Quem não compareceu ao primeiro turno poderá votar no segundo mesmo sem justificativa
Mariana Lemos*, Brasil de Fato
No próximo dia 30 de outubro ocorre em todo o Brasil o segundo turno da eleição para presidente da República. Além disso, 12 estados estarão escolhendo seus futuros governadores. Mas você sabia que caso não tenha conseguido votar no primeiro turno, pode mesmo assim comparecer às urnas no segundo turno das eleições?
Isso ocorre porque a Justiça Eleitoral compreende cada turno como processos distintos. E como o prazo máximo para justificar a ausência é de 60 dias corridos e o segundo turno ocorre dentro desse prazo, quem não votou no dia 02 de outubro, mesmo que ainda não tenha justificado a ausência, pode votar no próximo dia 30.
É importante saber que se o eleitor não votar no primeiro e nem no segundo turno, deve realizar uma justificativa para cada turno. Também vale lembrar que não existe um número máximo de vezes em que o eleitor pode usar a justificativa eleitoral.
No Brasil o voto é obrigatório para todos os cidadãos entre 18 e 69 anos e, em caso de não comparecimento às urnas, a justificativa deve ser feita à Justiça Eleitoral.
Para justificar você pode utilizar os serviços do aplicativo e-Título, disponível para os sistemas Android e iOS.
Uma outra forma é acessar o portal justifica.tse.jus.br e preencher o requerimento de justificativa. Este mesmo site possibilita a consulta ao requerimento já enviado.
No caso de ausência do eleitor nas eleições e falta de justificativa, é cobrada uma multa no valor de R$3,51 por turno de votação no momento em que o título for regularizado. Acessando o site do TSE você pode realizar a consulta de débitos do eleitor.
Entretanto, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, quem não votar e não justificar fica impedido de ter acesso a vários direitos, como se inscrever em concursos públicos, obter carteira de identidade e passaporte, renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial, obter empréstimos em bancos oficiais, entre outros.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Nas entrelinhas: Quando o Iluminismo pode ser um fator de crise
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não haveria a moderna civilização ocidental se o Iluminismo não corroesse as entranhas do Antigo Regime até liquidá-lo, nas revoluções Inglesa, Americana e Francesa. Começou como um movimento cultural europeu nos séculos XVII e XVIII, que buscava mudanças políticas, econômicas e sociais. Os iluministas acreditavam no conhecimento e na razão, em detrimento do pensamento religioso. A maioria apostava que o homem chegaria a Deus por meio da razão. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) definiu-o assim: “O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma menoridade que estes mesmos se impuseram a si. (…) Sapere aude! (Ouse saber!) Tem coragem para fazer uso da tua própria razão!”
O precursor do iluminismo René Descartes (1596-1650), considerado o pai do racionalismo, no Discurso do Método, preconizava que se questionasse tudo. Os governos absolutistas e a Igreja católica não permitiam questionamentos. Graças ao Iluminismo que pregavam, a racionalidade humana, a ciência e o humanismo acabaram se impondo. As ideias iluministas foram consolidadas por Denis Diderot (1713-1784) na Enciclopédia, com 35 volumes, que continha milhares de artigos e ilustrações de diversos cientistas, filósofos e pesquisadores de campos de conhecimentos distintos, a mais importante exposição do conhecimento humano até então realizada.
A limitação do poder do Estado sobre o indivíduo, os ideais e lutas pelos direitos individuais, tal como a vida, a liberdade, a dignidade; o sistema de repartição de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário são legados iluministas. Além da liberdade e da justiça social, os iluministas pregavam o progresso. Na economia, as ideias de Adam Smith (1723-1790), ao defender a economia de livre mercado e liberal, foram sua resposta ao velho modelo mercantilista. “Penso, logo existo”, a frase icônica do filósofo francês René Descartes, colocando a razão humana como única forma de existência, é a síntese do sujeito iluminista, um ser centrado e unificado.
O sujeito do Iluminismo — um “indivíduo soberano”, singular e indivisível —, porém, foi ultrapassado pelo sujeito sociológico, fruto da sociedade industrial e sua estrutura de classes, que protagonizou as grandes mudanças dos séculos XIX e XX. Era um ser interativo, configurado pelo seu processo de socialização e absorção de caracteres de suas relações e experiências vividas junto aos demais sujeitos que o rodeavam. Entretanto, esse sujeito entrou em crise na sociedade pós-moderna, por uma série de razões, entre as quais a “desconstrução” da sua própria identidade, pelas revoluções científica, tecnológica, cultural e de gêneros.
Na sociedade atual, o sujeito não tem uma, mas várias identidades. Não é um ser configurado de forma plena e estável, mas fragmentado, partilhando, por vezes, identidades contraditórias entre si. Em meio a tantas mudanças, o sujeito pós-moderno constrói identidades provisórias, variáveis e problemáticas. Essa “crise de identidade” é parte de um processo mais amplo de mudanças sociais, muitas das quais impostas pelas novas formas de produção de riqueza. O descolamento da sociedade atual das estruturas da democracia representativa, que entrou em crise, faz parte desse processo, assim como a radicalização política em curso no mundo, inclusive aqui no Brasil. A polarização é entre os indivíduos que querem acompanhar essas mudanças e os que tentam contê-las.
Magistratura
O exercício da magistratura é uma atividade essencialmente iluminista. Um juiz procura tomar suas decisões à luz da sua consciência e com base na sua interpretação da lei. Há uma espécie de “penso, logo julgo”, principalmente quando as decisões são monocráticas. É comum advogados se referirem ao Supremo Tribunal Federal (STF) como um arquipélago, no qual cada ilha é absolutamente autossuficiente, tamanho o poder de decisão de seus ministros. Entretanto, se a relação entre o velho “sujeito iluminista” e a sociedade formada por “sujeitos sociológicos” estruturados em classes sociais já era difícil, essa relação se tornou mais conflituosa e dessintonizada na “sociedade líquida” em que vivemos, na definição do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. O processo decisório na Justiça está cada vez mais defasado da nova realidade, principalmente quanto à velocidade de suas respostas às demandas judiciais.
