“Precisamos investir nos grupos mais vulneráveis”, diz Carlos Alberto Medeiros
João Vítor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
“Precisamos investir nos grupos mais vulneráveis da sociedade. No Brasil, os negros constituem, fundamentalmente, esse grupo para manter o conjunto e mostrar que o problema racial tem efeitos negativos para a sociedade, que poderia ser melhor, se a população negra não fosse submetida às condições em que é obrigada a viver”. A afirmação é do tradutor Carlos Alberto Medeiros, integrante do grupo de Igualdade da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
Na segunda-feira (27/6), a partir das 14 horas, Medeiros vai participar do debate online sobre modernidade líquida e igualdade racial, com abordagem no pensamento do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, de quem traduziu ao menos 20 obras. O evento será transmitido na TV FAP e nas redes sociais (Youtube e Facebook) da entidade.
Público pode fazer empréstimo de livros de Bauman na Biblioteca Salomão Malina
Também confirmaram presença no debate online a diretora-executiva da Academia Judaica, Kellita Cohen, que também é diretora de Assuntos Religiosos da Associação Cultural Israelita de Brasília (ACIB), e a representante da militância negra do PSDB (Tucanafro), Gabriela Cruz. O jornalista Sionei Ricardo Leão, coordenador do coletivo Igualdade 23, militância negra do Cidadania, será o mediador.
Medeiros observa que Bauman não tem texto espeífico sobre a questão racial, embora tenha sofrido com o antissemitismo na Polônia. Segundo o tradutor das obras do polonês, o debate vai estabelecer conexão do assunto com “o lado humanista” da Modernidade Líquida, que está na lista de livros do sociólogo disponíveis para empréstimo na Biblioteca Salomão Malina, localizada no Conic, na região central de Brasília.
“Bauman foi um pensador atual, bastante estudado no universo acadêmico. Diante de um mundo difícil de interpretar, com tantas mudanças de paradigmas, entendo que uma análise dessa obra à luz da igualdade racial é uma proposição pioneira, inovadora e desafiadora”, ressaltou o jornalista.
Medeiros reforçou que “Bauman era um humanista radical e tem uma metáfora muito interessante”. “Ele apresenta a humanidade como um viaduto, cuja segurança depende do pilar mais fraco. Então, é preciso investir no pilar mais fraco para preservar o conjunto do viaduto”, disse o tradutor.
O jornalista também disse que o Brasil ainda tem longo caminho a percorrer na luta pela igualdade racial, apesar de reconhecer avanços na área. “No caso brasileiro, esse desafio é enorme”, disse.
“Quando tratamos dessa pauta, especialmente no Brasil, é preciso considerar que nosso país tem legados deixados pela escravidão que são profundos e estruturais. Se analisarmos as políticas públicas que vêm sendo implantadas nos últimos anos, certamente há avanços, mas, como esse passivo é imenso, muitas vezes, temos também a impressão de que pouco se faz”, afirmou Leão.
Serviço
Modernidade líquida e igualdade racial: o pensamento de Zygmunt Bauman
Dia: 27/6/2022
Horário: 14h
Onde: Youtube e perfil do Facebook da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Realização: Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Apoio: Instituto Teotônio Vilela, Academia Judaica, Cidadania Igualdade 23, Associação Cultural Israelita de Brasília
*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
Revista online | Povos quilombolas: invisibilidade, resistência e luta por direitos
Vercilene Francisco Dias*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
A sociedade brasileira pouco sabe sobre a história e resistência negra quilombola no Brasil. Isso é fruto da invisibilidade da luta e resistência negra por direitos. Durante a colonização do país, milhares de pessoas negras foram trazidas da África para serem escravizadas aqui, tratadas como objetos, desumanizadas e submetidas a todos os tipos de maus-tratos. O povo negro resistiu. Uma das maiores formas de resistência, mas não a única, foram as formações dos quilombos, para manter e reproduzir seu modo de vida característico em um determinado lugar, com identidade cultural, espiritualidade e liberdade para a produção e reprodução de práticas inspiradas na ancestralidade.
Os quilombos ou remanescentes das comunidades dos quilombos são grupos sociais remanescentes de pessoas afrodescendentes com identidade étnica própria, ou seja, uma ancestralidade comum e formas de organização política e social, elementos linguísticos, religiosos e culturais que os singulariza, distinguindo do restante da sociedade (Decreto nº 4887/2003). Trata-se de um processo histórico de luta e resistência negra do qual pouco se ouve falar, tampouco é ensinado nas escolas.
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Com o fim formal da escravidão, pouco se mudou na realidade do povo negro aquilombado. Esquecidos, muitos negros se juntaram aos quilombos existentes. Outros foram trabalhar nas fazendas onde eram escravizados, pois o Estado brasileiro não se preocupou em implementar políticas que inserisse os negros na sociedade enquanto sujeitos de direitos. Ao contrário, leis foram criadas para perseguir a população afrodescendente e criminalizar nossa cultura.
Somente após um século de esquecimento, os quilombolas foram lembrados na Constituição de 1988, devido às lutas do povo quilombola junto ao movimento negro urbano. A Carta Magna assegura, por meio do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), aos povos quilombolas, o direito ao título de suas terras. No entanto, passados mais de 33 anos de sua promulgação, esse direito ainda está pendente de efetivação.
Segundo dados oficiais preliminares para o censo quilombola do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em abril de 2020, existem no Brasil 5.972 localidades quilombolas, dispersas por 25 unidades da Federação, em 1.672 municípios, o que representa 30% das cidades brasileiras. O levantamento por região evidencia que a maior quantidade de localidades quilombolas está no nordeste, concentrando 53,09% do total destas localidades. A porcentagem de localidades quilombolas é de 14,61%, no norte; de 22,75%, no sudeste; de 5,34%, no sul; e de 4,18%, no centro-oeste.
Apesar da garantia constitucional do direito às suas terras tituladas, o levantamento do IBGE mostra que, das 5.972 localidades quilombolas, 4.859 (81,36%) estão fora de territórios “oficialmente delimitados” e de qualquer etapa do processo administrativo de reconhecimento, delimitação e titulação considerados pelo instituto. São dados alarmantes da realidade quilombola sobre esse primeiro levantamento oficial, tendo em vista que, hoje, segundo a Fundação Cultural Palmares, existem 3.495 comunidades com certidão expedida.
Porém, quando se olha os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão responsável pela política de titulação dos territórios quilombolas, a realidade é pior. De 1995 até o ano de 2022, apenas 295 títulos foram emitidos, em 195 territórios. A maioria é formada por títulos parciais, ou seja, o órgão emite o título de uma gleba ou áreas específicas dentro do território, o que não é a titulação de todo o território da comunidade.
Desses 295 títulos, grande parte foi emitida por órgão de regularização estadual ou em parceria com o Inca. São números ínfimos diante da quantidade de comunidades levantadas hoje no Brasil. A maior parte delas está em situação de insegurança territorial, o que acirra ainda mais os conflitos dentro dos territórios quilombolas e tem comprometido a segurança e ceifado a vida de várias de suas lideranças.
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Em decorrência dessa demora em cumprir o mandamento constitucional, os povos quilombolas vem pagando a conta por violações dos seus próprios direitos e garantias fundamentais. Essas violações prejudicam, de forma sensível, o desenvolvimento digno desse povo fundador da identidade nacional. A titulação do território quilombola é passo fundamental para a efetivação de outros direitos e garantias fundamentais, a exemplo de políticas públicas de saneamento básico, saúde, educação, trabalho, acesso a crédito e produção agrícola.
A Constituição é nítida ao estabelecer o dever do Estado de agir para assegurar a reprodução física, social e cultural das comunidades quilombolas. Porém, para esse Estado, somos invisíveis, não bastando a garantia do direito, a obrigação do ente e o destinatário desse direito. Por isso, é necessário que os quilombolas travem disputas todos os dias para que seus direitos sejam respeitados e que suas vidas não sejam ceifadas, em decorrência de um Estado negligente e violento com seu povo.
Para se ter um mínimo de respostas e tentar assegurar a vida do povo quilombola nesse contexto de pandemia da covid-19, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) buscou o Poder Judiciário para denunciar e fazer cessar violações e omissões do governo ao não garantir a vida desse povo, no contexto de crise sanitária global, diante da realidade de violência estrutural enfrentada pelas comunidades.
Por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) Quilombola 742, proposta em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a vulnerabilidade estrutural dessa população e determinou à União que implementasse, no prazo de 30 dias, um Plano Nacional de Enfrentamento aos efeitos da pandemia nos quilombos, devendo, para tanto, constituir um grupo de trabalho paritário em 72 horas, para construção, discussão, implementação e monitoramento das ações determinadas.
