Concurso público: Biblioteca Salomão Malina oferece espaço para estudos
João Vítor*, sob supervisão da Coordenação de Publicações da FAP
Concurseiros têm mais uma opção de ambiente de estudo na região central de Brasília. A Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) no Conic, tem se tornado referência como lugar de concentração para quem que se prepara para maratona de provas Brasil afora. A entrada é gratuita.
Na corrida pela aprovação em um concurso público, a solução para driblar as distrações de casa, para o engenheiro civil Rafael de Castro Ballarin, de 30 anos, foi ir à biblioteca, próximo à Rodoviária do Plano Piloto. No local, ele passa cada detalhe de conteúdo a limpo.
“É bem melhor do que [estudar] em casa. Tenho gatos, então, eles ficam querendo brincar o tempo todo. No meu computador, tem jogos, e eu me vejo tentado a jogar”, explica Ballarin, que escolheu estudar para concursos em busca de estabilidade financeira.
Confira, a seguir, galeria de imagens:
Pesquisa mais recente do Atlas das Juventudes mostra que 32% dos jovens do Brasil têm de lidar com a falta de um ambiente tranquilo para estudar em casa. A maioria deles precisa encontrar na própria garra para encontrar forçar, enfrentar a realidade do dia a dia e manter o foco.
Ballarin se prepara para o concurso do Senado Federal, que será organizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele foi aprovado, em 2018, no concurso da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab), mas não foi nomeado.
O engenheiro diz ter conhecido a Biblioteca Salomão Malina ao caminhar pelo Conic. “Achei ela [biblioteca] por acaso. Uso só para estudos. Fica perto da rodoviária, o que facilita para mim”, afirma.
Nascido em Brasília, Ballarin chegou a trabalhar na área da engenharia civil. No entanto, ele afirma ter se “desagrado” com a profissão. “Me desiludi muito com a engenharia”, diz. Ele é graduado pela Universidade de Brasília (UnB).
O técnico de contabilidade Luiz Henrique Souto Ribeiro, de 34, diz que o espaço da biblioteca foi fundamental para que ele acertasse metade da prova do concurso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
“Tenho uma rotina muito apertada para horários de estudos. Então para mim, ela [biblioteca] é muito importante. É o melhor lugar para estudar”, afirma o técnico.
Ribeiro é de Brasília, mas mora no Entorno e diz que, apesar de não ter distrações em casa, ele prefere ir à biblioteca. O espaço, conforme acrescenta, serve, também, para “arejar a cabeça''. “É um lugar para eu me isolar dos problemas. Um refúgio interno”, explica.
O técnico de contabilidade afirma que conheceu a Biblioteca Salomão Malina ao caminhar pelo Conic na hora do almoço. “Eu entrei ainda um pouco acanhado porque não conhecia e não sabia se tinha alguma exigência para entrar”, diz, ressaltando que foi bem atendido no local.
Ao menos 115 concursos públicos estão com inscrições abertas no Brasil. Juntos, totalizam mais de 6,4 mil vagas em cargos de todos os níveis de escolaridade.
Serviço
Biblioteca Salomão Malina
Endereço: SDS, Bloco P, ED. Venâncio III, Conic, loja 52, Brasília (DF). CEP: 70393-902
Funcionamento de Segunda à Sexta das 9h às 18h.
WhatsApp: (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web)
*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão da Coordenação de Publicações da FAP
*Título editado
Nas entrelinhas: Campanha começa hoje com foco no Sudeste
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A campanha eleitoral começa hoje com o foco voltado para as pesquisas de intenções de voto realizadas pelo Ipec (sucessor de Ibope) nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Nos três estados do Sudeste, a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro começa mais nervosa, porque são os três maiores colégios eleitorais do país. Os dois deverão comparecer à posse do ministro Alexandre de Moraes na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para a qual foram convidados todos os ex-presidentes. José Sarney, Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff confirmaram presença; Fernando Henrique Cardoso, não, devido a problemas de saúde. A posse será um termômetro do clima da campanha eleitoral no plano institucional.
O nervosismo que antecede os programas eleitorais de rádio e tevê, que somente começarão no dia 26 de agosto, já tomou conta das equipes de marketing dos candidatos. Por hora, está radicalizado nas redes sociais, principalmente entre petistas e bolsonaristas. O jogo bruto nas redes sociais tende a esquentar o clima político, mas essa pode não ser uma boa receita para os programas eleitorais de rádio e teve, a partir do próximo dia 26, que têm audiência difusa e não segmentada em bolhas de apoiadores como as redes sociais.
Na semana passada, as pesquisas mostravam o encurtamento da distância entre Lula e Bolsonaro no Sudeste. Nas pesquisas de ontem, porém, Lula mantinha uma margem de 13 pontos de vantagem em relação a Bolsonaro em Minas (39% a 26%), dez pontos em São Paulo (38% a 28%) e um empate técnico no Rio (35% a 33%), o que reduziu o estresse na cúpula petista. Como são as primeiras pesquisas regionais desse instituto, não há termos de comparação.
Em relação aos demais candidatos, entretanto, a pesquisa mostra que a tendência de polarização e a narrativa do “voto útil” pode explicar a recuperação da vantagem de Lula. Ciro Gomes (PDT), com média de 3%, parece ter sido desidratado em São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. No cômputo geral do Ipec, Lula aparece com 44%, Bolsonaro com 32%, Ciro com 6% , Simone Tebet (MDB) com 2% e Vera (PSTU) com 1%. Lula venceria o segundo turno com 51% dos votos, contra 35% de Bolsonaro.
Depois de uma semana na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva jogou parado, com a sociedade civil se mobilizando em defesa das urnas eletrônicas, do Supremo Tribunal Federal e do Estado democrático de Direito, o presidente Bolsonaro reagiu em duas frentes: a primeira, foi nas redes sociais, nas quais viralizou um meme no qual bolsonaristas espalhavam o boato de que Lula pretende fechar os templos evangélicos, o que obrigou a campanha de Lula a desmentir a fake news; a segunda foi na esfera administrativa do governo: o pagamento de duas parcelas do Auxílio Brasil, equivalente a R$ 1.200,00; o subsídio de R$ 1 mil para os taxistas; e nova redução de preços dos combustíveis pela Petrobras.
Uma batalha especial está sendo travada no mundo evangélico, no qual a forte atuação da primeira-dama Michele Bolsonaro começa a surtir efeito entre as mulheres, segundo pesquisas internas das campanhas de Lula e Bolsonaro. O discurso de Bolsonaro é o de sempre, contra o comunismo e corrupção, em defesa da família e da fé cristã, mas o de Lula ainda não está claro. Tradicionalmente ligado à esquerda católica, Lula teme uma aproximação forçada com os evangélicos. Esse é o nó ainda não desatado de sua campanha, o que abre o flanco para a recuperação de Bolsonaro em segmentos desse eleitorado que haviam se aproximado do petista.
Calmaria
Do ponto de vista institucional, o aspecto mais positivo é que o confronto de Bolsonaro com o ministro Alexandre de Moraes parece ter desanuviado, após o novo presidente do TSE tê-lo convidado pessoalmente para a sua posse, em visita ao Palácio do Planalto. Moraes também tem boas relações com os militares. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, moderou as críticas à Justiça Eleitoral. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também contribuiu para a calmaria, ao dar entrevista a jornalistas estrangeiros garantindo que o presidente eleito nas urnas tomará posse.
Por tudo o que já aconteceu entre o presidente Bolsonaro e o futuro presidente do TSE, não se pode dizer que estamos num processo eleitoral como os que já vivemos desde a redemocratização. Entretanto, o fato relevante são as eleições em si, com milhares de candidatos, a deputados estaduais e federais, nas eleições proporcionais, e a senadores e governadores, em pleitos majoritários, além da disputa presidencial. O eleitor vota simultaneamente em cinco candidatos, já tem experiência de participação eleitoral acumulada, num processo de engajamento político que se intensifica após a campanha eleitoral pelo rádio e a tevê começar. Para Bolsonaro, não resta alternativa a não ser pleitear a reeleição de acordo com as regras do jogo, sobretudo depois do repúdio antecipado à qualquer virada de mesa. A mobilização da sociedade esvaziou a narrativa golpista.
Como polarização política se manifesta nos pátios das escolas
Adriana Stock*, BBC News Brasil
No recreio do Colégio João Paulo I, uma escola privada, em Porto Alegre, o chão está rabiscado com giz. Ao invés de desenhos ou números para pular amarelinha, o que mais chama a atenção é a frase escrita: "Fora Bolsonaro". Uma menina do 4º ano observa as letras com traços tortos, indicando que alguém mais novo do que ela tinha feito aquilo. Talvez alunos do 3º ano. Indignada, ela pega o giz e reescreve "Dentro Bolsonaro". Sente um certo alívio, mas não sabe bem explicar o porquê.
