, que obteve apoio de 3,5 milhões de eleitores a mais na segunda votação.
A presença de Simone Tebet no governo Lula, por isso mesmo, muda a natureza da ampla coalizão em formação, que passa a ser claramente de centro-esquerda, independentemente da participação de outras legendas. Mesmo sem a presença do PSDB, que pôs a carroça à frente dos bois ao projetar o governador eleito do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, novo presidente da legenda, como virtual pré-candidato à Presidência da República. É um certo açodamento, porque há um longo caminho a ser percorrido até 2026.
Eleições municipais
A aposta do MDB é construir um forte campo eleitoral de centro democrático nas eleições municipais de 2024, a partir de uma federação formada com Podemos, PSDB, Cidadania e outras legendas. Segundo ele, esse é o caminho para viabilizar candidaturas competitivas no campo de forças que se opõem ao bolsonarismo e apoiam o governo Lula. Não é uma construção fácil. O PSDB derivou para a oposição em razão da aliança entre Eduardo Leite e o deputado Aécio Neves, ex-governador de Minas, que ganhou a queda de braço com o ex-governador paulista João Doria e recuperou sua influência na bancada federal da Câmara.
Além disso, a situação do PSDB é muito delicada em São Paulo, porque o apoio do ex-governador Rodrigo Garcia ao novo governador eleito Tarcísio de Freitas não foi robusto o suficiente para conter a debandada de prefeitos tucanos para o PSD de Gilberto Kassab, que será o braço direito do novo governador paulista.
Até os garçons do Palácio dos Bandeirantes sabiam que o esvaziamento do PSDB paulista seria inevitável, com a ida do ex-governador Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República eleito, para o PSB, e a derrota acachapante de Garcia, que ficou fora do segundo turno. Nesse rastro, deputados do PSDB e outras legendas só não fazem a baldeação por medo de perderem os mandatos.
Orçamento secreto
Independentemente da PEC da Transição, votada ontem no Senado e que ainda precisa ser aprovada pela Câmara, os dias do chamado orçamento secreto estão contados. E não apenas porque a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, que cobra o fim do sigilo sobre as emendas, pôs em votação a ação de PSB, PSol, Cidadania e PV que arguia inconstitucionalidade das chamadas emendas do relator.
Começa a se formar entre as lideranças do Congresso uma opinião majoritária de que as emendas ainda podem gerar muita dor de cabeça para seus autores, devido à farra de distribuição de verbas federais durante a campanha eleitoral e as denúncias de corrupção nos municípios. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já vem conversando com outras lideranças sobre a necessidade de uma alternativa que garanta mais transparência às emendas.
Bolsonaristas usam Senado para reciclar mentiras e atacar urnas, STF e TSE
Maiquel Rosauro*, Lupa
Bolsonaristas transformaram uma audiência pública no Senado, na quarta-feira (30), em palco para espalhar desinformação e pedir, abertamente, um golpe de estado. Lideranças ligadas ao presidente Jair Bolsonaro (PL) usaram uma reunião da Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle (CTFC), supostamente para discutir a fiscalização das inserções de propagandas políticas eleitorais, para renovar ataques às instituições, mentir sobre o processo eleitoral e pedir às Forças Armadas para que inviabilizem a diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A audiência foi conduzida pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que propôs a realização do encontro. Apesar do tema bastante específico — e alvo de uma ação malsucedida da campanha de Bolsonaro na reta final do segundo turno —, o senador cearense aproveitou a ocasião para dar espaço a parlamentares e influenciadores que buscavam atacar as urnas eletrônicas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Um dos participantes foi o argentino Fernando Cerimedo, que ingressou de forma virtual. Ele voltou a mentir que nem todos os modelos de urna foram auditados. Essa informação é flagrantemente falsa e já foi desmentida em detalhes pela Justiça Eleitoral.
O presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Rocha, defendeu o relatório produzido para o Partido Liberal (PL) que apontou falha nas urnas. O estudo diz que parte das urnas teria gerado arquivos de log (registros de atividade do sistema) em que não constam seus próprios códigos identificadores. Contudo, a falha não impacta a votação, já que as urnas, além do log, também contam com o Registro Digital do Voto (RDV) e o Boletim de Urna (BU).
Vários deputados aproveitaram a ocasião para afirmar, sem nenhum embasamento, que os resultados das urnas podem ter sido fraudados. Marcelo Moraes (PL-RS), por exemplo, disse que o relatório produzido pelas Forças Armadas mostra que "sim, é possível alterar o resultado nas urnas" e que o TSE não entregou o código-fonte dos aparelhos. Ambas as informações são falsas.
O relatório das Forças Armadas, entregue após o segundo turno, diz que “não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento” (página 1), mas não apontou nenhuma evidência de fraude. Já o código-fonte foi analisado pelas Forças Armadas. Os deputados federais Gilson Fahur (PSD-PR) e Ubiratan Sanderson (PL-RS) também fizeram alegações falsas sobre supostas irregularidades nas urnas.
A audiência pública serviu, também, para atacar o TSE. O deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) defendeu a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Abuso de Autoridade, na qual ele próprio é um dos autores, que visa investigar o STF e o TSE. O objetivo é tornar o processo uma CPI mista (ou seja, uma CPMI), para que as duas casas legislativas atuem na investigação.
Já o deputado federal eleito Gustavo Gayer (PL-GO) acusou o TSE de parcialidade durante as eleições. Ele disse, por exemplo, que adversários do presidente puderam dizer que Bolsonaro era pedófilo e canibal. Contudo, o exemplo não é verdadeiro, já que o tribunal proibiu o uso eleitoral de vídeo que associa Bolsonaro ao canibalismo e mandou remover vídeo do PT que ligava Bolsonaro à pedofilia.
Inserções publicitárias
O ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal, Fábio Wajngarten, tratou do ‘radiolão’ – alegação da campanha de Bolsonaro sobre a não inserção de mídia do candidato em rádios do Nordeste. Ele disse que sua equipe foi profissional e que não houve falha no envio dos materiais, o que já foi contestado pelas rádios que afirmaram não ter recebido a propaganda.
Wajngarten afirmou que a suposta falha ocorreu porque o TSE não fiscaliza se as rádios baixam os arquivos junto ao pool de emissoras. A legislação, contudo, é explícita ao dizer que a fiscalização é responsabilidade dos partidos e das coligações.
Chamou atenção dos parlamentares a ausência do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que foi convidado e respondeu ao colegiado que não participaria da audiência. No final do mês passado, ele disse que se arrependeu de ter feito a denúncia sobre as inserções nas rádios.
Golpismo declarado
Após mais de nove horas de audiência pública, a deputada federal Aline Sleutjes (PROS-PR), que tentou sem sucesso eleger-se senadora em 2022, sugeriu uma intervenção do Legislativo, sugerindo que a diplomação do presidente eleito, marcada para o próximo dia 12, não seja realizada. "Precisamos agir rápido, dia 12 tem uma diplomação que eles querem que aconteça. Nós não podemos deixar as coisas acontecerem até o dia 12 porque dia 12 já foi. Nós só temos 11 dias, senador, para vocês, aqui no Senado, fazerem a parte de vocês, para nós, na Câmara, fazermos a nossa parte e para as Forças Armadas fazerem a parte dela", declarou a deputada.