A radicalização política em curso nas eleições, na qual se digladiam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, reflete essa nova situação. O sujeito pós-moderno que conhecemos, na campanha eleitoral, entrou na política pelas redes sociais, digamos, em estado gasoso. A nove dias das eleições, a temperatura sobe a cada pesquisa de intenções de voto, o que torna mais complexo o ambiente de tomada de decisão pela Justiça Eleitoral. Segundo as projeções, será uma disputa decidida por eleitores ainda indecisos, no dia da eleição, que pode virar um barril de pólvora durante o processo de apuração dos votos, se não houver uma compreensão generalizada das forças políticas e instituições de que o Tribunal Superior Eleitoral(TSE) mantém uma posição equidistante de Lula e Bolsonaro e de que o sistema de votação é legítimo. Decisões contraditórias da Corte e exageros monocráticos podem servir de pretexto para a contestação dos resultados da eleição.
Khruschov denuncia Stálin: tema central a democracia, diz organizador da obra
João Vítor*, com edição da coordenadora da Mídia Sociais da FAP, Nívia Cerqueira
Resultado do trabalho de múltiplos interlocutores, o livro Khruschov denuncia Stalin: revolução e democracia tem como tema central a democracia, de acordo com o sociólogo Caetano Araújo, responsável pela organização da obra que foi lançada na última terça (18/10), pela Fundação Astrojildo Pereira.
Perguntado sobre o motivo de publicar um livro com esse tema em 2022, Araújo explica que o livro sai num momento extremamente oportuno para a situação política do momento. "Quando não temos democracia, as consequências são duras e claras e o livro foca em um momento precioso, de autocrítica do regime Bolchevique quase 50 anos após a revolução”, explica o diretor geral da FAP.
A jornalista Beth Cataldo fala que o livro trata de um acontecimento histórico da maior importância e concorda com a fala de Araújo. Ela acrescenta: "o subtítulo traz justamente esse pêndulo temático onde abordamos a questão democrática e a questão revolucionária", ressalta a editora da obra que mediou o debate.
O pesquisador de História Contemporânea Gianluca Fiocco aponta o livro como "divisor de águas do movimento comunista na Europa”. Com a temática do relatório secreto que denunciou crimes de Stálin (1956), o pesquisador e autor do texto que abre o livro, afirmou na live que o fato marcou a história contemporânea. “O ponto mais importante não está no culto da personalidade [de Stálin]... É impossível explicar a história somente com uma personalidade. Falamos de uma estrutura de um sistema…”, disse Fiocco
Além Caetano Araújo, Beth Cataldo e Fiocco, participaram do debate virtual: o historiador José Antônio Segatto, o jornalista e historiador Ivan Alves Fiilho, o historiador Rodrigo Cosenza, o historiador e professor Daniel Araão, o historiador e tradutor Rodrigo Ianhez e o tradutor e ensaísta Luiz Sergio Henriques. O evento foi transmitido ao vivo nas redes sociais da FAP.
Confira, abaixo, live na íntegra:
Durante sua fala, Henriques faz elogios à iniciativa de tornar possível a tradução do Relatório Khruschov e agradece pela oportunidade de contribuir com a obra. Ele explica que esse livro é importante não por haver hoje uma ressureição do stalinismo, mas como método que está sendo reposto na forma de sectarismo.
“Acho difícil que aquilo aconteça daquela forma outra vez, os processos históricos são irrepetíveis em grande medida. O stalinismo está sendo reposto na forma de sempre, de sectarismo, uma crítica muito embotada ao liberalismo político e, particularmente, uma adesão aos chamados processos populistas de manutenção e obtenção de poder”, enfatiza o ensaísta.
Segatto comenta a importância desse episódio histórico que também impactou o Partido Comunista Brasileiro. “Antigos líderes do PCB dirigiam o partido com mão de ferro e imitavam de forma quase caricatural o Stalin”, destaca o historiador.
Na análise de Ivan Alves Filho, o stalinismo não era a principal questão. “O problema era a coexistência pacífica, quando a China rompe [em 1960]. A crítica ao Khruschov é em cima da coexistência pacífica, que eles consideravam uma espécie de concessão um pouco excessiva ao imperialismo norte-americano”, afirma o historiador.
Rodrigo Cosenza, por sua vez, relaciona também o livro ao impacto no Brasil. “Esse elemento da necessidade direta da atuação mais pragmática na luta dos trabalhadores na organização para auxiliar o processo de mudança na sociedade brasileira causou uma divisão de três grupos no partido, que saiu com uma linha política renovada”, analisa Cosenza.
Já Daniel Aarão Reis destaca que desde de 1952 o PCB já mudava a linha do partido e estendia a mão aos trabalhistas para defender a constituição. "Pouco antes era designada como código de opressão, mas é redefinida como plataforma, defeituosa sim, mas importante para o país”, explica Reis.
Rodrigo Ianhez saúda essa iniciativa da FAP e ressalta a falta crônica de traduções diretas do russo nos países de língua portuguesa.
“Foi um privilégio fazer a primeira tradução desse documento no Brasil, direito do russo para o português. Também cumpri o papel de pesquisar as fotografias e encontrar coisas interessantes e inéditas, para sair daquelas imagens do período que são repetitivas nas publicações que vemos por aí”, relata o tradutor.
O organizador da publicação, Caetano Araújo, agradeceu a participação de todos que contribuíram com a obra." Depois de tanto preparo, tanta discussão, ver essa obra materializada em papel, capa e pronta para ser distribuída para todos os interessados é muito satisfatório", celebra o diretor da Fundação Astrojildo Pereira.
O evento online, que teve duas horas de duração, faz parte dos lançamentos de livros organizados pela Fundação Astrojildo Pereira.
*Integrante do programa de estágio da FAP sob supervisão
Nas entrelinhas: Lula tenta reduzir desvantagem entre os evangélicos
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Quem visita os bairros de periferias ou favelas das grandes cidades brasileiras, com muita facilidade consegue identificar uma família evangélica por meio da simples observação visual. Geralmente, moram nas casas mais bem cuidadas, mesmo que menores e com aparência mais pobre. A principal razão costuma ser o fato de que seus ocupantes integram uma família estruturada, cuja rotina de trabalho e estudo está sustentada na harmonia familiar, na disciplina, na resiliência, na austeridade e na ordem. Existe uma funcionalidade na presença das igrejas pentecostais na organização da sociedade nas periferias que não pode ser ignorada.