A decisão do STF, no entanto, não foi o bastante. Para que a União cumpra seu dever constitucional, todos os dias é necessário que os quilombolas cobrem a implementação das determinações do Supremo, que, após mais de dois anos de pandemia, foram cumpridas apenas parcialmente. Nesse cenário, somos barrados a todo momento, devido a diversos empecilhos impostos pelo governo, para tentar justificar o não cumprimento da determinação, como a alegação da inexistência de orçamento para implementação da política quilombola.
Como bem ressalta Selma dos Santos Dealdina, no Livro Mulheres Quilombolas: Territórios de Existências Negras Femininas, não existe boa vontade política do Estado brasileiro, que se comporta como se estivesse fazendo um favor a nós, quilombolas. É como se fosse preciso bondade ou voluntarismo para cumprir nossos direitos constitucionalmente assegurados. Enquanto isso, o racismo estrutural, que se ramifica nas instituições públicas, formatando o Estado e a sociedade brasileira, faz com que o exercício do direito seja vivido enquanto conflito e violência imediatos.
Sobre a autora
*Vercilene Francisco Dias é quilombola do Quilombo Kalunga, advogada, doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), mestra em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Em 2019, tornou-se a primeira mulher quilombola com mestrado em Direito no Brasil. Graduou-se no mesmo curso pela UFG, três anos antes. É coordenadora do Jurídico da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Ela também foi eleita pela revista Forbes como uma das 20 mulheres de sucesso de 2022.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Martin Cezar Feijó faz sessão de autógrafos no 7º Salão do Livro Político
João Vítor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
A biografia de Astrojildo Pereira, um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e que morreu aos 75 anos no Rio de Janeiro, é registrada na nova edição do livro O revolucionário cordial, escrito pelo historiador Martin Cezar Feijó. Ele realizará sessão de autógrafos, nesta quarta feira (22/6), a partir das 18 horas, durante o 7º Salão do Livro Político, no teatro Tucarena da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A obra completa o conjunto de seis títulos recém lançados na coleção que leva o nome do intelectual.
Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras
O Salão do Livro Político voltou ao formato presencial neste ano. O evento, que começou na segunda-feira (20/6), seguirá presencialmente até quinta-feira (23/6), com debates e feira de livros no teatro. Na sexta (24/6) e no sábado (25/6), haverá atividades online. A programação conta com um curso e mais de quinze mesas de debates sobre democracia na América Latina, literatura e gênero, ecologia e questões raciais, dentre outros temas.
As palestras serão transmitidas ao vivo pelos canais de YouTube do Salão do Livro Político, da PUC-SP, da Boitempo, da Autonomia Literária e de entidades apoiadoras.
Confira debate sobre Astrojildo Pereira no 7º Salão do Livro Político
Veja vídeo de lançamento da Coleção Astrojildo Pereira, em Brasília
Entre os convidados, os destaques são a ex-presidenta Dilma Rousseff, Glenn Greenwald, Manuela D’Ávila, Don L, Guilherme Boulos, Sonia Guajajara, Ricardo Antunes, Preta Ferreira, Fernando Morais, Elias Jabbour, Ladislau Dowbor, Valério Arcary, Juliane Furno, Luiz Bernardo Pericás, Josélia Aguiar, Jones Manoel, Sérgio Amadeu e Álvaro García Linera, vice-presidente da Bolívia entre 2006 e 2019, que participará da mesa de abertura “Resgatando a democracia na América Latina”, a ser realizada no Tuca.
O evento contará com lançamentos exclusivos, sessões de autógrafos após cada mesa com os participantes e alguns convidados – como Renato Janine Ribeiro (dia 23, 18h), Martin Cezar Feijó (dia 22, 18h), entre outros – e uma feira de livros com mais de 70 editoras independentes.
Programação
Segunda (20/06)
11h-12h30
Debate online – Livros sob ataque: como e por que defender o mercado editorial
Marisa Midori, Cecilia Arbolave, mediação de Maria Carolina Borin
14h-16h
Curso Outro Mundo é Possível – Revolução africana
Jones Manoel
16h30-18h
Literatura, rap e política: o microfone como arma
Don L, Preta Ferreira e Mariana Felix, mediação Emerson Alcalde
18h-19h
Sessão de autógrafos
Álvaro García Linera, Guilherme Boulos, Manuela D’Ávila, Preta Ferreira, Emerson Alcalde, Mariana Felix
19h-21h
Abertura oficial: Resgatando a democracia na América Latina, no TUCA
Dilma Rousseff, Álvaro García Linera, Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila, mediação de Ivana Jinkings
Terça (21/06)
11h-12h30
Raça, classe e gênero: o front antifascista
Tamires Sampaio, Carlos Montaño e Leticia Parks, mediação de Edson França
14h-16h
Curso Outro Mundo é Possível – América Latina revolucionária
Osvaldo Coggiola
16h30-18h
A república dos militares: como acabar com o partido fardado
Piero Leirner, Jan Rocha e Rodrigo Lentz, mediação de Bia Abramo
18h-19h
Sessão de autógrafos
Glenn Greenwald, Sérgio Amadeu, Jan Rocha, Piero Leirner, Renata Mielli, Rodrigo Lentz, Marcos Sayid Tenório
19h-21h
Hackeando o neofascismo para salvar a democracia
Pedro Serrano, Glenn Greenwald, Sergio Amadeu e Renata Mielli, mediação de Ana Mielke
Quarta (22/06)
1h-12h30
Biografias: vidas que mudaram o Brasil
Fernando Morais, Camilo Vanucchi, Joselia Aguiar e Luiz Bernardo Pericás, mediação de Osvaldo Bertolino
14h-16h
Curso Outro Mundo é Possível – Revolução Russa
Marly Vianna
16h30-18h
Ecologia sem luta de classes é jardinagem
Victor Marques, Murillo Van Der Laan e Sonia Guajajara
18h-19h
Sessão de autógrafos
Juliano Medeiros, Victor Marques, Valério Acary, Luiz Bernardo Pericás, Ana Prestes, Marly Vianna, Josélia Aguiar, Murilo Van Der Laan
19h-21h
O retorno da onda rosa na América Latina?
Diana Assunção, Ana Prestes, Juliano Medeiros e Valério Arcary, mediação de Debora Baldin
Quinta (23/06)
11h – 12h30
Como combater a inflação e o desemprego
Ana Paula Salviatti, Ladislau Dowbor e Pedro Rossi, mediação de Rosa Marques
14h-16h
Curso Outro Mundo é Possível – Revolução Asiática
Elias Jabbour
16h30-18h
Como o imperialismo e a cruzada anticomunista moldaram nosso mundo
José Reinaldo Carvalho, Vincent Bevins e Juliane Furno
18h-19h
Sessão de autógrafos
Elias Jabbour, Vincent Bevins, Juliane Furno, Gabriel Tupinamba, José Reinaldo Carvalho
19h-21h
Capitalismo de crise e crise das esquerdas
Ricardo Antunes, Ludmila Abílio e Gabriel Tupinambá
Sexta (24/06)
11h-12h30
Debate online – Golpe de Estado e neofascismo no séc. XXI
Iuri Tonelo e Milton Bignotto
14h30-16h
Debate online – Astrojildo Pereira, o comunista que beijou a mão de Machado de Assis
Dainis Karepovs, José Antonio Segatto e José Luiz Del Roio, mediação de Renata Cotrim
16h30 – 18h
Debate online – Sexualidade e revolução
Marilia Moschkovich, Maíra Marcondes Moreira e Coletivo LGBT Comunista, mediação de Kaic Ribeiro
Serviço
VII Salão do Livro Político
Endereço: Tucarena (PUC-SP) – R. Monte Alegre, 1024 – Perdizes, São Paulo – SP, 05014-001
Data: 20 a 26 junho
Feira do livro presencial: 20 a 23 de junho
Feira do livro online: 20 a 26 de junho
Site: https://salaodolivropolitico.com.br
YouTube: Salão do Livro Político
Instagram: @salaodolivropolitico
Facebook: @salaodolivropolitico
Realização: Autonomia Literária, Alameda, Anita Garibaldi, Boitempo e PUC-SP
*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
Gilberto Maringoni: entre a análise e a militância
Gilberto Maringoni, Carta Capital*
Os cem anos de fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) mereceram comemorações públicas abaixo de sua importância histórica. No mundo editorial há, no entanto, uma celebração maiúscula: a reedição das obras completas de Astrojildo Pereira (1890-1965), um dos fundadores e um dos primeiros teóricos da agremiação.
Lançados esparsamente entre 1935 e 1963 por pequenas e heroicas editoras, os cinco volumes vêm agora numa caixa, acrescidos de um sexto. Trata-se de O revolucionário cordial, perfil político de autoria de Martin Cezar Feijó. Estamos diante de um de nossos raros intelectuais orgânicos a serviço de uma causa transformadora, para usar a definição de Gramsci.
Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras
Em Astrojildo, biografia e bibliografia são inseparáveis. Da obra, pode-se dizer que “é como Portugal e os jumentos: é pequena, mas tem uma história grande”. A definição bem-humorada é dele mesmo, ao classificar seu primeiro livro URSS, Itália e Brasil, lançado numa magérrima tiragem de 180 exemplares, em 1935.
A vida política do personagem, ao contrário, foi longa e rocambolesca. Como líder anarquista na juventude, percebeu as limitações de uma ação pública sem organicidade definida e teoricamente frágil. Influenciado pelos ventos da Revolução Russa, logo transitou para o marxismo e o comunismo.
Esse carioca de Rio Bonito foi o único brasileiro a presenciar os funerais de Lenin, em 1924, “sob um frio de 30 graus abaixo de zero”, em Moscou. Em sua folha corrida consta o feito de levar os primeiros livros marxistas ao capitão do Exército que liderara uma marcha pelo interior do Brasil entre 1925 e 1927. Por suas mãos, Luís Carlos Prestes começou a trajetória de dirigente comunista, num encontro na Bolívia, em 1929.
Em reviravolta marcada por acusações de desvios pequeno-burgueses e sectarismos variados, foi expulso, no ano seguinte, do Partido, ao qual voltaria apenas em 1945. Seguiu a partir daí trajetória inusitada, de vendedor de frutas a refinado crítico literário.
Os primórdios do comunismo no Brasil geraram dois intelectuais que viviam às turras entre si, Astrojildo Pereira e Octávio Brandão, autor de Agrarismo e industrialismo (1927), tentativa de se fazer um levantamento da economia brasileira sob a ótica socialista. Lido hoje, o livro mostra-se primário e maniqueísta, mas foi uma ousadia em tempos de escassez de dados oficiais e reduzido acesso à literatura marxista. O que Brandão exibia de dogmatismo, Astrojildo escancarava em criatividade e aplicação flexível do materialismo dialético.
Seu segundo livro, Interpretações (1944), é uma espécie de portfólio pessoal. Nos anos finais do Estado Novo, o autor revela maturidade intelectual em análises literárias e históricas, em pelo menos dois ensaios longos e inovadores. O primeiro é “Machado de Assis, romancista do segundo Reinado”, no qual aponta “uma consonância íntima e profunda entre o labor literário (…) e o sentido da evolução política e social do Brasil”, com destaque para a escravidão. O segundo é “Confissões de Lima Barreto”, sobre o autor que pertencia “à categoria dos romancistas que (…) menos se escondem e se dissimulam” em suas obras.
É pouco provável que Astrojildo tivesse contato com as formulações pioneiras do marxismo no terreno da estética, em especial as de György Lukács, lançadas no Brasil no início do século XXI. A esse respeito, José Paulo Netto assinala, no prefácio de Machado de Assis (1959), terceiro volume da coleção, que seu “quadro teórico (…) era pobre” no âmbito da crítica literária. É, porém, inegável que o fundador do PCB incide com competência nas relações entre literatura e ideologia.
Nessa obra, ele dá seguimento ao caminho aberto por José Veríssimo, em História da literatura brasileira (1912), que arrisca estabelecer correspondências entre a literatura e a ideia de nação. A partir de uma crônica de 1873, Astrojildo especifica: “O problema da literatura como representação e interpretação da nacionalidade foi, com efeito, uma constante inalterável em toda a obra de Machado de Assis”. O conceito de nação, um dos mais controversos nas Ciências Sociais, é enfrentado sem escorregões pelo autor.
Astrojildo jamais colocou suas memórias no papel. Apenas um fragmento foi produzido, com Formação do PCB (1962), lançado para as comemorações dos 40 anos do Partido. Uma observação feita no prefácio dá a noção do país em que o ativista se formou: “Não nos esqueçamos que o PCB, em 40 anos de vida, passou ao menos 35 na ilegalidade”. Se estendermos a observação para os dias atuais, podemos dizer que a agremiação enfrentou seis décadas e meia de proscrição institucional.
Há, no livro, uma permanente tensão entre o analista e o militante, o que o leva a delimitar seu período de análise do Partido entre 1922 e 1929, ou seja entre os antecedentes da fundação da legenda e a data de seu III Congresso. Nada há sobre o abalo político representado por sua expulsão.
Crítica impura (1963) é seu último e mais alentado trabalho, e único publicado por uma grande editora, a Civilização Brasileira. Nele, Astrojildo alarga seu radar reflexivo para autores como Eça de Queiroz, José Lins do Rego, Monteiro Lobato, Aníbal Machado, José Veríssimo e Howard Fast, e faz ensaios sobre Cuba, China, sindicalismo, escravidão etc.
Preso aos 74 anos, após o golpe, Astrojildo Pereira morreria em 1965, de ataque cardíaco. A reedição de seus textos deve ser saudada em tempos nos quais o país se debate entre um obscurantismo tacanho e a possibilidade da retomada de tradições democráticas e libertárias no terreno cultural.
*Texto publicado originalmente no Carta Capital
Revista online | Guerra às drogas e a insistência no fracasso
Felipe Barbosa*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
Sempre que o assunto legalização das drogas vem à tona, nossa primeira reação é imaginar traficantes fortemente armados com fuzis e/ou dependentes de crack em estágios terminais. Olvidamos que essas imagens são produzidas pelo sistema proibicionista em vigor. Sistema que perdura desde a segunda metade do século 20, sem a menor efetividade.
Não é chegada a hora de nos questionarmos se a adoção de uma política de drogas diversa não teria o condão de reduzir os danos causados ao usuário-dependente e reduzir a criminalidade? Buscar novos horizontes, diferentes perspectivas, e reconhecer que a política de drogas fracassou miseravelmente, gerando violência, desigualdade, racismo, corrupção e morte.
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Fomos doutrinados a pensar que respostas simples solucionam problemas complexos. Conforta-nos acreditar que questões profundas de desigualdade social e criminalidade ocorrem em virtude de um punhado de pó, um baseado, ou uma pedra de crack. As favelas são antros de traficantes. Exterminando-os, as vicissitudes das drogas se esvaecem.
O imbróglio é que a história comprova exatamente o contrário. Nunca existiu uma sociedade em que não tivesse havido consumo de substâncias entorpecentes. Seja por motivos religiosos, medicinais seja por fins meramente recreativos. Convivemos, diariamente, com drogas lícitas, com potenciais tão danosos quanto determinadas substâncias proibidas por escolhas políticas.
A decisão de “o quê” se proibir sempre esteve vinculada a questões de controle social. Geralmente, das minorias “qualitativas”. A opção não funciona como política de eliminação das drogas, mas surte efeitos para fiscalizar, controlar os corpos e encarcerar a população indesejada.
A gênese da “guerra às drogas”, cunhada com essa denominação de conflito militarizado e maniqueísta, do “bem” contra o “mal”, ocorreu na década de 1970. O presidente Richard Nixon elegeu os entorpecentes como inimigo número um dos EUA. O modelo, malsucedido, foi exportado aos quatro cantos.
O vultoso capital investido, a tecnologia de ponta do aparato bélico, as massivas campanhas midiáticas governamentais geradoras de pânico social, não impediram que a potência número 1 do mundo se notabilizasse por ter a mesma posição no ranking de países consumidores de entorpecentes proscritos.
A retórica militar da guerra ao tráfico, alimentada pela difusa sensação de insegurança, colocou a população vulnerável na mira das agências penais norte-americanas. Negros e latinos se tornaram os hóspedes prediletos do sistema carcerário mais numeroso do planeta.
Em 1993, com o fim do Apartheid, a África do Sul havia prendido 853 homens negros a cada 100 mil habitantes. Os EUA aprisionaram 4.919 negros a cada 100 mil habitantes (e “somente” 943 brancos). Era mais provável prender um negro na terra da liberdade do que em um regime declaradamente supremacista.
Os supostos critérios científicos, médico-sanitaristas, de classificação de substâncias proibidas, escondem elementos recheados de racismo e xenofobia.
O Brasil criou sua versão doméstica de guerras às drogas, mais hipócrita e sanguinária. Nosso modelo proibicionista é o mais mortal do mundo. Estamos em último lugar no Índice Global de Política de Drogas. Violência policial e ausência de políticas públicas de redução de danos são vetores deste desempenho medíocre.
Apesar de copiarmos os EUA em tantas vertentes, não incorporamos o modelo de polícia comunitária. Preferimos o embate, a cultura do medo, a faca na caveira, a violência simbólica. Privilegiamos a ocupação territorial no melhor estilo colonialista.