Outro lado
A Lupa entrou em contato com Fernando Cerimedo, Marcelo Moraes e Gustavo Gayer. Os dois primeiros não retornaram, e a reportagem será atualizada se houver resposta. Gayer se limitou a enviar uma receita e não comentou sobre a audiência.
Texto publicado originalmente no portal Lupa.
O que é o orçamento secreto, que será julgado pelo Supremo
Made for minds*
O Supremo Tribunal Federal deve iniciar nesta quarta-feira (07/12) o julgamento de ações que questionam a constitucionalidade do orçamento secreto, um mecanismo pouco transparente de transferência de recursos públicos para atender a interesses de parlamentares criado em 2020, no segundo ano da gestão Jair Bolsonaro (PL).
As ações foram propostas por quatro partidos – Cidadania, PSB, PSOL e PV – e questionam a falta de transparência sobre autoria, valor e destinação das emendas de relator, que compõem o orçamento secreto, além da falta de critérios técnicos para alocação das verbas e a escolha arbitrária dos parlamentares beneficiados.
Os processos tramitam sob a relatoria da ministra Rosa Weber, atual presidente o Supremo. É possível que o julgamento seja concluído apenas no próximo ano, caso algum dos ministros da corte decida pedir vista.
A ministra já havia concedido em novembro de 2021 uma decisão liminar que suspendeu o orçamento secreto, mas no mês seguinte liberou o mecanismo após o Congresso ter alterado as normas sobre sua aplicação e passar a exigir a indicação do nome da pessoa que havia solicitado a emenda, como um deputado ou um senador.
Porém, essa regra deixou uma brecha para manter em segredo o parlamentar interessado. Ela permitiu que um "usuário externo", ou seja, qualquer pessoa, fosse incluída como a interessada na emenda, escondendo o padrinho político.
Campanha e governo de transição
O orçamento secreto foi um dos temas explorados na campanha eleitoral deste ano por opositores de Bolsonaro. Simone Tebet, candidata derrotada do MDB a presidente, que apoiou no segundo turno a campanha vitoriosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse que o orçamento secreto poderia ser o "maior esquema de corrupção do planeta Terra".
Lula também criticou o mecanismo e prometeu na campanha acabar com orçamento secreto. Atualmente, porém, o presidente eleito vem sinalizando que apoiaria uma solução intermediária, que mantenha as emendas de relator desde que elas sejam transparentes e destinem verbas para programas alinhados às prioridades estratégicas do governo.
A nova posição do petista contribui para que ele construa um entendimento com os atuais presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que são grandes beneficiários das emendas de relator e pretendem se reeleger para o comando das duas Casas.
Por sua vez, com Lira e Pacheco contemplados, aumenta a chance de Lula conseguir a aprovação pelo Congresso, ainda neste ano, da PEC da Transição, que amplia o limite de gastos nos dois primeiros anos do novo governo.
Os presidentes da Câmara e do Senado planejam apresentar ao Supremo uma outra alternativa para as emendas de relator, de acordo com o site Poder360. Segundo essa proposta, todas essas emendas seriam transparentes e vinculadas ao nome do congressista responsável, e 95% das verbas seriam divididas de forma proporcional às bancadas de cada partido – o restante teria seu destino decidido pelos presidentes de cada Casa, com 2,5% para cada um deles.
Como funciona hoje
O orçamento secreto é uma maneira de o governo e o comando da Câmara e do Senado distribuírem verbas públicas para atender interesses dos deputados e senadores que os apoiam.
As autorizações para destinar essas verbas são incluídas no Orçamento depois de ele já ter sido aprovado, por meio das emendas parlamentares.
Há quatro tipos de emendas: as individuais (indicadas por um congressista específico), de bancada (atendem às bancadas de cada unidade da Federação), de comissão (solicitadas por esses órgãos colegiados do Congresso) e de relator.
As usadas no orçamento secreto são as emendas de relator, sob o código RP9. Elas são incluídas pelo relator-geral do Orçamento, um parlamentar escolhido a cada ano para ser o responsável pela redação final do texto.
As emendas de relator costumavam ser usadas apenas para fazer pequenas correções no Orçamento. Em 2020, uma nova regra mudou isso.
Essas emendas passaram a destinar bilhões de reais para obras, compras de veículos e diversos outros gastos, sem transparência e às vezes ligados a indícios de corrupção.
A nova regra foi criada para assegurar apoio dos parlamentares do Centrão a Bolsonaro. O orçamento secreto foi revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo em maio de 2021.
Por que ele se chama secreto
A mídia batizou o mecanismo dessa forma porque é impossível identificar em alguns casos qual deputado ou senador é o responsável pela criação da emenda. No começo, também era muito difícil identificar o destino do dinheiro.
Quando ele veio à tona, funcionava assim: o relator-geral incluía no Orçamento uma emenda genérica destinando verbas extras a um órgão do governo – para o Ministério do Desenvolvimento Regional, por exemplo.
Em seguida, os parlamentares que tinham acordos com o governo ou com o comando da Câmara e do Senado enviavam à pasta ofícios – não disponíveis ao público – pedindo a transferência de verbas da sua "quota" para, por exemplo, asfaltar vias de trânsito ou comprar tratores. O dinheiro era então repassado.
As primeiras reportagens sobre o orçamento secreto identificaram suspeitas de compras superfaturadas de máquinas e equipamentos agrícolas com essas verbas.
Apesar de o Congresso ter alterado as regras sobre as emendas no final de 2021 para atender ao Supremo, a figura do "usuário externo" manteve a falta de transparência do mecanismo. No primeiro semestre deste ano, essa estratégia respondia por um terço do total das emendas de relator negociadas, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo.
Em 4 de outubro, foram realizadas as primeiras prisões em uma operação da Polícia Federal (PF) sobre o orçamento secreto. O esquema, revelado pela revista Piauí, envolve o registro de consultas e procedimentos médicos falsos no Sistema Único de Saúde (SUS) para justificar o recebimento de verbas do orçamento secreto em pequenas cidades no Maranhão e no Piauí.
Uma das pessoas presas foi Roberto Rodrigues de Lima, ele mesmo um "usuário externo". Em seu nome, havia R$ 69 milhões em emendas do orçamento secreto – sem que estivesse claro qual era o parlamentar interessado.
A PF já havia realizado outras operações para apurar desvios ligados ao orçamento secreto em verbas destinadas para educação e saúde em Rio Largo (AL) e para obras de pavimentação em cidades do Maranhão. Há outras investigações em andamento.
Qual é o envolvimento de Bolsonaro no orçamento secreto
Bolsonaro foi eleito em 2018 com um discurso de que não repetiria as práticas adotadas por presidentes anteriores para construir e manter coalizões governamentais no Congresso, o que ele chamava de "velha política".
