Bolsonaro inelegível

Que o TSE seja coerente com a fala de Barroso e não dance a valsa inocente de Fux

Conrado Hübner Mendes / Folha de S. Paulo

Bolsonaro moderado é um unicórnio flamejante que muitos juram ter visto em algum momento dos últimos 30 anos. As aparições desse chupa-cabra laranja fosforescente nas madrugadas frias e escuras do cerrado durante esses dois anos enriqueceram o bestiário brasiliense. Bastou uma noite de sono sem ronco, um “bom dia” ou um “obrigado” para observadores concluírem que a besta-fera aceita chamados à razão e à civilidade.

A expectativa de que um ator político possa ser convencido a fazer o que nunca fez em sua vida adulta, e que possa mudar justamente os modos exitosos que o catapultaram à cúpula do poder, é uma forma de negacionismo psíquico e ético. Mas mesmo que não fosse, e que as disposições de caráter de Bolsonaro fossem maleáveis, a moderação também deixou de fazer qualquer sentido político. Tornou-se uma impossibilidade lógica na estratégia eleitoral.

Por meio de agressões verbais e ameaças a toda instituição que hoje o expõe e o desagrada (sobraram a CPI do Senado, o STF e o TSE), Bolsonaro optou pelo tudo ou nada e cruzou linha irreversível. Sabe que qualquer passo para trás trairá seus devotos. A essa altura, com o ciclo eleitoral já iniciado, a moderação não trará nenhum ganho para 2022. No máximo, talvez, um silêncio momentâneo para seduzir bobos da corte.

A hipótese de eleições regulares com Bolsonaro na disputa, quando o acirramento extremista resta como única chance de sobrevivência, já não existe mais. Mesmo que se cale a partir de hoje, tudo que fez para implodir a legitimidade e confiança das eleições basta para viciar o processo. Não só politicamente, mas, juízes nos ouçam, juridicamente também.

Na abertura do semestre judicial, Luiz Fux embarcou naquela valsa cor-de-rosa. Seu discurso cometeu o pecado de supor ser Bolsonaro espécime invertebrado do centrão. “Nunca é tarde para o diálogo e para a razão. Sempre há tempo para o aprendizado mútuo, para o debate público compromissado com o desenvolvimento do país... Palavras voam; ações fortificam.” Palavras voaram mesmo, aguardamos as ações.

Fux, ao estilo de seu antecessor, pela enésima vez, convida Bolsonaro para uma confraternização de Poderes onde se possa fazer negociação de constitucionalidade. Isso não tem nada a ver com controle de constitucionalidade numa separação de Poderes, defendida nas cartilhas de direito constitucional moderno.

Luís Roberto Barroso, horas mais tarde, na fala judicial mais empolgante da história recente, abriu o semestre do Tribunal Superior Eleitoral sem cerimônias. “O discurso de que ‘se eu perder houve fraude’ não aceita a democracia. (...) Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática.” Suas palavras rejeitaram o costumeiro autoelogio judicial e anunciaram medidas concretas.

Se Arthur Lira não vê materialidade de crime de responsabilidade (e, em contradição a esse juízo de mérito, deixa de cumprir o dever de ao menos indeferir 120 pedidos de impeachment); se Augusto Aras define a incontinência do presidente como liberdade de expressão e pensa não ter nada a fazer diante de evidências de crimes comuns; sobrou a Justiça Eleitoral para investigar infrações eleitorais e aplicar a sanção de inelegibilidade.

O futuro dirá se atuais ministros do TSE entenderam a gravidade das palavras de Barroso e terão coragem política e refinamento jurídico para levar isso adiante. Ou se preferem bailar com Fux, na melhor tradição constitucional brasileira.

Abrir inquérito para deixá-lo em banho-maria, num jogo de dissuasão, não vai adiantar. Não há mais tempo. Concluir o inquérito e julgar eventual ação judicial com a presteza que a Justiça tem quando quer será a única ação concreta à altura da ameaça presente. Não será pacífica e sem riscos, apenas menos violenta e com menos riscos do que a alternativa da leniência.

James Kwak (“The Second-Most Important Election of our Lifetimes”) alertou que a eleição de Biden foi a segunda mais importante da história de muitas gerações de norte-americanos. A mais importante teria sido a anterior. Naquela, Trump foi eleito, a democracia perdeu e os danos já são grandes demais. Resta reconstruir enquanto o próximo Trump não vem.

O alerta se aplica ao Brasil. Bolsonaro voltou ao grito do “parem o roubo” (“stop the steal”). Já havia começado em 2018.

*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/conrado-hubner-mendes/2021/08/bolsonaro-inelegivel.shtml


O que ensina a Venezuela

A presença de militares na política tem custos altos e reversão difícil

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

Mais de uma vez, ao desfechar ataques desvairados às instituições que garantem a democracia no país, Bolsonaro invocou o "meu Exército", sugerindo que conta com o apoio das Forças Armadas para levar a cabo seus intentos liberticidas.