É óbvio que há católicos, espíritas, umbandistas etc. com família unicelular e casas bem organizadas, mas estamos falando de famílias desestruturadas. O eixo da atuação dos evangélicos nas comunidades pobres é a preservação da família unicelular patriarcal e a defesa dos seus costumes tradicionais, o que leva à formação de uma base cultural conservadora, facilmente capturada pelas narrativas políticas reacionárias. Há setores reacionários na Igreja Católica, mas a doutrina católica é menos conservadora e sua presença como organização nas periferias é muito menor, porque suas igrejas fisicamente estão fora da maioria dessas comunidades. Por força da nossa própria formação como nação, os católicos até são a maioria nessas comunidades, mas não representam uma força organizada a partir do cotidiano de seus moradores, ao contrário dos evangélicos.
O presidente Jair Bolsonaro, como um fenômeno eleitoral de massas, emergiu da periferia em 2018 ancorado nas comunidades evangélicas, porque capturou o sentimento de preservação da família unicelular patriarcal. Com uma narrativa conservadora, confrontou a revolução dos costumes, que é identificada pelos evangélicos como uma das causas da sua desestruturação, cujas consequências são dramáticas para uma família de baixa renda, porque bagunça a vida de todos os seus integrantes do ponto de vista até da sobrevivência física, ao contrário do que ocorre com um núcleo familiar de classe média, que sofre consequências sérias, mas tem mais mecanismos de defesa.
A agenda identitária da renovação dos costumes serviu de plataforma para que o PT e outros setores de esquerda, após o impeachment de Dilma Rousseff, reagrupassem suas forças e iniciassem o resgate de sua influência na sociedade, que havia sido fragilizada pela cooptação dos movimentos sociais durante os governos Lula e Dilma. A centralidade dessa pauta na luta contra Bolsonaro, porém, foi um erro em 2018, quando já estava em jogo a questão democrática, o que por muito pouco não se reproduziu nas eleições deste ano. Isso fez com que o apoio dos evangélicos se tornasse a principal ferramenta de Bolsonaro para penetrar nas camadas mais pobres da população, ainda que seja rejeitado pela maioria dos mais pobres e das mulheres.
Pesquisa
O Datafolha divulgado ontem, por exemplo, mostra que Bolsonaro lidera a disputa contra Lula entre os evangélicos, por 66% a 28%, enquanto a liderança do petista entre os católicos é de 58% a 37%. Lula vence entre os mais pobres, com renda de até dois salários mínimos, de 57% a 37%, mas perde em todas as faixas de renda acima disso, inclusive entre os que ganham entre dois e cinco salários mínimos, em que Bolsonaro lidera por 53% a 41%, faixa com forte presença evangélica.
Lula manteve a liderança geral, com 49% de intenções de votos, mas diminui a distância para Bolsonaro, como 45%. Só manteve a dianteira por causa da maioria das mulheres (51% a 42%), do Nordeste (67% a 29%) e dos negros (58% a 38%), além dos católicos e dos mais pobres.
Não à toa Lula, divulgou ontem a sua carta aos evangélicos, na qual reiterou a defesa do Estado laico e da liberdade religiosa. “O respeito à família sempre foi um valor central na minha vida, que se reflete no profundo amor que dedico à minha esposa, aos meus filhos e netos. Por isso, compreendo o lugar central que a família ocupa na fé cristã”, diz o documento. “Também entendo que o lar e a orientação dos pais são fundamentais na educação de seus filhos, cabendo à escola apoiá-los dialogando e respeitando os valores das famílias, sem a interferência do Estado”, completa.
O documento procura repelir a acusação de que pretende fechar as igrejas evangélicas, muito difundida pelos pastores que apoiam Bolsonaro para disseminar ojeriza ao PT e ao ex-presidente Lula nas comunidades evangélicas: “Todos sabem que nunca houve qualquer risco ao funcionamento das igrejas enquanto fui presidente. Pelo contrário! Com a prosperidade que ajudamos a construir, foi no nosso governo que as igrejas mais cresceram, principalmente as evangélicas, sem qualquer impedimento, e até tiveram condições de enviar missionários para outros países.”
Nas entrelinhas: Estratégia de Lula tipo “bateu, levou” favorece Bolsonaro
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O comentário é de quem entende de marketing eleitoral, Luiz Gonzales, veterano de campanhas do PSDB: “Eu acho que a estratégia da campanha Bolsonaro de rolar na lama emparedou a campanha de Lula. Atacada com tantas barbaridades, a campanha de Lula ataca igual. Mas já está tudo na conta. Ninguém subiu. Mas Lula não projeta esperança e, com isso, não captura votos dos eleitores sem preferência partidária e sem rejeição brutal ao Bolsonaro”. O diagnóstico é compartilhado por aliados de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não petistas, apreensivos, principalmente, com a situação eleitoral de São Paulo, onde uma vantagem de 10% dos votos a favor do presidente Jair Bolsonaro pode leva-lo à reeleição.
Segundo esses aliados, Bolsonaro trouxe Lula para um confronto no pântano das fake news e das baixarias eleitorais como uma estratégia de quem não tem mais nada a perder nesse terreno. O problema é que os ataques de Lula não fazem grande efeito, a não ser em alguns casos em que a imagem de Bolsonaro no seu próprio campo poderia ser abalada, como a história das meninas venezuelanas, que Bolsonaro tratou como se fossem prostitutas e teve que ir até elas pedir desculpas, para minimizar o estrago que sofreu.
Bolsonaro desgasta Lula para virar o “menos pior” na guerra de rejeições. “Ao repetir o repertório de ladrão, corrupto, aliado de traficantes e do PCC; comunista, fechador de igrejas etc., Bolsonaro coloca um obstáculo à subida de Lula”, comenta Gonzales. “Tem mais 10 dias de televisão. Mas não pode ser só crítica. Tem que ter a confiança, a esperança”, sugere. Nove de cada 10 analistas concordam com a tese de que o petista entrou no jogo de Bolsonaro ao adotar a estratégia “bateu, levou” no debate eleitoral. E não ficou apenas nisso, a mesma coisa está acontecendo nos programas eleitorais e nas redes sociais. Segundo Gonzales, há muitos temas que poderiam ser explorados por Lula na campanha para atacar os pontos fracos de Bolsonaro, sem ter que rolar na lama.
