Revista online | Um revolucionário cordial em revista
Daniel Costa*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Entre as efemérides lembradas em 2022 está a criação do Partido Comunista do Brasil, e no bojo deste acontecimento a Fundação Astrojildo Pereira (FAP), em parceria com a Boitempo, promoveu a reedição da obra do militante, que, animado pelos ecos da Revolução Russa, fundaria em 1922 o PCB. Astrojildo Pereira publicou cinco livros - esgotados há anos -, são eles: Crítica Impura; Formação do PCB; Interpretações; Machado de Assis e URSS Itália Brasil. Ele foi, segundo Dainis Karepovs, "um homem de paixões e convicções inquebrantáveis e duradouras". A reedição de sua obra possibilita às novas gerações desvendar os caminhos trilhados por aquele que pode ser considerado o pioneiro na defesa da construção de uma esquerda democrática.
O professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni classifica Astrojildo como um homem "antidogmático e antissectário por essência”. “Astrojildo bateu-se sempre por uma política radical e ampla para os comunistas", acrescentou. A tarefa a qual se impôs pode ser vista como uma das hipóteses para o apagamento, por parte de setores da esquerda, de sua produção intelectual e relevância para a construção do movimento comunista no país.
Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras
Crítica Impura, o último trabalho publicado por Astrojildo, foi editado em 1963. Como afirma o jornalista Paulo Roberto Pires, a obra "é um livro datado - e nisso está sua qualidade -", reunindo 49 ensaios publicados entre as décadas de 1930 e 1960. Além de trazer questões candentes a seu tempo, oferece ao leitor reflexões acerca da obra de autores como Eça de Queiroz e José Lins do Rego. Dividida em três partes: ensaios e notas de leitura; testemunhos sobre a nova China e cultura e sociedade, a publicação mostra a versatilidade daquele que foi muito além de um dirigente político. A edição conta com o prefácio assinado pela jornalista Josélia Aguiar e ensaio escrito pelo filósofo Leandro Konder, em anexo.
Formação do PCB, lançado originalmente em razão da comemoração dos 40 anos de fundação do partido, foi seu penúltimo livro. Procurando criar uma narrativa histórica das origens do comunismo no país, é o trabalho do autor que mais ganhou reedições. Partindo de artigos e notas publicadas na imprensa, documentos pessoais e a própria memória, Astrojildo aborda as lutas operárias ocorridas nos últimos anos do século XIX e a criação das bases que culminaram na fundação do PCB. Segundo José Antonio Segatto, a reedição do livro, "no momento em que se comemora o centenário de fundação do partido do qual Astrojildo Pereira foi o principal protagonista de sua criação, além de ser uma homenagem mais que justificável, recoloca a questão histórico-política da luta pela emancipação das classes subalternas, num país iníquo ao extremo, com os direitos de cidadania constantemente aviltados e com uma democracia contingente e restrita".
Sem medo de cometer o pecado capital dos historiadores, ou seja, ser anacrônico, podemos constatar que boa parte das batalhas travadas por Astrojildo no alvorecer do século XX seguem atuais. Além do prefácio assinado por Segatto, a edição conta com importante escrito de Astrojildo em anexo, publicado em 1918. O texto A Revolução Russa e a imprensa questiona o tratamento dado pela imprensa aos acontecimentos referentes à Revolução Russa.
Confira, a seguir, galeria de imagens:
Interpretações, talvez, seja o trabalho menos conhecido de Astrojildo, mesmo com alguns dos textos aparecendo em outras coletâneas ao longo dos anos. Dividido em três partes, Romances brasileiros; História política e social e Guerra e após-guerra, o livro traz, nas palavras de Pedro Meira Monteiro, "a sensibilidade aguda de um crítico que mergulha nos textos, buscando a malha tensa do social, em suas contradições mais fundamentais".
Percorrendo a obra de Machado de Assis, Lima Barreto e Graciliano Ramos, Astrojildo ainda discutirá o papel desempenhado por Rui Barbosa no processo que culminaria na abolição da escravidão. O prefácio da edição é assinado pelo professor Flávio Aguiar, e apresenta, como anexo, o ensaio intitulado "Meu amigo Astrojildo Pereira", escrito por Nelson Werneck Sodré e publicado em 1990, e "As tarefas da inteligência", de Florestan Fernandes, publicado em 1945, ainda sob o calor da publicação da primeira edição do livro.
Machado de Assis, um dos trabalhos mais conhecidos de Astrojildo, teve sua primeira edição em 1959. Desde então, ganhou nova edição em 1990 e outra, em 2008, quando foi comemorado o centenário do bruxo do Cosme Velho. Reunindo estudos publicados em revistas e jornais, o livro pode ser colocado na prateleira dedicada às grandes obras que procuraram discutir a formação da nossa identidade. A riqueza está no pioneirismo de sua análise, pois, por meio da lente do intelectual comunista, Machado de Assis deixou de ser visto como alguém indiferente ao Brasil do século XIX, e sim um escritor que realizou pertinente críticas às desigualdades e contradições da sociedade em sua época. A edição traz prefácio de José Paulo Netto e, como anexos, textos de Euclides da Cunha, Rui Facó e Otto Maria Carpeaux, além de Machado de Assis é nosso, é do povo, de Astrojildo, publicado em 1938, por ocasião dos 30 anos do falecimento de Machado de Assis.
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URSS Itália Brasil, seu livro de estréia, foi lançado em 1935. Reunindo textos publicados entre 1929 e 1934, a obra buscava difundir o ideário comunista pelo país. É dividido em três partes, cada uma dedicada aos países que dão título à publicação. A edição conta com prefácio de Marly Vianna e apresentação de Heitor Ferreira Lima.
Por fim, destaco a reedição da biografia escrita pelo historiador Martin Cezar Feijó, O revolucionário cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma política cultural mostra as várias faces de Astrojildo, do militante político ao intelectual amante dos livros e da literatura. Segundo Feijó, sua obra pode ser vista como uma "reflexão sobre um revolucionário que soube ser cordial num contexto de brutalidade".
Com a publicação das obras de Astrojildo Pereira e da biografia escrita por Feijó, o público passa a ter acesso ao pensamento daquele que foi "um revolucionário cordial à frente de seu tempo, tempo este sombrio, pouco dado a cordialidades". No momento em que a sociedade passa a ter esperança na reconstrução da democracia, pensar como e com Astrojildo pavimenta o caminho para a construção de uma esquerda plural e democrática.
Sobre o autor
*Daniel Costa é historiador pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e desenvolve pesquisa acerca da corrupção na América portuguesa ao longo do século XVIII.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: A transição de Lula parece a Democracia Corinthiana
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Uma das páginas mais interessantes da história do futebol brasileiro foi o surgimento da Democracia Corinthiana na década de 1980, um movimento que marcou a história do Timão paulista e representou, àquela época, o engajamento de um clube de futebol na luta pela redemocratização do país, com a participação dos craques do time, principalmente Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon, na campanha das Diretas, Já.
Internamente, o futebol do Corinthians passou a ser administrado de forma revolucionária, num modelo de autogestão no qual todas as decisões importantes do dia a dia, inclusive contratações e escalações, eram tomadas por toda a equipe, na base do “cada cabeça um voto”, do roupeiro do time ao técnico Mário Travaglini. O sociólogo Adilson Monteiro Alves, diretor de futebol do clube na época, foi o pai dessa criança. O filho dele, Duílio Monteiro Alves, ocupa o mesmo cargo atualmente e pode ser candidato à Presidência do clube.