Bem longe dali, no Colégio Santo Agostinho Novo Leblon, uma escola privada, no Rio de Janeiro, durante o intervalo entre as aulas, quando não há nenhum professor na sala, um grupo de alunos começa uma discussão. Alguns gritam "Melhor boca suja do que ladrão!". Os outros revidam "É óbvio que não!".
Também é fora do alcance da supervisão de professores ou monitores, durante intervalo ou recreio, que surgem as discussões mais acaloradas na Escola Municipal Paulino Melenau, em Jaboatão dos Guararapes, próximo a Recife. Lá, uma aluna do 9º ano conta que "o debate às vezes fica grosseiro" e não é incomum escutar xingamentos como "bolsominion" e "fascista".
As discussões se estendem até mesmo fora do ambiente escolar e vão parar no grupo da turma no WhatsApp. "Meu filho fala que é uma verdadeira guerra de figurinhas e memes", conta a mãe de um aluno do 6º ano da escola estadual CIEP 112 Monsenhor Solano Dantas Menezes, na Baixada Fluminense.
Se as discórdias, fruto da polarização política no país, invadem o ambiente familiar e o círculo de amizade entre os adultos, entre as crianças a situação não é diferente. Afinal, elas são uma verdadeira esponja e absorvem, ainda sem pleno entendimento, as opiniões dos pais, principalmente.
"A criança é uma esponja porque precisa de um referencial. Quanto menor ela for, mais fácil a criança estar apenas repetindo aquilo o que foi falado porque ela precisa partir de algum lugar", explica a psicanalista Sylvia Caram, especialista em Educação Infantil da PUC-Rio. É apenas a partir da adolescência que elas começam a se aproximar de uma opinião própria, mas, até lá, defendem como verdades absolutas o que ouviram em casa.
A autonomia de opinião, no entanto, está cada vez mais precoce, acelerada pela maior exposição à internet durante a pandemia, como relata Sylvia. São crianças de até oito anos de idade que deixaram de ter somente os pais como única referência, passando a escutar o que dizem influenciadores nas redes sociais, além de absorver o conteúdo dos inúmeros vídeos e memes que circulam pelas telas.
"Demonização do debate político"
O fato dessa troca de farpas entre alunos estar acontecendo longe da moderação dos professores ocorre, em parte, pelo receio que muitos docentes têm de propor um debate político em sala de aula e serem acusados de um viés para esquerda ou direita.
É a "demonização do debate político", como descreve Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, que coordena o EducaMídia, um programa de educação midiática direcionado aos jovens e que tem parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Depois daquele movimento da 'Escola sem partido', em que as escolas estavam sendo acusadas de doutrinar os jovens com conteúdo de direita ou de esquerda, principalmente, houve um processo de criminalizar o debate sobre política. O professor passou a se sentir desincentivado a tratar desse tema em sala de aula", afirma Patrícia.
Ela cita a pesquisa Juventudes e Política, do instituto Ipec, publicada neste ano, a qual aponta que o jovem está interessado em questões políticas, mas vem se informando e formando sua opinião a partir de influenciadores que muitas vezes têm o mesmo nível de conhecimento que ele em tais temas.
"Daí a importância de a escola entrar nesse debate formando esse jovem para que ele possa ir atrás de informações e construir sua própria opinião. Não podemos deixá-lo à margem e só convidá-lo a se manifestar na época da eleição. Temos que dar subsídios para que ele possa fazer uma escolha bem informada, que entenda quais são os critérios que deve levar em conta na hora de decidir o voto. Isso transcende a questão partidária", ressalta.
Na Escola Nova, no Rio de Janeiro, desde o 4º ano do Ensino Fundamental há um exercício feito com regularidade em sala de aula para quebrar o engessamento de opiniões que geram brigas. A diretora Vera Affonseca conta que são escolhidos temas polêmicos. A sala é dividida em grupos que defendem um ponto de vista e depois eles invertem as posições. "É uma prática que temos para que os alunos entendam como o outro pensa. Para que aquele que é contra um determinado assunto assuma um posicionamento a favor", conta. Para os mais velhos, já foram debatidos temas como demarcação de terras indígenas e porte de armas, e, com a proximidade das eleições, nomes de pré-candidatos.
"É uma brincadeira muito interessante porque eles precisam pensar em como defender aquilo que detonaram tanto, vivenciar os dois lados. Com política, fica mais acirrado. Então tem que ter o professor como mediador e regras. Saber discutir sem agredir. Eles aprendem a respeitar o ponto de vista do outro", diz a educadora.
A organização de simulados de eleições é outra forma que escolas encontram para incentivar o debate político construtivo. Foi o que fez, por exemplo, o Colégio Militar de Paraíso do Tocantins em parceria com a Escola Judiciária do Tribunal Regional Eleitoral e o cartório local, que, juntos, desde 2018, promovem o projeto "Agentes da Democracia - Formação de Eleitores e Políticos do Futuro". Participaram todos os alunos do Ensino Médio e muitos saíram do evento já com o título eleitoral encaminhado.
"O intuito era mostrar que a política não é um grande vilão. Eles fizeram um trabalho muito dinâmico, com uma roda de conversa. Falaram sobre diversos temas, como, por exemplo, a segurança da urna eletrônica. Inclusive eles trouxeram urnas, explicaram como elas funcionam", conta Jordana Marques, orientadora disciplinar do Colégio Militar de Paraíso do Tocantins.
"Pão com salame por voto"
O conhecimento de todas as esferas do poder e o entendimento das funções de cada cargo político foram vitais para acabar com os conflitos na Escola Estadual José Ferreira Maia, em Timóteo, Minas Gerais. É de lá a professora Karina Letícia Pinto, vencedora do Prêmio Professor Transformador 2021 pelo trabalho que fez na construção de valores democráticos.
"O projeto surgiu por causa da intolerância em sala de aula, havia uma polarização muito forte. A gente via a replicação da fala dos pais nos alunos. Dava muita confusão porque um não aceitava o que o outro falava e eram crianças de nove a dez anos de idade. A discussão terminava com um dizendo 'lá fora na saída vou te pegar'. Isso atrapalhava o convívio. Eu nunca tinha visto aquilo em 13 anos de sala de aula", lembra a docente.
Karina percebeu que as brigas ocorriam por motivos que as crianças nem entendiam direito. Foi aí que teve a ideia de falar sobre o que é política. "Comecei explicando o que era o poder Legislativo, porque as crianças achavam que só o presidente mandava no país. Mas eles foram entendendo como surgem as leis, como são votadas e por quem, quando passam a valer e como interferem em nossas vidas", relata. Depois seguiram as lições sobre os poderes Executivo e Judiciário.
"Ensinei tudo de uma forma bem didática. Expliquei a independência dos três poderes, mas que os três precisam ser amigos, que nenhum faz uma coisa sem o outro, que eles colaboram com o outro. Foi a partir daí que o debate em sala de aula passou a ser mais construtivo. Os alunos expressavam suas ideias, mas sabendo que deveriam respeitar a ideia do colega", diz Karina.
O primeiro exercício de democracia aconteceu na escolha do líder de sala de aula e a professora conta que o processo eleitoral teve até denúncia de compra de voto. "Alguns alunos vieram relatar, indignados, que teve gente querendo trocar a merenda, um pão com salame, por voto", conta em meio a risadas. "Mas eles tinham aprendido o que era corrupção e que aquilo era errado."
Os alunos também aprenderam sobre orçamento, entrevistaram o prefeito de Timóteo e chegaram a fazer uma sessão simulada no plenário da câmara municipal. Enquanto buscava mais ideias de atividades, Karina descobriu o Plenarinho, uma iniciativa educacional da Câmara dos Deputados voltada às crianças.
"Vi que tinha um concurso nacional. As dez melhores redações de professores sobre tolerância dentro da escola eram selecionadas para levar os alunos ao Congresso Nacional, onde seriam deputados mirins por um dia", conta. O texto de Karina foi escolhido. Professora, alunos e pais foram para Brasília - depois de, com muito esforço, conseguirem juntar dinheiro para a viagem, já que a maioria não tinha recursos.
"Foi um impacto para toda a família. Muito interessante as crianças quando chegaram em Brasília e explicaram para os pais o que era o Congresso Nacional. No STF, uma das alunas com dez anos explicou para a mãe o que representava aquela estátua com os olhos vendados. Eles captaram todas as lições", conta a docente. "Eu não tive mais briga, bate-boca. Essa experiência deixou bem claro que é pelo conhecimento que evitamos a escalada de conflitos destrutivos."
*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil. Título editado.
Revista online | Representatividade negra na política
Kennedy Vasconcelos Júnior*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Como pode um deputado ou deputada não-negros (brancos) entenderem as demandas dessa população se nunca sofrem discriminação ou racismo na pele? Para iniciar qualquer conversa sobre o tema “representatividade”, é essencial definirmos o conceito do termo de modo que possamos partir do mesmo ponto.