Ninguém entende, por exemplo, por que razão Simone Tebet (MDB), que vem fazendo uma campanha intensa a favor do petista, não entra na agenda de Lula, principalmente em São Paulo, onde obteve 1,6 milhão de votos e a diferença de Bolsonaro para petista foi de 1,7 milhão de votos. A batalha de São Paulo começa a ser considerada perdida por aliados de Lula, em razão da deriva do PSDB, MDB e Cidadania (que apoia Lula), em direção a Tarcísio de Freitas (Republicanos), o candidato de Bolsonaro, que está em grande vantagem eleitoral em relação ao petista Fernando Haddad e atraiu toda a base do governador Rodrigo Garcia (PSDB). Uma diferença de 10% em São Paulo pode anular a vantagem de Lula no Nordeste e em Minas, porque é o maior colégio eleitoral do país, com 34,6 milhões de eleitores, 22,16% dos 156,4 milhões aptos a votar no país.
Estado-maior
A campanha está mostrando que Bolsonaro tem um “estado-maior” formado por políticos (Ciro Nogueira, Mario Frias, Flávio Bolsonaro), militares (Braga Neto e Luiz Ramos) e estrategistas de campanha (Fabio Wajngarten, Duda Lima e Carlos Bolsonaro) capaz de administrar seus erros de campanha, manter a iniciativa política e construir alianças nos estados, principalmente do Sudeste, que estão alterando o cenário eleitoral. Mas o fator decisivo vem sendo mesmo um novo modelo de campanha eleitoral, o mesmo que adotou em 2018, com a vantagem de que agora controla o poder central e tem o apoio das estruturas de poder dos três estados mais importantes do Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas.
“Até 2016, os candidatos consolidavam seus aliados fiéis, seduziam os simpatizantes e se moviam para o centro”, destaca Gonzales. Com as redes e a emergência de uma extrema-direita organizada, a campanha mudou completamente. Bolsonaro fala para sua bolha, consolida os votos raiz por identidade e ataca Lula à exaustão para desmotivar os eleitores indecisos a votar. A abstenção o favorece com toda certeza.
Aliados de Lula se queixam de que o petista está prisioneiro em uma “jaula de cristal”, situação muito comum nos palácios de governo, com a diferença de quem nem foi eleito. Seu comando de campanha é monolítico, formado pela presidente do PT, Gleisi Hoffman; o ex-senador Aloysio Mercadante; o deputado federal Rui Falcão; e o prefeito de Araraquara, Edinho Silva. O marqueteiro baiano Sidônio Palmeira é pragmático e segue orientação do grupo, que não é permeável à colaboração externa na formulação da campanha.
Havia muita expectativa de que Lula venceria no primeiro turno e certa disputa por ocupação de espaços de poder no futuro governo, o que atrapalhou a ampliação da campanha em direção ao centro. Os apoios que Lula recebeu no segundo turno não foram devidamente aproveitados na campanha, como é o caso da adesão dos economistas Pedro Malan, Armínio Fraga, Pérsio Arida e Edmar Bacha e de lideranças políticas importantes, entre as quais a própria Simone Tebet, que faz campanha para Lula com seus aliados e sem muito envolvimento do PT.
Nas entrelinhas: Talvez a pergunta seja “quem perdeu com o debate?”
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Sempre achei muito complicado analisar o resultado de debates entre candidatos a partir da minha própria percepção. O debate da Bandeirantes, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) não foge à regra. É possível fazer uma leitura racional dos debates a partir do conteúdo das respostas dos candidatos, mas existe fatores subjetivos que alteram completamente a percepção da imagem dos debatedores pelos eleitores. Tanto é assim que as pesquisas mostram uma divisão de opiniões sobre a atuação dos candidatos que mais ou menos gravita em torno dos índices de intenção de voto. Quando o resultado destoa muito, aí sim podemos afirmar que fulano ou beltrano venceu o debate. Mas não é o caso. Por isso, alguns acham que Lula se saiu bem, outros apontam Bolsonaro como vitorioso.
Como numa luta de boxe, num debate eleitoral todo mundo apanha. Alguém somente vence inequivocamente quando o adversário vai a nocaute. Quando isso não acontece, a decisão é por pontos, depende dos jurados, e nem sempre corresponde ao gosto do público.
No plano das subjetividades, diria que o Bolsonaro entrou no debate em desvantagem por causa do “pintou um clima” no caso das jovens refugiadas venezuelanas que visitou. O assunto virou meme petista nas redes sociais e deixou o presidente na berlinda durante o fim de semana. Entretanto, a decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, mandando tirar do ar a live do presidente que relatava o caso, por ter sido descontextualizada, resgatou Bolsonaro do canto do ringue. Foi como se o juiz interrompesse a luta por causa de um golpe sujo.
Na troca de socos, Lula manteve a ofensiva no caso da pandemia, responsabilizando o presidente pelas mortes que poderiam ter sido evitadas se o seu negacionismno não tivesse atrasado a compra das vacinas. Mas isso não foi suficiente para abater Bolsonaro, até porque sua falta de empatia com as vítimas também serve de couraça para que esse assunto não abata o seu ânimo.
Mesmo em desvantagem nas pesquisas de opinião, na campanha eleitoral, em nenhum momento, Bolsonaro se sentiu espiritualmente derrotado. Passou à ofensiva num tema em que o petista tem revelado muita dificuldade de se defender: o escândalo da Petrobras. Lula não respondeu à altura e ainda gastou o tempo que tinha desnecessariamente, deixando o presidente em grande vantagem ao final do bloco, porque falou por último, com tempo de sobra. Esses dois momentos influenciaram muito as opiniões dos analistas.
Mas como reagiram os eleitores? Quem tentou responder essa pergunta foi a AtlasIntel, empresa de pesquisas que se destacou por ter o melhor desempenho do primeiro turno. Usou um recurso que as campanhas utilizam para avaliar os debates: pesquisas qualitativas. A AtlasIntel ouviu 100 eleitores que não votaram em Lula ou Bolsonaro. A maioria (54%) considera que Lula ganhou o debate, 32% acham que foi Bolsonaro e 14% não souberam responder.
A maioria dos eleitores que votaram em Simone Tebet (60%), Ciro Gomes (60%), outros candidatos (50%), branco/nulo (57%) e também não votaram (57%), em nove grupos, concorda que Lula venceu o debate. Os grupos focais foram formados em Paraná/Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Tocantins, Bahia, Acre e Mato Grosso/Mato Grosso do Sul. Esse tipo de estudo, porém, não tem valor estatístico para avaliar a opinião da população. É um instrumento para avaliar tendências e informar análises, como essa aqui.