Em sintonia com a conjuntura política, com um time muito competitivo, a Democracia Corinthiana conquistou as simpatias dos torcedores em todo o país e empolgou a “Fiel”, sua grande torcida, principalmente por ter conquistado o Paulistão, em 1982 e 1983. Entretanto, quando Sócrates se transferiu para o Fiorentina, na Itália, começou a se esvaziar. O craque cumprira a promessa de que deixaria o país se a Emenda Dante de Oliveira, que restabeleceria as eleições diretas para presidente da República, não fosse aprovada.
O nome “Democracia Corinthiana” foi cunhado pelo publicitário Washington Olivetto, que também criou uma marca inspirada na tipologia da Coca-Cola. Ela foi estampada na camisa alvinegra em algumas partidas, assim como as frases “Diretas, Já” e “Eu quero votar para presidente”. Com a perda de seu principal líder dentro e fora do campo, os fracassos em campo e a derrota de Adilson Monteiro nas eleições para a Presidência do clube em 1985, a Democracia Corinthiana deixou de existir.
A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, coordenada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, parece a Democracia Corinthiana. A impressão é de que ainda não existe um estado-maior do futuro governo Lula, que deveria ser o núcleo central da transição. Tem muita gente falando e agindo de forma descoordenada, o que passa a má impressão de a equipe estar mergulhada numa disputa interna pelos ministérios, o que gera insegurança no mercado e frustra expectativas dos agentes econômicos.
Bumba meu boi
A bagunça maior é na equipe de transição na área econômica, na qual já está evidente uma disputa entre seus integrantes. Ontem, houve uma manifestação pública dos economistas Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, que advertiram Lula de que a responsabilidade fiscal será avalista do sucesso de seu terceiro mandato. A síntese da carta aberta dos três economistas é essa. Na sequência, no final da tarde de ontem, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega renunciou à participação na equipe.
Legalmente, a equipe de transição coordenada por Geraldo Alckmin tem 14 pessoas nomeadas, de um total de 50 cargos previstos em lei, com remuneração. Entretanto, a equipe já conta com 31 grupos temáticos, cada um empenhado em ter o seu o próprio ministério, e mais de 300 pessoas indicadas para esses grupos de trabalho, a maioria por representação política dos partidos que apoiaram Lula no primeiro e no segundo turnos da eleição, e não necessariamente pela qualificação e experiência técnica de cada um. O critério para formação desse time não parece ser construir a passagem segura de comando na administração, sem interrupção de seu funcionamento, principalmente nas atividades-fim. Tem muita gente falando e jogando para a arquibancada, e não para a equipe.
É preciso um freio de arrumação na transição, não somente na área econômica, na qual o próprio presidente Lula vem dando declarações que miram seus eleitores, mas confronta os agentes econômicos, o que provoca alta do dólar, queda do valor de ações na Bovespa e expectativas negativas de investidores. É quase uma autossabotagem. Ao mesmo tempo em que manda sinais positivos para os parceiros internacionais na questão ambiental, anula seu próprio desempenho com declarações desastrosas sobre a economia.
Não tem para onde correr. Se não quer tumultuar o começo de seu mandato, fazendo o jogo que o presidente Jair Bolsonaro gostaria que fizesse, para melar a transição, Lula precisa anunciar o nome do seu ministro da Fazenda e começar a tratar da montagem de seu ministério, porque a administração pública é uma estrutura complexa e hierarquizada, que não funciona na base do bumba meu boi, com todo respeito pelas nossas tradições populares.
Morre Isabel, aos 62, ícone do vôlei brasileiro e ativista
Mônica Bergamo, Bruno Lucca e Josué Seixas*, Folha de S. Paulo
A jogadora de vôlei Isabel Salgado morreu na madrugada desta quarta-feira (16), aos 62 anos, no hospital Sírio Libanês, em São Paulo. A ex-atleta foi acometida de uma pneumonia que se agravou, levando a um quadro de síndrome aguda respiratória.
"Confirmamos a partida de uma das atletas mais importantes que este país teve. No momento, a família está reunida, e não teremos nenhuma declaração. Pedimos a compreensão de todos. Isso será feito assim que possível", disse a assessoria.
Ela estava bem até a semana passada, segundo relato de amigos.
Na última segunda-feira (14), Isabel havia sido anunciada pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, como integrante do grupo de trabalho de esporte na transição para o governo Lula.
Isabel Salgado nasceu no Rio de Janeiro, no dia 2 de agosto de 1960. Ela começou a jogar vôlei no Flamengo aos 12 anos e foi campeã brasileira em 1978 e 1980. O destaque no clube a levou à seleção brasileira, e ela logo ganhou espaço no time. Defendeu o Brasil nos Jogos Olímpicos de Moscou (1980) e de Los Angeles (1984) —a primeira equipe da história do país a disputar grandes competições.
Mesmo tendo como medalha mais importante pela seleção um bronze nos Jogos Pan-Americanos de 1979, em San Juan, Isabel marcou história. Ela foi parte importante de uma geração que colocou o vôlei brasileiro no mapa do esporte mundial e abriu o caminho para as atletas que, na sequência, elevariam o país ao topo da modalidade.
Isabel também se notabilizou pelo pioneirismo. Ela foi a primeira jogadora brasileira de vôlei a atuar em uma liga do exterior, em 1980, quando foi para o Modena, da Itália.
A atleta migrou das quadras para a areia em 1992 e foi campeã mundial da etapa de Miami em dupla com Roseli, dois anos depois. A modalidade se popularizou e estreou nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, mas Isabel não competiu. Ela encerrou a carreira em 1997.
Em 2020, juntou-se ao ex-jogador Walter Casagrande Júnior, colunista da Folha, e outros esportistas para formar o movimento Esporte Pela Democracia. Isabel também participou do movimento das Diretas Já, onde conheceu o ex-atleta, quando a filha mais velha, Pilar, ainda era criança.
Em entrevista à Folha, em 2020, disse que "atletas não podem ficar neutros diante de injustiças" e que o posicionamento servia para "mostrar ao governo que também somos cidadãos".
"Vejo um grande avanço entre a classe esportiva. A gente tem, por exemplo, a participação da Democracia Corinthiana na época das Diretas Já, contra a ditadura, na figura do Sócrates, do Casagrande, e de outros que tiveram um papel muito importante. Eu me lembro de participar das Diretas Já com minha filha Pilar, que tinha quatro ou cinco anos, e são lembranças caras demais. O processo para nos tornarmos uma democracia foi muito duro, eu ficava emocionada na anistia de ver as pessoas voltando para o Brasil e reencontrando seus familiares", contou.
Ela é mãe dos atletas Maria Clara Salgado, Carolina Solberg e Pedro Solberg, além de Pilar e de Alisson, que adotou em 2015. Isabel formou dupla com Maria Clara e Carolina. Depois, dedicou-se a fazer parte da gestão das carreiras dos filhos atletas.
Carolina chegou a ser advertida pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) por ter gritado "Fora, Bolsonaro!" em uma entrevista pós-jogo. Ela continua competindo em alto nível, enquanto Maria Clara já se aposentou.
"Tinha uma imagem solar! Uma brava guerreira", declarou a cineasta Helena Solberg, cunhada da ex-atleta, em mensagem enviada à reportagem.
O velório está programado para às 11h desta quinta-feira (17), no Crematório e Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro. Às 14h será realizada uma cerimônia reservada a familiares e amigos e, em seguida, o corpo será encaminhado à cremação.
*Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo
Macron apoia proposta de Lula de realizar COP na Amazônia
DW Made for Minds*
O presidente francês, Emmanuel Macron, apoiou nesta quinta-feira (17/11) a proposta do presidente brasileiro eleito Luiz Inácio Lula da Silva de realizar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) de 2025 na Amazônia.