Ao assumir o poder, porém, ele percebeu que seria difícil governar só com o respaldo de seus eleitores, sem negociar apoios de deputados e senadores. Em 2019, ele teve uma taxa de sucesso legislativo no Congresso de 31%, a menor desde a redemocratização, segundo levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB). Essa taxa mede o êxito do governo na transformação dos projetos de sua autoria em norma.
Para reverter esse cenário, Bolsonaro começou a abrir espaço no governo a políticos do Centrão e deu aval à criação da nova regra para as emendas de relator, que resultou no orçamento secreto.
Ao fazer isso, Bolsonaro garantiu apoio do Congresso ao seu governo e proteção contra um eventual processo de impeachment. Por outro lado, abriu mão do poder de decidir o destino de uma parte relevante das verbas públicas disponíveis.
Os maiores beneficiários das emendas de relator eram integrantes da base de apoio a Bolsonaro no Congresso. Esses parlamentares, por sua vez, capitalizaram politicamente a destinação dessas verbas em suas campanhas eleitorais e no apoio aos seus candidatos, como ao próprio Bolsonaro.
Após perder as eleições, testemunhar a debandada de ex-aliados do Centrão e enfrentar dificuldade para fechar as contas do governo, Bolsonaro encaminhou em novembro ao Congresso um projeto de lei para remanejar os recursos das emendas de relator para despesas obrigatórias previstas no Orçamento deste ano.
A Transparência Internacional Brasil, organização que atua para defender o combate à corrupção, considera que o orçamento secreto é o maior processo de "institucionalização da corrupção" de que se tem registro no Brasil.
"O que a gente chama de institucionalização da corrupção é uma forma de dar um verniz legal, institucional, a uma prática absolutamente corrupta na sua essência, que é a apropriação do erário público para interesses privados, sejam eles políticos, de reprodução de poder, ou pecuniários mesmo, interesses materiais", afirmou o diretor executivo da organização, Bruno Brandão, à BBC Brasil.
Qual é o valor do orçamento secreto
Em 2020, primeiro ano do orçamento secreto, as emendas de relator tiveram R$ 13,1 bilhões em valores aprovados. No ano seguinte, a cifra foi para R$ 17,14 bilhões. Neste ano, são R$ 16 bilhões, segundo o OLB. Nesses três anos, a soma de valores autorizados chega a R$ 46,2 bilhões.
Desde o início do orçamento secreto, seu montante superou em muito o destinado a emendas individuais e de bancada, que eram as mais usadas até então para atender pedidos dos deputados e senadores.
Em 2022, o valor aprovado para as emendas de relator foi 50% maior do que o das emendas individuais, e o triplo do das emendas de bancada.
Com tanto dinheiro a mais indo para o orçamento secreto, o volume de recursos disponível para o governo definir prioridades e decidir livremente onde gastar diminuiu. Para manter esse mecanismo, o governo teve de cortar verbas de outras políticas públicas, como da Farmácia Popular.
Em 2019, as emendas parlamentares representavam 5,4% do gasto com despesas discricionárias do governo. Neste ano, elas são 24% do valor aprovado para essas despesas.
Na prática, isso significa que cada vez mais são os deputados e senadores que decidem para onde irão as verbas, com menos transparência e coordenação de prioridades.
Texto publicado originalmente no portal Made for Minds.
A questão indígena no Brasil: desafios ao novo governo
Brasil de Fato*
A fome, de forma avassaladora, atinge as comunidades indígenas em todas as regiões do país. Em Mato Grosso do Sul, adultos deixam de comer para que crianças sobrevivam. A angústia da fome, a destruição ambiental e da dignidade humana devastam o povo e seu território. Em Roraima, garimpeiros rasgam territórios e corpos indígenas, inclusive de meninas. Casas de reza são incendiadas sistematicamente. Também em Mato Grosso do Sul, o ataque ao sagrado, sustentáculo da resistência das comunidades, tem sido a estratégia de latifundiários.
Fronteiras do crime. No Amazonas, no Acre, em Mato Grosso do Sul, narcotraficantes invadem, sequestram, exploram corpos e territórios indígenas.
Tudo isso é apenas uma pequena amostra da herança maldita dos governos de extrema direita. Nos últimos seis anos, os povos indígenas do Brasil foram duramente impactados pelas práticas e concepções anti-indígenas de Michel Temer, mas, principalmente do governo Bolsonaro.
Ambos estruturaram, o que se pode denominar de antipolítica, a partir da qual suspenderam todas as demarcações de terras, romperam com as ações de proteção e fiscalização dos territórios demarcados, a exemplo dos povos livres, ou isolados, que são mais de 120. E a Fundação Nacional do Índio (Funai), nestes últimos anos, foi transformada numa agência de negócios espúrios. Ou seja, a partir dela, houve o incentivo e promoção às invasões de terras, tendo em vista a exploração criminosa das florestas, dos minérios e das águas.
Nesse mesmo período, a violência contra as comunidades, suas lideranças e territórios, mais que dobraram. A brutalidade e a covardia das agressões demonstram haver uma concepção, ou projeto de governo, que propaga a desumanização do outro, dos indígenas, dos quilombolas, das mulheres e homens pobres, pretas e pretos. Esses grupos de pessoas, de comunidades e povos, ao se tornarem, na visão dos governantes e seus cúmplices, objetos, coisas ou bichos, não são merecedores ou detentores de direitos, portanto, podem ser eliminados sem culpa, dó ou piedade.
A questão indígena no Brasil atual é central. O novo governo precisará, bem mais do que tratá-la com paliativos ou criar mesas de diálogos ou negociações, enfrentar as demandas como obrigações de Estado, promovendo, de imediato, a retomada das demarcações de terras, assegurando a todos os povos a sua posse e usufruto exclusivos. Deverá combater as invasões e responsabilizar aqueles que financiam essas práticas, especialmente grupos criminosos do garimpo, da exploração madeireira e do loteamento e grilagem de áreas. Também caberá ao novo governo, propor e executar medidas que combatam a prática ilegal e criminosa do arrendamento terras destinadas aos indígenas.
O novo governo terá que retomar a Funai, que nos últimos anos ficou sob o comando, controle e tutela de agentes que executaram os serviços de destruição e desconstrução dos direitos indígenas por dentro do Estado.
Precisará, o futuro governo, através do diálogo e da ampla participação dos povos indígenas – respeitando-os como sujeitos de direitos e protagonistas de suas histórias – recuperar e restabelecer uma política indigenista alicerçada nos dispositivos da Constituição Federal de 1988 – expressos nos artigos 231 e 232 – que determina a valorização das diferenças étnicas, das culturas, crenças, costumes, línguas e tradições; a demarcação e garantia de todas as terras como direito fundamental, originário, inalienável, indisponível e imprescritível.
O futuro governo, que deve se iniciar em 01 de janeiro de 2023, tem desafios enormes, mas precisará, desde logo, nos primeiros dias, apontar o caminho que deseja seguir em relação aos povos indígenas. Caso recue e protele, abrirá o flanco para a amplificação de uma violência sem controle, já que os inimigos permanecem entrincheirados, inclusive por dentro de suas bases de apoio e sustentação.