Rejeição
A disputa política do segundo turno está se dando em torno de quatro grandes temas: a situação da economia, os serviços prestados à população, a ética na política e a questão democrática. O debate não é programático, voltado para o futuro imediato e/ou o programa do novo governo. O debate está ancorado no passado, nos governos Lula e Dilma Rousseff e no primeiro mandato de Bolsonaro. Mira a rejeição dos candidatos, que manteve a polarização e certamente decidirá a eleição.
Lula cresce quando sai em defesa da democracia e das políticas públicas, principalmente na área social; Bolsonaro, quando ataca a corrupção nos governos petistas. Na questão econômica, o petista leva vantagem, mas não mais como no primeiro turno. Um tema subjacente, ora à questão democrática, ora às políticas públicas, é a pauta dos costumes, na qual Bolsonaro tenta surfar para neutralizar o fracasso administrativo do governo em área como a saúde e a educação. De outro lado, a mudança dos costumes serve de linha de resistência para os militantes das causas identitárias, que são pro-Lula.
Nos programas eleitorais, nas redes sociais e nos debates, esses são os eixos da disputa desde o primeiro turno. Em termos de intenções de votos, Lula se mantém na dianteira, mas Bolsonaro encurta a distância. Haverá tempo para uma virada? Uma projeção linear das pesquisas diz que não, mas as eleições são uma caixinha de surpresa e, na reta final da disputa, sempre pode haver alterações.
É aí que os dois outros debates programados, no SBT e na Globo, podem fazer a diferença. Nesse caso, será decisivo o fator subjetivo do desempenho pessoal dos candidatos e sua capacidade de emocionar os indecisos.
Mas quem perdeu com o debate? Todos que esperavam boas propostas para o futuro.
Revista online | Cotas de gênero na política: como avançar para garantir a participação das mulheres
Raquel Nascimento Dias*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)
Embora eu tenha uma linha político-ideológica que se aproxima da ativista feminista Bertha Luz, darei início a este artigo saudando Carlota Pereira de Queirós, a primeira mulher eleita deputada federal do Brasil pelo Estado de São Paulo. Seu discurso demonstrou a importância deste primeiro passo: “Além de representante feminina única nesta Assembleia, sou, como todos os que aqui se encontram, uma brasileira integrada nos destinos do seu país e identificada para sempre com os seus problemas”. (...). (TRE. 1934)
De lá para cá, são 88 anos de luta contínua para que nós mulheres possamos garantir a participação e equidade no exercício da cidadania. Inserida nisso está a Política de Ações Afirmativas - Cotas para Mulheres na Política - prevista na Emenda Constitucional nº 97/2017, também conhecida como Lei dos Partidos e que hoje conta com artigos que garantem vagas nas chapas montadas pelas agremiações, espaço proporcional nos tempo de tv, campanhas de incentivo à participação feminina na política e o fundo especial de campanha, formando uma rede de medidas que busca trazer diversidade e representatividade para o cenário do país.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
A cota para mulheres na política é usada pela maioria dos países para reforçar a participação feminina nos espaços de poder. De 124 países, apenas 39 não têm essa ação afirmativa, o que demonstra que a busca por mais mulheres na política tem sido uma preocupação do mundo todo, reforçando a ideia de que o direito à participação política se constitui em um direito fundamental.
No Brasil, somos 52,65% da parcela votante e, apesar de sermos maioria, ainda temos um caminho duro para percorrer e, por isso mesmo, temos no país algumas políticas afirmativas que promovem o avanço da participação feminina.
Para vencer a sub-representatividade, a Justiça Eleitoral tem sido cada vez mais dura com os que descumprem ou tentam burlar as regras. Exemplo disso foi o caso em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou por fraude na cota de gênero uma chapa inteira de vereadores do Partido Republicanos de Itambé (PE). Casos assim já ocorreram por todo o país e tem sido importante para que as legendas compreendam a importância pela busca por lideranças femininas para a disputa eleitoral
O caminho para avançar na participação feminina efetiva é mudança de comportamento social, e isso leva tempo. Segundo a Agência Senado, dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) nas eleições de 2022 informam: “As candidaturas femininas bateram recorde este ano, com 33,3% dos registros nas esferas federal, estadual e distrital. As mulheres representam 53% do eleitorado do país, o que corresponde a 82 milhões de votantes. Apesar disso, elas ocupam apenas 17,28% das cadeiras no Senado. Especialistas defendem o aperfeiçoamento da legislação para garantir a participação feminina na política”.
Abaixo, confira galeria de fotos:
Apesar do avanço, estudos apontam que a tendência é que o crescimento diminua, e um dos principais fatores seria a dificuldade de financiamento. Candidaturas masculinas têm maior facilidade de financiamento fora do fundo especial, demonstrando que não há uma priorização de candidaturas femininas dentro dos partidos. Porém, temos um mecanismo fundamental e pouco visualizado na luta pela participação das mulheres na política, que são as Secretarias de Mulheres mantidas pelas agremiações partidárias para promover, incentivar e, principalmente, preparar essa parcela da população para sua efetiva participação.
Contudo, essa mudança de paradigmas requer também uma mudança na cultura política que ainda vê as mulheres apenas como complemento e não como construtoras dos projetos políticos. Ainda se reserva a nós o papel de vices, ainda atuamos pouco na hora da construção das chapas eleitorais. Muitas de nós ainda figuram no papel de mãe ou esposa de políticos inelegíveis que usam nossa imagem para manter seus eleitores. Ainda levamos a alcunha de sermos laranjas, apesar de os homens laranja existirem no sistema político de forma naturalizada.
Estamos avançando em todo o mundo, mas ainda temos muito a fazer como sociedade para que a equidade seja alcançada quando o assunto é nossa participação efetiva na política.
Sobre a autora
*Raquel Nascimento Dias é ativista social e Gestora Pública. Atualmente Secretária de Desenvolvimento Econômico e Turismo do Município de Cascavel/Ceará e Diretora Pedagógica e de Articulação Social da Plataforma Àwúre Educa e Membra do Comitê Técnico do GT Povos Tradicionais do MPT.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
Leia também
Revista online | Mercado informal e a recuperação fiscal
Revista online | Quilombos Urbanos: Identidade, resistência, memória e patrimônio
Revista online | E agora, Darcy?