A cultura militar do Exército, passada à polícia, adentrou ao período pós-ditadura. A alça de mira da repressão estatal afastou-se dos subversivos políticos centralizando o foco no novo inimigo social, o favelado-traficante. Estes passaram a ser considerados sujeitos de “não-direitos”, indignos de consideração.
Bolsonaro quer destruir política nacional de saúde mental para favorecer evangélicos
Processos de inviabilização do “outro” são diariamente alimentados. Nossa “cegueira moral” nos incapacita de enxergar para além dos nossos próprios interesses ou do grupo social a que pertencemos.
A “guerra” deixou de ser compreendida como um mecanismo de ruptura política e anormalidade, passando a ser naturalizada como forma de controle social dos marginalizados.
Adaptamo-nos e aceitamos um regime que preserva elementos democráticos, com procedimentos do estado de direito, e autoritários, em razão do controle social militarizado e violento de parcela social.
Ocupações militares, metralhadoras, viaturas blindadas com símbolos da morte, helicópteros de guerra disparando fuzis 556 em direção a comunidades lotadas, não nos incomodam. O terrorismo estatal é legitimado quando o inimigo são os “perigosos” moradores da favela.
O detalhe é que, nesta guerra insana, morre o traficante, morre o policial, morre o inocente. A bala perdida encontra alvos descartáveis. Permanece o tráfico, permanece o usuário, permanece o dependente.
Nós, aqui da plateia, com uma distância confortável, continuamos aplaudindo a barbárie! Afinal, na trincheira, estão os “outros”.
Sobre o autor
*Felipe Barbosa é juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás desde 2013, titular da 2ª Vara Criminal de Águas Lindas de Goiás (GO). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2008). Pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (2011). Mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Marcus Pestana*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
Poucos meses nos separam daquela que talvez seja a eleição mais tensa, decisiva e importante das últimas décadas. O horizonte que se abre é carregado de dúvidas. A democracia brasileira será testada no limite. As escolhas que serão feitas poderão impactar não apenas nos próximos quatros anos, mas em uma geração inteira.
É preciso reconhecer que há uma obra incompleta a ser concluída. Todos nós, que participamos intensamente das lutas que levaram à redemocratização, tínhamos a expectativa de que a conquista da anistia, das eleições diretas para presidência da República e do novo marco constitucional consolidado em 1988 resultariam, com o passar dos anos, na solução dos mais graves problemas que afetavam a população e o país. Passados 34 anos da conclusão do processo de redemocratização, é inevitável admitir que hoje, ao olharmos o Brasil, fica a sensação de um copo meio cheio, meio vazio.
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Os resultados são contraditórios. Por um lado, construímos o mais longo período democrático de nossa história, derrotamos a inflação, construímos o SUS, lançamos as bases de uma sólida rede de proteção social, universalizamos o ensino fundamental. Mas não podemos festejar os resultados da Nova República tendo metade da população sem coleta de esgoto, 33 milhões de brasileiros vítimas da fome, 23 milhões deles abaixo da linha da pobreza vivendo com 7 reais por dia, desempenho sofrível nas avaliações da qualidade do aprendizado de nossas crianças e nossos jovens, comunidades inteiras sequestradas pelo tráfico e pelas milícias, ameaças permanentes ao nosso patrimônio ambiental e um crescimento econômico pífio ao longo de décadas.
A eleição presidencial de 2022 pode ser um precioso momento catalisador das discussões sobre a agenda nacional de desenvolvimento, identificando desafios e gargalos e apontando soluções. Pode efetivamente se tornar uma oportunidade de reinventarmos a democracia brasileira, relançando, sob novas bases, nosso pacto político e social. Isso se não nos perdemos em uma polarização estéril, verdadeiro simulacro de embate ideológico, onde a eficácia das urnas eletrônicas, a tornozeleira do irrelevante deputado, a manipulação da discussão sobre valores morais ou questionamentos às posturas de ministros do STF roubem a cena e eclipsem a discussão dos mais profundos problemas estruturais do país.
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Nossa história política é povoada de traços populistas, caudilhescos, autoritários e paternalistas. O Estado sempre esteve no centro de gravidade da vida nacional e à população foi negado o exercício pleno de uma cidadania ativa e madura. Os personagens e líderes se sobrepõem às ideias. Primeiro, discute-se nomes, personalidades, predicados e defeitos pessoais, apoios e rejeições individuais. Depois, de forma tardia e improvisada, procura-se rechear as candidaturas com algum conteúdo programático. Pelas informações disponíveis até agora, é impossível identificar, a poucas semanas da eleição, qual é o programa econômico ou as linhas estratégicas das principais políticas públicas dos dois candidatos que lideram as pesquisas. Nada além de platitudes, obviedades e retórica vazia.
As forças democráticas precisam virar esse jogo e impor uma discussão profunda no seio da sociedade sobre o futuro que esperamos construir nesse imenso Brasil. Creio que cinco eixos estratégicos orientadores devem presidir o debate:
- Defesa e fortalecimento da democracia: para além da resistência a qualquer tentativa de rompimento da ordem constitucional e de retrocesso político, precisamos avançar na superação das inconsistências e fragilidades de nossos sistemas de governo, partidário e eleitoral. Isto implica em promover profunda reforma política visando remodelar a convivência entre os três poderes republicanos; colocar na mesa a discussão do parlamentarismo e do semipresidencialismo; repensar o sistema eleitoral, apontando para algum nível de regionalização do voto com a superação do fosso existente entre representantes e representados; racionalização do quadro partidário em busca de partidos mais orgânicos, democráticos e com maior densidade programática; e, aprimorar o regramento dos mecanismos de financiamento das atividades partidárias e eleitorais.
- Construção de um novo modelo de crescimento econômico: após ter sido, de 1932 a 1980, o país com a maior taxa média de crescimento em todo o mundo, assistimos nas últimas quatro décadas a uma trajetória semelhante a um voo de galinha. Espasmos de crescimento acelerado alternados com recessões profundas, desenhando uma trajetória que nos torna prisioneiros da armadilha da renda média. No mesmo período, alguns países, como Coréia do Sul, Portugal, Espanha, Israel, Austrália e Singapura, atravessaram a fronteira que os separava do mundo desenvolvido. A receita é conhecida. A questão é de liderança política e formação de maioria parlamentar em torno da agenda de reformas. Conquistar a complexa e imprescindível reforma tributária que simplifique e torne mais justo e eficiente nosso sistema. Revisitar a questão previdenciária, ainda longe de superar suas iniquidades e responder às mudanças demográficas. Gerar expectativas positivas oferecendo um rumo claro, estabilidade política, legal, regulatória, e segurança jurídica. Dar uma equação definitiva ao dilema fiscal. Enfrentar com coragem e competência o desafio da abertura externa. Incrementar radicalmente a capacidade de inovação da economia e o aumento de sua produtividade. Avançar na qualificação do ensino fundamental, médio e profissionalizante como alavanca do crescimento. Privatizar, com modelos transparentes e corretos, estatais que ganharão eficiência e gerarão efeitos positivos para a sociedade e a economia, como foram os casos da siderurgia, da mineração, das telecomunicações e da indústria aeronáutica. Agressiva política de parceria com o setor privado para a superação dos gargalos de infraestrutura que abalam a competitividade da economia brasileira.
- Ataque frontal às desigualdades, à pobreza e à miséria: a principal tarefa do futuro governo será colocar sobre trilhos sólidos e consistentes à política social combinando os programas de transferência de renda, geração de emprego e renda e políticas públicas eficientes de educação, saúde, combate às desigualdades regionais e qualificação profissional. O maior “Calcanhar de Aquiles” da democracia brasileira é a abissal distância a separar famílias e regiões através de uma das piores distribuições de renda de todo o mundo. A mudança no modelo de crescimento econômico deve ter como objetivo central gerar inclusão e justiça social.
- Recuperar o protagonismo na busca do desenvolvimento sustentável: a sustentabilidade ambiental é hoje um imperativo global no século 21. As mudanças climáticas são uma realidade viva e inequívoca. O Brasil, desde a Cúpula Rio-92, assumiu uma posição de vanguarda e protagonismo e construiu um dos marcos legais mais sofisticados e profundos para a área ambiental entre todos os países. Infelizmente, houve retrocessos visíveis no atual governo. Recuperar, dentro de uma perspectiva de integração governamental horizontal, o compromisso com o desenvolvimento sustentável é tarefa imprescindível que caberá ao próximo presidente da República.
