Nas entrelinhas: Lula distensiona relação entre Poderes
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Brasiliense
Antes mesmo de tomar posse, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao restabelecer o diálogo político como método para resolução de conflitos, numa maratona de reuniões, ontem, distensionou as relações entre os Poderes da República. Ele se reuniu com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, e com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Depois, deu entrevista à imprensa sem incidentes. Pôs um ponto final no choque entre os Poderes, principalmente entre o Executivo e o Supremo, ao defender a harmonia entre eles. O vice-presidente Geraldo Alckmin também participou dos encontros.
O caminho crítico era principalmente a relação com Lira, em razão de duas agendas: a PEC da Transição, que envolve a questão do orçamento secreto, e a eleição para o comando da Casa. Ficou acertado que a emenda constitucional será apresentada até 15 de novembro, com objetivo de permitir que os recursos do Bolsa Família, incluindo os R$ 150 a mais para cada filho, extrapolem o teto de gastos. Essa autorização servirá para destinar recursos aos programas da Educação e da Saúde.
A proposta em elaboração pela equipe de transição deve ser encaminhada não somente a Lira, mas também ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que será o responsável por dar inicio à tramitação da PEC. Na Câmara, o projeto será apensado a outra Proposta de Emenda Constitucional que já esteja em condições de votação.
Na entrevista coletiva, Lula disse que se candidatou “com o compromisso de que é possível resgatar a cidadania do povo brasileiro, de que é possível a gente recuperar a harmonia entre os poderes, de que é plenamente possível recuperar a normalidade da convivência entre as instituições brasileiras”. Sem citar o presidente Jair Bolsonaro (PL), o presidente eleito destacou: “Instituições que foram atacadas, que foram violentadas pela linguagem nem sempre recomendável de algumas autoridades ligadas ao governo”.
Lula disse, também, que não pretende interferir nas eleições do Congresso, em fevereiro, quando Lira, aliado de Bolsonaro, e Pacheco disputarão a reeleição, na Câmara e no Senado, respectivamente. “Não cabe ao presidente da República interferir em quem será o presidente do Senado ou da Câmara. Ou seja, quem vai decidir quem será o presidente das casas serão senadores e deputados. O papel do presidente da República não é gostar ou não de presidente, é conversar com quem dirija a instituição”.
O presidente eleito aproveitou para mandar um recado aos bolsonaristas que estão fechando rodovias e protestando à porta dos quarteis, porque não aceitam o resultado das eleições. “Essas pessoas que estão protestando, sinceramente, não têm por que protestar. Deviam dar graças a Deus pela diferença ter sido menor do que aquilo que nós merecíamos ter de votos. E eu acho que é preciso detectar quem é que está financiando esses protestos, que não têm pé nem cabeça. Ofensas a autoridades, ameaças de fechamento, agressão verbal”, disse.
Urnas eletrônicas
Ontem, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas. Os militares realizaram uma auditoria do pleito, diante de questionamentos de Bolsonaro e de seus apoiadores sobre a lisura do processo eleitoral. Eles haviam sido convidados pelo então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, para integrar a Comissão de Transparência das Eleições, criada em setembro de 2021. Além de integrantes das Forças Armadas e de representantes da Corte Eleitoral, participam do grupo especialistas em tecnologia da informação e membros da sociedade civil.
O Ministério da Defesa destacou que “o documento foi produzido por uma equipe composta por oficiais de carreira especialistas em gestão e operação de sistemas de tecnologia da informação; em engenharia de computação e de telecomunicações; em defesa cibernética; entre outras; e seguiu rigorosamente os parâmetros estabelecidos na Resolução nº 23.673, de 14 de dezembro de 2021, do TSE”. É um ponto final nas especulações sobre o envolvimento das Forças Armadas no questionamento dos resultados eleitorais.
O relatório fora mantido em sigilo por exigência de Bolsonaro, mas Alexandre de Moraes havia determinado que fosse entregue e divulgado até ontem. Segundo a Defesa, o relatório também apresenta “observações, conclusões e sugestões relacionadas, especificamente, ao sistema eletrônico de votação, conforme as atribuições definidas pelo Tribunal às entidades fiscalizadoras”.
TSE recebe "com satisfação" relatório da Defesa que não aponta fraudes nas eleições
Rodrigo Durão*, Brasil de Fato
O Tribunal Superior Eleitoral celebrou o fato de o relatório das Forças Armadas sobre as eleições deste ano, divulgado na noite desta quarta-feira (9), não identificar fraudes no pleito.
"O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu com satisfação o relatório final do Ministério da Defesa, que, assim como todas as demais entidades fiscalizadoras, não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022", disse a nota do TSE, assinada pelo presidente do órgão, Alexandre de Moraes.
O relatório é fruto de um acordo realizado entre as Forças Armadas e o TSE. Após intensa pressão dos militares, Moraes cedeu a uma parte dos pedidos da categoria para fiscalizarem a votação, concordando com testes biométricos.
De fato, o relatório da Defesa não aponta fraudes, mas os militares evitaram endossar categoricamente o pleito, preferindo usar linguagem ambígua.
Sugestões
No documento de 62 páginas, eles especulam sobre possíveis vulnerabilidades das urnas, dizendo que "não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento".
O relatório sugere que seja criada com urgência uma comissão, integrada por "técnicos renomados da sociedade e por técnicos representantes das entidades fiscalizadoras", para investigar possíveis vulnerabilidades.
Moraes reconheceu o pedido, dizendo que "as sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas".
"O TSE reafirma que as urnas eletrônicas são motivo de orgulho nacional, e que as Eleições de 2022 comprovam a eficácia, a lisura e a total transparência da apuração e da totalização dos votos", finaliza o comunicado de Alexandre de Moraes.
Relatórios de outras entidades que fiscalizaram o pleito já haviam respaldado as eleições brasileiras. Tanto o TCU (Tribunal de Contas da União), a OEA (Organização dos Estados Americanos) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) destacaram a ausência de irregularidades.
Reações
Ao Brasil de Fato, André Nicolitt, professor da Universidade Federal Fluminense e juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ressalta que nosso sistema de voto é historicamente confiável e aceito universalmente. Os questionamentos fazem parte da inversão atual de valores - muitas delas patrocinadas pelo atual governo - que põe em xeque até vacinas e a ciência.
O principal no relatório militar, segundo Nicollit, é o que ele não traz: evidências de crimes.
"O mais importante foi não ter conseguido apontar nenhum dado que indicasse uma fraude, uma manipulação ou uma incorreção nos resultados das eleições", disse Nicolitt, que já integrou a Justiça Eleitoral.
A pesquisadora Ana Penido, doutora em Relações Internacionais, diz que esperava a ausência de evidências, acompanhada por linguajar dúbio, que pode alimentar as suspeitas de quem já tinha predisposição a acreditar em teorias conspiratórias.
"Mas há dois problemas concretos no documento, o primeiro é os militares se colocarem como parte do sistema eleitoral, quase um poder moderador, fiéis da balança que atestam sua credibilidade", diz ela.
"O segundo é pautar e dar rumo ao debate ao vir com demandas que possam alimentar mais a insegurança quanto ao pleito."
"Esses grupos não poderiam vir com a reivindicação de golpe de Estado, mas o relatório, em alguma medida, oferece um roteiro de demandas, como a criação de uma comissão", diz ela.
O ataque às urnas foi uma das bandeiras de Bolsonaro durante todo o seu mandato, afirmando que mesmo sua eleição em 2018 foi fraudada. O candidato derrotado à reeleição alega, sem provas, que deveria ter vencido no primeiro turno.