Até aqui, parece haver antes farolagem do que fundamento nessas falas. Ainda assim, é nítido que desde a ditadura de 1964-1985 os militares brasileiros nunca estiveram tão perto de cruzar a linha que separa seu papel constitucional do engajamento aberto na disputa política.

A história nunca se repete ao pé da letra; e experiências de outros países costumam viajar mal. Ressalvas feitas, há muito que aprender com o artigo do cientista político americano Harold Trinkunas "As Forças Armadas Bolivarianas da Venezuela: medo e interesse face à mudança política", recém-publicado pelo Woodrow Wilson Center de Washington.

O estudo trata da politização das instituições militares sob Hugo Chávez e Nicolás Maduro e de sua subordinação aos governos populistas da dupla.

De um lado, isso implicou na doutrinação ideológica nas academias militares, em sistemas de promoção e atribuição de missões que favoreceram o oficialato leal ao chavismo; na reestruturação das Forças com a inclusão formal da Milícia Bolivariana diretamente afeta ao presidente; e no fortalecimento de um vasto sistema de contrainteligência militar que vigia os suspeitos de deslealdade ao regime. De outro lado, vieram as recompensas.

Em especial sob Maduro, militares ocuparam o centro do poder. Comandam ministérios, governam estados e controlam setores econômicos estratégicos, como parte da indústria petrolífera, a mineração de ouro e a distribuição de alimentos. Gerem também o multimilionário comércio de armas com a Rússia e a China. E não é propriamente um segredo em Caracas que oficiais de alta patente têm parte com o tráfico internacional de drogas e o contrabando de mercadorias.

Maduro, ele sim, diz a verdade ao proclamar que o politizado Exército do país é seu. E este, cúmplice do desastre nacional que o populismo chavista promoveu, compartilha com o autocrata a responsabilidade pela destruição de uma democracia que já foi forte o suficiente para vencer a guerrilha revolucionária e ficar ao largo da onda de autoritarismo que sufocou a região nos anos 1960-70.

Acima de tudo, os fuzis são hoje o principal obstáculo para a Venezuela voltar por meios pacíficos à normalidade democrática. Por atraente que possa parecer aos brasileiros desiludidos com o sistema, a presença dos militares na política tem custos altos e reversão difícil.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/08/o-que-ensina-a-venezuela.shtml


TSE desmente Bolsonaro e diz que PF 'nunca' comunicou fraude nas eleições

Presidente disse em programa de rádio que relatório da instituição levantava suspeita de invasão das urnas eletrônicas

Monica Bergamo / Folha de S. Paulo

O Tribunal Superior Eleitoral voltou a contestar, na madrugada desta quinta (5), declarações feitas por Jair Bolsonaro sobre a vulnerabilidade do sistema eleitoral.

presidente afirmou, em um programa da rádio Jovem Pan, que o próprio TSE teria reconhecido que um hacker invadiu seu sistema interno. A admissão teria sido feita em um inquérito da Polícia Federal
De acordo com Bolsonaro e o deputado, isso mostraria a fragilidade das urnas eletrônicas.

O inquérito, no entanto, não conclui que houve fraude no sistema eleitoral em 2018 ou que poderia ter havido adulteração dos resultados, ao contrário do que disse o mandatário.

De acordo com a Corte, "o próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude".

Em uma nota, o tribunal afirma que o episódio, que ocorreu em 2018, ​"foi divulgado à época em veículos de comunicação diversos. Embora objeto de inquérito sigiloso, não se trata de informação nova".

Segundo o tribunal, "o acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018. Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu".

Cabe ainda acrescentar, diz a nota divulgada pelo TSE, "que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado".

O tribunal volta a reiterar "que as urnas eletrônicas jamais entram em rede. Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração".

E é taxativo: "Por essa razão, é possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições".

Em sua participação no programa da rádio, Bolsonaro reagiu ao fato de ser agora investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) e no TSE por 11 crimes e chegou a afirmar: "Olha, eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição. E jogo, se preciso for, com as armas do outro lado".

Leia a íntegra da nota divulgada pelo TSE:

"Em referência ao inquérito da Polícia Federal que apura ataque ao seu sistema interno, ocorrido em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral esclarece que:

1. O episódio de 2018 foi divulgado à época em veículos de comunicação diversos. Embora objeto de inquérito sigiloso, não se trata de informação nova.

2. O acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018. Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu.

3. Cabe acrescentar que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado.

4. Cabe reiterar que as urnas eletrônicas jamais entram em rede. Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração. Por essa razão, é possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições.

5. O próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude.

6. De 2018 para cá, o cenário mundial de cybersegurança se alterou, sendo que novos cuidados e camadas de proteção foram introduzidos para aumentar a segurança de todos os sistemas informatizados."