* Roberto Liebgott integra a Coordenação Regional Sul do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Glauco Faria
Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.
Nas entrelinhas: Corrida para pagar o Bolsa Família de R$ 600
Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*
O Senado deve apreciar, hoje, a chamada PEC da Transição, aprovada ontem pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com três mudanças que deverão ser consolidadas em Plenário: o espaço adicional (extrateto) de gastos caiu dos R$ 175 bilhões iniciais para R$ 145 bilhões, para acomodar o Bolsa Família (atual Auxílio Brasil); o prazo de vigência dessas regras foi reduzido de quatro para dois anos; e o tempo para o governo Lula encaminhar ao Congresso uma proposta de nova âncora fiscal passou de um ano para oito meses.
Tudo está dentro do script das negociações no Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), está empenhado na aprovação da proposta e lidera pessoalmente as negociações de bastidor. O relator da matéria, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), propôs também mais R$ 23 bilhões para investimentos fora do teto em caso de arrecadação de receitas extraordinárias. Na prática, o gasto extra será de R$ 168 bilhões com o aumento de arrecadação, fenômeno previsível por causa da inflação.
Com a PEC da Transição, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva também poderá cumprir a promessa de parcela adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos na família. Como o novo governo pretende passar um pente-fino na concessão do Auxílio Brasil e restabelecer os padrões de cadastramento do Bolsa Família, é possível que a folga orçamentária possibilite também honrar outros compromissos eleitorais: Farmácia Popular, reajuste da merenda escolar e do salário mínimo, e retomada dos programas de moradia popular.
A PEC precisa de pelo menos 49 votos favoráveis, em dois turnos, para ser aprovada no Senado. Estima-se que Lula já tenha garantido de 54 a 55 votos no Plenário, ou seja, cinco ou seis a mais do que os 49 necessários. Aprovada hoje, a proposta seguirá para a Câmara dos Deputados, onde a resistência será maior, principalmente com relação à vigência da proposta por dois anos. A base do atual governo está dividida: os bolsonaristas raiz não querem conceder o extrateto; o Centrão pressiona para que a medida tenha vigência por um ano, para obrigar Lula a fazer nova rodada de negociações sobre o valor das emendas orçamentárias no final do seu primeiro ano de mandato.
É uma corrida contra o tempo, porque a PEC precisa ser aprovada antes da votação do Orçamento da União de 2023. A emenda constitucional é importante porque a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) proíbe criar despesa ou expandir políticas públicas sem antes apontar uma fonte de financiamento para isso. No projeto de Orçamento da União elaborado pelo governo Bolsonaro, há recursos para pagar apenas R$ 405 mensais do Auxílio Brasil, uma despesa da ordem de R$ 105 bilhões. Para conceder os R$ 600 e mais R$ 150 por criança, prometidos por Lula na campanha eleitoral, são necessários mais R$ 70 bilhões.
Dar e receber
O busílis da aprovação da PEC é a liberação das emendas do orçamento secreto, cujo pagamento foi suspenso por Bolsonaro, em retaliação ao acordo do Centrão com Lula para aprovar a emenda — o texto garante a liberação de R$ 23 bilhões em investimentos já neste ano, ou seja, pagar as “emendas do relator”. Bolsonaro abriu as burras do governo para vencer as eleições, ampliou o espectro de atendidos pelo Auxílio Brasil, a concessão de aposentadorias e a liberação de empréstimos da Caixa Econômica Federal nos meses que antecederam as eleições.
O presidente pretendia fazer um ajuste fiscal e queimar ativos, como a venda da Petrobras, para cobrir o rombo das contas públicas no seu governo. A cada dia que passa, a equipe de transição vem se dando conta da real situação em termos de financiamento das políticas públicas. O cenário é desolador e exigirá escolhas difíceis para Lula. A principal delas, porém, já foi feita com a PEC da Transição: ouvir o clamor das ruas e não os conselhos dos que defendem a manutenção do teto de gastos como âncora fiscal.
Com exceção dos bolsonaristas raiz, que são contra a PEC para sabotar o novo governo, e dos ultraliberais, que defendem o arrocho fiscal a qualquer preço, a maioria dos deputados pretende aprovar a PEC e liberar recursos para suas emendas. Mas não por dois anos. O Centrão prefere negociar o financiamento dos programas sociais do governo Lula a cada ano, na aprovação do Orçamento da União, na base do “é dando que se recebe”. O princípio de São Francisco de Assis, em sua famosa oração, porém, não se refere a bens materiais, mas espirituais: “Ó Mestre,/ fazei que eu procure mais:/ consolar, que ser consolado;/ compreender, que ser compreendido;/ amar, que ser amado./ Pois é dando, que se recebe./ Perdoando, que se é perdoado e/ é morrendo, que se vive para a vida eterna!/ Amém”.
Chefe de direitos humanos da ONU fala de impacto arrasador da guerra na Ucrânia
O alto comissário de Direitos Humanos da ONU encerrou, nesta quarta-feira, uma visita de quatro dias à Ucrânia. Em Kyiv, Volker Turk, participou de uma entrevista a jornalistas.
Ele se disse preocupado com a chegada de um “inverno longo e sombrio” no país e destacou o impacto arrasador da guerra nos direitos humanos.
Falta de alimentos
Turk disse que nestes quatro dias, com temperaturas abaixo de zero, ele testemunhou “os horrores, o sofrimento e o preço diário que esta guerra da Rússia contra a Ucrânia” tem sobre o povo.
Ele alertou que cerca de 17,7 milhões de pessoas precisam de assistência humanitária e 9,3 milhões de assistência alimentar e subsistência. Um terço da população foi forçado a fugir de suas casas. Cerca de 7,89 milhões deixaram a Ucrânia, a maioria mulheres e crianças, e 6,5 milhões de pessoas estão deslocadas internamente.
O chefe de direitos humanos disse que, todos os dias, seu Escritório recebe informações sobre crimes de guerra, um aumento no número de civis que são atingidos, além dos danos e da destruição, que incluem hospitais e escolas, como ele mesmo viu em Izium.
Volker Turk ressalta que, durante o inverno, isso tem consequências terríveis para os mais vulneráveis, que estão lutando contra apagões, sem aquecimento ou eletricidade, que duram horas.
Ataques a civis
O representante também alertou que continuam surgindo informações sobre execuções sumárias, tortura, detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e violência sexual contra mulheres, meninas e homens.
O alto comissário conversou com as famílias dos prisioneiros de guerra, ouviu a dor dos pais daqueles que estão na linha de frente e soube da situação de pessoas com deficiência e idosos que não conseguem chegar a um abrigo seguro quando as sirenes de ataque aéreo disparam.
Turk visitou o local onde ficava um prédio de apartamentos que foi bombardeado em Izium, em Kharkiv, deixando mais de 50 pessoas enterradas sob os escombros. Ele também conversou com uma senhora que mostrou o prédio onde morava, agora destruído. Todos os seus vizinhos morreram.