"Gostaria imensamenente que pudéssemos ter uma COP na Amazônia, portanto apoio totalmente essa iniciativa de Lula", disse Macron, em viagem a Bangkok para uma cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC, na sigla em inglês).
"Apoio o retorno do Brasil a uma estratégia amazônica. Precisamos disso", acrescentou.
"A França é uma potência indo-pacífica e uma potência amazônica. A maior fronteira externa da França e da Europa é a fronteira de nossa Guiana com o Brasil", disse Macron.
Lula: oportunidade para o mundo conhecer a Amazônia
Durante a COP27, realizada atualmente no Egito, Lula expressou nesta quarta-feira a vontade de que a COP30 seja sediada por um estado da Amazônia, ecossistema essencial para o equilíbrio do clima global.
"Seremos cada vez mais afirmativos diante do desafio de enfrentar a mudança do clima, alinhados com os compromissos acordados em Paris e orientados pela busca da descarbonização da economia global", discursou Lula, reafirmando que a conferência seria a oportunidade de o mundo conhecer de perto esse bioma que seu governo promete proteger.
Em sua fala de aproximadamente meia hora, o presidente eleito repetiu para a audiência internacional a promessa de colocar o combate à crise climática no topo da agenda. A mensagem frisada é a de que o Brasil "está de volta" e que o isolamento internacional provocado por Jair Bolsonaro chegou ao fim.
O Brasil deveria ter sediado a COP25, em 2019, mas o governo Bolsonaro, então recém-eleito e em transição, retirou a oferta, alegando restrições orçamentárias.
Reaproximação entre Brasil e França
A vitória eleitoral de Lula no mês passado abriu caminho para uma aproximação entre Paris e Brasília, após relações tensas sob Bolsonaro.
Uma violenta polêmica estremeceu as relações entre Bolsonaro e Macron em 2019, em meio a incêndios florestais na Amazônia, cujo desmatamento aumentou acentuadamente sob Bolsonaro. Em meio a troca de farpas, o presidente ultradireitista brasileiro chegou a criticar Brigitte Macron, esposa do presidente francês, por seu aspecto físico.
Em telefonema com Lula após ao segundo turno, Macron afirmou que a eleição do petista é "uma excelente notícia" para a França. "Devo dizer que esperava com muita impaciência por este momento para que possamos reativar uma colaboração estratégica à altura de nossa história e dos desafios que temos pela frente", disse Macron, que foi um dos primeiros líderes estrangeiros a parabenizar o petista após a vitória.
Há exatamente um ano, Lula foi recebido por Macron em Paris com honras de chefe de Estado.
Nesta terça-feira, o secretário de Estado francês para Assuntos Europeus, Laurence Boone, afirmou que Paris vê o Brasil como um "parceiro essencial na América Latina".
lf (AFP, DW)
*Texto publicado originalmente no site DW Made for Minds
Moraes bloqueia contas de suspeitos de atuar em atos antidemocráticos
Folha de S. Paulo*
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, mandou bloquear contas bancárias ligadas a 43 pessoas e empresas suspeitas de envolvimento com atos antidemocráticos realizados em algumas cidades do país questionando o resultado das eleições.
A decisão está sob sigilo. A Polícia Federal terá dez dias para tomar o depoimento dos alvos e indicar as as diligências que entender necessárias.
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) cobram as Forças Armadas para que promovam um golpe que impeça a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Bolsonaro teve uma inédita derrota para um presidente que disputava a reeleição no país.
Na decisão, Moraes diz que não há dúvidas de que os movimentos reivindicatórios de empregadores e trabalhadores, seja por meio de greves, reuniões e passeatas, não podem obstar o exercício, por parte do restante da sociedade, dos demais direitos fundamentais.
Ele acrescentou que é "claramente abusivo" o exercício desses direitos que impeçam o livre acesso das demais pessoas aos aeroportos, rodovias e hospitais, por exemplo, "em flagrante desrespeito à liberdade constitucional de locomoção (ir e vir), colocando em risco a harmonia, a segurança e a saúde pública".
Moraes disse que informações prestadas pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) deram conta de que empresários estariam financiando os atos antidemocráticos sob análise, com o fornecimento de infraestrutura completa (refeições, banheiros, barracas, etc) para a manutenção do abuso do direito de reunião, além do fornecimento de diversos caminhões para o reforço da manifestação criminosa.
"O potencial danoso das manifestações ilícitas fica absolutamente potencializado considerada a condição financeira dos empresários apontados como envolvidos nos fatos, eis que possuem vultosas quantias de dinheiro, enquanto pessoas naturais, e comandam empresas de grande porte, que contam com mulheres de empregados, sujeitos às políticas de trabalho por elas implementadas", escreveu o ministro.
A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Rosa Weber, afirmou nesta quarta-feira (16) que a liberdade de expressão não "abriga agressões e manifestações que incitem ao ódio e à violência, inclusive moral".
A fala de Rosa ocorre pouco após episódios em que ministros do STF foram hostilizados por manifestantes bolsonaristas em Nova York. Cinco integrantes do tribunal participaram na cidade americana de um evento promovido pelo Lide, grupo da família do ex-governador paulista João Doria.
O grupo de bolsonaristas realizou atos em frente ao hotel onde estavam os ministros e nas proximidades do local do evento. Os magistrados foram xingados e precisaram de escolta.
O principal alvo dos bolsonaristas foi Moraes, que também preside o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Mas também foram hostilizados os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso.
*Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo
Brasil e os pecados da carne na COP 27
Ricardo Abramovay*, Outras Palavras
A presença do presidente Lula na COP27 recoloca o Brasil na condição de protagonista decisivo do desenvolvimento sustentável. Uma das mais ambiciosas propostas dos movimentos socioambientais que apoiam o novo governo é que o país lidere a formação de um bloco internacional formado por Brasil, Indonésia e Congo (BICs) com o propósito de zerar o desmatamento nas florestas tropicais. O mundo está pronto para investir no uso sustentável deste gigantesco patrimônio, cuja destruição poria a perder todo o esforço global na luta contra as mudanças climáticas.
Para que se tenha ideia da magnitude do problema, só a Panamazônia armazena uma quantidade de carbono correspondente a algo entre 10 e 15 anos das emissões globais. E é claro que a proteção e o uso sustentável das florestas tropicais exigem não só repressão severa aos criminosos que as desmatam, mas também políticas sociais que contribuam para elevar os padrões de vida das populações que vivem em seus territórios. Duas das maiores potências ambientais do planeta (Brasil e, agora, Colômbia, com Gustavo Petro) estão seriamente comprometidas com a proteção e a regeneração florestais.
Mas há um segundo desafio para o Brasil na COP27, de certa forma, mais difícil até que o do desmatamento: é a redução nas emissões de metano, cujo principal vetor global (e mais ainda entre nós) é a pecuária bovina. O metano permanece por menos tempo que o CO2 na atmosfera, mas tem impacto destrutivo muito maior. Se as emissões de CO2 fossem subitamente interrompidas, a temperatura global média não deixaria imediatamente de aumentar. Diminuir o metano é a maneira mais eficiente e imediata de evitar que se alcancem pontos de não retorno (tipping points) nas mudanças climáticas. Na COP26, de Glasgow, 125 países (inclusive o Brasil) comprometeram-se com metas de redução imediata nas emissões deste poderoso gás de efeito estufa.
O combate ao desmatamento não envolve qualquer tipo de mudança estrutural na organização da vida econômica do país. Mas reduzir as emissões de metano exige um conjunto de transformações nos modelos produtivos, nas bases técnicas da produção, nos comportamentos dos consumidores e, portanto, nos próprios mercados.