Na segunda-feira, o candidato derrotado este ano sugeriu que o relatório da Defesa poderia apresentar novidades capazes de alterar o resultado eleitoral.
"Brevemente teremos as consequências do que está acontecendo", disse ele.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Novo colegiado da FAP afirma compromisso com a manutenção do cenário democrático
Nívia Cerqueira, coordenadora de Mídias Sociais
Na última segunda-feira (7/11), membros da Diretoria e dos Conselhos Curador, Consultivo e Fiscal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) elegeram o novo quadro de colegiados. A solenidade aconteceu na modalidade on-line e foi presidida por Luciano Rezende, presidente do Conselho Curador da FAP, que iniciará seu segundo mandato.
Ex-prefeito de Vitória (ES), Rezende comenta que os partidos têm uma importância muito grande neste momento. “Temos uma eleição presidencial que foi vencida por uma disputa política mínima que não foi e não será resolvida facilmente. As expectativas para o governo Lula e as cobranças serão intensas. É um grande desafio poder refletir por meio da Fundação Astrojildo, com o partido Cidadania23, como iremos avançar e nos portar nesse período", declara.
Membro do novo quadro da Diretoria Executiva, Maria Dulce Reis Galindo comentou sua satisfação em poder estar mais próxima da FAP, sobretudo num momento de destruição da política e de polarização. “Mais do que nunca, a Fundação Astrojildo Pereira - de forma suprapartidária - pode enfrentar temas que a nossa sociedade precisa: ganhar maior capilaridade; sair um pouco de Brasília e chegar às cidades onde vivem as pessoas; atingir a nossa bancada de vereadores e nossa militância; falar com cada um, ajudando a formar, refletir e discutir principalmente democracia”, ressalta.
Assista ao vídeo
Diretor-geral da FAP no biênio 2020-2022 e nomeado vice-presidente do Conselho Curador para esse novo mandato, Caetano Araújo explica que a eleição do novo colegiado tenta assegurar um mínimo de renovação e também manter uma certa continuidade para que a FAP persiga nos mesmos projetos e diretrizes. “Nós temos uma regra estatutária que visa garantir ao mesmo tempo um percentual mínimo de renovação a cada dois anos e também continuidade, e, por essa regra, nenhum dos conselheiros ou diretores podem permanecer no cargo ou no mesmo colegiado por mais do que dois mandatos”, explica o sociólogo.
Caetano destaca que a ideia é fazer uma composição plural e, a partir desses colegiados, criar grupos que sejam capazes de cooperar, discutir e de atender as finalidades da fundação, seja no que se refere à preservação do passado e da tradição do partido, seja no que se refere à formulação e prospecção dos grandes temas da política no futuro.
“A nossa perspectiva é manter a pluralidade. Os nossos conselheiros não são necessariamente filiados ao partido Cidadania23, que é o mantenedor da FAP. Temos, inclusive, conselheiros que são filiados a outros partidos e essa já é uma tradição nossa e temos conselheiros que não são filiados a nenhum partido e achamos que é uma contribuição positiva que esses não filiados podem dar e têm dado às nossas discussões”, completa Araújo.
Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) , Marco Aurelio Marrafon foi eleito novo diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira para o biênio 2022-2024. Ele agradeceu a Caetano, Luciano, ao diretor financeiro, Raimundo Benoni, e a todos que construíram o diálogo para a formação dessa nova chapa. Marrafon apontou como principal compromisso da gestão que se inicia a manutenção do cenário democrático.
“Precisamos avançar no público universitário, é preciso ter um olhar e precisamos falar com esses jovens. A nossa tradição sempre olhou para a juventude. É um espaço que não podemos deixar de lado para a gente poder expandir e construir uma base de formação”, afirma o professor, que também preside a Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst.
Por que donos de empresas geralmente pagam menos impostos do que seus funcionários
Camilla Veras Mota*, BBC News Brasil
Foi com essa comparação que o empresário Sergio Zimerman defendeu, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na segunda-feira (7/11), uma reforma do sistema tributário brasileiro.
Com o exemplo pessoal, o fundador da rede de pet shops Petz argumentava que a ênfase na cobrança de impostos sobre o consumo — em vez da renda ou do patrimônio, por exemplo — concentra riqueza.
De fato, os mais pobres no Brasil pagam proporcionalmente mais impostos do que os mais ricos. Essa é uma dinâmica que vai no sentido contrário do que diz a Constituição, segundo a qual, "sempre que possível, os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte" (Artigo 145). Ou seja, quem ganha mais deveria pagar mais.
A seguir, a BBC News Brasil discute em três gráficos algumas das distorções que explicam por que o conjunto de regras tributárias do país penaliza os mais pobres e permite, em algumas situações, que donos de empresas paguem proporcionalmente menos impostos do que seus próprios funcionários.
Tributação concentrada no consumo
Em 2021, o governo arrecadou R$ 2,94 trilhões em impostos. A maior parte, 43,5%, veio da cobrança de tributos sobre bens e serviços.
Um montante de R$ 1,28 trilhão, incluídos aí os tributos cobrados pelas três esferas: municipal (ISS), estadual (ICMS) e federal (IPI, PIS/Cofins).
A ênfase do sistema tributário brasileiro em impostos sobre o consumo é típica de países com baixo desenvolvimento socioeconômico, explica a professora de direito tributário da Universidade de Leeds Rita de la Feria.
"Os países com nível de desenvolvimento mais alto tendem a dar mais importância à tributação sobre a renda dos indivíduos", ela destaca.
Para efeito de comparação, os impostos sobre bens e serviços representam em média 32% da arrecadação total entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma fatia mais de 10 pontos percentuais menor do que no Brasil.
Uma das razões para a divergência, segundo a especialista, está no fato de que os países com nível mais baixo de desenvolvimento, que geralmente têm uma parcela grande da população com renda muito baixa, têm um universo mais restrito de contribuintes para imposto sobre a renda.
Outro motivo vem da complexidade da tributação da renda. Muitas nações em desenvolvimento têm uma administração tributária muito pequena e pouco desenvolvida e, por isso, dão preferência à tributação do consumo, cuja implementação é mais fácil.
"Mas esse não é o caso do Brasil", frisa a especialista. "A administração tributária no Brasil é muito desenvolvida. Talvez por conta da legislação tributária ser tão ruim, o país teve de se adaptar e aperfeiçoar a administração", completa.
A opção de tributar mais o consumo do que a renda tem um efeito prático direto sobre a desigualdade: ele pesa mais sobre os mais pobres. No jargão dos especialistas, é uma modalidade considerada "regressiva" - os impostos "progressivos", por sua vez, são aqueles que contribuem para reduzir a desigualdade.
O peso da tributação indireta sobre os mais pobres
Um exemplo prático: um brasileiro que recebe um salário mínimo por mês e um milionário que compram um xampu de R$ 20 em um supermercado pagam os mesmos 44,2% em impostos sobre o valor do produto, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Nessa situação, em proporção da renda mensal, o mais pobre desembolsa mais do que o mais rico.
A distorção fica visível em trabalhos como o publicado neste ano pelos pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Felipe Moraes Cornelio, Theo Ribas Palomo, Fernando Gaiger Silveira e Marcelo Resende Tonon.
O cálculo do impacto da incidência desses impostos sobre a renda das famílias mostra que os 10% mais pobres pagam o equivalente a 21,2% da renda em "tributos indiretos".
Para os 10% mais ricos, os tributos indiretos representam um percentual significativamente menor da renda total, 7,8%, levando em consideração a renda familiar per capita.
O sistema de tributação do consumo do país, na avaliação de Rita de la Feria, é "um dos piores do mundo".