Crimes de guerra
O chefe de Direitos Humanos da ONU afirma que os prisioneiros de guerra devem ser sempre tratados com humanidade desde o momento em que são capturados, e que esta é uma obrigação clara e inequívoca sob o direito humanitário internacional.
A missão de Monitoramento dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia, chefiada por Matilda Bogner, divulgou nesta quarta-feira, um relatório que detalha as mortes de civis. O documento retrata o destino de 441 civis em partes de três regiões do norte, Kyiv, Chernihiv e Sumy, que estavam sob controle russo até o início de abril. Bucha foi a cidade mais atingida.
Volker Turk disse que seu escritório está trabalhando para validar as alegações de mortes adicionais nessas regiões e em partes das regiões de Kharkiv e Kherson, que foram recentemente retomadas pelas forças ucranianas. Ele afirma que “há fortes indícios de que as execuções sumárias documentadas no relatório constituem o crime de guerra de homicídio doloso”.
Ataques à rede elétrica
A situação humanitária na Ucrânia foi tema de uma sessão no Conselho de Segurança da ONU na terça-feira.
O subsecretário-geral de Assistência Humanitária, Martin Griffiths, disse que mais de 14 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas por causa do conflito. Deste total, pelo menos 6,5 milhões se tornaram deslocadas internas e 7,8 milhões fugiram para outros países da Europa.
Desde o início da invasão da Rússia à Ucrânia, em 24 de fevereiro, 17.023 civis perderam a vida e 1.148 menores foram mortos ou feridos, mas o número real pode ser ainda mais alto.
Uma das maiores preocupações, é com a chegada do inverno e as temperaturas que devem baixar para -20°C, enquanto os ataques à infraestrutura do país continuam. Griffiths disse que as ofensivas às redes de energia elétrica do país por forças da Rússia criaram um novo nível de necessidade no conflito.
Texto publicado originalmente na ONU News.
Revista online | Confira charge de JCaesar sobre resultado das eleições
Sobre o autor
* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (49ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Revista online | Avatar 2: Sublime até debaixo d’água
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Lira concede aposentadoria a Bolsonaro; valor pode superar R$ 30 mil
Metrópoles*
O salário se refere ao cargo de deputado federal. Bolsonaro também recebe mais de R$ 11 mil da aposentadoria do Exército
Por ato do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), o presidente Jair Bolsonaro (PL) terá aposentadoria referente ao cargo de deputado federal, no qual permaneceu entre 1991 e 2018, com um salário de R$ 30 mil. A medida foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira (2/12).
“Conceder aposentadoria ao ex-deputado federal Jair Messias Bolsonaro, a partir de 30 de novembro de 2022, com proventos correspondentes a 32,50% (trinta e dois vírgula cinquenta por cento) do subsídio parlamentar, acrescidos de 20/35 (vinte trinta e cinco avos) da remuneração fixada para os membros do Congresso Nacional”, diz trecho do ato de Lira.
O atual presidente da República deixará o cargo no dia 31 de dezembro deste ano, após ter sido derrotado nas urnas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como chefe do Executivo federal, ele recebe R$ 30.934,70, além da aposentadoria do Exército, cuja remuneração bruta é R$ 11.945,49.
Além do salário
Após deixar o cargo de chefe do Executivo federal, Bolsonaro continuará recebendo a aposentadoria de capitão reformado do Exército, e terá direito à aposentadoria da Câmara dos Deputados. Somente as duas remunerações somam uma renda mensal de, aproximadamente, R$ 42 mil.
Como ex-presidente, ele tem direito a seguranças e carro oficial, providenciados pela União.
Jair Bolsonaro também pode ocupar um cargo no PL, seu partido; nesse caso, a quantia seria ampliada. A sigla não divulgou o valor da remuneração.
Segundo revelou a coluna do Igor Gadelha, Bolsonaro ainda deve assumir um cargo no PL. Com isso, a sigla pagará salário mensal para o atual presidente, além de bancar o aluguel de uma casa e de um escritório em Brasília.
O presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, também prometeu a Bolsonaro que o PL bancará advogados para defendê-lo nos diversos processos a que responde no STF e em outras instâncias.
Texto publicado originalmente no Metrópoles.
Direito à terra e respeito à cultura alimentar dos povos são essenciais para combate à fome
Brasil de Fato*
Entidades de defesa e fortalecimento da agroecologia, que atuam pela segurança alimentar e nutricional da população brasileira, consideram que o governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá que implementar medidas articuladas para o combate à fome. É preciso diversidade na produção, respeito à cultura alimentar do país, garantia de terra e água e participação popular.
A percepção é de que o aumento da carestia em território nacional e a volta do país ao Mapa da Fome são processos que caminharam lado a lado com o desmonte da agricultura familiar e o abandono dos povos do campo, promovidos na gestão de Jair Bolsonaro (PL)
Desde a campanha eleitoral, movimentos populares trabalhavam para levantar políticas ligadas à agroecologia e colocadas em prática nos estados e municípios. A ideia era justamente elencar ideias já em andamento e apresentar a candidatos e candidatas o que ainda se mantinha de pé e seguia funcionando, apesar do descaso por parte do governo.
Agora, com Lula eleito e o governo de transição implementado, as organizações elencam uma série de prioridades que precisam ser levadas em consideração.
Em entrevista ao programa Central do Brasil, parceria entre o Brasil de Fato e a TVT a integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar, Maria Emília Pacheco, falou sobre o tema.
"Nós continuamos defendendo que não haverá a comida de verdade sem o fortalecimento da agricultura familiar camponesa, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, das comunidades tradicionais. Por isso é fundamental garantir os direitos territoriais, com titulação, demarcação de terra dos povos indígenas com uma reforma agrária popular."
Novo governo
"Nós temos muita expectativa nesse importante momento histórico que vivemos. Acreditamos que será possível reconstruir um caminho que vínhamos construindo. É bom lembrar que, desde 2012, nós temos uma política nacional de agroecologia e produção orgânica e, anteriormente, desde 2006, uma política nacional de segurança alimentar e nutricional.
Digo isso porque são políticas que se conectam, que dialogam entre si.
Na agroecologia nosso grande objetivo é contribuir na transformação dos sistemas alimentares, baseada na comida de verdade. Uma comida baseada nas culturas alimentares sem veneno. Nossa expectativa é grande com a constituição dos grupos de trabalho de transição, onde nós estamos participando e dialogando."
Prioridades para a agroecologia
"Nós continuamos defendendo que não haverá a comida de verdade sem o fortalecimento da agricultura familiar camponesa, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, das comunidades tradicionais. Por isso é fundamental garantir os direitos territoriais, com titulação, demarcação de terra dos povos indígenas e com uma reforma agrária popular.
Evidentemente que essa perspectiva se conjuga com o que nós também estamos acreditando que seja bastante importante, que é uma política nacional de abastecimento alimentar. Ao falar de uma política de abastecimento alimentar, nós estamos falando na produção de alimentos.
Para garantir a produção de um alimento saudável, é preciso que seja assegurado o direito à terra, ao território dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, da agricultura familiar camponesa. Isso é fundamental.