Mais que isso, a evidência de que a oferta de carnes tem sido até aqui o elemento determinante do fato de que entre 25% e 35% das emissões globais vêm da agropecuária, amplia a contestação global a este setor e faz emergir alternativas tecnológicas a seus padrões atuais de expansão. Se fosse um país, o rebanho global de ruminantes ocuparia o segundo lugar em emissões de gases de efeito estufa, à frente dos Estados Unidos e só atrás da China. E o Brasil, como mostra estudo recente do Observatório do Clima, é o quinto maior emissor mundial de metano, com 5,5% das emissões globais. 72% das emissões brasileiras de metano derivam de seu rebanho bovino.
Mesmo que o sucesso do governo Lula em reprimir seriamente o desmatamento desfaça o atual vínculo entre destruição florestal e pecuária, o trunfo de termos o maior rebanho bovino do mundo e a condição de maior exportador global de carnes converte-se em ameaça. Imaginar que esta ameaça possa ser contornada com a afirmação de que o mundo vai precisar da carne brasileira é ilusório. O Guia Alimentar Chinês anuncia redução de 50% no consumo de carnes até 2030. Estudo recente da Boston Consulting Group prevê que Europa e Estados Unidos atinjam o pico do consumo de carnes em 2025. Matéria recente do blog do FMI preconiza uma taxa metano, que estaria na faixa de US$ 70 por tonelada emitida.
Mais importantes, porém, do que estas mudanças nos padrões de consumo alimentar são as transformações tecnológicas pelas quais passa a oferta de proteínas no mundo. Paul Gilding e Pablo Salas acabam de publicar importante trabalho pelo Institute for Sustainability Leadership da Universidade de Cambridge mostrando que os próprios mercados estão reagindo às ameaças representadas pelas formas convencionais de pecuária com alternativas tecnológica que vêm ganhando força entre os investidores globais. Seu estudo sustenta que o sistema agroalimentar global está passando por uma transição que pode ser comparada à que vem dominando os investimentos de descarbonização na área de energia e de mobilidade. Na vanguarda desta transição estão quatro formas de proteínas artificiais: as que se baseiam em plantas (já no mercado), as de cultura celular, as que se apoiam na fermentação de precisão e as que vêm de insetos.
O recém-publicado livro de George Monbiot (Regenesis. How to feed the world without destroyng the planet. Penguin) vai mais longe: pecuária regenerativa é uma contradição nos termos. Usar o solo para a criação de gado é, na sua opinião, retirar superfícies que poderiam ser utilizadas para o crescimento florestal e, portanto, para a captação de gases de efeito estufa. Em vez de continuar aumentando os rebanhos, as sociedades contemporâneas devem, na visão de Monbiot, investir nas proteínas alternativas, que estão emergindo com força.
Em resumo, não é só o desmatamento, mas a própria atividade pecuária que está e estará cada vez mais no epicentro das discussões climáticas contemporâneas.
O Brasil possui hoje iniciativas importantes (embora muito minoritárias) de criações bovinas respeitosas da dignidade animal, com manejo de pasto que captam carbono e regeneram a biodiversidade. Os conhecimentos da Embrapa neste domínio também são importantes. As ameaças que pesam sobre um setor tão estratégico da vida econômica brasileira têm que ser enfrentadas com pesquisas capazes de encontrar caminhos pelos quais a carne chegue aos brasileiros e aos mercados exportadores com a garantia de que seus métodos produtivos captam carbono e regeneram a biodiversidade. É muito mais do que apenas interromper a ocupação de áreas recentemente desmatadas. É uma convocação para que o maior exportador mundial de carnes promova inovações norteadas pelas urgências do clima, da regeneração da biodiversidade e da alimentação saudável.
*Texto publicado originalmente no site Outras Palavras
Magistrada avalia que intolerância cresce a olhos nus no DF e no país
Arthur de Souza*, Correio Braziliense
Juíza substituta do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), Paula Ramalho foi a entrevistada de ontem do programa CB.Poder, parceria entre Correio e TV Brasília. À jornalista Ana Maria Campos, ela destacou o aumento nos casos de racismo e de injúria racial no Distrito Federal, além de comentar sobre uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que acabou com a prescrição para o segundo tipo de crime.
Questionada sobre sobre a atitude agressiva de um policial militar com um negro, durante uma abordagem ocorrida neste fim de semana, em Planaltina, a magistrada disse que existe "uma ideologia disseminada e muito enraizada, não só no ambiente policial, mas na sociedade como um todo, que construiu a imagem do 'negro perigoso'."
A gente publicou uma reportagem na semana passada mostrando que o número de casos de injúria racial e de racismo tem crescido no Distrito Federal. A senhora consegue constatar isso no dia a dia do seu trabalho?
Sim. Na verdade, tenho atuação predominante na área criminal e, ao longo desses oito anos em que desempenho a função de juíza no TJDFT, a gente tem se deparado com processos que chegam até nós envolvendo denúncias, seja relativas ao crime de injúria racial, seja relativo ao crime de racismo. Nos últimos tempos, a reportagem demonstra bem que houve um aumento do número de casos. E isso não é só no DF. Embora os números daqui causem um certo espanto, me parece ser um cenário nacional. Recentemente, foi publicado no Anuário de Segurança Pública, dados de 2021 e 2022 — consolidados em agosto — indicando que, no Brasil como um todo, houve um aumento expressivo dos casos de racismo.
Primeiro explique, por favor, qual é a diferença entre a injúria racial e o crime de racismo?
A injúria racial é um crime em que o que é atingido é a honra de alguém, é aquela apreciação subjetiva que a pessoa tem a respeito de si mesma perante a coletividade. Então, na injúria racial existe uma ofensa a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas e, nessa ofensa, são utilizados termos e/ou palavras que digam respeito a sua cor, a sua raça, a sua etnia. Enquanto que os crimes de racismo têm previsão em uma lei específica, que é a Lei nº 7.716/1989. Essa lei traz vários tipos de crime de racismo que envolvem, na maioria das vezes, negar ou dificultar acesso a determinado bem, serviço ou produto. Por exemplo, há uma previsão de que se você negar matrícula ou dificultar a matrícula de alguém em estabelecimento de ensino por conta de cor, raça, etnia ou procedência nacional, isso configura um crime de racismo. A gente tem um passado de praticamente mais de três séculos de comércio escravagista. O Brasil foi o país que mais recebeu pessoas escravizadas vindas do continente africano e, mesmo após a abolição, a gente teve uma abolição formal, mas, do ponto de vista material, não foram dadas às pessoas negras as condições para que elas tivessem sua cidadania e sua dignidade garantidas pelo estado brasileiro.
A decisão do STF (sobre os crimes de injúria racial) foi importante. Explica para gente como foi isso?
Foi uma decisão dada em um habeas corpus, que é um processo que busca proteger a liberdade de locomoção de uma pessoa, e o ministro relator foi o Edson Fachin. É um caso que veio do DF, inclusive. A pessoa estava sendo acusada de injúria racial e o que ela dizia, em sua defesa, era que tinha passado o tempo do estado apurar e punir essa conduta ou, em termos jurídicos, houve a prescrição. O Ministério Público falou que não houve prescrição, porque a injúria racial, assim como o racismo, deve ser tida por imprescritível, já que a nossa constituição repudia o racismo e ela mandou que a lei considerasse o racismo crime inafiançável e imprescritível. Essa tese do Ministério Público acabou sendo acolhida pelo ministro Fachin quando ele diz que, tanto os crimes de racismo previstos na lei especial quanto a injúria racial prevista no código penal, são espécies de um mesmo fenômeno que é repudiado pela constituição, que é o fenômeno do racismo. Então, existe uma vinculação muito próxima entre essas duas figuras e, para que o racismo seja extirpado, ambas as figuras devem ser tratadas com rigor, e foi esse o entendimento que acabou acolhido por maioria no Supremo Tribunal Federal.