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Célia Xakriabá sobre indígena bolsonarista eleita: Vamos ser reativas
Brasil de Fato*
Célia Xakriabá (PSOL), a primeira deputada indígena da história de Minas Gerais, foi eleita com 101 mil votos, nas eleições deste ano. Na pequena São João das Missões, de 13 mil habitantes, 42% dos eleitores votaram na pessolista, que agora é uma das apostas da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para garantir sua vitória entre os mineiros.
Além de Xakriabá, outros quatro indígenas foram eleitos: Sônia Guajajara (PSOL-SP), Juliana Cardoso (PT-SP), Paulo Guedes (PT-MG) e Silvia Waiãpi (PL-AP). A última, diverge política e ideologicamente dos demais integrantes do grupo, que já passaram a ser chamados de “bancada do cocar”.
Waiãpi, que é militar, apoia em seu estado, o Amapá, o presidente Jair Bolsonaro (PL). Em evento recente da campanha do mandatário, um encontro com mulheres, a indígena discursou e defendeu as políticas do atual governo para os povos indígenas.
Em entrevista ao podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, Xakriabá criticou Waiãpi. “Se ela está aliada a um projeto individual que significa o projeto da morte, nós vamos, sim, ser reativas e combativas. Neste momento, nosso projeto é coletivo, dos povos indígenas, que vem vivenciando período de muito ataque.”
A candidatura de Waiãpi está em risco. O Ministério Público Eleitoral pediu a reversão da eleição da indígena. Segundo o órgão, a bolsonarista teria utilizado recursos do fundo eleitoral para fazer uma cirurgia de harmonização facial.
Célia Xakriabá é a convidada do oitavo episódio da segunda temporada do podcast Três por Quatro, especial sobre eleições. O programa, apresentado pelos jornalistas Igor Carvalho e Nara Lacerda, tem a presença fixa de João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Confira o episódio na íntegra:
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Nas entrelinhas: A disputa pela direção intelectual e moral da sociedade
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Um dos organizadores da edição brasileira dos Cadernos do Cárcere, de Antônio Gramsci, sob a liderança de Carlos Nelson Coutinho e a participação de Luiz Sérgio Henriques (obra que acaba de ser reeditada pela Editora Civilização Brasileira), o cientista político e professor livre docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Marco Aurélio Nogueira, a propósito da coluna publicada ontem, intitulada Guerra de posições, fez observações muito pertinentes sobre a disputa pela direção intelectual e moral da sociedade.
Transcrevo a seguir seus comentários sobre a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) nesse terreno: “Você usa o conceito de direção intelectual e moral, que é utilíssimo na formulação da hegemonia. Mas acho que não está certo falar que ‘o segundo turno das eleições opõe, de um lado, o domínio político do governo Bolsonaro e, de outro, a direção intelectual e moral da sociedade protagonizada pela oposição liderada por Lula’. Você acrescenta que ‘Quem conseguir juntar domínio, pela via eleitoral, e direção, exercendo o poder, governará o país pelos próximos quatro anos’. E mais: ‘O chefe do Executivo já tem o domínio, mas perdeu a direção moral, que tenta recuperar'”.
Depois desse resumo, Nogueira comenta: “Duas coisas me vieram à mente. (1) Bolsonaro não perdeu a direção intelectual e moral: 50% dos eleitores estão com ele e o seguem justamente como ‘dirigente’. (2) Lula está disputando essa direção, mas ainda não a tem. Numa eleição, vence quem dirige, não quem domina. E o poder é uma situação típica de domínio, não necessariamente de direção. Quem exercer o poder pode dirigir também, mas desde que busque fazer isso, não automaticamente. Por isso, Gramsci fala que antes de se chegar ao poder, seria conveniente que se tratasse de conquistar a direção”.
São observações que ilustram a complexidade do cenário eleitoral, no qual Bolsonaro, neste segundo turno, estabeleceu como eixo de campanha exatamente a disputa pela “direção moral” da sociedade, com uma estratégia na qual empunha as bandeiras da ética, da família unicelular patriarcal, da fé em Deus e da liberdade individual. Com isso, conseguiu reduzir a vantagem de Lula no primeiro turno, que mantinha uma liderança folgada até às vésperas da votação.
Senso comum
Bolsonaro estruturou sua campanha em torno dessas bandeiras e organizou uma base política orgânica nas redes sociais, que tem revelado grande poder de mobilização e protagoniza a radicalização política e ideológica na sociedade desde as eleições de 2018. O uso de fake news para aumentar a rejeição de Lula e reduzir a sua própria vem sendo recorrente na campanha do presidente, mas isso não elimina, e até reforça, o fato de que ancora seus ataques ao petista no senso comum da população, que é majoritariamente conservador.
Conversando sobre isso, Nogueira chamou-me a atenção para o fato de que a campanha de Lula está focada, principalmente, na comparação dos resultados econômicos de seus dois mandatos com os de Bolsonaro, que pleiteia a reeleição. Ou seja: o petista privilegia o terreno das questões econômicas. Até agora, vem tendo sucesso ao escolher esse terreno de batalha, porém, é inegável que as ações do governo para melhorar o ambiente econômico estão influenciando os eleitores, como comprovam as pesquisas, que mostram redução da rejeição de Bolsonaro e da desaprovação de seu governo. Isso limita o peso da economia na decisão de voto.
É bom lembrar que o governo é a forma mais concentrada de poder e Bolsonaro não tem o menor pudor em utilizar a máquina federal para alavancar sua candidatura. O fato de estar no poder, ou seja, numa situação de domínio, é uma vantagem estratégica na campanha eleitoral dos que concorrem à reeleição, porque controla estruturas capazes de mudar a correlação de forças eleitorais. Mas, no caso de Bolsonaro, isso ocorre de forma sem precedentes, devido à aprovação do “estado de emergência” pelo Congresso, que possibilita a realização de gastos e outras ações governamentais em plena campanha eleitoral.