Por isso é que nós insistimos na articulação com os povos indígenas, no reconhecimento daquilo que está estabelecido na Constituição, que fala também do domínio da terra para as comunidades quilombolas. Precisamos também de uma reforma agrária popular, uma desconcentração da terra no Brasil.
Hoje, 90% da produção no Brasil do agronegócio está concentrada no binômio soja e milho. Precisamos aumentar a área dedicada ao plantio dos nossos alimentos básicos, arroz, feijão, mandioca, que estão em decréscimo do Brasil. É verdade que também reduziu o consumo desses alimentos. Lamentavelmente.
Porque o que precisamos é combinar, ao mesmo tempo, medidas contra a inflação dos alimentos, que garantam apoio, fomento para a produção de alimentos e para o manejo dos nossos frutos e verduras nativas.
Isso é fundamental. Por isso que nós estamos insistindo em uma política nacional de abastecimento alimentar. Significa falar desde a produção, distribuição, consumo. Quando nós falamos da segurança alimentar e nutricional, nós estamos relacionando a qualidade do alimento do ponto de vista também da saúde do solo, da água e da saúde humana .
O Brasil, nos últimos tempos, tem aumentado muito o consumo dos produtos alimentícios ultraprocessados. São aqueles que duram mais na prateleira de supermercado, que nem sabemos o que contém. São aromas artificiais, textura artificial.
Então nós precisamos combinar os programas e políticas públicas que assegurem o direito que consta da nossa Constituição de ter uma alimentação saudável para a população. Quando falamos de combate à fome, nós estamos associando à crítica que temos também a má alimentação. É preciso garantir alimento, mas um alimento de qualidade.
Nós da Articulação Nacional de agroecologia estamos exatamente nesses debates, nessa negociação de políticas."
Reconstrução do PAA
"Quero lembrar aqui que, falar de abastecimento alimentar, significa reconstruir a história de um programa inovador, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA,) que foi extinto no país, substituído pelo chamado Alimenta Brasil, mas ele não incorpora as várias dimensões do PAA.
O estado brasileiro precisa se comprometer. Ao se comprometer em realizar o direito humano à alimentação, precisa assegurar a compra pública e para alimentação escolar também. Por isso que na articulação de agroecologia, estamos defendendo de imediato, como medida urgente no próximo orçamento de 2023, assegurar um aumento de cerca de 34% para o orçamento da alimentação escolar.
O programa de preço mínimo para os produtos da sociobiodiversidade significa exatamente assegurar um extra para aqueles agricultores agricultoras, comunidades tradicionais que conservam a diversidade dos nossos alimentos. Só temos uma floresta em pé, as matas conservadas exatamente lá onde predominam modos de vida dessas populações."
Meio ambiente e produção de comida
"Nós vivemos no mundo hoje o que tem sido chamado de uma macro pandemia. Porque temos problemas de mudança climática associada ao crescimento da obesidade, da desnutrição e da fome. Por isso é que no centro do debate de mudança climática devemos insistir que está a questão dos sistemas alimentares, que são insustentáveis.
A devastação ambiental, com o aumento de incêndios criminosos, do desmatamento, isso não é nada sustentável. Isso está na contra corrente dos sistemas alimentares sustentáveis que nós defendemos.
Precisamos também de cautela quando escutamos falarem de novas propostas que são baseadas na natureza. É preciso frear o processo também de financeirização da natureza, de artificialização da natureza.
Há, por exemplo, uma proposta que, para responder à questão ambiental, fala da comida pós agro. É uma proposta totalmente artificial, baseada em proteínas. Nós, num país megadiverso e com uma plurietnicidade dos nossos povos, nós precisamos é de gente com os seus modos de vida no campo, na floresta, nas águas, que assegurem essa biodiversidade que tem uma relação direta com a nossa alimentação.
Somos muito críticos a essa proposta de créditos de carbono. Nós precisamos de um estado que assegure o direito dessas populações terem seus modos de vida de forma autônoma e que continuem levando para a nossa mesa essa diversidade de alimentação. Esse é o princípio chave para nós. O princípio da diversidade.
A diversidade de direito à vida dos povos, do ponto de vista biológico, da diversidade das paisagens, da diversidade também do aspecto nutricional, dos alimentos. Isso é que nos leva a ficar muito atentos e esperançosos no debate sobre o que virá proximamente."
Proteção e acesso à água
"Uma pesquisa feita pela Rede Brasileira de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional mostrou que a insegurança alimentar está muito associada à insegurança hídrica. Elas se conjugam em muitos lugares, como é o exemplo do semiárido brasileiro.
Mas quero dizer que o semiárido é um lugar de muita potência. É um lugar de muita diversidade também. E o programa cisternas mostrou do que é capaz a população quando tem um apoio. É preciso, urgentemente, voltarmos a reconstituir o programa 1 Milhão de Cisternas.
São muitas tecnologias sociais experimentadas sobre a liderança da articulação do semiárido. Quando falamos de políticas públicas de programas, nós estamos nos baseando no princípio da participação social.
O êxito do programa de cisternas mostrou a capacidade da sociedade civil se organizar de forma coletiva. Não é de forma associativa. São programas que estão baseados no princípio do estoque, de sementes, de água. Então é preciso que, junto ao programa de cisternas, volte o fomento das sementes adaptadas ao semiárido.
No semiárido há dezenas de casas de sementes com nomes muito inspiradores. A Semente da Paixão, Semente dos Avós, Semente da Fatura. É preciso articular o conjunto desses programas na convivência com o semiárido, que rompe com uma relação clientelista. que rompe com a indústria da seca."
Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.
Governo teme faltar dinheiro para INSS e traça plano de emergência
UOL*
O bloqueio de recursos no Orçamento de 2022 deixou o governo Jair Bolsonaro (PL) com apenas R$ 2,4 bilhões para bancar gastos discricionários de todos os ministérios no último mês do ano. Há o temor real de falta de dinheiro até mesmo para despesas obrigatórias, como aposentadorias, o que levou o Executivo a traçar um plano de emergência.
O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, enviou ao TCU (Tribunal de Contas da União) uma consulta sobre a possibilidade de usar crédito extraordinário, fora do teto de gastos, para bancar uma parcela das despesas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
A tese é que esses gastos cresceram muito após a aceleração das análises de requerimentos e redução da fila de espera, deixando o governo sem margem de manobra no Orçamento nos últimos meses do ano. O buraco nas despesas obrigatórias é estimado em R$ 22,3 bilhões, dos quais 70% correspondem à Previdência.
A consulta, revelada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pela Folha, foi formalizada pela Casa Civil com o respaldo do Ministério da Economia, que emitiu uma série de pareceres para fundamentar a questão. Um dos ofícios é assinado pelo próprio ministro Paulo Guedes.
O cenário é considerado extremamente grave e dramático. Sem uma solução, a perspectiva é que se avolumem as notícias de órgãos suspendendo atividades, em um verdadeiro apagão da máquina pública federal.
O próprio governo está com dificuldades de segurar o bloqueio, que chegou a R$ 15,4 bilhões em 22 de novembro, após a constatação de que as despesas com o INSS subiram novamente.