Essa decisão tem efeito de repercussão geral?
Ela foi dada em um processo que a gente chama de processo subjetivo ou individual, que é o habeas corpus. Mas, como foi uma decisão do plenário que, inclusive, faz referências a outros processos que o STF decidiu em sede de controle concentrado, ela tem uma força persuasiva muito grande, embora ainda não conte com esse efeito vinculativo.
A senhora considera essa decisão um avanço, em termos da legislação?
Com certeza. Aqui no DF, a gente tem, de certa forma, uma vantagem, porque o nosso tribunal é reconhecido pela sua celeridade. Dificilmente, casos de injúria racial, ainda que se considere prescritível, dificilmente prescrevem, porque a atuação da Justiça aqui é relativamente célere. Mas, infelizmente, essa não é a realidade do país como um todo. Assim, considerar a injúria racial prescritível, significa dizer que muitos casos deixarão de ser apurados e punidos porque passou muito tempo e a justiça não agiu de modo célere e, com essa decisão, isso não acontece mais, a qualquer tempo, essa prática poderá ser punida.
A senhora acha que algumas pessoas cometem esse tipo de crime por acreditarem que elas vão ficar impunes, que isso não acarreta uma pena ou uma punição?
Acredito que a incerteza ou a garantia da impunidade, sem dúvida alguma, atua como fator que serve como estímulo ou, pelo menos, deixa de inibir as pessoas que tenham esse tipo de conduta ou esse tipo de pensamento. Nos tempos atuais, temos visto uma compreensão muito "elástica" da liberdade de expressão, como se fosse um direito absoluto. Então, sem dúvida alguma, a falta de punição em relação a esse tipo de situação, pode servir como estímulo para que essa prática se perpetue, e que as pessoas se vejam no mínimo não desestimuladas a expressar esse tipo de pensamento.
Qual é a pena para esses tipos de crimes?
Para a injúria racial, que tem previsão no código penal, a pena mínima é de um ano, e a máxima é de três anos de reclusão, que é um tipo de pena privativa de liberdade. Já na 7.716/1989, que tipifica os crimes de discriminação racial, a gente tem pena variáveis, porque são cerca de 17 figuras criminais. Aí tem penas que variam de um a três anos, assim como a injúria racial, e tem umas que vão de dois a cinco anos, que é a maior das penas previstas nessa lei específica. Mas, pela quantidade de penas, a verdade é que, muito dificilmente, alguém iria cumprir essa pena presa. Muitas vezes, quando a pena não supera os quatro anos, pela nossa lei, o autor tem o direito de cumprir penas alternativas. Então, quando há a condenação, muitas vezes a pena é: prestar serviços para a comunidade, fazer o pagamento de prestação pecuniária para algum tipo de entidade que a justiça indique ou assinale. Então, a rigor, muito dificilmente a prisão vai ser a resposta do estado, que vai se dar por meio de outras penas, na maioria das vezes.
Por que a sociedade não avança no sentido de reduzir esse tipo de crime?
Essa é uma pergunta muito complexa e a resposta para ela, evidentemente, não é das mais simples. Vários pensadores intelectuais destacam que o racismo é um fenômeno estrutural na sociedade brasileira, que não se revela apenas nessas condutas individuais, em que alguém ofende a outra pessoa ou alguém, por exemplo, num restaurante, deixa de atender ou atende mal um cliente por conta de sua cor. O racismo, na verdade, é uma ideologia que está tão arraigada na sociedade brasileira, que faz com que as pessoas vinculem características da população negra a coisas negativas, não desejáveis ou não valorosas. Desarticular todo esse sistema e estrutura racista, em que se funda o estado brasileiro, é algo que demanda realmente muito tempo. Se a gente parar para ver, voltando rapidamente para a questão histórica, faz pouco tempo que o estado brasileiro começou a se movimentar para poder desarticular essa estrutura. A gente tem, por exemplo, uma lei de política afirmativa de cotas, tanto na parte educacional quanto no serviço público, que veio a completar 10 anos recentemente. A própria lei que criminaliza essas condutas de descriminação racial é de 1989, ou seja, completou pouco mais de 30 anos anos de vigência. A injúria racial mesmo, foi incluída no código penal em 1997, pouco mais de 20 anos. Então, se a gente pega três séculos em que o discurso racista foi incutido na sociedade brasileira e pega o período de tempo em que isso vem sendo desmontado ou desarticulado, acho que isso nos ajuda a entender o porquê de não ter havido ainda tantos avanços em relação a isso. E, de fato, a impressão que a gente tem no momento é que realmente há retrocesso, e acho que esse retrocesso está um pouco ligado ao tensionamento que há no tecido social brasileiro. A gente, nos últimos tempos, tem visto a olhos nus um crescimento da intolerância. E aí, os grupos mais vulneráveis são justamente, negros, mulheres, população LGBTQIA .
Como é que a senhora avalia essa política de cotas e de ações afirmativas para colocar e dar oportunidade para as pessoas de evoluírem, estudarem e crescerem?
Sou nordestina, minha família é de Alagoas. Quando tomei posse na magistratura, meus pais vieram e, à época, na cerimônia em si a gente tinha um desembargador negro. Aí eu lembro que um outro dia, conversando com meu pai, ele falando sobre esse tema de polícia de cotas, ele falou sobre esse desembargador e disse: "tá vendo? quem quer e se esforça, consegue!". Então, existe dentro da população, de um modo geral, esse senso comum de que com o esforço e com dedicação, as pessoas conseguiriam romper esses obstáculos causados por uma estrutura racista. Só que o ponto é que não é justo que pessoas por conta de sua cor, da sua raça, de sua procedência nacional e de sua etnia, tenham que enfrentar tantos obstáculos partindo de condições desiguais se comparadas às pessoas de pele branca, por exemplo. Assim, vejo a política de cotas como política de compensação, o estado brasileiro está compensando todos os danos que causou à população negra, historicamente falando, e também está buscando criar condições de igualdade de partida. Por mais que a gente encontre figuras que furam esse bloqueio, digamos assim, são poucas ainda.
A senhora acha que esse momento de embate eleitoral, muito pela polarização política, também pode incentivar esse atrito de racismo e descriminação?
Sim e, nesse caso, não se trata de uma mera opinião. A gente tem dados que confirmam aumento expressivo dos chamados crimes de ódio, que envolvem racismo, xenofobia e misoginia, nesse período eleitoral. Existe uma associação civil que recebe denúncias, digamos assim, de fatos ocorridos no ambiente virtual. E essa associação, em matéria divulgada até no site do Senado, indicou que neste ano de 2022 houve um aumento de cerca de 65% nas denúncias de situações, no ambiente virtual, envolvendo racismo, intolerância, preconceito, racismo contra as religiões de matriz africana e ofensas dirigidas às mulheres. Tudo isso cresceu bastante, até porque, se olharmos o cenário eleitoral como foi delineado, a gente viu que um determinado candidato — o que se sagrou vencedor — tinha um voto majoritariamente de pessoas negras e de mulheres. Isso acabou fazendo com que, no embate eleitoral, muitas vezes houvesse ofensas pautadas nesses marcadores: raça, gênero e procedência nacional, como no caso dos nordestinos. E tudo isso realmente ficou muito intensificado, dada a violência verbal que marcou todo esse período eleitoral, infelizmente.