Nesse cenário, o que pode fazer a diferença é a tal capacidade de liderança intelectual e moral da sociedade. Lula chegou a exercê-la, em razão da alta rejeição de Bolsonaro, até o resultado das urnas em 2 de outubro. Já no primeiro turno, revelou dificuldades nos debates para lidar com as agendas negativas do mensalão e do petrolão. Juridicamente, a Operação Lava-Jato morreu de morte matada, mas a questão ética está vivíssima em termos eleitorais, como comprova a eleição do ex-juiz Sergio Moro ao Senado, pelo Paraná. Esse é o maior obstáculo a ser enfrentado por Lula no segundo turno contra Bolsonaro.
Livro Cidadania LGBTI+ escancara preconceitos e destaca avanços
João Vítor*, com edição da Coordenadora de Mídias Sociais Nívia Cerqueira
Em ordem cronológica, o livro Cidadania LGBTI+ aborda o embate no poder Legislativo que resultou na conquista da criminalização da homotransfobia no Brasil em 2019. Uma batalha que ainda não terminou, mas que mostra o quanto avançamos e precisamos ainda lutar para impedir retrocessos. O livro é escrito pelo jornalista Rogério Godinho e editado pela pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
Parte crucial da história do livro de 333 páginas, conforme ressalta Godinho, gira em torno do uso do preconceito como ferramenta de pânico moral. “Por entender a importância do tema e por me emocionar com a vitória de seus personagens, tenho enorme orgulho e felicidade de apresentar a vocês este livro”, destaca. Godinho afirma que a sociedade ainda vai precisar evoluir muito para eliminar o preconceito. "É um processo que envolve gerações e ainda estamos no meio dele", explica.
Apesar de ter seu nome na capa do livro, o autor considera-se interlocutor dos verdadeiros heróis desta conquista. “São pessoas que lutaram por meio de argumentos jurídicos, nos tribunais e nas colunas de opinião, no Ministério Público, nas defensorias e até nas delegacias para que isso se concretizasse”, diz.
O jornalista conta que, por vezes, teve que lutar contra as lágrimas ao escrever. “ São centenas que sofrem e morrem neste Brasil a cada ano - eternamente de luto - , uma dor que não é possível colocar em números poque não cabem em uma lista”, lamenta Godinho sobre o preconceito.
O livro foi idealizado pelo psicanalista Eliseu Neto, especialista em Orientação Profissional e defensor dos direitos das pessoas LGBT. Ele confirmou presença no lançamento da obra que acontece no dia 19/10, a partir das 19 horas, em evento online, que será transmitido nas redes sociais da FAP. “Dedico este livro a todas as pessoas que sofrem um preconceito tão arcaico”, diz Neto. Godinho mediará o webinar, que contatará também com a participação da ativista Ananda Puchta, da advogada Maria Eduarda Aguiar; do advogado de Direitos Humanos Paulo Iotti e do diretor-executivo da organização brasileira LGBTQIA+, Toni Reis.
Um levantamento do Grupo Gay da Bahia, organização não governamental voltada para a defesa dos direitos dos homossexuais no Brasil, diz que no primeiro semestre de 2022, 135 pessoas LGBTI + foram mortas no país.
Neto analisa de que forma o preconceito pode ser erradicado. "O caminho é modificar pelo processo civilizatório, pela cultura, pela educação. A gente precisa de escolas inclusivas, escolas que ensinem a lidar com o diferente, a transformar na linguagem e a mitigar os preconceitos”, explica o psicanalista.
Cidadania LGBTI+ registra embate histórico diante de um Legislativo omisso em garantir direitos às minorias. O livro remete à luta da comunidade LGBTI+, que tanto já sofreu, mas que ainda assim não se abala e segue preparando-se para um futuro ainda incerto.
Serviço
Lançamento do livro Cidadania LGBTI+: a criminalização da homofobia no Brasil
Data: 19 de outubro
Horário: 19h
Onde ver: Perfil de Facebook e canal de Youtube da Fundação Astrojildo Pereira
Realização da FAP e do autor Rogério Godinho
*Integrante do programa de estágio da FAP sob supervisão.
Nas entrelinhas: O “iliberalismo” não erradica a pobreza
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Na coluna de domingo, intitulada Vamos falar de exclusão estrutural, falamos da exclusão de maioria da população dos benefícios de uma sociedade moderna e democrática e da velha segregação social que herdamos da ordem escravocrata, que não se restringe ao racismo estrutural, mas atinge a população mais pobre de um modo geral. Esse é um diagnóstico quase pacífico, mas as divergências a partir de perspectivas políticas diferentes para enfrentar o problema, como são as alternativas social-democrata e “iliberal”, polarizam o debate eleitoral que estamos vivendo neste momento.
O debate ocorre de uma forma que exclui alternativas intermediárias, como as social-liberal ou neoliberal, que corresponderiam às propostas dos candidatos derrotados no primeiro turno. Em busca de apoio na classe média e no empresariado, o petista Luiz Inácio Lula da Silva é o que mais se aproxima da alternativa social-liberal, marcadamente sinalizada pelo apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e dos economistas do Plano Real Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha e Armínio Fraga. Jair Bolsonaro (PL), em recente entrevista, buscou apoio nos meios empresariais e na classe média defendendo a proposta de Estado mínimo, o modelo neoliberal.
A divisão social no Brasil não segue mais o padrão clássico da sociedade industrial, porque vivemos numa ordem pós-moderna, na qual as classes sociais já não se estruturam como antigamente. Por exemplo: a velha classe operária da grande indústria mecanizada é uma espécie em extinção. Não se resolve mais o problema da renda e da inclusão econômica apenas com empregos formais, que continuam sendo muito necessários, mas ampliando as possibilidades do mundo do trabalho com outras atividades produtivas e a chamada economia criativa, que fomentam o empreendedorismo e o trabalho por conta própria na prestação de serviços e oferta de bens e produtos.
O que torna perigosa essa divisão, que faz parte das contradições de qualquer sociedade? É a forma radicalizada como está sendo tratada. Historicamente, a exclusão social gerou conflitos que foram resolvidos ora com políticas públicas, na ordem democrática, ora com a força bruta, nos governos autoritários. Sem dúvida, o esforço individual e o empreendedorismo são saídas para a exclusão em qualquer regime em que exista livre produção mercantil e liberdade econômica, protagonizado por governos social-democrata, social-liberal, neoliberal ou iliberal.
O problema é que isso não resolve o problema da miséria dos que não conseguem ultrapassar os limites impostos pela competição individual e a concorrência capitalista. É aí que as políticas públicas de transferência de renda e inclusão social são necessárias.