De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa e o Dicionário de Política, do filósofo e historiador Norberto Bobbio, a representatividade é a expressão dos interesses de um grupo (partido, classe, movimento, nação, etc.) na figura de um representante, de forma que aquele que fala em nome do coletivo o faz comprometido com as demandas e necessidades dos representados.
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Portanto, falar de representatividade revela o sentido político e ideológico por trás do termo. Mesmo que seja possível imaginar o sofrimento do outro, só podem alcançar a compreensão plena do que seja a opressão racial aqueles que sofrem diretamente a violência desse contexto. Qualquer coisa diferente disso é achismo.
A maneira mais reveladora de se enxergar a falta de representatividade negra é nos números: Além de o Brasil ser o maior país em concentração de negros fora do continente africano, temos 125 deputados autodeclarados negros – soma de pardos e pretos, segundo critério do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – de um total de 513 parlamentares na Câmara dos Deputados, o que representa 24,36% da assembleia da Casa.
Mesmo que pessoas negras constituam a maioria da população brasileira (cerca de 56%, de acordo com dados do censo do IBGE de 2018), a representatividade desse grupo está muito aquém da necessária, e isso não é um acidente. O racismo estrutural é fruto do caráter exploratório e excludente da colonização, bem como da desigualdade social que afeta majoritariamente negros e pardos no Brasil.
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Jovens negros continuam sendo as principais vítimas da violência no Brasil, o que é facilmente constatado pelos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020. De acordo com a pesquisa, pessoas negras foram 76,2% das vítimas de mortes violentas intencionais. No mesmo ano, representaram 78,9% das vítimas de intervenções policiais. Além disso, 62,7% dos policiais assassinados eram negros.
Nada disso decorre de crimes diretamente caracterizados por ódio racial. No entanto, fazem parte de uma lógica histórica mais profunda, entranhada não só nas percepções individuais e no funcionamento das políticas públicas e das instituições.
Tudo isso, atrelado à falta de perspectivas e oportunidades, justifica a urgência da necessidade de falarmos sobre representatividade negra e diversidade, além da garantia de direitos fundamentais para que a vida de nossas crianças se desenvolva de forma segura, saudável e promissora, por meio de políticas compatíveis com as necessidades de um mundo real, partindo do entendimento de que nossa sociedade é múltipla e diversa. Aceitar e se aliar a essa pauta é uma oportunidade de reforçar o nosso desenvolvimento individual como seres humanos e como sociedade.
A “violência simbólica" é o subproduto das relações de poder, trazendo à margem tudo que foge do padrão eurocêntrico preestabelecido desde as colonizações. O sociólogo francês Pierre Bourdieu define violência simbólica como um conceito social elaborado, o qual aborda uma forma de violência sem coação física, causando danos morais e psicológicos, muitas vezes sutis, e que estão arraigados na estrutura social.
A única forma de combater o racismo estrutural nas instituições é por meio do despertar da consciência da comunidade negra, que precisa se reconhecer como tal e, assim, se empoderar da armadura ancestral de lutas, sacrifícios e vitórias. Os brancos precisam reconhecer seus privilégios e entender que é preciso microevoluções para grandes revoluções. Tudo isso é crucial para este momento de ameaça democrática. É preciso confiar nas instituições e no processo eleitoral e respeitar a luta de muitos que se foram para respirarmos liberdade e escolha.
Doze das 24 legendas com representação na Câmara dos Deputados não têm qualquer instância para debater igualdade racial ou sua organização política, o que fere profundamente a representatividade racial no Brasil, pois dificulta ainda mais que negros e negras disputem eleições no país.
A Comissão de Igualdade Racial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou neste mês de agosto de 2022 um relatório de financiamento de campanha eleitorais para impulsionar campanhas de pessoas negras por meio do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o Fundo Partidário, atribuindo a responsabilidade de empregar os recursos aos candidatos negros, aos órgãos geridos pela base nacional de cada partido, que também será responsável por fixar os critérios internos para o recebimento pelos candidatos, assim como sua prestação de contas ao TSE.
Esses recursos deverão ser solicitados à base nacional do partido através de uma carta de autodeclaração racial. É importante fiscalizar o destino do dinheiro e se atentar a autodeclarantes que não possuem características negras.
A mensagem final que deixo é sobre o aquilombamento, um conceito muito bem abordado por Abdias do Nascimento, político brasileiro, poeta, artista e ativista do direito negro. A perspectiva do aquilombamento vem trazendo uma nova modalidade para a luta negra no Brasil, um lugar seguro de compartilhamento e fortalecimento. É um espaço de conexão e acolhimento com amor.
Uma das maiores características dos quilombos é a união do povo. É preciso um espírito evoluído para olhar integralmente para as questões humanas e saber que a construção de um mundo melhor faz parte de nós. Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.
Sobre o autor
*Kennedy Vasconcelos Júnior é coordenador do Igualdade23 de Minas Gerais. Primeiro Secretário na empresa Conselho Municipal de Cultura de Juiz de Fora - Concult-JF.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Movimentos populares voltam às ruas nesta quinta em defesa da democracia
Nicolau Soares*, Brasil de Fato
Nesta quinta-feira (11), as ruas de ao menos 19 capitais serão palco de manifestações pela democracia, em defesa de eleições livres e contra a violência política. Inicialmente convocados pelos movimentos populares, sociais e sindicais organizados na campanha "Fora, Bolsonaro" para o dia 6, os atos foram adiados para acontecerem na mesma data da leitura da "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito", que já recebeu mais de 800 mil assinaturas até aqui.
"A campanha vem realizando, desde que Bolsonaro assumiu, atos em defesa da democracia, para pressionar pela questão da vacinação, denunciando a fome, o desemprego. E agora, voltamos às ruas contra a escalada do autoritarismo, da ameaça de não respeitar as eleições, ou seja, não respeitar a soberania popular do voto, anunciando ao mundo naquela reunião com os embaixadores que a urna eletrônica não é segura", afirma Raimundo Bonfim, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP) e um dos organizadores da campanha, que inclui as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, além de dezenas de entidades.
A organização da campanha já tem 22 atos confirmados em 19 estados, número que deve crescer até a quinta-feira. Em São Paulo, a manifestação pública acontece a partir das 17h, no vão livre do Masp, na Avenida Paulista. No Rio de Janeiro, o ato acontece na Candelária, região central da cidade, a partir das 16h.
Também está previsto ato em Brasília, em frete ao Congresso Nacional, a partir das 15h. Em Salvador, será realizada uma passeata saindo da praça do Campo Grande às 9h.
Ações simultâneas
A data marca o lançamento oficial do manifesto elaborada por ex-alunos e professores da Faculdade de Direito da USP, que acontecerá às 11h30, no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo.
Clique aqui para ler na íntegra e assinar o documento.
Mais cedo, às 9h30, será feita a leitura do manifesto Em Defesa da Democracia e da Justiça, de iniciativa da Fiesp e subscrito por 107 entidades de diversos setores, como a Febraban e organizações ligadas ao agronegócio. O documento já foi publicado em alguns dos maiores jornais do Brasil na semana passada.
A diversidade de setores mostra um amplo arco de forças na defesa da democracia, o que é comemorado por Raimundo. "Isso é importante, nós saudamos essa iniciativa puxada pela Faculdade de Direito da USP e por setores empresariais, mas nós achamos que o elemento rua é fundamental nessa luta em defesa da democracia para o povo brasileiro", afirma, ressaltando as diferenças entre os grupos.
"Nós defendemos a democracia, mas defendemos a democracia com direitos. Com políticas públicas. Não existe democracia com racismo, com desemprego, com fome, com miséria. Estaremos nas ruas fazendo a defesa da democracia, da soberania popular do voto, mas também levando a nossa pauta de denúncia, do desemprego, das más condições de vida do povo brasileiro", conclui.
Veja abaixo a lista de atos confirmados até aqui:
AL:
Maceió: Praça Centenário, 8h
AM:
Manaus: Praça da Saudade, 15h
BA:
Salvador: Praça do Campo Grande, 9h
CE:
Fortaleza: Praça da Bandeira, 9h
DF:
Brasília: Congresso Nacional, 15h
ES:
Vitória: Praça Costa Pereira, 10h
GO:
Goiânia: Praça Universitária, 17h
MA:
São Luís: Praça Deodoro, 16h
MG:
Belo Horizonte, Praça Afonso Arinos, 17h
MS:
Campo Grande: Câmara Municipal, 10h.
PB:
João Pessoa: Lyceu Paraibano, 14h
PE:
Recife: Rua da Aurora, 15h
PI:
Teresina: Praça Rio Branco, 8h30
PR:
Curitiba: Praça Santos Andrade, 18h30
RJ:
Rio de Janeiro: Candelária, 16h
RN:
Natal: Midway, 14h30
SC:
Florianópolis: Praça da Alfândega, 17h
SE:
Aracaju: Praça Getúlio Vargas. Bairro São José, 15h.