A especialista, que trabalhou na reforma tributária de Portugal entre 2010 e 2011 e depois acompanhou a de países como Angola, Moçambique, Uzbequistão e Albânia como consultora do Fundo Monetário Internacional (FMI), segue de perto o debate no Brasil. Esteve em 2020 em uma audiência no Congresso como convidada na Comissão Mista da Reforma Tributária e diz esperar voltar a discutir o assunto em breve.
Existe uma grande expectativa de que a reforma tributária seja uma das primeiras pautas tocadas pela terceira gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em seu programa de governo, a chapa Lula/Geraldo Alckmin se comprometeu a "simplificar e reduzir a tributação do consumo".
A ideia de simplificação já consta em algumas das propostas que tramitam no Congresso, entre elas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, que prevê a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em substituição ao IPI e PIS e Cofins (federais), ao ICMS estadual e ao ISS municipal. A inspiração é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), adotado em diversos países.
A PEC 110 também prevê a instituição de uma espécie de IVA — no caso, em regime dual, um de competência de Estados e municípios e outro federal.
À reportagem, a professora da Universidade de Leeds diz preferir, tecnicamente, a PEC 45, por unificar os cinco tributos atuais em apenas um imposto, mas ressalta que qualquer uma das duas "é melhor do que vocês têm agora". "Não há explicação para o que vocês têm agora."
Ricos também pagam menos imposto de renda
Parte da regressividade da tributação sobre o consumo é compensada pelo imposto de renda. Como ele incide proporcionalmente sobre os ganhos dos contribuintes, quem ganha mais, paga mais.
Com um porém: no Brasil, a alíquota efetiva (ou seja, o percentual da renda que de fato é tributado) cresce à medida que a renda aumenta, mas apenas até a faixa entre 20 e 30 salários mínimos. Daí pra frente, quanto mais rico, menor o valor pago de imposto de renda.
Essa foi a conclusão de um estudo recente elaborado pelo sindicato dos auditores da Receita Federal, o Sindifisco Nacional, com base nos dados da declaração de 2021:
"Alguns mecanismos fazem com que ricos ou super-ricos paguem menos tributos do que classe média e os mais pobres", diz Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional.
Uma parte significativa da distorção, ele explica, se deve ao fato de que o Brasil isenta de pagamento de imposto os ganhos provenientes de lucros e dividendos - uma importante fonte de renda para os mais ricos.
É o caso de muitos dos empresários, por exemplo, que não recebem salário, mas uma participação nos lucros de suas companhias. Ou daqueles que investem em ações - e que, pela legislação vigente, não precisam recolher impostos quando recebem distribuição de dividendos.
O Brasil tributa o lucro, mas ainda na empresa, antes de ele chegar no bolso do acionista. Essa cobrança, contudo, não é equivalente quando se fala em justiça tributária e capacidade contributiva, a ideia do "quem pode mais, paga mais".
A depender do regime tributário em que a empresa se encontra - Simples Nacional, lucro real ou lucro presumido -, a alíquota efetiva pode ser significativamente menor do que a alíquota nominal, que é, de forma simplificada, o percentual que está de fato na lei.
Isso porque as empresas podem fazer uma série de deduções e exclusões para diminuir o montante que serve de base para o cálculo do imposto. E não raro utilizam uma série de benefícios legais, uma prática que tem contribuído para aumentar ainda mais a distância entre o chamado lucro societário, aquele apurado pela contabilidade da empresa, e o lucro tributário, diz Falcão.
Para ele, a isenção da tributação de lucros e dividendos, adotada em poucos países e vigente no Brasil desde 1996, ajuda a inverter a lógica que deveria balizar a tributação do imposto de renda.
"Aqueles que têm maior capacidade econômica e, portanto, maior capacidade contributiva, deveriam pagar mais. Nos países mais desenvolvidos, a tributação é progressiva, no Brasil, ela é regressiva."
A tributação de lucros e dividendos também foi defendida por Lula durante a campanha, assim como o aumento do limite para isenção do pagamento de imposto de renda dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 5.000,00.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
Nas entrelinhas: PEC da Transição esconde disputa pelo controle do Orçamento
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin iniciou ontem as conversas sobre o Orçamento de 2023 com o relator geral do Orçamento, Marcelo Castro (MDB-PI), o nome mais cotado para assumir a relatoria da PEC da Transição, cujo objetivo seria abrir espaço para o cumprimento das promessas de campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão final sobre a relatoria cabe ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com quem Lula deve se encontrar para tratar do assunto hoje. A opção pela PEC é polêmica e envolve questões jurídicas que estão sendo analisadas também no Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
“Essa PEC não tem nenhum sentido, a não ser encobrir o rombo fiscal de 2022 e institucionalizar o Orçamento Secreto (RP9). Tudo pode ser resolvido por Medida Provisória (MP) no dia 2 de janeiro, sem necessidade de mexer-se na Constituição”, avalia o ex-presidente do Senado Eunício de Oliveira (MDB-CE), que está de volta ao Congresso como deputado federal eleito. Segundo Eunício, durante a campanha eleitoral, houve uma avalanche de recursos federais por meio de emendas do Orçamento, que desequilibrou a disputa em razão do abuso do poder econômico em favor dos que foram beneficiados pelas emendas. “Consegui me eleger sozinho, mas a disputa foi muito desigual, porque as emendas foram usadas para comprar apoios e até esvaziar campanhas alheias”, declarou.
As negociações para aprovação da PEC corroboram as reclamações de Eunício, porque envolvem parlamentares da base do governo e também setores da oposição que se beneficiaram da PEC. Marcelo Castro está sendo escolhido relator a dedo, porque é um dos poucos que conhecem a destinação dos recursos do chamado orçamento secreto e, em tese, poderia compatibilizar os interesses do Centrão com os do novo governo que está se formando. Entretanto, mesmo o PT está dividido em relação ao assunto. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), por exemplo, avalia que a PEC deve ser mais estudada e pode até se tornar matéria vencida, se a presidente do STF, ministra Rosa Weber, decidir pôr em votação a constitucionalidade do orçamento secreto.
“Orçamento secreto é inconstitucional, isso não existe; as emendas ao orçamento precisam ser transparentes. Além disso, juridicamente, o ajuste a ser feito no Orçamento de 2023 pode vir por medida provisória”, avalia Teixeira. Entretanto, há um problema político, que precisa ser levado em consideração: um confronto com o Centrão nessa matéria seria desastroso para o governo Lula já na largada do mandato. “Precisamos levar em consideração o Congresso, é possível negociar uma PEC que regulamente as emendas e atenda aos parlamentares, com o governo estabelecendo prioridades que seriam observadas nas emendas de bancada, por exemplo”, sugere o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Suprema decisão
Quem terá de descascar o abacaxi é o vice-presidente Geraldo Alckmin, que coordena a equipe de transição e ontem nomeou os economistas que vão discutir o Orçamento: André Lara Resende, um dos idealizadores do Plano Real, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no governo Fernanda Henrique Cardoso; Persio Arida, outro dos pais do Plano Real, que presidiu o BNDES entre 1993 e 1994 e o Banco Central, em 1995; Guilherme Mello, professor de economia e coordenador do programa de pós graduação em desenvolvimento econômico da Unicamp, que foi assessor econômico da campanha de Lula; e Nelson Barbosa: ex-ministro do Planejamento e ex-ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff. A opinião da equipe econômica da transição é crucial para compatibilizar o que for aprovado com a política econômica do novo governo.