Além disso, a Economia está sem margem de manobra para acomodar uma necessidade extra de outros R$ 15,4 bilhões para pagar benefícios do INSS. A solução seria cortar de vez as dotações das emendas de relator (hoje apenas bloqueadas), mas isso demandaria aval prévio do Congresso.
"Até o presente momento, não houve sinalização (positiva ou negativa) do Relator-Geral da LOA [Lei Orçamentária Anual] 2022 para que as despesas obrigatórias pudessem ser suplementadas com recursos oriundos das programações de RP 9 [emendas de relator]. Esta situação vem preocupando as áreas técnicas dos Ministérios da Economia e do Trabalho e Previdência em virtude de não haver tempo hábil ainda neste exercício para suplementar despesas obrigatórias", alerta ofício assinado por integrantes da Secretaria de Orçamento Federal.
O Executivo encaminhou um projeto de lei para autorizar o remanejamento sem esse aval prévio, mas há grande risco de a votação não ocorrer a tempo de ajustar as programações do Orçamento.
O clima é de insegurança. As liberações de recursos e o efetivo pagamento das despesas dependem de atos assinados por técnicos e gestores, que respondem com o próprio CPF caso seja constatada alguma irregularidade diante das normas fiscais. A violação do teto de gastos poderia ser enquadrada nessa categoria, assim como o não pagamento de uma despesa que, como diz o nome, é obrigatória.
Um crédito extraordinário que não preencha os requisitos constitucionais de imprevisibilidade e urgência também poderia ser julgado como irregularidade, daí a consulta ao TCU.
A Casa Civil alega que o exercício de 2022 apresenta "situação atípica" e questiona se o "crescimento imprevisível e extraordinário de despesa obrigatória, conjugada com a ausência de instrumentos legais adequados à demanda por crédito adicional em função de restrições temporais" seria motivação suficiente para a abertura de crédito extraordinário.
O registro da assinatura eletrônica de Ciro Nogueira é de 0h27 do dia 1º de dezembro, e o protocolo no TCU foi feito à 1h02 —evidenciando a urgência com que a questão vem sendo conduzida pelo governo.
A situação é tão dramática que o governo vê risco de a despesa com a Previdência ficar ainda maior em meados do mês, quando o Ministério do Trabalho e Previdência processar a folha de dezembro. Qualquer esforço de "raspar o cofre" nos demais ministérios seria insuficiente para solucionar o problema.
Caso o tribunal dê o sinal verde para pagar aposentadorias com crédito extraordinário, a intenção do governo é fazer uma análise criteriosa do valor que será efetivamente necessário —o que tende a ficar abaixo dos R$ 22,3 bilhões. O cuidado leva em conta a avaliação de que abusar de eventual precedente aberto pelo TCU poderia ser um tiro no pé.
Por outro lado, mesmo que o tribunal dê sinal verde à consulta, há dúvidas se os técnicos que operacionalizam esses pagamentos aceitarão assinar o crédito extraordinário, uma vez que a jurisprudência do tribunal de contas está sujeita a mudanças até o efetivo julgamento das contas. O temor nos bastidores é ficar exposto a algum tipo de responsabilização.
Por isso, o Executivo busca também outras saídas. O governo chegou a consultar o STF (Supremo Tribunal Federal) na terça-feira (29) sobre a possibilidade de usar crédito extraordinário para bancar o repasse de R$ 3,9 bilhões para o setor cultural, previsto na lei Paulo Gustavo, mas essa porta foi fechada pela Corte.
Outra saída é aprovar um projeto de lei que flexibiliza alguns dispositivos no Orçamento para descontar despesas do teto de gastos e reduzir o repasse da lei Paulo Gustavo ainda em 2022.
Prever um espaço extrateto para 2022 na PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, patrocinada pelo governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seria a opção "mais segura". No entanto, interlocutores do Ministério da Economia não estão autorizados a se envolver nessas articulações, que têm sido conduzidas apenas por parlamentares.
Os congressistas têm forte interesse em abrir espaço no Orçamento para liberar R$ 7,7 bilhões em emendas de relator que estão hoje bloqueadas. Essas verbas são usadas para irrigar redutos eleitorais dos contemplados e servem de moeda de troca nas negociações políticas com o Palácio do Planalto.
Mas a inclusão de despesas para 2022 na PEC da Transição também pode ajudar os ministérios, que chegaram em dezembro com apenas R$ 2,4 bilhões em verbas efetivamente disponíveis para custear contratos, compra de material e obras em andamento na reta final do ano.
Da dotação de R$ 99,3 bilhões para despesas discricionárias neste ano, R$ 89,5 bilhões já haviam sido empenhados (primeira fase do gasto, quando há o compromisso com a aquisição do bem ou serviço) em 30 de novembro e outros R$ 7,4 bilhões estão bloqueados.
O Ministério da Educação, por exemplo, ficou com apenas R$ 466 milhões disponíveis até o fim do ano. Na Saúde, esse valor é de R$ 374,6 milhões. São valores ínfimos para o porte das políticas conduzidas por essas pastas.
Há ainda casos isolados de alguns ministérios que sofreram bloqueios maiores do que o valor disponível na data do decreto, deixando uma espécie de "saldo a bloquear". Caso a situação não seja resolvida, é possível que esses órgãos precisem cancelar despesas que já haviam sido empenhadas.
Texto publicado originalmente no UOL.
Nas entrelinhas: Como apartar os militares da política?
Luiz Carlos Azedo | Nas Entrelinhas
Ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública, ex-relator na Câmara do projeto de Política Nacional de Defesa, Raul Jungmann sempre se queixou do fato de que nem o Congresso nem a chamada sociedade civil deram muita importância à questão militar. Esse assunto era tratado pelos políticos como resolvido, até o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, escalar o seu ativismo no Twitter e pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a negar o pedido de habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi impedido de disputar as eleições de 2018, para as quais era o franco favorito.
O resultado foram quatro anos de “pesadelo”, como definiu o compositor Chico Buarque de Holanda, no seu show de terça-feira passada, em Brasília. Desde que a eleição do presidente Jair Bolsonaro trouxe os militares de volta ao poder, o fantasma do golpe de Estado, e não do comunismo, passou a rondar a Praça dos Três Poderes. Derrotado nas urnas, Bolsonaro não reconhece a vitória de Lula e estimula protestos de extrema direita à porta dos quartéis; constrange os comandantes militares, que sabem de seu dever de defender a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas e respeitar a Constituição.
Assim, a escolha de um civil para o Ministério da Defesa passou a ser uma questão chave para o relacionamento entre Lula e os militares, cujos comandantes ainda devem obediência a Bolsonaro e ensaiam uma desfeita ao presidente eleito, passando o cargo para seus sucessores antes da posse do novo comandante Supremo das Forças Armadas. Caso isso ocorra, pode ser que os novos comandantes sejam os generais mais antigos de cada Força, mas pode ser também que Bolsonaro resolva nomear gente de sua confiança, com propósitos que ainda não são claros, porque isso tanto pode ser uma pirraça infantil como uma tentativa de impedir a posse do novo presidente da República.