A gente teve um caso nesse fim de semana (no DF), de um policial militar que foi agressivo com uma pessoa negra durante uma abordagem. Como se pune um caso como esse?
Existe uma ideologia disseminada e muito enraizada, não só no ambiente policial, mas na sociedade como um todo, que construiu a imagem do negro perigoso. A pessoa suspeita e que recebe as abordagens mais truculentas da polícia, em geral, tem cor, tem um perfil, e esse perfil é justamente da população negra, em especial do homem negro, que é muito vitimado por essas ações e abordagens ilegais, da maneira como são feitas, pelo menos, por parte da polícia. É claro que a gente não pode dizer que isso é um problema desse policial, em específico. Na verdade, o problema é estrutural e o combate a ele demanda atuação enérgica, não só dos órgãos de controle da polícia, como o Ministério Público — que tem por função também controlar e exercer a fiscalização da atividade policial —, como também um trabalho interno de educação antirracista dentro das próprias polícias, fazendo com que esses policiais, desde o seu ingresso na polícia, compreendam que existem protocolos a serem seguidos durante a abordagem, e que o motivo da abordagem jamais pode ser simplesmente essa fundada suspeita baseada na cor, no jeito de vestir, no jeito de andar e no local onde a pessoa está, de maneira isolada.
*Matéria publicada originalmente no Correio Braziliense
Eliziane Gama participa da COP-27 no Egito com o presidente eleito Lula
Cidadania23*
A líder do Cidadania no Senado e da Bancada Feminina, Eliziane Gama (MA), participou nesta terça-feira (15) de reunião, no Egito, com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e senadores que participam da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas.
“Encontro produtivo na COP27 com o presidente Lula. Depois de anos de desmonte na governança ambiental, o Brasil voltará a ter uma posição de destaque na preservação do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável. O mundo quer voltar a negociar com o Brasil”, destacou a senadora.
Em evento no Brazil Action Hub da COP27 (Conferência do Clima), nesta segunda-feira (14), Eliziane Gama destacou que o Brasil terá anos melhores e um governo mais preocupado com o meio ambiente.
Para a senadora, os últimos quatro anos foram ‘sombrios’ e ‘tristes’ no que diz respeito à proteção ambiental.
“O governo trabalhou o tempo todo para destruir as políticas de proteção e fiscalização do setor”, disse.
Eliziane Gama ressaltou que as ameaças desse governo ao meio ambiente podem não ter acabado.
“Precisamos estar atentos para não deixar passar, nesses últimos 40 dias de governo Bolsonaro, decisões de última hora que agridam ainda mais o meio ambiente. Como projetos do pacote do veneno que representam mais retrocesso”, avaliou a parlamentar.
Ela afirmou que parlamentares do Congresso Nacional e membros da sociedade civil irão se reunir na próxima semana para discutir projetos nocivos ao meio ambiente.
Na avaliação da senadora, o Brasil vai retomar nos anos que virão o protagonismo histórico na proteção dos recursos naturais e das nossas riquezas. Para ela, a expectativa é muito grande de retomada do protagonismo brasileiro no setor e os dias de desmonte ficarão para trás. (Assessoria da parlamentar)
Nas entrelinhas: O general e a gênese do golpismo castrense
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Desde de 1964, nunca houve tanta agitação a favor de um golpe militar como a que estamos assistindo desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ontem, Dia da Proclamação da República, seria apenas mais um dia em que gente muito fanática, defensora de uma intervenção militar, protestasse à porta dos principais comandos militares do país, entre os quais os do Planalto, em Brasília — onde reside a maioria dos generais de quatro estrelas —, e no Rio de Janeiro, que abriga o maior contingente militar do país. Seria apenas mais um dia de vigília bolsonarista, não fosse o Twitter do general Eduardo Villas Boas, uma indiscutível liderança militar, endossando as manifestações golpistas e pondo mais lenha na fogueira.
O ex-comandante do Exército poderia ter ficado na dele, mas não: decidiu surfar os protestos para reafirmar sua liderança junto aos descontentes com a derrota do presidente Jair Bolsonaro e, talvez, na tropa que está na ativa. “A população segue aglomerada junto às portas dos quarteis pedindo socorro às Forças Armadas. Com incrível persistência, mas com ânimo absolutamente pacífico, pessoas de todas as idades, identificadas com o verde e o amarelo que orgulhosamente ostentam, protestam contra os atentados à democracia, à independência dos poderes, ameças à liberdade e as dúvidas sobre o processo eleitoral”, afirma.
Com isso, o velho general alimentou ainda mais as infundadas críticas e maliciosas suspeitas ao resultado das urnas, com a mesma ambiguidade com que Bolsonaro silencia diante do resultado oficial da eleição, e não reconhece publicamente a inequívoca vitória de Lula. Pelo custo e envergadura da mobilização, que ontem completou duas semanas, é evidente a existência de um forte movimento de extrema-direita, organizado com o propósito de melar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Villas Boas critica a imprensa por não dar aos manifestantes a importância que gostaria: “Talvez nossos jornalistas acreditem que ignorando a movimentação de milhões de pessoas elas desaparecerão. Não se apercebem eles que ao tentar isolar as manifestações podem estar criando mais um fator de insatisfação. A mídia totalmente controlada nos países na Cortina de Ferro não impediu a queda do Muro de Berlim. A História ensina que pessoas que lutam pela liberdade jamais serão vencidas”, afirma.
Com fina ironia, inverteu o significado histórico de um velho bordão das esquerdas contra as ditaduras: “O povo unido jamais será vencido!”. No dia 29 de outubro, véspera da eleição, Villas Boas havia publicado um tuíter no qual traçou um cenário catastrófico em caso da vitória de Lula, o quem tudo a ver com a sua manifestação de ontem.
O golpe de 1889
Não poderia haver data mais simbólica para a manifestação e a posicionamento de Villas Boas. A Proclamação da República foi um golpe militar, que se apropriou do movimento republicano com o propósito de implantar uma ditadura, como acabou ocorrendo por duas vezes, na Revolução de 1930 e no golpe militar de 1964. O Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), principal chefe do Exército brasileiro, foi praticamente arrancado da cama, em 15 de novembro de 1889, para destituir a Monarquia.
Fora escolhido para liderar o levante militar pelos jovens oficiais liderados por Benjamin Constant (1836-1891), professor da Escola Militar da Praia Vermelha e expoente do Positivismo no Brasil, a doutrina que impregnou de tal forma a política brasileira que sua síntese até está bordada na bandeira nacional: “Ordem e Progresso”.
Democracia não é um valor universal no ideário positivista. O golpe foi rocambolesco. Reunidas as tropas no Campo de Santana, onde hoje está localizada a Praça da República e o Quartel General do Comando do Leste, Deodoro derrubou o gabinete do Visconde Ouro Preto e voltou para casa. Somante mais tarde, o velho e adoentado marechal foi convencido a assinar o documento que extinguiu a monarquia, que durava já 70 anos.
O imperador Dom Pedro II foi banido do Brasil com a família, e embarcou rumo à Europa na madrugada do dia 17 de novembro, sem entender direito as razões de sua queda. A população somente soube mais tarde desses acontecimentos. Para evitar uma guerra civil, dom Pedro II não quis resistir, após 49 anos de reinado. Sabia que elite brasileira estava insatisfeita desde o fim da escravidão, em 1888.
Entretanto, não acreditava que os militares (irritados com os salários e desprestígio desde a Guerra do Paraguai) e os cafeicultores (que exigiam indenizações pela abolição da escravatura) o destituíssem. Muito menos a Igreja Católica, apesar de insatisfeita com o padroado (sua prerrogativa de preencher os cargos eclesiásticos mais importantes) e o seu beneplácito (aprovação das ordens e bulas papais para que fossem cumpridas, ou não, em território nacional), que já haviam provocado uma crise com o Vaticano, de 1872 a 1875. É que os sacerdotes eram tratados como funcionários públicos, recebendo salários da Coroa — teoricamente não apoiaram um Estado laico, republicano.