A opção pela PEC é defendida tanto pelo Centrão quanto por parlamentares ligados ao presidente Lula, mas há vozes críticas ao encaminhamento no próprio PT. “Estamos fazendo muitas concessões ao Centrão, não vejo necessidade de tratar desse assunto com tanta pressa, pois ele pode ser resolvido em janeiro”, questiona o ex-senador Lindhberg Farias, que também está voltando à Câmara como deputado federal eleito. Segundo ele, o economista José Roberto Afonso, com quem conversou, uma dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, sugeriu que o governo utilize a legislação vigente para gastar um duodécimo do Orçamento em janeiro e remanejar o Orçamento por medida provisória. Apesar da polêmica, a expectativa é de que a PEC comece a tramitar no Senado, assinada pelo líder do PT na Casa, senador Paulo Rocha (PT-PA), além de outros parlamentares de diferentes partidos. A bancada de senadores do PT votou a favor do orçamento secreto e da PEC das bondades.
Dentre as ações sobre a RP9, a mais importante é a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 854, apresentada pelo PSol. Ao analisar o caso em novembro de 2021, a ministra Rosa Weber suspendeu o pagamento das emendas. Depois, flexibilizou a decisão, permitindo o pagamento, desde que houvesse mais transparência. A derrubada das emendas RP9 pelo Supremo era considerada um confronto como o Congresso e o Centrão, mas a derrota do presidente Jair Bolsonaro, que perdeu a eleição, abre espaço para uma decisão que pode facilitar a vida do presidente Lula, sem impedir a negociação de um acordo com Congresso, que contemple o Centrão.
Boicote ao Fundo Amazônia foi "opção política" da gestão Bolsonaro
Nara Lacerda*, Brasil de Fato
O Brasil tem mais de R$ 3 bilhões de reais parados no Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), que deveriam ser destinados à preservação da floresta amazônica, mas foram desprezados pela gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Ao decidir que não iria cumprir as regras para uso dos recursos do Fundo Amazônia, o governo de extrema direita mandava um recado para a comunidade internacional: o país estava fora dos debates globais sobre preservação ambiental.
Em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato, a coordenadora de Política e Direito Socioambiental no Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, afirma que o boicote foi uma "opção política".
Em 2019, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, extinguiu os dois comitês responsáveis pela gestão dos recursos. A formação dos grupos, que atuam no controle e na aplicação do dinheiro, é uma obrigação contratual. Sem eles, o fundo deixa de existir.
"Nenhum país tirou dinheiro do Fundo Amazônia. Foi o governo Bolsonaro que fez a escolha de cancelar o funcionamento desses dois comitês. Foi uma opção política não utilizar esse recurso. Esse recurso só pode ser utilizado para conservação, fiscalização e promoção do desenvolvimento sustentável. O governo não conseguiria utilizar esse recurso para outros fins. Então, ele preferiu que não fosse utilizado, porque esse não era o objetivo da política dele para a Amazônia."
O descumprimento das condições exigidas pelos países financiadores do fundo sabotou um mecanismo importante e estremeceu as relações com outras nações. O estrago foi considerável, porque o Brasil sempre dependeu de cooperação internacional para políticas ambientais.
"Ficou evidente que quem tinha interesses que não eram adequados era o governo Bolsonaro. Isso é tão reconhecido internacionalmente, que já no processo eleitoral havia essa sinalização de que acredita-se que o governo Lula vá recompor essas instâncias."
Na semana seguinte à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas, Alemanha e Noruega – os dois financiadores do fundo – declararam que vão retomar o aporte de recursos para preservação da Amazônia.
Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo federal retome o mecanismo e recomponha os comitês responsáveis pela gestão dos recursos.
Enquanto o Fundo Amazônia estava parado, as taxas de desmatamento aumentaram em todos os biomas, principalmente na Amazônia. A devastação este ano já é 33% maior do que tudo o que foi registrado em 2021.
Confira abaixo entrevista completa.
Brasil de Fato: O que o Fundo Amazônia representa para a política de preservação ambiental no Brasil?
Adriana Ramos: O Fundo Amazônia foi criado para que o BNDES recebesse um recurso que foi, na época, destinado pelo governo norueguês. Depois teve um aporte também do governo alemão, reconhecendo os esforços na redução do desmatamento, que aconteceu exatamente a partir do primeiro mantado do governo Lula e até o início do primeiro mandato do governo Dilma.
O Brasil foi um dos países que mais reduziu emissões de gases que causam o efeito estufa com a redução do desmatamento. Nesse sentido, se qualificou como país que poderia receber recursos para investimentos nessa área. Como um pagamento por resultados que já tinham sido alcançados pelo governo brasileiro.
Esse fundo é administrado pelo BNDES, mas conta com dois comitês. O primeiro é um comitê técnico que atesta as taxas de desmatamento que estão sendo alcançadas no país para sinalizar quanto o país tem de resultados a aferir financeiramente.
O outro comitê é o comitê orientador do Fundo Amazônia, criado para reunir parte do governo federal, os governos estaduais da Amazônia e a sociedade civil, para discutir as grandes diretrizes de investimentos do fundo. Quais são as áreas que deveriam ser privilegiadas, como os projetos poderiam acontecer e poder ajudar o fundo a direcionar esforços para manter as políticas e ações que ajudam o desmatamento a ficar baixo.
Essa foi a lógica do fundo. Ele funcionou por praticamente dez ano, com muitas dificuldades já nos últimos tempos, em função dessa disputa muito grande de vários setores, como o agronegócio e a mineração, com pressão sobre a floresta.
Obviamente o fundo cumpre um papel fundamental, mas ele sozinho não dá conta do recado. Ele precisa estar ancorado em uma política. Ele foi criado no âmbito de prevenção e combate ao desmatamento, mas a desmobilização desse plano também afetou o fundo. Tendo em vista que não há esforço de investimento suficiente que resista a baixa aplicação da legislação e uma certa leniência com a ilegalidade, que nós vimos nos últimos quatro anos
Como ocorreu a extinção do Fundo Amazônia?
O que temos que entender é que nenhum país tirou dinheiro do Fundo Amazônia. Foi o governo Bolsonaro que fez a escolha de cancelar o funcionamento desses dois comitês, que eram uma condição contratual dos financiadores pra utilização dos recursos.
Mais de R$ 3 bilhões estão parados nas contas do BNDES desde o início do governo Bolsonaro. Foi uma opção política do governo Bolsonaro não utilizar esse recurso. Porque esse recurso só pode ser utilizado para conservação, fiscalização e promoção do desenvolvimento sustentável.
O governo não conseguiria utilizar esse recursos para outros fins, então ele preferiu que não fosse utilizado, porque esse não era o objetivo da política dele para a Amazônia.
O que aconteceu quando o fundo foi criado é que o contrato dos doadores com o BNDES tem as chamadas salvaguardas, exatamente para não permitir que o dinheiro seja usado para qualquer coisa. Uma delas é a existência desses comitês com a participação da sociedade.
Esses comitês é que definem as prioridades onde o recurso pode ser utilizado. Ao editar uma medida que cancelava o funcionamento desses comitês, o governo fez a opção por não utilizar o recurso.
Talvez eles tivessem a expectativa de que sem os comitês eles poderiam destinar o dinheiro como quisessem. É aí que essas medidas aparecem como salvaguardas, porque foram feitas exatamente para salvaguardar o interesse público diante de algum interesse específico que não fosse adequado aos objetivos do fundo. Ficou evidente que quem tinha interesses que não eram adequados era o governo Bolsonaro.
Isso é tão reconhecido internacionalmente que no processo eleitoral já havia essa sinalização de que acredita-se que o governo Lula vá recompor essas instâncias. Agora de qualquer maneira, porque a decisão do Supremo Tribunal Federal manda o governo, seja lá qual for, recompor essas instância.