SP:
Santos: Praça dos Andradas, 10h
São Paulo: MASP, 17h
Ribeirão Preto: Esplanada do Teatro Pedro II, 17h
*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato. Título editado.
Revista online | Por que as políticas públicas de leitura são fundamentais
Renata Costa*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
“É preciso que a leitura seja um ato de amor”
- Paulo Freire
Imagine se o nosso país fosse um país leitor? Imaginou? E que imagem, palavra ou expressão vem à sua cabeça? Na minha, por exemplo, vem sempre empatia, pensamento crítico, consciência social. Sim, é isso mesmo.
Acredito que a leitura é a maior forma de um ser humano absorver empatia, qualidade rara em nossa sociedade. O motivo é bastante simples: a leitura nos desloca para outra realidade, nos coloca obrigatoriamente em vivências de outras pessoas (personagens) e, em função disso, somos inseridos na empatia, de maneira intrínseca.
Em relação ao pensamento crítico, acredito firmemente no poder da leitura na absorção dessa qualidade. Começamos a pensar, a refletir a partir de realidades externas. Nosso cérebro recebe outras vivências de forma direta e com isso passamos a questionar mais e aceitar menos o que chamamos de senso comum. E isso nos leva à consciência social. Por isso, a leitura é a base de todas as artes, da cultura e da educação.
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A provocação do texto Ler devia ser proibido, da filósofa e escritora brasileira Guiomar de Grammont, é certeira:
“Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzindo a crer que tudo pode ser de outra forma. (...) Pais, não leiam para seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente.”
Segundo a pesquisa Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), “três em cada 10 brasileiros na faixa de 15 a 64 anos são considerados analfabetos funcionais – ou seja, apresentam limitações para fazer uso da leitura, da escrita e da matemática em atividades cotidianas.” Estamos falando de pessoas que possuem baixo letramento e daqueles com formação superior. Repare que nos referimos apenas a pessoas alfabetizadas, não as que não possuem o código da língua.
Confira, a seguir, galeria de fotos:
E o que isso tem a ver com as políticas públicas do livro e leitura? Tudo. Recentemente, profissionais da área e entidades do livro de todo o Brasil construíram uma carta-manifesto a todos os pré-candidatos deste ano de 2022, ao Legislativo e ao Executivo, solicitando que fossem inseridas em suas plataformas de governo dez ações voltadas à pauta.
Os pedidos são inúmeros, desde acompanhar o Executivo na regulamentação e implementação, nos primeiros dias do novo governo, da Lei 13.696/2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE) até apresentar programas e projetos para estimular, ampliar e fomentar a formação de mediadores(as) e promotores de leitura em plataformas digitais e fortalecer ações de estímulo à leitura e às tradições orais e de oralitura, passando por desenvolver medidas de incentivo e regulação do mercado editorial e regularização de pareceristas nas decisões sobre conteúdos editoriais.
Esta carta aberta já possui quase 13.000 assinaturas em um curto espaço de tempo, o que nos mostra a força do que chamamos de “o povo do livro”. A abrangência dessa política é o que a torna grande. Falamos de três cadeias fundamentais que a cerca: a cadeia criativa, que reúne escritores, poetas, ilustradores, cordelistas; a cadeia produtiva, que envolve todos os atores do mercado livreiro e editorial, desde os próprios editores aos diagramadores, revisores, profissionais do comercial, entre outros; até chegarmos à cadeia mediadora, que engloba professores e educadores, bibliotecários, mediadores de leitura, profissionais de bibliotecas públicas e comunitárias e os próprios leitores.
O Brasil está acordando para a importância da leitura e para o entendimento de que, de fato, ler é um ato político. Aliás, o professor Darcy Ribeiro já sabia disso há tempos, quando disse que “a crise na educação não é uma crise, é um projeto”. Não há interesse político na leitura e, por isso, existir um partido que hoje abrace uma Bancada do Livro é fundamental e inovador.
Recentemente, tivemos declaração do atual presidente da República “ameaçando” seus eleitores, dizendo que haverá bibliotecas no lugar dos clubes de tiro, caso não ganhe as próximas eleições. Isso diz muito sobre o “projeto” ao qual se referia Darcy Ribeiro. Diz muito, também, sobre a importância que a leitura tem para uma sociedade democrática de fato.
É urgente que o país absorva e entenda que o livro, a leitura e as bibliotecas de acesso público, sejam públicas ou comunitárias, são o âmago de pautas não só de cultura e educação, mas, também, de direitos humanos, saúde, segurança, meio ambiente, dentre tantas outras.
Muitas bibliotecas comunitárias, por exemplo, trabalham o livro em locais de alta violência e vulnerabilidade social. Entendem que é necessário incidir em políticas públicas para democratizar o acesso ao livro e diminuir a violência em seus territórios. É a expressão “mais livros, menos armas” sendo feita na prática. É necessário abraçarmos essa causa e darmos visibilidade a esses espaços, que são, majoritariamente, geridos por mulheres que percebem a leitura nesse lugar fundamental.
São as mulheres que estão no topo da pirâmide ao se tratar de leitura, que, por sinal, é um substantivo feminino. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil aponta que “um em cada três leitores têm lembranças da mãe lendo algum livro, e 49% deles têm na mãe sua grande incentivadora no processo de ler por prazer”. Preciso dizer mais alguma coisa?
No Estado do Rio de Janeiro, há um exemplo vivo do que as bibliotecas comunitárias são capazes. Na cidade de Nova Iguaçu, região da Baixada Fluminense, um coletivo chamado Baixada Literária trabalha há anos na construção de políticas leitoras para o município. Segundo informação da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC), “a Baixada Literária vem desempenhando papel significativo na descentralização da cultura literária e na formação de leitores nas comunidades em que atua. São bibliotecas vivas, dinâmicas e aconchegantes, com acervo de qualidade disponível a todos”.
Além disso, foram elas as responsáveis por conseguir, em parceria com o poder público local, transformar o Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas de Nova Iguaçu em lei (4.439 de 19 de novembro), sancionada desde 2014. Hoje a cidade é referência na construção de políticas públicas para o setor em todo o Brasil e as bibliotecas que compõem a Baixada Literária, as maiores personagens desse livro.
Exposto tudo isso, respondemos, acredito, à pergunta feita no título deste artigo: Por que as políticas públicas de livro e leitura são fundamentais para uma sociedade mais democrática?
Sobre a autora
Renata Costa: ex-secretária do Plano Nacional do Livro Leitura (PNLL), gestora do projeto Palavralida e conselheira de Estado de Cultura do Rio de Janeiro
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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*Título editado.
Nas entrelinhas: Uma Rosa no comando do STF (e o espinho)
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.
Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.
Como magistrada, é uma rosa de ferro, acostumada a tomar decisões difíceis. Na segunda-feira, por exemplo, enviou para a Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação de Bolsonaro por ter feito ataques ao sistema eleitoral, sem provas, durante encontro com embaixadores estrangeiros.
Deu sequência à ação na qual parlamentares da oposição questionam a conduta do presidente por abuso de poder econômico, improbidade administrativa e crime contra o Estado democrático de Direito. Houve forte reação da opinião pública e das chancelarias estrangeiras aos ataques que Bolsonaro fez ao sistema eleitoral brasileiro, principalmente à urna eletrônica, à Justiça Eleitoral e aos ministros Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Alexandre de Moraes, que assume o comando da Corte durante as eleições.
Apesar de pôr mais lenha na fogueira das tensões entre Bolsonaro, o espinho, e o Supremo, essa foi uma decisão de praxe, pois cabe à PGR decidir se pede a instauração de apurações formais contra autoridades com foro privilegiado, o que é muito improvável. O procurador-geral da República, Augusto Aras, é um aliado quase incondicional de Bolsonaro. Provavelmente, a PGR pedirá o arquivamento do caso, como vem fazendo sistematicamente em assuntos que envolvem o presidente. Nos bastidores, Aras é uma das autoridades que mais se queixam da atuação do Supremo, que teria usurpado atribuições do Executivo e do Legislativo, segundo afirma nos bastidores da Praça dos Três Poderes.
Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber tomou posse na Suprema Corte em 2011, depois de ter sido indicada pela então presidente Dilma Rousseff. Presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2018 a 2020, ou seja, durante a eleição de Bolsonaro. Fez carreira na Justiça do Trabalho, na qual ingressou em 1976, como juíza substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). Em 1981, foi promovida ao cargo de juíza-presidente, que exerceu sucessivamente nas Juntas de Conciliação e Julgamento de Ijuí, Santa Maria, Vacaria, Lajeado, Canoas e Porto Alegre.
Judicialização
Pela própria trajetória como magistrada, Rosa é protagonista de um fenômeno polêmico, que vem sendo muito questionado e também estudado no Brasil: a judicialização da política, a partir de uma concepção formal sobre as atribuições e relações entre os poderes. O debate político, porém, deu à expressão, cujo sentido é normativo, um caráter pejorativo.