Ética protestante
Em 1997, Fareed Zakaria, apresentador da emissora CNN e especialista em política doméstica e externa, escreveu no periódico Foreign Affairs que alguns países tinham cada vez menos apreço pelo “Estado de Direito, respeito a minorias, liberdade de imprensa”, o que chamou de “iliberalismo”. Essa tendência passou a ser um eixo da política mundial com o fortalecimento da direita europeia, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e sua aliança com líderes mundiais, como Vladimir Putin, na Rússia, e Recep Tayyip Erdogan, na Turquia, que transformaram as respectivas democracias em ditaduras eleitorais.
Na Polônia e na Hungria, líderes populistas fazem a mesma coisa. No Brasil, Bolsonaro se tornou um dos polos desse eixo, sobretudo depois da derrota de Trump para o presidente democrata Joe Biden.
Num vídeo recente, que virou meme nas redes sociais, o empresário Luciano Hang, o “Velho da Havan”, aliado de primeira hora de Bolsonaro, faz a apologia do empreendedorismo e critica duramente a regulamentação da economia pelo Estado, atribuindo à esquerda a responsabilidade pelo atraso econômico do país, ao passo que a direita teria feito de Santa Catarina o paraíso brasileiro para se investir, trabalhar e empreender.
E onde entra a “ética protestante”? A expressão foi cunhada há mais 100 anos pelo sociólogo alemão Max Weber, impressionado com a competição entre as igrejas protestantes dos EUA. Hoje, em Springfield, no Missouri, há uma igreja para cada mil habitantes. São 122 igrejas batistas, 36 capelas metodistas, 25 Igrejas de Cristo e 15 Igrejas de Deus, que competem ferrenhamente entre si, usando métodos comerciais e de marketing, que são a inspiração para as denominações pentecostais aqui no Brasil.
A valorização do trabalho duro, do empreendedorismo e do sucesso individual é um “americanismo” que veio para ficar, tão poderoso na sua projeção global que nem mesmo a China comunista escapa de sua expansão: estima-se que número de protestantes chineses possa chegar a 110 milhões. No Brasil, onde se multiplicam as denominações pentecostais, o avanço evangélico junto à população de baixa renda está alicerçado na fé em Deus, na defesa da família, na pauta conservadora dos costumes, no esforço individual e no empreendedorismo.
A adesão ao projeto iliberal, como o de Bolsonaro, tem a ver com a absolutização do sucesso individual como via de mobilidade social. Entretanto, num país tão desigual como o nosso, essa opção por si só não erradicará a pobreza. Por isso, não sensibiliza a maioria dos eleitores de mais baixa renda.
Ministra alemã defende que União Europeia sancione o Irã
DW Made for minds*
A ministra do Exterior da Alemanha, Annalena Baerbock, defendeu neste domingo (09/10) que a União Europeia (UE) aplique um conjunto de sanções ao Irã, perante os recentes casos de repressão a manifestantes pacíficos. Entre as medidas defendidas por Baerbock estão a proibição da entrada no bloco europeu de cidadãos responsáveis pela repressão e o congelamento dos respetivos bens nos 27 Estados-membros.
"Vamos garantir que a UE imponha proibições à entrada dos responsáveis pela repressão brutal e congele os seus bens na UE", afirmou em entrevista ao jornal alemão Bild am Sonntag.
"Qualquer um que espanca mulheres e meninas nas ruas, sequestre pessoas que não querem nada mais além de viver em liberdade, está do lado errado da história", disse a ministra.
Uma onda de protestos tomou conta do Irã e se espalhou pelo mundo há quase quatro semanas, quando veio à tona a morte de Mahsa Amini. Detida em 13 de setembro pela polícia da moralidade em Teerã por ter infringido o estrito código de vestimenta, em particular o uso do véu, a jovem de 22 anos morreu três dias depois em um hospital.
Ativistas da oposição e a família da jovem afirmaram que ela foi ferida na cabeça durante a detenção. As autoridades iranianas negam e alegam que a morte foi provocada por sequelas de uma doença.
Apesar da repressão do governo, os protestos liderados por mulheres contra a morte de Mahsa prosseguem. Pelo menos 185 pessoas foram mortas, incluindo várias crianças, disse neste domingo a ONG Iran Human Rights, com sede na Noruega.
Relatos de jovens que morreram após protestarem se espalham cada vez mais. De acordo com mulheres iranianas, o governo de Teerã estaria tentando encobrir as mortes.
Na quinta-feira, legisladores da União Europeia aprovaram uma resolução, através da qual são pedidas sanções contra os responsáveis pela morte de Amini.
Ainda em setembro, os Estados Unidos impuseram sanções à chamada polícia da moral do Irã, acusada de "abuso e violência contra mulheres iranianas".
Irã realiza reunião de crise
Líderes políticos do Irã realizaram uma reunião de crise neste domingo, com a participação do presidente iraniano, Ebrahim Raisi, do presidente do Parlamento e o chefe do Judiciário.
Pelo menos dois membros da Basijis, a milícia paramilitar leal ao regime iraniano, foram mortos em confrontos recentes entre forças de segurança e manifestantes. Um balanço oficial fala em ao menos 12 mortos entre as forças de segurança desde o começo dos protestos.
A reunião ocorreu depois que pelo menos dois manifestantes foram mortos no sábado em uma cidade de maioria curda no norte do Irã, de acordo com relatórios da Rede de Direitos Humanos do Curdistão, com sede na França, e da Organização Hengaw para Direitos Humanos, da Noruega.
"As forças de segurança estão atirando nos manifestantes em Sanandaj e Saqqez", disse a Hengaw no sábado, acrescentando que a tropa de choque também estava usando gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes.
Hackers assumem noticiário
No sábado à noite, a emissora estatal do Irã foi hackeada. A imagem de uma máscara apareceu na tela, seguida por uma foto do aiatolá Khamenei com chamas ao seu redor. "O sangue de nossos jovens está em suas mãos", dizia uma mensagem na tela.
O ataque foi reivindicado pelo grupo Edalat-e Ali (Justiça de Ali), que também apelou em uma mensagem: "Junte-se a nós e levante-se". Também foram exibidas imagens de Mahsa Amini e de três outras pessoas mortas durante os protestos.
le (Lusa, Reuters, AFP, DPA)
*Texto publicado originalmente na DW For minds