Os doadores foram além, os resultados das eleições fizeram com que eles sinalizassem a vontade de continuar apoiando o fundo, além desse recurso que já está lá. O que é uma ótima notícia, porque a verdade é que o Brasil sempre dependeu de cooperação internacional para fazer suas políticas ambientais avançarem e, cada vez mais, vamos precisar disso.
Como é possível recuperar esse prejuízo de quatro anos?
Tem muita coisa para fazer. Eu acho que esse primeiro anúncio mostra que o presidente Lula ainda está na memória dos demais dirigentes como o presidente que mais reduziu o desmatamento no Brasil.
O fato de ele ter ao lado dele, nessa campanha de segundo turno, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, trazendo uma proposta que deu mais consistência à agenda ambiental no programa de governo, também é uma sinalização muito objetiva para quem já teve oportunidade de ver que essas pessoas juntas conseguiram fazer a diferença.
Agora, o desmonte é muito grande. Há centenas de medidas revogadas ou editadas que precisam ser revistas, porque todas as estruturas do sistema nacional do meio ambiente e do Ministério do Meio Ambiente foram alteradas.
O Observatório do Clima fez um mapeamento, no âmbito do projeto Brasil 2045, um mapeamento das políticas e das normas que precisam ser revistas. O grupo do Instituto Talanoa, Política por Inteiro, também produziu um material nesse sentido.
Então tem tudo muito sistematizado. São mudanças que vamos precisar que sejam feitas imediatamente, assim como a recomposição das instâncias do comitê do Fundo Amazônia, a recomposição da participação da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), todas as estruturas dos procedimentos de fiscalização e aferição de multas de crimes ambientais, que foram totalmente alteradas para beneficiar aqueles que estavam atuando de forma irregular.
Temos muita coisa que precisa ser refeita e estruturalmente, para que se possa começar a trabalhar no desenvolvimento de novas políticas.
O governo eleito de Lula sinaliza para a possibilidade de derrubar as medidas da gestão atual que representaram desmonte. No chamado revogaço prometido por Lula, quais são os pontos mais urgentes para o meio ambiente?
É muita coisa e muita coisa que é norma infralegal. Portarias, instruções normativas, que organizavam como uma burocracia funcionava e que foram alteradas.
Temos um exemplo no processo de fiscalização. O fiscal vai a campo, autua alguém que ele encontrou agindo de forma irregular e, na área ambiental, foi estabelecido um procedimento de que essa multa, antes de entrar no sistema direto do fiscal, ela tem uma verificação em uma instância acima do fiscal, que seria uma instância política para verificar se aquela multa vai adiante ou não.
Pequenas coisas que fazem muita diferença no sistema como um todo. Foi esse pente fino que as organizações ajudaram a fazer para poder identificar. Então são muitas medidas. Essa eu acho que ela é muito simbólica porque ela mostra como, ao alterar uma rotina de trabalho da fiscalização ambiental, você diminui a responsabilização por aqueles que agem na ilegalidade. Vai diminuir a forma de cobrar multa.
Tivemos, por conta dessas mudanças recentemente, muitas multas que estavam para expirar o prazo e aí é o poder público que perde. É o interesse público que perde quando você abre mão dessa cobrança.
Existem várias instâncias de conselhos que são importantes para definir como a política vai avançar. Medidas que revogaram essas instituições precisam ser revogadas para que as normas voltem a valer.
São coisas que mexem no dia a dia dos órgãos até grandes decisões, como as decisões no caso do Conama. Como você definir o que vai ser regulamentado no âmbito do Conselho, fortalecendo a instância de participação como a instância prioritária da política ambiental.
Já temos, inclusive, uma grande mobilização da sociedade civil. Nesta semana saiu uma carta do pessoal que trabalha com a Rede Brasileira de Educação Ambiental, pedindo a retomada de uma política nacional de educação ambiental. Existe uma legislação, mas foi tudo desmontado também. Tem várias áreas do governo em que isso vai precisar ser refeito.
Quais são as expectativas para a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27) e para a participação do presidente eleito no encontro?
O Brasil já vinha sendo representado só pela sociedade civil, com o governo não fazendo questão de se colocar nesse debate, e esse anúncio da ida do Lula gerou muita expectativa. Porque essa é uma COP que discute muito mais implementação do que grandes acordos. Os parâmetros dos acordos da convenção estão mais ou menos dados.
Então, para uma COP que vai discutir implementação, é animador que o país que detém a maior área de floresta tropical - portanto, uma área sensível e relevante para a agenda climática - esteja chegando com uma nova abordagem, com um novo governo e com um compromisso já anunciado pelo presidente Lula de implementação de políticas que são centrais no combate ao desmatamento.
É o caso da retomada da demarcação das terras indígenas, dos territórios, que são elementos centrais em qualquer estratégia de um país como o Brasil para lidar com essa questão. Então, é claro que o mundo se anima com a perspectiva de ter um ator importante nessa conversa, que é o Brasil, se colocando em outro patamar.
Obviamente vai ser uma coisa meio maluca, porque você vai ter a presença de um governo esvaziado e uma presença, que ainda não é governo, ainda é sociedade, mas que obviamente vai ter muito mais o que dizer do ponto de vista de compromissos futuros.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Quem são os (poucos) jogadores progressistas na lista de convocados de Tite para a Copa?
Felipe Mendes*, Brasil de Fato
Passadas as eleições, o noticiário começa, aos poucos, a dar espaço a outros assuntos de maior ou menor relevância. Entre eles, a Copa do Mundo do Catar, que começa em menos de duas semanas. Nesta segunda-feira (7) o treinador Tite anunciou a lista de convocados da Seleção Brasileira. E, como política e futebol se discutem, o Brasil de Fato buscou juntar as duas coisas: quem são os jogadores progressistas chamados para a Copa?
Uma certeza: são poucos. A minoria entre os 26 convocados.
Entre eles, o mais engajado provavelmente é o atacante Richarlison, atacante do Tottenham, clube da Inglaterra. Campeão olímpico, ele chega à Copa com moral. E quando o assunto é política, ele marca posição.
Leia também: Política em Copa do Mundo? Na Seleção Brasileira só é ok se for de direita
Capixaba de Nova Venécia, Richarlison tem história de vida comum a muitos jogadores: infância pobre, ascensão social rápida por causa da bola. Sem esquecer do passado, ele procura colaborar em diversas causas sociais e políticas.
"Cara, eu já passei muito perrengue na minha vida. Eu acho que é só uma questão de se colocar no lugar de quem tá passando por uma situação difícil, ter empatia. E quem sou eu pra medir a dor dos outros? Mas acredito que, no momento, o que mais tem me chocado são os casos de racismo, além da causa ambiental", disse, em entrevista recente ao portal UOL.
No auge da pandemia de covid-19, por exemplo, o jogador se aliou à Universidade de São Paulo (USP) e ajudou a arrecadar recursos para desenvolvimento de pesquisas científicas.
"Quando a pandemia começou a gente tinha pouca informação e não sabia muito bem o que estava acontecendo. Eu fiquei muito inquieto preso dentro de casa sem saber direito o que fazer. Aí junto com meu staff resolvi concentrar as ações em um só lugar e na divulgação de informação correta e útil para o povo, usando minhas redes sociais e as minhas aparições na imprensa também", contou ao UOL.
Na mesma entrevista, Richarlison deixou claras algumas de suas referências. Atletas como o piloto de fórmula 1 britânico Lewis Hamilton e o jogador de basquete estadounidense LeBron James, que também se dedicam a causas sociais e políticas.
Hora certa para votar
A entrevista que Richarlison deu ao UOL, citada neste texto, tem o título "Fora da curva". Nada mais justo. Posicionamentos progressistas entre jogadores brasileiros são minoria.