A rigor, há dois modelos em discussão. No primeiro, trata-se de uma República constitucional com predomínio das instâncias eleitorais-majoritárias de representação, na qual o Judiciário é voltado à aplicação da lei aos casos individuais e com limitada interferência nas decisões legislativas e governamentais. É mais ou menos nesse campo que se posicionam Bolsonaro, os militares que ocupam o Palácio do Planalto, os políticos do Centrão que dão sustentação ao governo e Aras.
O outro modelo consagra a cooperação e complementariedade entre os poderes nas decisões políticas, com base na Constituição de 1988, que deu ao Estado brasileiro as características de uma democracia ampliada, com maior participação da sociedade civil nas agências governamentais. Nesse modelo, o Judiciário tem o papel de formular os valores compartilhados e servir de canal de expressão para grupos minoritários cujos direitos não são levados em conta pela representação da maioria.
Nesse contexto, ao longo dos últimos 20 anos, o Supremo emergiu como poder moderador na relação entre os poderes Executivo e Judiciário e entre o Estado e sociedade, ocupando espaços na definição de políticas públicas e na garantia de direitos sociais, sempre que o Executivo os contrariava ou o Legislativo se omitia, como nos casos do aborto, das terras indígenas, das relações homoafetivas etc.
A existência da Justiça Trabalhista e da Justiça Eleitoral, que antecedem a Constituição de 1988, já era expressão dessa tendência, que ganhou mais vigor a partir da democratização do país. São inúmeros os temas nos quais o STF é demandado em ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) para garantir direitos de entes federados ou dos cidadãos em sua relação com o Estado. Rosa tende a reafirmar essa tendência à frente do Supremo, até por uma questão de coerência doutrinária e trajetória pessoal na magistratura.
Quase R$ 300 mi em multas ambientais podem prescrever em 2022
Luiz Fernando Toledo*, BBC News Brasil
Até o fim de 2022, pelo menos 2.297 multas ambientais podem prescrever e o Estado brasileiro deixar de arrecadar cerca de R$ 298 milhões, segundo estimativa interna do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), feita em junho e obtida pela BBC News Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Esse número mostra apenas uma parte do problema, pois o órgão admite que mais de 90 mil multas ainda estão na fila para serem processadas e seus prazos de prescrição são desconhecidos.
As cifras também podem variar de acordo com o tipo de análise, já que há vários tipos de prescrição previstos em lei, que variam entre três a cinco anos. A reportagem considerou dados enviados pelo próprio Ibama, que cita como base lei de 1999 que estabelece prazo de prescrição da ação punitiva do Estado.
A BBC News Brasil conversou com mais de 20 ex-funcionários e especialistas do Ibama para esta reportagem. Também analisou documentos internos do órgão e dados oficiais.
A realidade que se desenha é que infratores não temem as punições pois contam com a prescrição para livrar-se dos malfeitos.
Consequentemente, vêm mantendo práticas ilegais por anos, contribuindo para aumentar o desmatamento e a grilagem de terras, enquanto mantêm negócios com a venda e exportação de produtos, como carne e madeira.
Quatro etapas são necessárias para que a infração ambiental seja punida: identificar o ilícito ambiental, autuar, julgar e cobrar a multa. Se o Estado demorar cinco anos ou mais para realizar qualquer uma dessas etapas ou ficar três anos sem "mover" o processo, a multa prescreve e nenhum dinheiro pode ser recolhido, embora a empresa ainda possa ter de restaurar a área degradada, se assim determinado pela Justiça. Também há possível punição na esfera criminal.
Mais de 10 mil multas ambientais são aplicadas anualmente no Brasil. Mas, segundo diagnóstico do próprio Ibama, a atual equipe que analisa e julga não consegue dar conta desse volume de trabalho, então a papelada se acumula e é repassada para o ano seguinte, situação que se repete até o vencimento das multas. Uma estimativa interna do instituto diz que quase 40 mil multas podem prescrever até 2024.
Falta de pessoal e mudanças frequentes na legislação são os motivos do problema, segundo avaliação interna do Ibama e as fontes ouvidas.
"As pessoas têm a impressão de que o Estado é incapaz de punir", diz Felipe Nunes, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos autores de um estudo que mostra que menos multas ambientais estão sendo aplicadas e julgadas por atual administração do Ibama.
Especialistas apontam que uma das razões que ajudaram a aumentar o risco de prescrições é a chamada audiência de conciliação, uma nova etapa antes do julgamento da multa em que o Ibama oferece ao infrator a possibilidade de chegar a um acordo com a empresa em vez de caminhar por um julgamento.
Criado em 2019, o procedimento acabou retardando o processamento de multas nos primeiros meses. Dados da agência ambiental apontam que houve o menor número de julgamentos de infrações ambientais ao menos desde 2013 no órgão.
O Ibama reconheceu essas audiências como um desafio em uma avaliação interna, mencionando-as em seu memorando interno em uma seção sobre "ameaças ao processo sancionatório".
"A audiência de conciliação foi uma política que veio de cima pra baixo, sem ouvir os servidores. Gastou-se muita energia. Se tivessem priorizado o trabalho para melhorar julgamento e instrução das multas, não teríamos tantas prescrições de multas de valores altíssimos", diz o geógrafo e analista ambiental Govinda Terra, um dos diretores da Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do MMA (Ministério do Meio Ambiente) e do Ibama (Asibama-DF).
O próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) já se mostrou crítico às multas ambientais por diversas vezes. Ele próprio foi multado por pescar em área protegida em janeiro de 2012 e vem dizendo, desde que foi eleito, que quer acabar com a "indústria da multa" no Brasil. Sua própria multa prescreveu em 2019 e o agente que a escreveu foi removido de seu cargo no mesmo ano.
Multas prescritas não são um problema novo e atualmente há até mais mecanismos para evitá-las do que há alguns anos, como a digitalização de documentos nos órgãos públicos, que ajuda na tramitação da papelada e evita a perda de arquivos.
Mas a perda de arrecadação com as prescrições está aumentando. Registros obtidos por meio da LAI mostram que pelo menos 649 multas ambientais prescreveram no ano passado, a maior perda financeira reconhecida da agência desde 2017, após correção pela inflação, de R$ 144 milhões.
Uma das preocupações mais graves dos servidores é com multas milionárias, cujo trabalho de autuação pode levar meses de preparação, mas que têm se perdido com prescrições.
"As grandes empresas preferem gastar com advogado e estender o processo administrativo ao máximo — muitas enrolam mesmo — e, quando não dá certo, vão brigar na Justiça", diz a ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, que ocupou o cargo no governo Temer e hoje trabalha como especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. O Ibama publicou em julho uma portaria que tenta "organizar" essa fila do passivo, priorizando aqueles com valores mais altos.
Registros internos mostram que o Ibama reconhece o problema oficialmente. "Deficiências administrativas comprometem a apuração e mobilização das fiscalizações, não gerando o efeito dissuasório que a multa deveria ter", diz um documento produzido no ano passado.
Quando uma multa prescreve, o instituto precisa abrir uma apuração para identificar o responsável. Mas nem sempre isso é possível. Em alguns casos, o instituto não consegue nem sequer encontrar o agente responsável pelo julgamento da empresa. Por causa da demora, há servidores envolvidos nos processos que até já se aposentaram.
Autoridades do Ibama disseram, em um plano interno, que o órgão precisa contratar 300 pessoas para preencher cargos administrativos e iniciar uma "força-tarefa" para evitar mais prescrições.
Raoni Rajão, professor de Gestão Ambiental e Estudos Sociais da Ciência da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que as mudanças promovidas pelo governo Bolsonaro agravam a falta de pessoal no Ibama e geram um obstáculo artificial à fiscalização. "O processo não anda e, com isso, mais multas serão vencidas".
"Seria muito importante que o tratamento das multas fosse feito de maneira estratégica. Isso garantiria que grandes e reincidentes infratores fossem objeto de sistemas de inteligência compartilhados, por meio de uma governança entre órgãos administrativos e penais, de modo que fossem investigados de maneira apropriada e prioritária", disse Andreia Bonzo Araujo Azevedo, que é Diretora Adjunta do Programa de Clima e Segurança do Instituto Igarapé.
O Ibama não respondeu aos pedidos de entrevista após duas semanas.
"É um prejuízo impossível de mensurar. É como se zerasse o efeito de tudo que foi feito", diz o servidor.
A alta no valor prescrito em 2021 foi puxada por um caso emblemático. Em 2009, o Estado brasileiro multou uma empresa agrícola por impedir a regeneração florestal em uma área de mais de 6 mil hectares, no Estado do Pará.