- Aprofundar a reforma do Estado: é fundamental recuperar a credibilidade da ação de Estado junto à sociedade. Gastar menos com a máquina estatal e mais com os cidadãos. Devolver serviços públicos de melhor qualidade. Apostar radicalmente nas tecnologias da informação como ferramentas de oferta ágil e desburocratizada de serviços e potencializar o seu uso na teleducação, telessaúde e na segurança pública. Consolidar o papel das Forças Armadas e das polícias estaduais como instrumentos institucionais e órgãos de Estado e não de governo a serviço do poder civil. Organizar a estrutura do governo à luz das demandas da sociedade e não da lógica da inércia histórica e da visão dos interesses corporativos.
A atual polarização não favorece a discussão profunda desta agenda. As candidaturas Bolsonaro e Lula não são portadoras de uma visão de futuro promissora. Independente dos números das pesquisas de opinião, o polo democrático, que congrega setores que vão do social-liberalismo à esquerda democrática, passando pela socialdemocracia, mais do que o direito, tem o dever de apresentar uma alternativa moderna e progressista ao confronto entre um presente que não nos orgulha e um passado que não abre os horizontes necessários de um novo Brasil.
Sobre o autor
*Marcus Pestana foi deputado federal (2011-2018) e secretário estadual de planejamento (1995-1998) e saúde (2003-2010) de Minas Gerais.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Revista online | O que o Brasil pode ganhar com o novo mercado de carbono
Cácia Pimentel e Ana Pimentel Ferreira*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
A descarbonização da economia mundial é uma necessidade evidente em virtude da atual utilização desmedida de energia fóssil. Em especial, o uso intensivo de carvão e de petróleo gerou uma liberação de carbono na atmosfera que excede tremendamente a capacidade de reabsorção dos gases de efeito estufa (GEE) pelo planeta, especialmente o carbono e o metano. Muitas de nossas atividades cotidianas deixam um rastro de contaminação que favorece o aquecimento na Terra e gera insegurança alimentar e hídrica. Além disso, as principais economias do mundo mantêm forte padrão de dependência de energia fóssil para alimentar suas atividades produtivas, sobretudo, transporte e indústria. O carvão e os derivados de petróleo, como diesel, gasolina e gás natural, somam cerca de 80% da energia consumida no mundo, especialmente pela China, pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela Índia.
A solução, porém, não é deixar de produzir riqueza econômica, mas mudar a forma de produção dessa riqueza. Pensando nisso, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que passam pela descarbonização da economia e pela implementação de mecanismos de reparação socioambiental e de controle das emissões de carbono. Um desses mecanismos é o mercado de carbono, instrumento de transação comercial dos créditos certificados de redução de emissões de GEE. Espera-se que o mercado de carbono se some a outros instrumentos regulatórios, com o fim de alcançar a neutralidade climática e reduzir as probabilidades de um aquecimento climático acima de 1,5º C, considerando os níveis pré-Revolução Industrial. No entanto, o cenário atual é que as principais economias do mundo estão aumentando os subsídios à indústria fóssil, o que aponta para um cenário de mais 3,2º C de aquecimento até o fim deste século.
Em linhas gerais, as regras desse novo mercado permitem que os países que não ultrapassarem o valor de emissão de GEE, estabelecido na Contribuição Nacionalmente Determinada (da sigla em inglês NDC), depositada na ONU, possam vender esse crédito aos países que extrapolarem suas emissões. No âmbito interno, esse mecanismo impulsiona os governos a incentivarem o mercado nacional a transacionar seus créditos certificados de emissão, de forma a auxiliar o cumprimento dos compromissos internacionais. Em 2022, o Brasil apresentou na ONU meta indicativa de reduzir, até 2025, suas emissões de GEE em 37% abaixo dos níveis de 2005, assim como reduzir em 50% até 2030. Por isso, o mecanismo de precificação e comercialização do carbono pode ser uma solução fundamental para atingir as metas estabelecidas na ONU.
O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) foi recentemente inaugurado pelo Decreto n. 11.075/22, conforme já previa a Lei n. 12.187/2009. O normativo orienta que, para serem comercializados, os créditos certificados sejam registrados no Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), uma espécie de plataforma para registrar os dados de emissões e consolidar o comércio e a transferência de créditos de carbono. As regras de operacionalização do novo sistema ainda dependem de atos e planos conjuntos dos Ministros do Meio Ambiente e da Economia. Ademais, resta saber como se dará o financiamento público e privado para a estruturação desse novo mercado.
O mercado de carbono é um avanço rumo à descarbonização e poderá impulsionar o empresariado brasileiro, gerar oportunidades de negócios e empregos verdes, mitigar impactos climáticos por meio do desincentivo ao desmatamento e, ainda, impulsionar a inovação tecnológica. Estima-se que o Brasil, em razão de suas vantagens comparativas, poderá suprir até 37% da demanda global por crédito de carbono. Porém, o sucesso depende de como serão conduzidos os próximos passos. Para isso, é fundamental que haja readequação do ambiente regulatório, diminuição gradual dos subsídios concedidos à indústria fóssil e um ambiente de governança multinível que permita a participação ativa dos diversos grupos de interesse, de modo a tornar o Brasil mais competitivo no mercado internacional e alçá-lo à inconteste posição de referência mundial no desenvolvimento econômico sustentável.
Sobre as autoras
*Cácia Pimentel é doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pesquisadora de Direito e Sustentabilidade na Columbia University e mestre em Direito pela Cornell University.
*Ana Pimentel Ferreira é mestranda em Economia Ambiental e graduada em Ciência e Tecnologia do Meio Ambiente pela Universidade do Porto, Portugal.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Como é a conversa de pais negros com filhos sobre racismo e abuso policial nos EUA
Leire Ventas, BBC News Brasil*
"Vou definir para você como mãe, como uma mãe que criou quatro filhos negros: 'the talk' ('a conversa', em português) tem a ver com segurança pessoal, com as coisas que eles podem fazer para voltar para casa vivos."
A explicação é da reverenda Najuma Smith-Pollard. Ela conhece bem o assunto, que viveu pessoalmente com seu filho mais velho, Daniel (que morreu em 2018, com 24 anos), agora com outros três meninos, de 12, 17 e 18 anos, e às vezes também com sua filha de 7, em um bairro no sul de Los Angeles, nos Estados Unidos.
Ela esclarece que não é um diálogo pontual, um assunto do qual se fala uma única vez, mas sim algo constante, presente entre as famílias afroamericanas há várias gerações.
"É uma conversa permanente entre pais e filhos sobre [como garantir] sua segurança pessoal pública ao trafegar pela vida interurbana", explica ela à BBC News Mundo (o serviço de notícias em espanhol da BBC).
Smith-Pollard levou sua experiência pastoral e como líder comunitária para o trabalho que realiza no Centro para a Religião e Cultura da Universidade do Sul da Califórnia (USC).
"Como mãe de filhos negros que vivem na cidade, tenho que falar para eles sobre policiais e criminosos, porque existem pessoas nos nossos bairros que simplesmente não têm boas intenções. Tenho que ensinar a eles como se relacionar com as forças [de manutenção] da ordem, mas também a navegar pela vida em geral", acrescenta ela.
Conhecida coloquialmente como "the talk" ("a conversa", em português), essa é a manifestação comum do que o setor acadêmico chama de socialização étnico-racial, um vasto campo de estudos no âmbito das ciências sociais e da psicologia.
Sobre ela, existe extensa literatura científica, além de documentários profundos com uma série de pessoas de destaque, como The Talk: Race in America ("A conversa: raça na América", em tradução livre), da rede de televisão pública norte-americana PBS e relatos na ficção, como nas populares séries de TV Grey's Anatomy e Black-ish.
É uma questão real. E as pessoas que falaram (e as que não quiseram falar) com a BBC indicaram que se trata de algo doloroso, difícil, um "peso" que as famílias afroamericanas precisam suportar e que também afeta, cada vez mais, as famílias de origem latina.
Elas concordam que se trata de uma conversa "imensamente pessoal" que adquire novas nuances à medida que os filhos crescem e conforme muda o contexto.
"Agora, com o aumento da violência racista, também precisamos começar a dizer aos jovens: 'vocês não podem confiar em todos os meninos brancos de 18 anos que pareçam estar fora das suas vizinhanças'", afirma Smith-Pollard.
Ela se refere ao ataque a tiros que, em 14 de maio de 2022, deixou 10 mortos em um supermercado de um bairro com população majoritariamente negra na cidade de Buffalo, no Estado de Nova York.
Sobre moletons e como lidar com a polícia
Smith-Pollard recorda que a conversa com seu filho maior começou quando ele estava prestes a completar 13 anos. Ele estava no sétimo ano e foi assaltado quando ia a caminho da biblioteca com um colega.
"Tive que dizer a ele: 'quando você e o seu amigo andarem na rua, vocês precisam prestar atenção a quem estiver ao seu redor'", relembra ela.
Essa mensagem sobre segurança foi sendo repetida de forma constante toda vez que ele ia sozinho para uma loja, antes de subir no ônibus, mas assumiu outra feição quando ele tirou sua carteira de motorista.