Lula diz que vai usar a amarelinha para torcer na Copa: "A camiseta não é de partido político"
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), declarou nesta quinta (10) que vai torcer pela seleção brasileira na Copa do Catar usando a camisa verde e amarela.
É sempre bom lembrar que o símbolo máximo do nosso futebol vem sendo usado há quase uma década por grupos políticos alinhados à direita, incluindo simpatizantes do presidente Bolsonaro e grupelhos golpistas inconformados com a eleição do petista.
"A Copa do Mundo começa daqui a pouco e a gente não tem que ter vergonha de vestir a camiseta verde e amarela. A camiseta não é de partido político, é do povo brasileiro. Vocês vão me ver usando a camiseta amarela, só que a minha terá o número 13", escreveu Lula em seu Twitter.
O "sequestro" da amarelinha já havia afastado torcedores de esquerda desde a última Copa, na Rússia, em 2018. Na época a designer mineira Luísa dos Anjos Cardoso chegou a criar uma versão alternativa, vermelha, para atender quem não queria ser confundido com os manifestantes que haviam apoiado o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
:: Quem são os (poucos) jogadores progressistas na lista de convocados de Tite para a Copa? ::
Mas a camisa foi comercializada por pouco tempo, já que a CBF, dona dos direito sobre a camisa, não gostou.
A versão vermelhinha, proibida pela CBF, tem até foice e martelo / Reprodução Facebook
Atualmente, a própria CBF está procupada com o amor perdido de muita gente que criou ranço das cores. No início da semana, quando o técnico Tite anunciou os 26 convocados, foi lançada uma peça publicitária da entidade conclamando toda a torcida a esquecer da política e abraçar o símbolo, que até há pouco parecia ser do bolsonarismo.
:: Política em Copa do Mundo? Na Seleção Brasileira só é ok se for de direita ::
Ao UOL, o atual presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, disse que o objetivo da campanha - veiculada em rede nacional - "é para mostrar que todos podem se sentir bem com a camisa da seleção". Veja abaixo:
Mas será que vai dar certo? O fato de nosso maior craque, Neymar, ter dito que celebraria seu primeiro gol na Copa fazendo o sinal do "22", para homenagear o candidato derrotado na eleição presidencial (vocês sabem quem) não ajudou muito a sarar as feridas.
No entanto, sabemos que, uma vez que a bola comece a rolar - daqui a só dez dias -, a paixão pelo esporte pode falar mais alto até mesmo que a paixão - ou o rancor - pela política.
Selecionamos algumas reações sobre o tema:
COP27: o que significa 'perdas e danos' nas discussões sobre as mudanças climáticas
Navin Singh Khadka*, BBC News Brasil
As negociações até agora se concentraram em pautas sobre como reduzir os gases de efeito estufa e como lidar com os impactos das mudanças climáticas. Mas há a expectativa de que outra questão ganhe importância: se os países altamente industrializados, que mais contribuíram para causar problemas climáticos e ambientais, deveriam reparar financeiramente os países que sofrem os impactos mais diretamente.
Desastres como enchentes, secas, furacões, deslizamentos de terra e incêndios florestais estão se tornando mais frequentes e intensos como resultado das mudanças climáticas, e os países mais afetados pedem ajuda financeira há anos para lidar com as consequências.
Isto é o que as palavras "perdas e danos" ("loss and damage", em inglês) significam. O termo abrange tanto as perdas econômicas (casas, terras, fazendas ou empresas) quanto não econômicas (mortes de pessoas, locais culturalmente importantes ou biodiversidade).
Após intensas negociações durante dois dias e a apenas uma noite da abertura da COP27, os delegados concordaram em incluir a questão das "perdas e danos" na agenda oficial.
O dinheiro que os países mais pobres estão exigindo ultrapassam os US$ 100 bilhões por ano que os países mais ricos já concordaram em transferir para os países mais pobres, visando ajudar estes a:
• reduzir os gases de efeito estufa, algo conhecido como "mitigação" nas negociações climáticas;
• tomar medidas para lidar com os impactos das mudanças climáticas, a "adaptação".
"As pessoas estão sofrendo perdas e danos causados por tempestades potencializadas, inundações devastadoras e derretimento de geleiras, e os países em desenvolvimento têm pouco apoio para se reconstruir e se recuperar antes do próximo desastre", diz Harjeet Singh, chefe de estratégia global da ONG Climate Action Network International.
"São as comunidades que menos contribuíram para causar a crise que agora estão na linha de frente dos piores impactos."
Quão grande é a fatura por perdas e danos?
Um relatório publicado pela Loss and Damage Collaboration, um grupo de mais de 100 pesquisadores e formuladores de políticas de todo o mundo, revelou que 55 das economias mais vulneráveis ao clima sofreram perdas econômicas de mais de US$ 500 bilhões entre 2000 e 2020. E isso poderia aumentar em mais US$ 500 bilhões na próxima década.
"Cada fração de aquecimento a mais significa mais impactos climáticos, com perdas nos países em desenvolvimento estimadas entre US$ 290 bilhões e US$ 580 bilhões até 2030", escreveram os autores.
O documento destaca que o nível do mar nas Américas tem subido a um ritmo mais rápido do que no resto do mundo, especialmente ao longo da costa atlântica da América do Sul, no Atlântico Norte subtropical e no Golfo do México.
"A grande seca no centro do Chile já dura 13 anos. Essa é a seca mais longa na região em pelo menos mil anos, agravando uma tendência mortal e colocando o Chile na vanguarda da crise hídrica."
O ano passado também registrou o terceiro maior número de tempestades nomeadas no Atlântico. Foram 21, incluindo sete furacões.
O Banco Mundial estima que entre 150 mil e 2,1 milhões de pessoas são a cada ano empurradas para a pobreza extrema na América Latina devido a desastres, incluindo aqueles causados pelas mudanças climáticas; e que cerca de 1,7% do PIB da região é perdido a cada ano devido a desastres relacionados ao clima.
"Vários países estão passando por secas mais profundas e prolongadas, por tempestades e inundações mais intensas que estão atrapalhando as atividades econômicas e afetando os meios de subsistência", diz o banco.
"No Uruguai, por exemplo, os choques relacionados ao clima tornaram-se mais frequentes e intensos. As secas de 2017-18 e as perdas na agropecuária custaram cerca de 0,8% do PIB somente em 2018."
O planeta viu um aumento médio da temperatura global de 1,1°C em comparação com o período pré-industrial.
Os países mais pobres e menos industrializados defendem que o impacto do clima extremo prejudica qualquer progresso que façam em termos de desenvolvimento econômico. Alguns apontam que se encheram de dívidas ao tomar empréstimos para reconstruir o que foi danificado e perdido.
Desde quando se discute o pagamento de perdas e danos?
Sete anos atrás, o inovador Acordo de Paris reconheceu a importância de "evitar, minimizar e lidar com perdas e danos associados aos efeitos adversos das mudanças climáticas". Mas nunca foi decidido como fazer isso.
"Perdas e danos continuam sendo um tópico bastante tóxico e tivemos discussões muito, muito acaloradas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento", diz Jochen Flasbarth, secretário do Ministério de Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Alemanha.
"Havia preocupação entre os países desenvolvidos de que isso pudesse se tornar uma obrigação legal para grandes emissores (de poluentes). Isso sempre foi uma linha vermelha para a maioria dos países desenvolvidos."