Em vez de permitir que a floresta voltasse a crescer em uma área que tinha sido desmatada, a empresa Agropecuária Santa Bárbara do Xinguara criou gado. Por causa do tamanho da fazenda, a multa estabelecida atingiu o teto previsto em lei, de R$ 50 milhões.
A operação, que envolveu diversas fazendas da empresa, fazia parte de um trabalho do Ibama em diversas regiões do Pará para comprovar a situação do desmatamento em áreas de atividade agropecuária na Amazônia. Os fiscais afirmaram que a empresa vinha comprando áreas já desmatadas para criar gado. Segundo a própria agropecuária, havia 20 mil cabeças no local da autuação.
Servidores da Superintendência do Ibama no Pará que acompanharam a operação em 2009 disseram à reportagem que esta autuação tinha um peso histórico.
"Era a primeira multa dessa empresa, na época a maior agropecuária do Brasil", disse um servidor, que pediu anonimato por não ter autorização para dar entrevistas. "Descobrimos que estavam usando normalmente áreas que já tinham sido desmatadas e estavam embargadas (ou seja, que não tinham autorização para nenhum tipo de atividade produtiva, como a criação de gado)."
Mas o desfecho "histórico" não favoreceu os cofres públicos: a multa nunca foi paga e teve a prescrição reconhecida pelo Estado no ano passado. Isto significa, na prática, que, por causa da demora em agir, o Ibama perdeu definitivamente o direito de cobrar a agropecuária pela infração.
"Temos a sensação de enxugar gelo. Não é só o valor da multa que é perdido. É o trabalho de quem fez a fiscalização, do que se gastou com helicópteros, com pessoal, com tempo de trabalho. É um prejuízo impossível de mensurar. É como se zerasse o efeito de tudo que foi feito", diz Terra, do Asibama-DF.
A multa foi uma das infrações mais altas a prescrever nos últimos 20 anos, segundo dados obtidos pela reportagem e atualizados em março deste ano. Desde 2000, ao menos R$ 1,3 bilhão em multas ambientais já prescreveu.
Além do lado administrativo, casos como esse também podem ser analisados na Justiça, no âmbito civil e criminal. Em junho de 2018, o juiz federal Heitor Moura Gomes, da subseção Judiciária de Marabá do Tribunal Regional Federal da Primeira Região condenou a agropecuária a recuperar a área desmatada, mas a empresa recorreu e, desde então, aguarda decisão definitiva da corte.
Na decisão, o juiz absolveu a empresa do pagamento por danos materiais justamente por causa do alto valor da multa que seria aplicada contra a empresa - e que agora, sabe-se, prescreveu.
Bruno Valente, procurador federal do Pará, diz que é comum casos como esse durarem uma década ou mais na Justiça. "A consequência é ruim, pois não desencoraja os infratores".
A Agropecuária Santa Bárbara Xinguara se apresenta como uma das maiores do setor na América Latina. Em 2019, o jornal britânico The Guardian informou que eles estavam fornecendo à JBS, a maior empresa frigorífica do mundo, que vende carne bovina para praticamente o mundo todo. O Pará, onde está localizada a fazenda, é o Estado da Amazônia com a maior taxa de desmatamento.
A AgroSB, atual nome da empresa, reconheceu por e-mail que houve dano ambiental na área, mas que o desmatamento tinha acontecido antes da compra da fazenda, e que ela estava invadida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no momento da autuação.
"O melhor para a AgroSB (e Estado) seria o Ibama ter analisado rapidamente este fato e ter declarado no mérito a nulidade da multa, evitando-se, assim, o arrasto do deslinde do feito por mais de uma década até ser fulminado pela prescrição", disse a empresa à reportagem.
O instituto ainda tentava descobrir, em junho deste ano, quem foi o responsável por ter deixado a multa prescrever, de acordo com um memorando interno obtido pela reportagem.
Um funcionário do Ibama que trabalhou no julgamento administrativo de multas e conhece o caso da AgroSB disse que a estratégia da empresa é comum.
"É modus operandi entrar no processo administrativo e esperar o vencimento da multa. Desde o momento em que a empresa foi multada até agora, ela já lucrou muito mais. Esse é um caso emblemático de falta de punição, que gera mais injustiça."
Multa prescrita no passado, investigação no presente
Em março de 2009, o Ibama multou a empresa Tradelink Madeiras em R$ 161 mil (hoje equivalentes a R$ 355 mil, em valores corrigidos pela inflação) por ter adquirido 4.500 metros cúbicos de madeira serrada de ipê (um dos tipos mais valorizados do Brasil) e outros por meio de uma empresa de fachada, situação parecida com a da atual investigação.
A madeira comprada à época foi apreendida e, segundo o relatório do órgão, ficou guardada por quase uma década em um galpão, a ponto de ficar "com aspecto envelhecido, de cor acinzentada", até que o órgão governamental aplicasse a multa, de fato, em 2018. Por conta do lapso temporal, a punição prescreveu e a empresa não precisou pagar a sanção.
Em uma nota técnica enviada à reportagem por meio da LAI, o Ibama justificou a prescrição por "atrasos na análise quanto à lavratura, possivelmente devido à complexidade da operação".
A Tradelink voltou a ser destaque no ano passado depois que uma operação da Polícia Federal investigar se o ministro Ricardo Salles e o atual presidente do Ibama, Eduardo Bim, faziam parte de um suposto esquema para facilitar o contrabando de madeira para os Estados Unidos.
Destituído do cargo por 90 dias, Bim voltou ao trabalho e, no relatório anual de 2021 do Ibama, escreveu que o instituto está "firme no combate ao desmatamento ilegal em terras indígenas e nos diversos biomas brasileiros."
Procurada, a Tradelink negou irregularidades, diz que não houve exportação ilegal e que "a documentação comprobatória da exportação desses contêineres foi apresentada ao Ibama e à Receita Federal do Brasil, antes do embarque".
Disse ainda que "nunca comprou madeira de empresas que foram fechadas" e que a ação de março de 2009 "está sendo apreciada pelo sistema judicial brasileiro".
Também afirmou que os autos não tiveram relação com desmatamento, mas com "formalidades administrativas vinculadas com divergências no preenchimento específico da documentação".
Especialistas acreditam que irregularidades ambientais poderiam ser evitadas se o Ibama garantisse as sanções, freando possíveis reincidentes.
"A prescrição desses mais de 2 mil autos de infração ambientais [da planilha obtida pela reportagem] é uma forma de chancelar as condutas ambientais criminosas. Se muitos infratores ambientais já viam nas falhas sistêmicas uma via para cometer ilegalidades, sabendo da predisposição de que, se pegos, suas autuações acabarão sendo alcançadas pela prescrição, serão ainda mais estimulados a continuar a expandir o desmatamento ilegal", disse Daniele Galvão, analista jurídica do Center for Climate Crime Analysis (CCCA), uma organização sem fins lucrativos.
"O CCCA tem se deparado em suas análises com diversos casos em que o desmatamento associado à extração ilegal de madeira, muitas vezes destinada à exportação para o mercado europeu ou norte-americano, poderia ser evitado se o Ibama (e também os órgãos ambientais estaduais) atuasse de forma mais efetiva em campo".
Petrobras: mesmo com alertas de subordinados, multas de R$ 10 milhões prescreveram
Uma investigação aberta pelo Ibama em 2018, a que a reportagem teve acesso, mostra que um agente do órgão teria se "esquecido" de tratar de pelo menos quatro multas emitidas contra a Petrobras, deixando R$ 10 milhões em infrações prescreverem entre 2017 e 2018, apesar de ter sido avisado por seus subordinados. O caso contra o servidor foi arquivado por falta de provas, mas as multas foram perdidas.
A Petrobras é a empresa que mais recebeu multas ambientais no país, com mais de 2 mil sanções desde 2009, de acordo com dados do Ibama, que somam mais de R$ 1 bilhão, mas a maioria ainda não resultou em pagamento. A empresa foi constantemente mencionada nas entrevistas para esta reportagem como um exemplo da dificuldade da agência ambiental em garantir o pagamento de multas.
De acordo com a investigação, um coordenador de exploração de petróleo do Ibama no Rio de Janeiro "reteve deliberadamente" vários autos de infração contra a petroleira estatal.
O documento apontou que um agente da unidade do Rio apresentou mensagens remetidas ao coordenador que pediam a ele para trabalhar na multa, o que indicaria "que não houve negligência, mas sim a intenção de manter a situação como está".
Os servidores que investigaram o caso também constataram vários problemas administrativos naquela unidade do Ibama, como "falta de controle documental do processo" na unidade e falta de controle dos horários dos funcionários.
O caso também foi denunciado ao Ministério Público Federal, que abriu um inquérito. O servidor deixou o cargo comissionado que ocupava na mesma época da denúncia, em 2018, mas segue atuando no Ibama. O caso foi arquivado em 2021, segundo o MPF, por "ausência de indícios de falha funcional por parte dos coordenadores."