"Quando ele começou a dirigir, precisei começar a falar com ele sobre o que fazer e o que não fazer se ele fosse parado pela polícia", relata ela.
Smith-Pollard relembra que a conversa começou assim: "Nós moramos em Los Angeles, no sul da cidade. Você não precisa fazer nada de errado para ser preso. Pode ser que digam para você parar e inventem algumas acusações de que você é suspeito. Você precisa saber que você tem os seus direitos."
Ela já havia falado sobre os direitos com seu filho quando ele completou 15 anos, já que seu porte físico — alto e forte, por ter jogado futebol desde os nove anos — "sempre fazia com que confundissem sua idade".
"Você não deve deixar que ninguém o reviste se não tiver uma ordem. Você não precisa responder nenhuma pergunta porque você é menor. Você pode telefonar para a sua mãe; pode fazer com que me liguem imediatamente. Não tenha medo se quiserem levar você para a delegacia. Não brigue. Não corra. O seu pai e eu sempre tiraremos você de apuros, nunca vai precisar se preocupar com isso", prosseguiu ela.
"Diga o seu nome e mostre o seu documento de identidade. É tudo o que você precisa dar a eles e é melhor que você dê, para que eles possam verificar que você não tem antecedentes."
Daniel conseguiu pôr as lições em prática nas quatro vezes em que, segundo sua mãe, foi detido erroneamente como vítima de preconceito racial. Ele conseguiu sair sem problemas graças às lições. E as recomendações prosseguiram quando ele foi viver por conta própria.
"Você sabe que existem certas coisas que não deve fazer e é assim que você protege a si mesmo. Você conhece a quarta emenda [da constituição norte-americana, que protege o direito à privacidade e a não sofrer invasões arbitrárias] e, agora que você tem seu próprio apartamento, não deve deixar ninguém entrar", orientou a mãe.
Smith-Pollard também o advertiu sobre o sagging — a moda de usar as calças abaixo da cintura, mostrando a roupa de baixo, o que era muito comum nos anos 1990 — e hoje proíbe seu filho menor e seu filho adotivo de usar blusas com capuz.
"Não, vocês não vão levar moletom para a escola, nem para caminhar pela rua", diz a mãe aos seus filhos.
"E não é porque estejam fazendo algo de ruim, é porque não quero que ninguém pense que, por usar uma blusa com capuz, vocês estão tramando alguma coisa. A polícia e as pessoas deram um significado para essa roupa que ela não tem. E, sim, todos usam moletons, mas um menino branco usar não é a mesma coisa que vocês."
"Sempre estivemos prontos", segundo Smith-Pollard. "E o que quero dizer [com isso] é que estivemos prontos com advogados, dinheiro para fiança e tudo isso, porque realmente não confio na polícia."
"Nós simplesmente ensinamos [para Daniel]. Tínhamos um filho negro bonito. Não foi um trabalho fácil criá-lo com segurança em Los Angeles. E, acredite, eu pensava que, quando ele fosse adulto, não teria nada com que me preocupar, até que alguém disparou e matou alguém que simplesmente estava tendo um dia muito ruim."
As estatísticas
Como ocorre com muitos pais de filhos negros, Smith-Pollard sempre receou que, se não tivesse essas conversas, seus filhos poderiam acabar aumentando as estatísticas da violência em geral — e da polícia em particular, como ocorreu com George Floyd, que morreu nas mãos do então policial Derek Chauvin em Minneapolis (Minnesota, Estados Unidos), em 2020.
Estatísticas oficiais justificam esse temor. No condado de Los Angeles, onde Smith-Pollard mora com a família, pelo menos 968 pessoas morreram nas mãos das forças de manutenção da ordem desde 2000, segundo os registros médicos forenses compilados pelo jornal americano Los Angeles Times. Desse total, quase 80% eram negros ou latinos, quase todos homens.
A nível nacional, os dados também deixam claro esse desequilíbrio demográfico, como já mostrou demonstrou a equipe de checagem de dados da BBC.
O jornal americano WThe Washington Post mantém um banco de dados atualizado desde 2015 sobre disparos realizados pela polícia do país.
O levantamento indica que 24% das vítimas fatais dos mais de 5.000 incidentes mortais registrados eram afroamericanos — embora eles representem menos de 13% da população total do país.
Os afroamericanos também são abordados pela polícia com mais frequência quando estão dirigindo: cerca de 20% mais, segundo um estudo conduzido em 2020 pela Universidade Stanford, na Califórnia, um dos mais recentes sobre o tema e que analisou mais de 100 milhões de detenções no trânsito.
As estatísticas fazem distinção apenas por Estados, mas há testemunhos de discriminação em todas as classes socioeconômicas.
Para ilustrar que a origem da "conversa" vem de décadas atrás e se mantém ao longo das gerações, Smith-Pollard recorda que seu avô recebia recomendações para não caminhar por certas ruas no Mississipi, onde cresceu nos anos 1940.
Ou faz referência aos tempos em que ela ministrava na Primeira Igreja Africana Metodista Episcopal de Los Angeles, quando havia grupos de voluntários que aconselhavam aos jovens negros como vestir-se, caminhar, agir e ter consciência de como as outras pessoas poderiam observá-los — ainda antes dos distúrbios de 1992.
Estereótipos e medos
"Realmente esperava que nunca precisasse ter 'a conversa' com meu filho", afirma Judy Belk, presidente e diretora-executiva da The California Wellness Foundation (Cal Wellness), que é uma das maiores instituições filantrópicas do Estado, dedicada a promover a prevenção da violência como questão de saúde pública há 30 anos.
Mas alguma coisa mudou quando seu filho — como ocorreu com o de Smith-Pollard — tinha 12 ou 13 anos de idade.
"Na época, nós morávamos em Oakland [Califórnia] e eu trabalhava em São Francisco [no outro lado da baía]. Ele me pediu [que o deixasse], que já era suficientemente grande para andar sozinho de metrô. Eu fiquei muito preocupada e então lhe disse: 'Não fale com estranhos, ligue quando entrar no trem e quando sair...'", relembra ela.
O filho seguiu as instruções da mãe e, quando eles se encontraram em São Francisco e ela perguntou como foi a viagem, a resposta a deixou em choque. Esta foi a conversa:
— Mamãe, não acho que você precise se preocupar que alguém vá me fazer mal. Acho que as pessoas do trem estavam nervosas com a minha presença.
— Como assim?
— Acho que deixei algumas senhoras brancas idosas nervosas.
"Minha alma desabou. Eu havia sido ingênua ao acreditar que talvez ele pudesse escapar dessa sensação de se sentir 'o outro'", reconhece ela.
Belk havia crescido no sul dos Estados Unidos (Virgínia), onde havia segregação, e esperava salvar seus filhos de qualquer situação similar, criando-os na Califórnia.
Quando viu a expressão de devastação da mãe, o filho tentou reconfortá-la.
— Não se preocupe. Peguei um livro e comecei a ler. E parece que elas começaram a ficar mais tranquilas comigo.
"Foi naquela noite que me dei conta que estava criando um homem negro e que, mesmo com sua educação privilegiada, o mundo iria vê-lo como um homem negro, com todos os estereótipos e medos [associados]", afirma ela.
"Provavelmente, já havíamos conversado sobre racismo antes, mas foi ali que percebi que precisaria ajudá-lo a entender como crescer sentindo-se seguro como afroamericano."
Belk se alegra ao lembrar que seu marido estava com o filho na primeira vez em que foi parado pela polícia enquanto dirigia. Foi na Carolina do Norte, onde ele iria cursar seus estudos de pós-graduação.
O policial perguntou para onde eles estavam indo e o pai viu ali uma oportunidade de ensinar ao seu filho como lidar com a situação — da mesma forma que, um dia, ele próprio havia sido instruído: "responda às perguntas e mantenha as mãos sobre o volante".
Pouco tempo depois, em dois incidentes distintos no Texas, os afroamericanos Botham Jean e Atatiana Jefferson — com 26 e 28 anos de idade, respectivamente — foram mortos por tiros disparados pela polícia nas suas próprias casas.
E, no início de 2019, Belk sentiu na própria pele que estar em segurança em casa pode ser uma ilusão até mesmo em Hollywood, onde ela mora atualmente.
Seu marido havia levado o cachorro para passear e uma vizinha, ao ver aquele homem negro perambulando pela rua com uma lanterna e entrar em seguida na casa dos Belk, decidiu alertar a polícia sobre um possível "intruso".
Dois agentes responderam à chamada, mas foram ao edifício errado. Outra vizinha abriu a porta para eles e avisou os policiais (um deles com uma arma nas mãos) que o endereço que eles estavam procurando era o da casa ao lado, mas que levassem em conta que seu morador era um médico negro.