Alguns negociadores da COP27 disseram que os países ricos queriam deixar claro que não aceitariam qualquer responsabilidade ou obrigação de pagar indenização por perdas e danos, algo a que os países em desenvolvimento se opuseram fortemente. Finalmente, foi acordado que o tema será apenas discutido na conferência atual. No próximo ano, na COP28 em Abu Dhabi, espera-se uma decisão provisória e, em 2024, uma decisão conclusiva sobre a questão.
"Exigimos financiamento regular, previsível e sustentável para lidar com as crises que algum país em desenvolvimento sofre quase todos os dias", defendeu Alpha Oumar Kaloga, negociador-chefe do Grupo Africano, em uma reunião nas Nações Unidas.
Singh, da Climate Action Network, demonstra reprovar a postura dos países ricos.
"Na verdade, é uma traição à confiança a forma como os países ricos encurralaram os países em desenvolvimento para aceitar uma linguagem que mantém os poluidores históricos a salvo de compensações e responsabilidades, sem oferecer qualquer compromisso concreto de apoiar as pessoas e os países vulneráveis", afirma.
Os países desenvolvidos apontam que já existem mecanismos previstos por convenções do clima anteriores que contemplam as demandas dos países em desenvolvimento — enquanto estes consideram que nenhum organismo e convenção existente hoje é apropriado.
Representantes do Grupo Africano e da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis) têm pressionado para a criação de uma nova agência dedicada à reparação financeira, mas Jochen Flasbarth, da Alemanha, afirma que essa proposta talvez não consiga apoio suficiente.
Na prática, já houve problemas tanto com as instituições financeiras que liberam o financiamento climático quanto com os países que o recebem. A burocracia das agências financeiras internacionais faz com que os fundos demorem muito para serem disponibilizados. E, em alguns dos países receptores, há problemas de má governança e corrupção.
Houve algum progresso no período anterior à COP27?
Durante a COP26, a Escócia prometeu pouco mais de £ 1 milhão em fundos para perdas e danos. No mês passado, a Dinamarca anunciou que contribuiria com US$ 13 milhões.
E na semana passada, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução pedindo foco no pagamento a países em desenvolvimento e a priorização de doações sobre empréstimos.
Além disso, o G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) e o V20, um grupo de 55 países vulneráveis, concordaram recentemente em lançar uma iniciativa chamada Escudo Global contra os Desastres Climáticos, que pretende arcar com perdas e danos por meio de um sistema de seguro.
A Aosis demonstrou desconfiança em relação à iniciativa, argumentando que o V20 não tem nem metade dos membros da Aosis.
https://www.bbc.com/ws/av-embeds/cps/portuguese/geral-63593520/p0dfgsg1/pt-BRLegenda do vídeo,
Perdas e danos: a 'conta climática' que pode recair sobre países ricos
"O G7 deve falar com todos nós, e não apenas com os países que selecionou", disse o principal negociador de finanças climáticas do grupo, Michai Robertson.
*Texto publicado originalmente no site da BBC News Brasil
Nas entrelinhas: Transição não será um passeio pelo Eixo Monumental
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Engana-se quem pensa que este período de transição para o novo governo será fácil para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No plano político, a sinalização está sendo boa: Lula estabeleceu as relações cordiais com os demais Poderes e opera a montagem de um governo de ampla coalizão democrática. Também mostrou que não pretende deixar no sereno os eleitores de mais baixa renda que o elegeram, ao anunciar que os recursos do Bolsa Família vão extrapolar o teto de gastos.
Entretanto, o dólar disparou depois da divulgação da inflação no Brasil e nos Estados Unidos. Ontem, o câmbio já passou dos R$ 5,30. O preço do fechamento do dia foi de R$ 5,396, alta de 4,14% no dia. Por volta das 15h30, o dólar estava a R$ 5,341, alta de 3,09%. Logo na abertura do mercado, a moeda americana chegou a subir quase 3%. Na quarta-feira, o dólar já havia fechado o dia em alta, de 0,74%, fechando a R$ 5,18. Desde o início do mês, a alta é de 2,96%. É óbvio que existe muita especulação no mercado, com divulgação de fake news que mexem com a Bovespa, em razão da insegurança dos investidores.
Lula já disse que não tem pressa para indicar o novo ministro da Fazenda, mas é aí que está o xis da questão no mercado financeiro. A rigor, ninguém sabe quais serão as medidas de impacto dos 100 primeiros dias de governo, exceto aquelas que estão sendo negociadas no Congresso, que sinalizam uma certa continuidade da farra fiscal que marcou a gestão do ministro Paulo Guedes durante a campanha eleitoral. Esse problema somente se resolverá quando for anunciado o nome do novo ministro da Economia ou da Fazenda, se houver desmembramento.
Havia uma expectativa positiva de que o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin viesse a ocupar esse cargo, mas isso nunca foi cogitado de verdade por Lula. O próprio Alckmin já havia dito isso, o que fora interpretado como dissimulação, porém, ontem, Lula jogou uma pá de cal nessa possibilidade, ao afirmar que o ex-governador paulista não ocupará nenhum ministério. Esse também não foi o problema maior para o mercado financeiro, o que gerou instabilidade foi a própria fala de Lula e o fato de o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega ter sido confirmado como um dos integrantes do governo de transição.
Coalizão
Até agora, a principal ancoragem da transição de governo no mercado financeiro era a presença dos economistas Pérsio Arida, André Lara Resende e Guilherme Mello na equipe econômica da transição. A confirmação de Guido Mantega, ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma Rousseff, sinaliza noutra direção. Mantega tem uma velha relação com Lula, que começou quando dava aulas de economia para o então líder metalúrgico no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.
Arida, Resende e Mello têm evitado declarações à imprensa; imagina-se que a mesma coisa acontecerá com Guido Mantega. Enquanto não se define o nome do futuro ministro, porém, as especulações no mercado financeiro vão continuar, até porque existe um ambiente internacional que também favorece isso. A guerra da Ucrânia se prolonga, o inverno se aproxima na Europa e há sinais de que poderemos ter um ambiente de recessão na economia mundial. Esse cenário acaba alimentando as teses de políticas anticíclicas, como as adotadas por Lula após crise de 2008, que se prolongaram no governo Dilma, levando-a ao impeachment.
A transição vai bem no plano político. Lula está prestigiando todos os políticos que o apoiaram desde o primeiro turno e ampliou a equipe de transição para incorporar os partidos e lideranças que o fizeram no segundo turno, principalmente Simone Tebet. O risco que corre, porém, é o novo ministério ficar com cara de governo velho, no qual antigos caciques políticos e a atual cúpula petista pontificariam. Com a PEC da Transição, do ponto de vista de sua base eleitoral, e o bom relacionamento com os líderes do Centrão, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira, Lula garante a estabilidade do governo na sua largada para o novo mandato. Mas isso não basta para satisfazer os setores da classe média e da elite econômica do país que fazem restrições ao presidente eleito.
De qualquer forma, o novo governo será o que Lula conseguir articular em termos de forças democráticas. O primeiro turno das eleições mostrou que o projeto original era viabilizar nas urnas, de forma inequívoca, um governo de esquerda, ainda que sua coalizão eleitoral se autointitulasse “frente ampla”. A correlação de forças políticas e eleitorais, porém, obrigou Lula a ampliar suas alianças em direção ao centro político; a vitória por estreita margem, a realizar uma articulação ampla das forças democráticas para dar sustentação ao seu governo. Essa articulação não passa apenas pelos acordos no Congresso, passa também, e sobretudo, pela formação do governo e sua composição.