O mais provável, caso os atuais comandantes se demitam, é que seja a primeira hipótese, porque a segunda estaria fadada ao fracasso. Mesmo com toda a agitação existente nos quartéis, estimulada por Bolsonaro, com o apoio dos “patriotas” bolsonaristas que protestam sob sol e chuva há mais de 30 dias. Intervenção militar, fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), prisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, e do presidente eleito são insanidades, que não têm a adesão das Forças Armadas como instituição.
O outro lado da moeda é a mobilização para a posse do presidente Lula, que promete ser uma grande festa popular e tem amplo apoio internacional. O presidente norte-americano, Joe Biden, acompanha pessoalmente o que ocorre no Brasil. Outro observador atento é o presidente francês, Emmanuel Macron, um desafeto pessoal de Bolsonaro, que fez comentários desprezíveis sobre a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, de 69 anos, por ser 24 anos mais velha que o marido.
Estados Unidos e França são potências democráticas do Ocidente, com interesses estratégicos na Amazônia. Ambos os chefes de Estado apostaram na derrota de Bolsonaro, que tem ligações políticas com a extrema direita norte-americana e francesa.
Caminho suave
Mas como apartar os militares da política? A opção de Lula foi o caminho suave, ao escolher o ex-ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) José Múcio Monteiro, um político do PTB, egresso do PDS, para novo ministro da Defesa. Boa praça, nos seus cinco mandatos na Câmara manteve excelentes relações com a imprensa. Zé Múcio é um encantador de serpentes, capaz de seduzir qualquer interlocutor com seu bom humor e espírito conciliador. Engana-se, porém, quem pensa que seu sorriso não morde. Que o diga a ex-presidente Dilma Rousseff, cujas contas foram desaprovadas em seu relatório, por causa das “pedaladas fiscais”.
Na transição de governo, o único setor que não contou com um grupo de trabalho foi a Defesa, mas nem por isso o novo ministro deixará de ter subsídios. Economista, doutor em relações internacionais pela Universidade de Oxford (Reino Unido) e servidor federal, Rodrigo Fracalossi de Moraes, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fez um diagnóstico preciso da situação da Defesa, com muitas sugestões práticas.
A reforma da pasta teria dois objetivos: primeiro, o aumento da efetividade e da eficiência, aprimorando a conduta operacional das Forças Armadas; a formação militar; e a gestão técnica e administrativa; segundo, garantir padrões elevados de accountability e integridade institucional, com um sistema de governança compatível com as instituições democráticas, o Estado de direito e o respeito aos direitos humanos.
Texto publicado originalmente no Correio Braziliense.
Revista online | Para uma crítica progressista do identitarismo
Ricardo José de Azevedo Marinho*, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição: dezembro/2022)
Risério, Antonio (org.). A crise da política identitária. Rio de Janeiro: Topbooks, 2022. 561 págs.
Antonio Risério é um intelectual rigoroso e reuniu um time plural e eclético no conjunto de ensaios intitulado A crise da política identitária. Ele e os demais buscaram origem, história, morfologia e linguagem usada pela política identitária, documentando-a com precisão e sem impressões superficiais e/ou intuições vagas. Desenvolveram uma argumentação baseada em análise precisa dos textos que embasam a política identitária. E parecem ter a capacidade de ler muito do que os identitários produzem, em toda a sua geografia política, mantendo a serenidade e agindo frente aos apaixonados pela vitimização com uma postura aberta ao diálogo real.
Para tanto, Antonio Risério, Barbara Maidel, Bruna Frascolla, César Benjamin, Demétrio Magnoli, Gustavo Alonso, Pedro Franco, Ricardo Rangel, Raphael Tsavkko Garcia e Wilson Gomes, entre outros, agarram-se firmemente aos valores clássicos de esclarecimento, precisamente o que é negado e rejeitado quando se recorre a expurgos, julgamentos e condenações.
Nas 561 páginas, 20 ensaios inéditos, uma entrevista e alguns artigos, o livro mostra até que ponto as reivindicações identitárias, em todo o espectro político, são contraditórias e colocam essa política em crise: elas rejeitam uma postura planetária universal que articula as diferenças, mas que acabam por proclamar para si em outro lugar. Será preciso percorrer a história de toda essa literatura de vingança, de todos esses apelos aos assassinatos em nome da restauração da justiça, para perceber que não se trata de tornar o mundo um lugar melhor, mas apenas ocupar o lugar dos odiados dominantes?
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Wilson Gomes insiste com razão que a nova língua dessas correntes, em sua diversidade, forma uma frente aparentemente unida apenas contra o homem-branco-patriarcal-ocidental, responsável por todos os infortúnios do mundo. Mas, assim que tais correntes são criticadas a partir de outras vertentes, elas se dispersam, e, se cada uma pode reconhecer a validade dos argumentos contra seu vizinho em luta, os mesmos argumentos certamente não são válidos para ela.
Há muitas causas diferentes a defender, injustiças a reconhecer e reparar, como mostram as estatísticas maniqueístas expostas por César Benjamin e Bruna Frascolla. A cada um seu território de ativismo e busca por reconhecimento, como mostra Barbara Maidel. Ricardo Rangel acompanha de perto as mutações das lutas feministas, de Beauvoir aos estudos de gênero, dos grupos LGBTQIA+ até Meghan Markle, das lutas anticoloniais às pós-colonialidades e culturas de cancelamento. Rangel sublinha de cada vez a proliferação de vocabulários opacos que permitem eliminar as contradições da realidade e construir um universo autolegitimado.
Pedro Franco ilustra a absorção da política identitária pelas corporações, indicando o paradoxo das consequências, inclusive em governança ambiental, social e corporativa (Environmental, Social and Governance - ESG). Raphael Garcia expõe como a teoria política da extrema-direita de Steve Bannon se apropria da crise da política identitária. Pois é preciso olhar com rigor a política identitária em toda a sua presença na geografia política e, ao mesmo tempo, perceber o perigo real daqueles que mobilizam os valores tradicionais retrógrados, como na dupla face de Janus. Esses adversários da direita extrema se baseiam na mesma lógica identitária, no ódio à alteridade e na definição fixa e imutável da identidade. Mais uma vez os extremos se unem.
Confira, a seguir, galeria:
Na história intelectual dessa política se vê que todas essas demandas se baseiam na “desconstrução” de Derrida, na luta contra os dominadores de Foucault e na denúncia da reprodução das elites de Bourdieu. E não nos parece ilegítimo chamar atenção para o fato de que esses mestres intelectuais aceitaram sua mobilização dessa forma, sem dizer nada sobre os entendimentos errôneos e o mau uso de suas obras. Às vezes, o silêncio fala mais alto que as palavras.
O volume oferece muito mais. Além de brilhantes análises conceituais, seu grande mérito é possibilitar uma leitura que estimula o necessário debate intelectual nessa hora de um governo de frente democrática que se avizinha.
Sobre o autor
*Ricardo José de Azevedo Marinho é presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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