A Petrobras informou, em nota, que "atua com responsabilidade social e ambiental, além de transparência e respeito a normas e regras vigentes em sua missão de transformar recursos brasileiros em riquezas."
A reportagem procurou o Ibama, mas não obteve nenhuma resposta após duas semanas.
*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil. Título editado.
Nas entrelinhas: Condenação de procuradores pode virar bumerangue
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) condenou ontem, por unanimidade, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o ex-procurador Deltan Dallagnol e o procurador João Vicente Romão a ressarcir os cofres públicos por dinheiro gasto pela força-tarefa da Lava-Jato com diárias e passagens. Segundo os ministros da Corte, houve prejuízo de R$ 2,8 milhões em gastos da operação, valor que deve ser restituído ao Tesouro. Técnicos do tribunal haviam recomendado arquivar o processo.
Para o ministro do TCU Bruno Dantas, relator do processo, e para o subprocurador-geral do Ministério Público de Contas, Lucas Furtado, o modelo adotado na operação permitiu o pagamento “desproporcional” e “irrestrito” de diárias, passagens e gratificações a procuradores, com ofensas ao princípio da impessoalidade, em razão da ausência de critérios técnicos que justificassem a escolha dos procuradores que integrariam a operação.
A decisão é mais um capítulo da “desconstrução” da Lava-Jato, que culminou na anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com base no princípio do juiz natural, sustentado pela defesa do petista desde quando o ex-presidente começou a ser investigado pelo então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro.
Principal referência da operação, Moro teve sua imparcialidade como magistrado colocada em xeque quando aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro (PL), recém-eleito, para ser o ministro da Justiça, e abandonou a toga. Ambos acabaram rompendo em abril de 2020, quando Moro deixou o governo.
Janot foi condenado por ter autorizado a constituição da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba; ex-coordenador da força-tarefa, Dallagnol por ter participado da concepção do modelo escolhido pela força-tarefa e da escolha dos integrantes da operação; e Romão, por solicitar a formação da força-tarefa. Sete procuradores foram inocentados.
Em nota, a assessoria de Dallagnol afirmou que há perseguição. “A decisão dos ministros desconsidera o parecer de 14 manifestações técnicas de cinco diferentes instituições (…) que referendaram a atuação da Lava-Jato e os pagamentos feitos. Tudo isso com o objetivo de perseguir o ex-procurador Deltan Dallagnol e enviar um claro recado a todos aqueles que lutam contra a corrupção e a impunidade de poderosos”. Agora, ele está impedido de concorrer às eleições, com base na Lei da Ficha Limpa, porque foi condenado por um colegiado.
Casa de enforcado
Entretanto, a decisão do TCU pode virar um bumerangue eleitoral. Iniciada em 2014, Lava-Jato foi uma das maiores iniciativas de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história recente do Brasil. Na época, quatro “organizações criminosas”, que teriam a participação de agentes públicos, empresários e doleiros passaram a ser investigadas pela Justiça Federal, em Curitiba. A operação apontou irregularidades na Petrobras, maior estatal do país, e contratos vultosos, como o da construção da usina nuclear Angra 3.
Frentes de investigação também foram abertas no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Distrito Federal. As investigações foram iniciadas a partir de uma rede de postos de combustíveis e de um lava-jato de automóveis de Brasília, usada para lavagem de dinheiro — daí o nome da operação. No ambiente de descontentamento com a política e os políticos, a força-tarefa de Curitiba e Moro alavancaram o tsunami eleitoral de 2018, quando Bolsonaro foi eleito.
No decorrer do atual governo, porém, o combate à corrupção deixou de ser uma prioridade para a opinião pública, muito mais preocupada com a pandemia de covid-19, a recessão econômica, o desemprego e o aumento da miséria. O eixo da política nacional se deslocou gradativamente da bandeira da ética para a economia.
Nesse ínterim, os condenados na Lava-Jato cumpriram parte da pena, adquirindo direito à prisão domiciliar ou liberdade condicional. Foram absolvidos ou tiveram suas condenações anuladas por desrespeito ao “devido processo legal”. Lula, que fora condenado e impedido de disputar as eleições de 2018, nas quais era o favorito, permaneceu 580 dias na carceragem da Polícia federal de Curitiba, até sua condenação ser anulada.
Sem entrar no mérito da polêmica jurídica sobre a Lava-Jato, que foi “deslegitimada” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para os réus e condenados na operação esse assunto é como falar de corda em casa de enforcado. Na atual campanha eleitoral, quem ganha com a polêmica é Bolsonaro, apesar dos escândalos de seu governo, porque essa polêmica
aumenta a rejeição de Lula.
*Título editado
Nas entrelinhas: Manifesto resgata narrativa da luta contra a ditadura
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, lançada ontem nas arcadas da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), na sequência do manifesto de empresários e sindicalistas organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) como o mesmo objetivo, resgatou a narrativa da luta pela democracia que aprofundou o isolamento e levou à derrota o regime militar. Organizado por ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), juristas, professores e alunos, o manifesto pode chegar a 1 milhão de assinaturas.
É uma ironia tudo isso. Tanto fizeram o presidente Jair Bolsonaro (PL), os generais que o cercam no Palácio do Planalto e seus apoiadores, saudosistas do regime militar, nos ataque às urnas eletrônica, à Justiça Eleitoral e ao STF, que o mundo jurídico reagiu em defesa dos postulados básicos da democracia e conseguiu galvanizar o apoio da sociedade civil. Isso ficou muito evidente no Largo do São Francisco e em dezenas de outras cidades brasileiras. Não por acaso, o evento relembrou o manifesto lançado nas comemorações dos 150 anos dos cursos de Direito no Brasil, em 1977.
O evento de ontem reuniu remanescentes da manifestação realizada 45 anos atrás, que contou com a participação de cerca mil pessoas, que saíram em passeata no centro de São Paulo, em pleno regime militar. A leitura da nova carta foi realizada pelas professoras da Faculdade de Direito da USP Euníce de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari Bucci, Ana Elisa Liberatore Silva Bechara (vice-diretora da instituição) e por um dos signatários da carta de 1977, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, com 82 anos, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar (STM).
Em 1977, a motivação dos protestos foi o fato de a celebração oficial ter ficado a cargo do ex-ministro da Justiça Alfredo Buzaid, um dos autores do AI-5. Os juristas Bierrenbach, José Carlos Dias e Almino Affonso decidiram organizar um ato que realmente representasse a comunidade acadêmica e seu entendimento sobre a situação do país. O professor Goffredo Telles Júnior foi encarregado de redigir e ler o manifesto, que entrou para a história.
Outro contexto
O contexto era completamente diferente. O general Ernesto Geisel operava uma abertura política “lenta, gradual e segura”, em resposta à derrota eleitoral do regime, em 1974. Milhares de pessoas haviam sido presas em 1975, a maioria ligada ao antigo PCB. O regime perseguia opositores, censurava meios de comunicação e não permitia a eleição direta de governantes.
Entre junho e agosto, 17 jovens militantes do antigo MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), entre os quais o atual deputado federal Ivan Valente (PSol-SP), haviam sido presos. Em resposta, houve uma grande manifestação de estudantes na PUC do Rio de Janeiro.
Os signatários da Carta aos Brasileiros, pot tudo isso, começavam o documento declarando-se decididos “a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”. O texto de 14 páginas terminava afirmando: “A consciência jurídica do Brasil quer um a cousa só: o Estado de Direito”.
O documento, de certa forma, serviu para unificar a agenda do movimento democrático, que desaguou na vitória do MDB nas eleições de 1978 e na campanha da anistia para os presos políticos e exilados, que viria ser aprovada em 1979. Daí em diante, da nova derrota eleitoral de 1982 até a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, o regime foi se desagregando, até a derrota final dos militares.
Hoje, a situação é completamente diferente. Generais voltaram ao poder pelas mãos de um ex-capitão que deixou a ativa por indisciplina e se elegeu presidente da República. O Centrão substitui a antiga Arena, da qual o PP é o legítimo sucessor, no controle do Congresso. Entretanto, o poder moderador na República é exercido pelo STF e não pelas Forças Armadas, embora o atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, se comporte como se fosse xerife das eleições.
A narrativa golpista de Bolsonaro assusta a sociedade civil, cujas lideranças se uniram para defender a democracia sem a intermediação dos partidos. Esse é o eixo político institucional da disputa eleitoral em curso, mas é a situação da economia que decidirá o pleito. Por meio da chamada PEC Emergencial, que desconsidera a legislação eleitoral, o governo usou o peso do seu poder econômico para mudar a correlação de forças nas eleições. Por isso, Bolsonaro tripudia do manifesto.
Revista online | Elvis eterno
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
O famoso bordão “Elvis não morreu” parece mais atual do que nunca, já que o biopic sobre o “rei do rock”, lançado no Brasil em julho, vem fazendo enorme sucesso por onde passa, colocando o nome do artista novamente na agenda mundial.