Com isso, Belk conta que precisou atualizar "a conversa". "Onde estamos seguros, agora?", perguntou-se ela. Uma questão que volta à tona com os recentes ataques a tiros em Buffalo e no metrô de Nova York.
"Meu marido estava passeando com o cachorro no outro lado da rua em frente à nossa casa, em um bairro de classe alta, e alguém que não sabia que havia negros na vizinhança chamou a polícia. E agora minha filha está se perguntando se está segura no metrô da capital do país", acrescenta ela (sua filha trabalha no Capitólio e mora em Washington DC).
Belk conta que, depois do que aconteceu em Buffalo, ela precisou voltar a conversar com sua filha, ressaltando: "Claro que precisamos estar em alerta e queremos nos sentir seguros, mas não podemos deixar que o medo nos paralise".
"Foi uma conversa muito dolorosa", relata ela. "Não acredito que os brancos tenham esse tipo de conversa com seus filhos. É realmente um desconforto. Acho que nenhum ser humano deveria ter esse tipo de conversa. É um peso adicional que nós temos, o peso de ser negro nos Estados Unidos."
Apesar de tudo, ela afirma ser otimista.
"Não me levanto todos os dias pensando no racismo e costumo seguir a vida acreditando que, a cada dia, abrem-se novas possibilidades. Mas, de forma geral, costumam acontecer coisas ao longo da vida, às vezes involuntárias, outras engraçadas, às vezes dolorosas, que me recordam que sou negra e faço parte dessa situação", ressalta ela.
"Às vezes me acontece na loja, quando me pedem uma identificação a mais que não pediram à pessoa branca que estava à minha frente. Ou quando as pessoas têm dificuldade de entender que sou presidente e CEO [diretora-executiva] desta grande organização.
"Às vezes, não consigo táxi em Nova York, o que me deixa meio paranoica", conta. "Eu diria que o último desejo da maioria dos afroamericanos, da maioria dos que não são brancos, é seguir a vida sem esse peso."
O que dá esperanças a Belk é o seu trabalho: "Ver que há tantas pessoas trabalhando, de negros a brancos, fazendo tudo o que podem para combater todo esse racismo e intolerância".
*Texto publicado originalmente no BBC News Brasil
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Kitty Lima*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
Precisamos incentivar mulheres a quererem entrar na vida política, tanto quanto é urgente apoiar aquelas que aceitam esse desafio. Afinal, uma democracia plena depende da presença equitativa de mulheres e homens na política, conforme afirma o Democracy Index da revista The Economist.
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em maio de 2022, somos 80.468.657 eleitoras, o que equivale a quase 53% do total de eleitores do país. Na contramão disso, somos minoria absoluta nas cadeiras eletivas Brasil afora.
Conseguimos avanços importantes no que diz respeito à participação feminina na política. Algumas leis mais recentes contribuíram para isto. A começar pela Lei das Cotas, de 2009, que determina a obrigatoriedade de os partidos políticos terem, pelo menos, 30% de cada um dos sexos na sua composição de chapa. Soma-se a isso outras legislações que garantem recursos mínimos para eleições e campanhas de incentivo à participação e são essenciais para este avanço.
No entanto, o Brasil segue numa situação bem ruim no Mapa da ONU de 2020, que trata sobre o tema. O país ocupa a posição 140 de 193. Quando falamos da presença feminina na Câmara dos Deputados, ficamos atrás inclusive de países como Singapura, China, Líbia, Nigéria e Arábia Saudita, por exemplo. Não preciso ir longe para ver essa realidade. Aqui, em Sergipe, por exemplo, ao longo dos seus quase 202 anos, nunca houve uma mulher eleita deputada federal.
São incontáveis os motivos para tais números negativos. Falta de preparo, desejo, vontade ou competência não estão entre esses motivos. Podemos começar falando do direito ao voto, que só foi assegurado a mulheres com quase um século de diferença em relação a homens. Poxa! Somente há pouco mais de 40 anos tivemos a primeira mulher eleita senadora da República do Brasil.
Cito Mônica Sodré que, no TEDx São Paulo, foi cirúrgica ao elencar três motivos que tornam tão difícil o acesso das mulheres na carreira política. Dentre eles, devemos falar sobre o ensino nas escolas. É imperativo que os jovens, ainda na escola, tenham acesso à discussão sobre política e debatam o assunto. A escola precisa ser e entregar mais do que matéria de prova e/ou vestibular. Precisa haver formação política, mostrando o quanto é útil e necessária para as verdadeiras transformações na sociedade.
Outro ponto importante, também citado por Mônica, é a ausência de referências femininas na política. Pare e pense comigo: pesquise no Google imagens e tente encontrar imagens predominantes de mulheres atuando nos espaços políticos e de poder. Você verá o quanto é difícil encontrar esse tipo de registro. É natural que, diante de tal cenário, o nosso subconsciente diga que “aquele não é nosso lugar”. Por isso, é tão urgente e importante que todas e todos nos unamos para reverter este mindset.
O terceiro, e não menos importante motivo citado por Mônica, aponta o direito de sermos quem quisermos ser. Independente do espaço que estejamos ocupando, sempre seremos “vítimas” de comentários e análises sobre a forma como nos vestimos, nos maquiamos e nos portamos diante de outras pessoas, especialmente diante de homens. Além de termos nossos corpos avaliados, esse tipo de julgamento, inevitavelmente, mina e desestimula a maioria das mulheres.
Não bastasse tanto, ainda somos expostas diuturnamente à violência (política) de gênero. A pesquisa Mulheres na Política, realizada pelo DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a violência, referente às eleições de 2018 e 2020, mostra que as candidatas são mais discriminadas e desqualificadas pelo simples fato de serem mulheres.
Importante esclarecer que é considerada violência política de gênero “todo e qualquer ato com o objetivo de excluir a mulher do espaço político, impedir ou restringir seu acesso ou induzi-la a tomar decisões contrárias à vontade dela”. Isso pode acontecer a qualquer tempo da vida política.
Como mulher, jovem, mãe e parlamentar, posso afirmar que 10 a cada 10 mulheres que estão na política já foram violentadas por algum colega de parlamento ou algum outro cidadão. Incontáveis foram as vezes em que fui interrompida durante alguma fala minha. Lembro, quando ainda era vereadora, que ouvia, ao fundo do plenário, colega eleito latindo e tentando me desconcentrar ou desmerecer minha luta pelos animais.
Falar em animais, já não bastasse toda a dificuldade de ser mulher na política, no meu caso, ainda vivo o plus de defender uma bandeira relativamente nova no parlamento: os direitos dos animais.
Não é fácil. Preciso confessar. Talvez, se tivessem me dito que seria do jeito que é, eu não tivesse aceitado o desafio de ser candidata ainda em 2016, no ápice dos meus 27 anos e com um filho de 1 ano. Nada disso seria possível sem uma rede de apoio. Apoio de familiares, amigos e uma excelente equipe, que ficam com meu filho nas inúmeras vezes em que eu não posso. Que me ajuda a decifrar e percorrer cada trecho do labirinto político. Que, muitas vezes, não me deixa ter acesso a toda violência gratuita que chega pelas redes sociais.
O caminho é longo, mas já estamos nele e precisamos persistir na luta para aumentar a representatividade feminina na política. Esse caminho perpassa por cada mulher que podemos alcançar diretamente para mostrar a importância de participar das mesas de decisão. A sociedade civil, por meio de organizações não governamentais (ONGs), também é essencial. Assim como nós, pessoas já públicas e que estão nos espaços de poder, precisamos promover políticas públicas efetivas, que garantam recursos e dificultem as tão conhecidas candidaturas laranja. Desta forma, a sociedade evoluirá.
Sobre a autora
Priscilla Kitty Lima da Costa Pinto, conhecida como Kitty Lima, é natural de Aracaju (SE). Vegetariana desde os 5 anos e protetora dos animais desde então, fundou a ONG Anjos, há 10 anos, com o objetivo de salvar vidas de animais em sofrimento.
Em 2016, quase sem recursos, foi eleita vereadora de Aracaju com 4925 votos. Em sua atuação, chamou atenção da sociedade sergipana ao levantar pela primeira vez na história o debate do direito animal em Sergipe. Este fato a levou a ser eleita deputada estadual, em 2018, mantendo sua atuação imperativa em defesa dos animais e dos direitos da mulher e das minorias.
** O artigo foi traduzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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O espaço de Simone é o mesmo de Itamar
Ivan Alves Filho*
Toda vez que o Brasil vivenciou um regime ditatorial ou esteve ameaçado de sofrer um golpe de Estado, as forças do Campo Democrático souberam se unir, impondo uma saída dentro do quadro institucional.