Entre os 26 convocados por Tite, são raros os que ao menos deixam escapar alguma tendência à esquerda.
O meia Everton Ribeiro, jogador do Flamengo, é discreto de maneira geral. Na família, quem costuma se expressar bastante nas redes sociais é a esposa, a publicitária Marília Nery, com quem é casado há 15 anos.
Em vários momentos, Nery já deixou claro o posicionamento contra o presidente Jair Bolsonaro (PL): "Gente, eu nunca escondi que sou contra esse governo desde que vi a primeira entrevista do atual presidente no extinto CQC", postou no Twitter em 2020. Se não confirma o apoio às posições políticas da esposa, o jogador ao menos não foge de estar ao lado dela em algumas manifestações.
No último dia 30, dia da votação em segundo turno que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o terceiro mandato à presidência, o casal apareceu junto em imagem no Instagram comemorando o terceiro título flamenguista na Taça Libertadores. Ela fez questão de dizer que precisavam "correr para votar", e deixou registrado o horário: "10:03". Os torcedores progressistas mais atentos identificaram (ou desejaram ver) uma referência ao 13 de Lula.
No mesmo dia, Ribeiro foi um dos poucos jogadores do Flamengo que não posou ao lado de Bolsonaro, que foi à base aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, recepcionar o time após a conquista da Libertadores. O jogo decisivo, contra o Athletico-PR, foi realizado no Equador.
Esposa de Everton Ribeiro, Marília Nery posa com o jogador e diz que quer "correr para votar" / Reprodução/Instagram
Se os (possíveis) votos em Lula entre os jogadores foram envergonhados, muitos atletas bolsonaristas não tiveram o mesmo pudor. Basta falar de Neymar, que se engajou na campanha à reeleição do hoje candidato derrotado, tendo feito postagens com dancinhas e participado de lives com o ainda presidente.
Outros jogadores da seleção, como o zagueiro Thiago Silva, também declararam voto no candidato que viria a ser derrotado. Companheiro de time de Everton Ribeiro, o atacante Pedro, também chamado à Copa, foi um dos jogadores do Flamengo que embarcaram com Bolsonaro em um passeio de helicóptero pelos céus do Rio de Janeiro após a chegada ao Brasil do elenco campeão da Libertadores no dia do segundo turno da eleição.
E Tite?
O treinador da Seleção, que vai para sua segunda Copa, já falou mais de uma vez que não pretende se encontrar com Bolsonaro "nem se ganhar, nem se perder" o Mundial. O treinador afirma que não gosta de misturar futebol e política, e procura postrar postura isenta.
Uma imagem gravada após a final da Copa América de 2019, porém, deixou alguns indícios. O presidente tentou dar um abraço efusivo no treinador, que recebia premiação pela conquista no estádio do Maracanã. Tite permitiu apenas um cumprimento protocolar, que contrastou com o caloroso abraço que teve na sequência com o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo.
Pode não dizer nada, mas também pode dizer alguma coisa.
Confira abaixo a lista completa de jogadores brasileiros convocados para a Copa do Mundo do Catar:
GOLEIROS
Alisson - Liverpool (ING)
Ederson - Manchester City (ING)
Weverton – Palmeiras (BRA)
LATERAIS
Alex Sandro - Juventus (ITA)
Alex Telles - Sevilla (ESP)
Dani Alves – Pumas (MEX)
Danilo - Juventus (ITA)
ZAGUEIROS
Bremer - Juventus (ITA)
Éder Militão - Real Madrid (ESP)
Marquinhos - Paris Saint Germain (FRA)
Thiago Silva - Chelsea (ING)
MEIAS
Bruno Guimarães - Newcastle (ING)
Casemiro - Manchester United (ING)
Everton Ribeiro - Flamengo (BRA)
Fabinho - Liverpool (ING)
Fred - Manchester United (ING)
Lucas Paquetá - West Ham United (ING)
ATACANTES
Antony - Manchester United (ING)
Gabriel Jesus – Arsenal (ING)
Gabriel Martinelli – Arsenal (ING)
Neymar Jr. - Paris Saint Germain (FRA)
Pedro – Flamengo (BRA)
Raphinha - Barcelona (ESP)
Richarlison - Tottenham (ING)
Rodrygo - Real Madrid (ESP)
Vinicius Jr. - Real Madrid (ESP)
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Bloqueios de Moraes pós-eleição incluem resolução nova e inquérito do STF
Após o segundo turno da eleição presidencial, o Judiciário já deu diferentes decisões de bloqueio de contas em redes sociais e derrubadas de grupos de WhatsApp e Telegram.
Entre os alvos mais recentes estiveram a deputada Carla Zambelli (PL-SP), os deputados federais eleitos Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO), além do economista Marcos Cintra (União Brasil-SP), que foi secretário da Receita Federal no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Tais decisões se inserem em um contexto de manifestações extremistas e antidemocráticas que questionam o resultado da eleição e pedem golpe.
Além disso, também há uma campanha constante de disseminação de afirmações falsas e teorias conspiratórias sem embasamento de que teria havido fraude no pleito deste ano.
Apesar deste cenário, também há críticas por parte de especialistas, como no caso de Cintra.
Ele foi alvo de decisão do presidente do TSE e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das milícias digitais no Supremo, mas a avaliação é a de que a decisão não fundamenta qual seria sua ligação com a organização criminosa investigada.
Cintra fez uma série de tuítes reverberando informações não verificadas de questionamentos das urnas com base em uma live divulgada em canal argentino na última sexta-feira (4).
Já a decisão quanto à conta de Zambelli partiu do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), depois de a deputada fazer postagens de incentivo aos movimentos de cunho golpista.
Nikolas e Gayer, que também disseminaram o vídeo do canal argentino, disseram por meio de perfis não afetados por suspensão que as decisões também partiram do TSE.
Qual base a Justiça Eleitoral tem usado para remover conteúdos, contas e grupos? A dez dias do segundo turno o TSE aprovou uma nova resolução que ampliou seus poderes de modo inédito. Ela afirma que o TSE pode, "em decisão fundamentada", determinar a imediata remoção de conteúdos das redes sociais considerados "inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral". Com isso, o TSE passou a poder agir de ofício, ou seja, sem ser provocado por candidaturas ou Ministério Público Eleitoral, para lidar com desinformação sobre as urnas, por exemplo.
A resolução do TSE também permite a suspensão temporária de perfis, contas ou canais, nos casos em que haja "produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral".
O TSE pode remover conteúdo após o segundo turno? Apesar de o segundo turno da eleição já ter passado, o entendimento de especialistas é que o tribunal ainda pode tomar decisões com base na resolução.
Marcelo Weick, advogado eleitoral e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), entende que o marco que tem sido considerado é a diplomação dos eleitos, ato que ocorre em dezembro. "É a certificação do término do processo eleitoral como um todo, e garantir ao candidato a aptidão pra ele tomar posse", explica.
Há também quem faça uma avaliação mais ampliada e entende que essa possibilidade permanece mesmo após a diplomação, como é o caso do Carlos Affonso Souza, diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade).
"Acredito que o TSE pode decidir sobre os casos enquanto os alegados crimes e infrações não venham a prescrever", afirma ele.
Atuação proativa do TSE é adequada? As íntegras das decisões seguem sob sigilo, o que dificulta a análise sobre a fundamentação de cada uma delas. Ainda assim, de modo geral, especialistas entendem que as medidas tomadas pelo Judiciário são apropriadas frente ao cenário de intensa campanha de desinformação sobre as urnas e de ameaça à integridade do processo eleitoral.