Até o início de agosto, Elvis (2022), superprodução da gigante Warner Bros, dirigido por Baz Luhrmann, já havia arrecadado mais de R$ 18 milhões em bilheteria só no Brasil. No resto do mundo, esse número já ultrapassa a barreira dos 234 milhões de dólares.
A razão de tanto sucesso? Imagino que não seja a atuação de Tom Hanks, que, apesar de seu enorme talento e dos dois Oscares na bagagem, entrega desta feita uma performance caricata em um filme que não se pretende paródia e que, portanto, não pede esse estilo de encenação. O ator encarna o empresário e descobridor de Elvis Presley, o imigrante Tom Parker ou simplesmente “Coronel”. Um homem visionário e ambicioso, de passado desconhecido, dono de um sotaque não identificável.
Talvez, a boa repercussão dos recentes Bohemian Rhapsody (2018) e Rocketman (2019), respectivamente sobre Fred Mercury e Elton John, tenha ajudado. Sem falar, claro, no excelente desempenho de Austin Butler que, de maneira impressionantemente convincente, dá vida a Elvis. Isso somado à adoração que tantos espectadores de todos os cantos do mundo têm por esse artista americano que, sem nunca ter saído dos Estados Unidos, tornou-se um fenômeno de vendas, antes de partir prematuramente, aos 42 anos de idade.
Veja, a seguir, galeria de imagens:
Mas, fora as músicas e a esposa Priscilla Presley, o que sabemos de fato sobre sua origem e seu mundo? O longa de Luhrmann preenche parte dessa lacuna, apresentando vários fatos da carreira e da vida pessoal de Elvis, embalados, claro, por uma bela trilha, que, diga-se de passagem, não é o ponto mais forte do longa, já que o filme se concentra mais na vida do artista do que em sua música.
O diretor australiano, conhecido por sucessos como The Great Getsby (2013), Moulin Rouge! (2001) e Romeu + Julieta (1996), escolheu contar a história do astro por meio de um longo flashback que nos transporta para sua infância pobre, vivida em um bairro negro em Memphis, Tennessee. O narrador é o tal Coronel, personagem fundamental na vida de Elvis, mas nem sempre retratado com o devido destaque em obras anteriores.
Composto por uma montagem sofisticada, Elvis tem as primeiras sequências carregadas de split screens que nos mergulham nos anos 60, época de proliferação dessa técnica e, ao mesmo tempo, de grande sucesso da carreira de Elvis. Pena que Luhrmann se empolga demais com as telas partidas, agregando-lhes vinhetas gráficas, que dão um certo ar de Marvel à obra, o que poderia até ser um caminho estético, desde que sustentado até o fim. Mas não é o que acontece.
Depois de um início um tanto paroxístico, o filme acaba por abandonar os excessos, encontrando um tom mais equilibrado que mostra, de forma caleidoscópica, a vida desse artista. Um homem que soube desde cedo antropofagizar os cantos e as danças dos negros, misturando-os ao pop e ao country, criando um estilo original e inusitado, causador de muita polêmica, rendendo-lhe inclusive o apelido de “Elvis, o pélvis”. Estilo que serve até hoje de inspiração para muita gente, mas que segue suscitando controvérsias, sobretudo, com relação à questão da apropriação cultural.
Vendo com olhos de hoje, concluímos que Elvis se apropriou mesmo dos ritmos ouvidos nos cultos e nas festas de seus vizinhos de Lauderdale Courts: o gospel, o blues… Mas como poderia ser diferente se foi ali que ele cresceu? Menino branco no meio de crianças negras, ouvindo as mesmas músicas, vendo os mesmos cultos, dançando as mesmas danças! Jovem que frequentava a Beale Street, rua em que conheceu um certo B. B. King, nascido em seu mesmo Mississippi natal e que acabou por se tornar um parceiro de música e de vida. O “rei do blues” chegou a afirmar, em 2010, em uma entrevista ao San Antonio Examiner, que ele e Elvis compartilhavam a ideia de que a música era uma propriedade de todo o universo, e não uma exclusividade do negro, do branco ou de qualquer outra cor. Além de ser algo compartilhado “em e por” as almas de todas as pessoas.
Seria correto afirmar, então, que Elvis “roubou” isso da cultura negra? Seria justo impedi-lo de usar ritmos e costumes que fizeram parte de sua vida e que o levaram consequentemente à militância pela integração racial?
Não sou expert em Elvis, mas o que Luhrmann faz nas 2 horas e 40 minutos que dura o filme é justamente exaltar essa influência, dando o devido crédito a quem o merece. Seu Elvis, além de ser uma ótima distração, é uma produção de alta categoria que faz jus ao retratado e que ainda nos presenteia com um show de atuação de Butler, fazendo-nos até duvidar se Elvis, de fato, morreu.
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: MDB do Rio “cristianiza” Simone e apoia Lula
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Em 15 de maio de 1950, os dirigentes do PSD, reunidos na casa de Cirilo Júnior (presidente do partido), decidiram lançar a candidatura de Cristiano Machado à Presidência da República. O general Góis Monteiro transmitiu a decisão ao presidente Eurico Gaspar Dutra, seu velho amigo, enquanto o próprio Cristiano procuraria Getúlio Vargas e Ademar de Barros, o governador de São Paulo, para oferecer ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a vice-presidência.
Vargas não objetou a escolha, mas o PSD do Rio Grande do Sul (favorável à indicação de Nereu Ramos) rejeitou a candidatura. O Partido Social Progressista (PSP), de Ademar de Barros, também decidiu não apoiar Cristiano. Sabia que a candidatura de Vargas, apoiada por Ademar, seria lançada em 17 de junho. O próprio tentava adiar a convenção e remover o candidato do PSD, mas não teve sucesso. Cristiano foi aclamado no dia 9 de julho, ou seja, se antecipou a Vargas. Para neutralizar Ademar, Cristiano fez ainda uma aliança com Hugo Borghi, candidato ao governo de São Paulo pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN).
Nas eleições de 3 de outubro de 1950, a chapa Cristiano Machado-Altino Arantes (PSD-PR) concorreu com as de Eduardo Gomes-Odilon Braga (UDN) e Getúlio Vargas-Café Filho (PTB-PSP). O resultado final deu a Getúlio 3.849.040 votos, contra 2.342.384 dados ao brigadeiro Eduardo Gomes e 1.697.193 a Cristiano Machado. O refluxo do setor getulista do PSD em relação à candidatura de Cristiano e a transferência de seus votos para Vargas foi um processo de esvaziamento eleitoral que ficou conhecido no jargão político como “cristianização”.
Ontem, a candidata do MDB à Presidência da República, Simone Tebet, foi “cristianizada” pelo MDB do Rio de Janeiro, que decidiu, em convenção regional, apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a reeleição do governador Cláudio Castro. Segundo o documento aprovado, a gravidade do momento, sem qualquer desmerecimento à candidatura posta pelo MDB, “impõe já no primeiro turno das eleições apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mais qualificado entre todos para governar”.
O MDB cristianizou Ulysses Guimarães (1989), Orestes Quercia (1994) e Henrique Meirelles (2018), mas nunca de papel passado.
Sem compromisso
Segundo o ex-governador Moreira Franco, um dos autores do texto, não houve nenhum acordo prévio com a Lula. A decisão de apoiar o petista foi tomada mirando quatro objetivos: “1º) fortalecer as instituições políticas democráticas, não para mantê-las congeladas no tempo, mas modernizando-as e adaptando-as às exigências de um mundo que muda cada vez mais rapidamente e não perdoa os retardatários; 2º) não aspirar à reconstituição do passado, consciente de que temos de procurar nosso lugar no futuro que está em gestação em todas as esferas da vida; 3º) recuperar o papel do Estado na liderança e na promoção do desenvolvimento econômico e na repartição dos frutos do progresso, do mesmo modo como o fizeram todos os países democráticos do mundo; 4º) governar em nome de todos os brasileiros e para todos os brasileiros e garantir segurança jurídica e estabilidade institucional para os que produzem e trabalham.”
“Uma coalizão de brasileiros, unidos por estes valores, pode evitar os males que nos ameaçam, dar fim a um momento sombrio de nossa história e lançar as bases duradouras de um verdadeiro desenvolvimento inclusivo e sustentável. Esta é uma oportunidade que não podemos perder”, argumenta o documento aprovado na convenção.
Moreira foi um dos artífices do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e trabalha para que o ex-presidente Michel Temer também declare apoio a Lula. Mas não houve nenhum sinal efetivo de reaproximação entre ambos. O petista simplesmente esnobou Temer, solidário com Dilma.
O MDB do Rio de Janeiro é presidido pelo deputado Leonardo Picciani, filho do ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, velho aliado de Lula. O ex-prefeito de Duque de Caxias Washington Reis foi indicado vice da chapa. Claudio Castro apoia a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).