Foi assim na ruptura com o Estado Novo, de Getúlio Vargas, em 1945; na garantia da posse de Juscelino Kubitschek, dez anos depois; na superação da ditadura dos generais, em 1985; e no impedimento de Collor de Mello, em 1992. No núcleo dessa política se configurava a aliança dos liberal-democratas com os social-democratas e os comunistas.
Este é o espaço da Frente Ampla, da Democracia.
Hoje, com a candidatura de Simone Tebet à Presidência da República, este espaço volta com força à cena política, tal qual se apresentou da última vez entre nós. Ou seja, durante o Governo Itamar Franco, o mais progressista que o Brasil já teve, a meu juízo.
Com uma vantagem, até: temos a oportunidade, em 2022, de estender essa Frente Ampla para além da defesa - portanto indispensável - da Democracia política, incorporando a luta pelas reformas sociais e econômicas ao novo programa de Governo. A gravidade do momento assim o exige.
O que significa apreender a Democracia, em seus múltiplos aspectos, dos embates pela sobrevivência aos combates pela identidade cultural, da necessária proteção ao meio-ambiente à plena incorporação das mulheres e de outros grupos ainda discriminados ao processo nacional.
Alguns são mais democratas no plano político, outros nos terrenos social e econômico. Mas a opção comum pela Democracia, a sensibilidade democrática pode e deve uni-los.
A aliança que vem se formando em torno de Simone Tebet e Tasso Jereissati aponta para este caminho. MDB, PSDB e Cidadania têm uma bela história pela restauração da Democracia entre nós. Vamos continuar a trilhá-la e aprofundá-la.
*Historiador, documentarista e jornalista, autor de 20 livros em que se destacam Memorial dos Palmares, História Pré-Colonial do Brasil, Brasil, 500 anos em documentos, Velho Chico mineiro, O historiador e o tapeceiro, O caminho do alferes Tiradentes e A saída pela Democracia.
*Texto publicado originalmente em Democracia Política e novo Reformismo
O país da Atalaia do Norte no Vale do Javari e da Faria Lima
Luiz Werneck Vianna
Num ponto extremo da Amazônia, em fronteira com o Peru, o misterioso desaparecimento de um indigenista brasileiro e de um jornalista inglês, até então inexplicável, ambos apaixonados pela região, tira do foco da conjuntura o processo eleitoral e assesta a viseira em cheio para o teatro real em que se move o capitalismo brasileiro em busca de uma expansão de suas fronteiras para novas formas de acumulação como na mineração e na ampliação de novas oportunidades para madeireiras e da pesca ilegal, que, na prática, se acham cumpliciadas com crime organizado que campeia na região pelo tráfico de drogas.
Aí se desvela o caráter encapuzado da ação do governo, pondo-se a nu sua natureza predatória, sua agenda anticivilizatória e adversa aos valores cultivados por nossas melhores tradições, muitas delas consagradas constitucionalmente, na medida em que por omissão deliberada na repressão às ilegalidades e aos crimes ali praticados favorece a sua multiplicação. O Brasil é concebido como um território ocupado por forças que lhe são estranhas, empenhadas em destruir os fundamentos da sua civilização e assentar sobre suas ruinas um capitalismo sem freios e excludente da sua população entregue à sua própria sorte.
Decerto o episódio que envolve o paradeiro desses dois exploradores amazônidas ainda é incerto, embora suspeitas assustadoras pairem sobre seu destino, mas de qualquer forma se está diante de um fato revelador das políticas nocivas levadas a cabo pelo governo Bolsonaro no sentido de abrir caminho à penetração orquestrada de negócios escusos no coração da Amazônia tratada como um faroeste sem lei sob controle de aventureiros em busca da fortuna.
Na região se patenteia nos seus traços fortes o projeto Bolsonaro de remodelar o país pelo padrão neoliberal de confiar os rumos do país a um capitalismo vitoriano diante de um Estado absenteísta especializado na pura intervenção coercitiva sobre seus cidadãos a velar para os fins de preservar a lei das selvas. O dogma de Margareth Thatcher, de que não existe essa coisa chamada de sociedade, rejeitado em seu país natal, torna-se aqui palavra de ordem.
O projeto de capitalismo autoritário, esgotado nos quarteirões lustrosos da Faria Lima e adjacências, procura seiva nova nas paragens amazônidas submetida às investidas contra suas florestas e suas populações autóctones com furor genocida para os fins de mais um movimento expansivo da acumulação capitalista. Nesse propósito, desencadeia-se uma sorte de guerra de guerrilha, pilotada de longe pelos agentes do projeto bolsonarista, levada a cabo por aventureiros com biografias dedicadas ao crime que dirigem em bandos armados as invasões das terras indígenas e expropriam seus recursos naturais como a floresta, a pesca e a caça, malbaratando suas terras com práticas deletérias de mineração.
A pretexto da defesa da soberania nacional na Amazônia confia-se o destino da estratégica região à cupidez de negócios e ao afã pela riqueza fácil de homens sem eira nem beira, devolvendo à vida a tragédia da colonização do continente americano. Dos amazônidas contra essa máquina de guerra orientada à sua destruição sob beneplácito do governo atual, surgem resistências, especialmente dos seus novos intelectuais, muitos deles descendentes dos povos originários, já identificados com o significado da defesa da Amazônia em termos planetários, e capazes de estabelecer interlocução direta com a opinião pública mundial assim como com as suas populações autóctones.
Bruno Pereira e Dom Philipps, com histórias e trajetórias de vida, distintas que o amor comum pela natureza amazônica aproximou, defensores da integridade da região e de suas populações, como é sabido, estão desaparecidos há dias sem que se saiba o destino deles. O fato é que saíram em missão investigativa numa singela embarcação, motivados pelo zelo de apurar malfeitos que em relatórios já tinham apurado e que agora são de conhecimento público. Conhecedores daquelas inseguras vias de comunicação fluvial, a possibilidade de que se tenham se perdido é remota, e com o passar dos dias afirmam-se como prováveis as hipóteses de que tenham sido vítimas de um crime. De quem é o que se pergunta, e todos os olhos se voltam para o que é a suspeita de todos, como sempre camuflado embora qual na história do gato deixe o rabo de fora.
*Texto publicado originalmente no Horizontes Democráticos
Onde está a saída para a crise
Marco Antônio Villa
Viver no Brasil sob a presidência de Jair Bolsonaro não é tarefa fácil. A cada dia somos surpreendidos por alguma ação que confronta o Estado democrático de Direito, um ataque às instituições, um comentário que quebra o decoro presidencial, uma imagem que desmoraliza a figura presidencial, uma entrevista que pretende transformar a torpeza em qualidade. São sustos e mais sustos e imaginamos que cada um deles não mais se repetirá. Ledo engano. Nos dias posteriores ficamos espantados com mais ações absolutamente distantes do que assistimos como comportamento político ao longo da história republicana.
Com Jair Bolsonaro, a escória tomou o poder. Será que devemos imputar ao destino o que estamos vivendo? Não creio. O destino está cansado de nos punir. O que estamos assistindo é produto de um processo histórico. O desafio dos pesquisadores será, quando virarmos esta triste página da história, buscar encontrar mas razões que conduziram o Brasil a uma situação que ninguém sequer poderia supor a apenas um lustro atrás. Entender historicamente que havia um processo se desenvolvendo à nossa frente sem que pudéssemos compreendê-lo. A surpresa do ocorrido, portanto, foi produto não de algum fato inesperado, mas sim pela dificuldade analítica de entender e agir para que não vivêssemos o pesadelo bolsonarista.
Não é o caso de atribuir culpa a algum agente histórico. O essencial é analisar cuidadosamente o desenrolar dos acontecimentos buscando os fatores estruturais que levaram o Brasil a uma presidência ruinosa, a pior, sem qualquer dúvida, da história da República.
Por que o Brasil perdeu o bom caminho da democracia, tão arduamente construído especialmente desde a promulgação da Constituição de 1988? Por que deixamos de crescer, como nos anos 1930-1980 quando fomos o País que mais cresceu no mundo ocidental? E a desindustrialização? Isto quando em 1980 tínhamos o maior parque industrial do hemisfério sul. Como explicar que fomos nos transformando em uma Nação com estrutura econômica neocolonial? E as imensas regiões metropolitanas – onde vivem a maioria dos brasileiros – que perderam o dinamismo e concentram hoje um conjunto de graves problemas sociais, urbanísticos e econômicos?
As perguntas são fáceis de serem elaboradas. Mas, e as respostas? Como vamos sair deste labirinto? Onde está a saída? Como um aluno do Dr. Pangloss, espero que os candidatos à Presidência da República apresentem as respostas.
É muito otimismo?
*Texto publicado originalmente no Horizontes Democráticos