Para Paulo Rená, que é codiretor do Aqualtune Lab, ONG integrante da Coalizão Direitos na Rede, a atuação proativa do TSE é também reflexo da falta de moderação feita pelas redes sociais, que, apesar de terem assinado compromissos com o tribunal de combate à desinformação, não atuaram de forma tão intensa na remoção de conteúdo falso contra as urnas.
Clara Iglesias Keller, pesquisadora no Centro de Ciências Sociais de Berlim, diz acreditar que, apenas dentro dos próximos meses, será possível ter uma análise apropriada sobre as decisões, mas destaca a atuação do tribunal.
"Nessas eleições o TSE foi a nossa única barreira institucional contra a desinformação", diz ela, que destaca que a desinformação é um complexo problema social.
"Os debates legislativos não caminharam a tempo e o tribunal se viu diante de um problema cujas raízes e efeitos estão muito além das suas competências."
Quando os ataques às urnas e defesa de golpe ultrapassam os limites da liberdade de expressão? Weick (UFPB) avalia que as decisões mais recentes têm tido preocupação em estancar ataques coordenados, dentro de um ecossistema de disseminação massiva de desinformação. Por isso avalia que é preciso considerar esse contexto nas decisões, dado que não são postagens isoladas.
"Você constrói ardilosamente um documento falso, manipulado, em que você coloca informações completamente descontextualizadas, sem rigor científico-acadêmico adequado", diz. "E a partir daí você começa a projetar uma série de comentários, de personalidades fazendo essa projeção, você catapulta essa desinformação."
De acordo com o procurador Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, proibir pessoas de lamentar nas ruas um resultado eleitoral, sem armas, ameaças ou violências, "seria tão impróprio quanto proibi-las de comemorá-lo".
Ele faz a ressalva contudo que, "se a manifestação, inclusive pela internet, tiver por objetivo incentivar a prática de crimes, entre eles os da Lei dos Crimes contra o Estado democrático de Direito, então ela já não terá proteção legal".
Quais as críticas à decisão de suspensão da conta de Cintra? Cintra não teve a conta no Twitter bloqueada com base na resolução do TSE. Ele foi incluído no inquérito das milícias digitais que tramita no STF. Apesar disso, não é possível depreender quais os elementos que permitiram a ligação do economista com a organização criminosa investigada. Essa é a avaliação tanto de Souza quanto de Weick e Rená, consultados pela reportagem com base na decisão.
Nela, Moraes afirma que Marcos Cintra utiliza as redes sociais para atacar as instituições democráticas e o próprio Estado democrático de Direito. E aponta que suas ações podem configurar crimes eleitorais.
"E as urnas, TSE? Tenho razões para não concordar com Bolsonaro… falta de preparo e de cultura, baixa capacidade de liderança, e comportamento inadequado para presidir um país como o Brasil. Mas as dúvidas que ele levanta sobre as urnas merecem respostas. Verifiquei os dados do TSE e não vejo explicação para o JB ter zero votos em centenas de urnas. Ex. Roraima, e em São Paulo, como em Franca, Osasco e Guarulhos", foi um dos trechos dos sete tuítes publicados por Cintra.
Moraes ainda cita que o inquérito foi instaurado devido a indícios e significativas provas apontando "a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político" com a nítida finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito, de modo semelhante ao identificado no inquérito das fake news.
*Texto publicado originalmente no site da Folha de S. Paulo
Nas entrelinhas: Lula inicia montagem de sua base no Congresso
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje a Brasília com um a agenda carregada, na qual constam reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber. Do ponto de vista prático, isso significa que está operando a transição de governo junto aos demais Poderes, o que deve esvaziar ainda mais o poder do presidente Jair Bolsonaro nos dois meses que lhe restam de mandato. Indagado sobre as tensões políticas pós-eleitorais, um ministro do Supremo que dialoga com os dois lados minimizou a importância dos protestos realizados por bolsonaristas no fim de semana: “Lula já assumiu o vértice do sistema de poder”, ou seja, a alta burocracia federal já o pera a transição político-administrativa como deve ser.
O presidente Jair Bolsonaro, a propósito, continua sem agenda relevante e digerindo o resultado das eleições. Suas declarações são de líder da oposição. Até hoje não reconheceu formalmente a derrota nem cumprimentou o presidente eleito. Em seu pronunciamento após a eleição, deixou claro que considera seu grande legado a formação de uma direita organizada no Brasil. É a primeira vez que um político na Presidência da República se assume como um líder de direita. Líderes da antiga UDN, por exemplo, que eram a expressão da direita golpista durante a guerra-fria, jamais assumiram essa condição. Todos se diziam liberais, como Eduardo Gomes, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto.
Os encontros com Lira e Pacheco são importantes para a construção da base parlamentar no novo governo e a viabilidade das medidas dos primeiros 100 dias de governo. O Orçamento de 2023 é uma bomba de efeito retardado, porque não prevê recursos para o Auxílio Brasil e para as políticas públicas. Por exemplo, verbas para a campanha de vacinação contra a Covid-19, que já dá sinais de que está voltando. Essa negociação é crucial, mas depende também de decisões sobre a equipe econômica do novo governo. A incorporação dos economistas André Lara Resende, Persio Arida e Guilherme Melo na equipe de transição descontentou os economistas do PT, que tinham expectativa de que o ex-senador Aloizio Mercadante fosse anunciado para comandar a política econômica do novo governo.
Governabilidade
A conversa de Lula com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, coordenador da equipe de transição e responsável pela incorporação dos economistas do Plano Real, ontem, pode ter resultado na indicação do futuro ministro da Fazenda (ou da Economia, se for mantida a nomenclatura atual). É preciso pôr fim às especulações no mercado, que estão provocando instabilidade no câmbio e nas ações da Bovespa. Por exemplo, no caso da Petrobras, havia uma quase certeza no mercado financeiro de que a empresa seria privatizada, caso Bolsonaro fosse eleito. Essa possibilidade está descartada, mas ainda permanecem grandes dúvidas quanto à política de preços e as prioridades de investimentos da petroleira.
Pelo acordado durante o fim de semana, Lula deve se reunir com a equipe de transiçao para definir uma solução para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, na tentativa de acomodar a extensão do Auxílio Brasil de R$ 600 para 2023. As conversas de Lula com Pacheco (PSD-MG) e Lira (PP-AL) são fundamentais para a governabilidade do novo governo. No caso de Pacheco, a relação é fundamental para o êxito do governo Lula, porque é uma Casa revisora e que sempre cumpriu um papel relevante no sentido de garantir a governabilidade. Além disso, Pacheco é o mais importante representante do PSD no Congresso, legenda que já negocia, por meio de seu presidente, Gilberto Kassab, sua participação no governo. Partido de centro-direita , a legenda tem 11 senadores e 42 deputados.
Uma conversa estratégica é com Arthur Lira, que controla o Orçamento da União. Seu partido foi a viga mestra da base de sustentação do governo, sob comando do presidente da legenda, Ciro Nogueira, o ministro da Casa Civil e responsável pelo diálogo entre o atual governo e os integrantes da equipe de transição de Lula. O caminho crítico da relação entre Lula e Lira é a eleição para a Presidência da Câmara, chave para os dois primeiros anos de mandato de Lula. Hoje, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, deve revelar se a legenda do presidente Jair Bolsonaro lançará candidato a presidente da Câmara ou apoiará Lira.
Outro elemento complicador na relação com o Congresso é a posição do MDB, cujo presidente, Baleia Rossi (SP), foi adversário de Lira na sucessão de Rodrigo Maia, em 2020. O Renan Calheiros, por cacique da legenda e adversário de Lira, já critica Lula, porque estaria cedendo demais às exigências do Centrão. Com 42 deputados e dez senadores, o MDB saiu muito fortalecido da eleição. Sua candidata, Simone Tebet, foi decisiva para a eleição de Lula e deve integrar o novo governo. O MDB discute com o PSDB o Cidadania e o Podemos a formação de uma frente parlamentar no Congresso e, talvez, uma federação das quatro legendas.
Para aprovar a tal PEC da Transição, Lula precisará contar com o apoio de 219 deputados e 14 senadores que não foram reeleitos.
Câmara emite parecer esclarecendo que artigo 142 da Constituição não autoriza intervenção militar
A Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados emitiu parecer esclarecendo que o artigo 142 da Constituição Federal não autoriza uma intervenção militar a pretexto de “restaurar a ordem”. “Não existe país democrático do mundo em que o Direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os Poderes constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional”, diz o documento.
O artigo 142 diz: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Segundo o parecer, emitido na quarta-feira (3), trata-se de "fraude ao texto constitucional" a interpretação de que as Forças Armadas teriam o poder de se sobrepor a “decisões de representantes eleitos pelo povo ou de quaisquer autoridades constitucionais a pretexto de ‘restaurar a ordem’".
Assinado pelo secretário-geral da Mesa, Leonardo Barbosa, o documento diz que nenhum dispositivo constitucional e legal faz referência a uma suposta atribuição das Forças Armadas para o arbitramento de conflitos entre Poderes. “Jamais caberá ao presidente da República, nos marcos da Constituição vigente, convocar as Forças Armadas para que indiquem ao Supremo Tribunal Federal qual é a interpretação correta do texto constitucional diante de uma eventual controvérsia entre ambos”, diz o parecer.
Segundo o documento, “eventuais conflitos entre os Poderes devem ser resolvidos pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes no texto constitucional, ao estabelecer controles recíprocos entre os Poderes. São eles que fornecem os instrumentos necessários à resolução dos conflitos, tanto em tempos de normalidade como em situações extremadas, que ameacem a própria sobrevivência do regime democrático e da ordem constitucional”.
Democracia
O parecer afirma que, em uma democracia constitucional, “nenhuma autoridade está fora do alcance da Lei Maior”. “A autoridade de que dispõe o presidente da República é suprema em relação a todas as demais autoridades militares, mas, naturalmente, não o é em relação à ordem constitucional.”
“Não há qualquer fragmento normativo no texto constitucional ou em qualquer outra parte do ordenamento jurídico brasileiro a autorizar a mediação ou mesmo a solução dos conflitos entre os Poderes da União pelas Forças Armadas. Mais: certamente as Forças Armadas não pretendem exercer tais supostas atribuições e tampouco estão aparelhadas a fazê-lo”, diz ainda o parecer.
*Texto originalmente publicado no site da Agência Câmara de Notícias
Ataques russos deixam 4,5 milhões sem energia na Ucrânia
DW Made for Minds*
Os ataques russos à infraestrutura civil da Ucrânia deixaram nesta quinta-feira (03/11) cerca de 4,5 milhões de ucranianos sem energia – o equivalente a 10% da população do país antes do início da guerra – , afirmou o presidente Volodimir Zelenski, acrescentando que a falta de eletricidade ocorreu em Kiev e em outras dez regiões.
Zelenski pediu ainda que as autoridades locais economizem energia, desligando letreiros, vitrines e placas. "Se alguém fica sem eletricidade por oito ou dez horas, e tudo está ligado, incluindo a iluminação pública do outro lado da rua, é definitivamente injusto", ressaltou.
Segundo o chefe de Estado ucraniano, a Rússia está usando "terror energético" e atacando instalações elétricas do país porque não pode derrotar a Ucrânia no campo de batalha.
"Que a Rússia tenha recorrido ao terror contra a indústria energética mostra a fraqueza do inimigo. Não podem derrotar a Ucrânia no campo de batalha, e é por isso que estão tentando quebrar nosso povo dessa maneira", declarou o presidente ucraniano em seu habitual discurso noturno.
Mencionando que os ataques russos às instalações energéticas do país "não param um único dia" e terão que receber "uma poderosa resposta global", Zelenski frisou que o desafio de suportar o "terror energético russo" é agora a "tarefa nacional" de todos os ucranianos,
Com a aproximação do inverno, há semanas, a Rússia vem focando os bombardeios na Ucrânia em alvos civis, numa aparente tentativa de deixar a população no escuro e no frio nos próximos meses. Os ataques já destruíram cerca de um terço das estações de energia do país, e o governo ucraniano vem pedindo que a população economize eletricidade ao máximo.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia já obrigou mais de 13 milhões de ucranianos a deixarem suas casas. Destes, mais de 7,7 milhões buscaram segurança em países europeus, segundo os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A guerra já matou mais de 6.400 civis e feriu 9,800.
cn/av (Reuters, Lusa, EFE, AFP)
*Texto publicado originalmente no site Made for Minds
Atos que questionam as eleições "serão tratados como criminosos", diz Moraes
Brasil de Fato*
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, afirmou nesta quinta-feira (3) que os responsáveis por protestos que questionam o resultado das eleições "serão tratados como criminosos" e suas responsabilidades serão apuradas. A fala dura contra os atos bolsonaristas que se espalharam pelo país depois do encerramento das eleições foi feita na primeira sessão do TSE após o pleito do dia 30 de outubro.
"Aqueles que criminosamente não estão aceitando, que estão praticando atos antidemocráticos, serão tratados como criminosos e as responsabilidades serão apuradas", afirmou o ministro.
Militantes bolsonaristas trancaram estradas e rodovias em todo o país em atos contra a eleição de Lula e pedindo intervenção militar. Os bloqueios de caráter antidemocrático começaram ainda na noite do domingo e se espalharam por diversos estados do país.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, em boletim divulgado às 20h20 desta quarta-feira (2), há 126 interdições ou bloqueios em estradas federais pelo país. Outros 732 pontos de manifestação já teriam sido dispersados.
As ações golpistas foram indiretamente legitimadas pela recusa de Bolsonaro em declarar que aceita a vitória de Lula. Em seu primeiro pronunciamento, feito quase 48horas após a derrota, na terça-feira (1), afirmou a legitimidade dos atos pela "injustiça" da eleição. Depois de repercussão negativa, ele voltou a falar na noite desta quarta, agora pedindo diretamente aos manifestantes para liberarem as estradas.
"As eleições acabaram, o segundo turno acabou democraticamente no último domingo. O TSE proclamou o vencedor, o vencedor será diplomado até dia 19 de dezembro e tomará posse em 1º de janeiro de 2023. Isso é democracia, isso é alternância de poder, isso é estado republicano", garantiu.
Comparecimento e eficiência
O ministro parabenizou a atuação da Justiça e do Ministério Público eleitorais na condução das eleições e também os eleitores. "Quero parabenizar a sociedade, as eleitoras, os eleitores, que em sua maioria massacrante são democratas, acreditam na democracia, no Estado de Direito. Compareceram, votaram em seus candidatos e aceitaram democraticamente o resultado das eleições."
Moraes também destacou o comparecimento de 79,41% do eleitorado, chegando a quase 125 milhões de eleitores. "Houve efetivamente a participação maciça do eleitorado, e o brasileiro demonstrou a total confiança nas urnas eletrônicas", ressaltou.
"Somos uma das quatro maiores democracias do mundo, mas a única que proclama o resultado no mesmo dia. Três horas após o final da eleição nós já sabíamos quem será o novo presidente e vice-presidente da República, mostrando a eficiência, a rapidez e a competência das urnas eletrônicas".
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato. Título editado