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/08/tse-desmente-bolsonaro-e-diz-que-pf-nunca-comunicou-fraude-nas-eleicoes.shtml


Bolsonaro critica Moraes e ameaça com 'antídoto fora da Constituição'

Presidente fez declarações sobre a sua inclusão no inquérito das fake news em entrevista a rádio, após apelo por equilíbrio feito por novo ministro da Casa Civil

Ricardo Della Coletta / Folha de S. Paulo

Numa nova escalada na crise institucional aberta com o Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reagiu nesta quarta-feira (4) à sua inclusão como investigado no inquérito das fake news e disse, em tom de ameaça, que o "antídoto" para a ação não está "dentro das quatro linhas da Constituição".

"Ainda mais um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico, não pode começar por ele [pelo Supremo Tribunal Federal]. Ele abre, apura e pune? Sem comentário. Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição", disse Bolsonaro, em entrevista à rádio Jovem Pan.

A crítica de Bolsonaro se refere ao fato de o inquérito das fake news —e a sua inclusão nesta quarta como investigado— ter sido aberto de ofício, e não a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).

No caso do inquérito das fake news, a abertura ocorreu por decisão pelo então presidente do STF Dias Toffoli e posteriormente referendado pelo plenário da corte.

A inserção de Bolsonaro como alvo da investigação, por sua vez, ocorreu a pedido do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso.

A ameaça de agir fora dos limites constitucionais foi repetida em outras ocasiões na entrevista.

"O meu jogo é dentro das quatro linhas [da Constituição]. Se começar a chegar algo fora das quatro linhas, eu sou obrigado a sair das quatro linhas, é coisa que eu não quero. É como esse inquérito, do senhor Alexandre de Moraes. Ele investiga, pune e prende? É a mesma coisa".

Em outro momento, ele disse: "Estão se precipitando. Um presidente da República pode ser investigado? Pode. Num inquérito que comece no Ministério Público e não diretamente de alguém interessado; esse alguém vai abrir o inquérito, como abriu? Vai começar a catar provas e essa mesma pessoa vai julgar? Olha, eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição. E jogo, se preciso for, com as armas do outro lado. Nós queremos paz, queremos tranquilidade. O que estamos fazendo aqui é fazer com que tenhamos umas eleições tranquilas ano que vem."

Bolsonaro concedeu a entrevista ao lado do deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que institui o voto impresso. O projeto é defendido por Bolsonaro, que tem lançado suspeitas e questionamentos sobre sistema eletrônico de votação.

O presidente tem afirmado, sem apresentar provas, que as últimas eleições presidenciais foram fraudadas. Ele também alega que as urnas eletrônicas são vulneráveis a adulterações —afirmações que o TSE rechaça.

Na entrevista desta quarta, Bolsonaro voltou a alimentar a tese falsa de que ele teria sido eleito em primeiro turno.

O presidente venceu o segundo turno das eleições de 2018, numa disputa com Fernando Haddad (PT). O resultado final foi 53,13% para o atual presidente contra 44,87% para o petista.

"Eu volto a dizer, pelo meu sentimento, pelas minhas andanças pelo Brasil, pelo que aconteceu: nós ganhamos disparado no primeiro turno", declarou.

Na entrevista, Barros apresentou o que ele diz ser um inquérito em que o próprio TSE teria reconhecido que um hacker invadiu o sistema interno do tribunal.

De acordo com Bolsonaro e o deputado, isso mostraria a fragilidade das urnas eletrônicas

Em uma rede social, o presidente da comissão especial que analisa a PEC do voto impresso, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), afirmou que os documentos apresentados por Barros e por Bolsonaro "possuem conteúdo grave e a situação exige uma investigação séria". "É de interesse de todos que zelam pela democracia", escreveu.

Folha recebeu, na semana passada, o inquérito citado na entrevista e consultou diversos especialistas e uma pessoa envolvida na investigação, que foram unânimes: o inquérito não conclui que houve fraude no sistema eleitoral em 2018 ou que poderia ter havido adulteração dos resultados, ao contrário do que disse o mandatário.

Bolsonaro também desferiu novos ataques contra Barroso, a quem chamou de mentiroso.

TSE

Em nota à imprensa, na madrugada desta quinta (5), o TSE disse, em referência ao inquérito da Polícia Federal que apura ataque ao seu sistema interno em 2018, que o episódio foi divulgado na época em vários veículos de comunicação e não representou qualquer risco à integridade das eleições.

"Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu", afirma a nota.

O TSE diz também que o código-fonte é acessível aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. "Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado", diz o tribunal.

Na nota, o TSE reafirma que as urnas eletrônicas não entram na rede. "Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração".

"O próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude", aponta o tribunal na nota à imprensa.

Segundo o TSE, de 2018 para cá novas camadas de proteção foram incluídas no cenário mundial de cybersegurança, o que aumenta a segurança dos sistemas informatizados.

"Por fim, e mais importante que tudo, o TSE informa que os sistemas usados nas eleições de 2018 estão disponíveis na sala-cofre para os interessados, que podem analisar tanto o código-fonte quanto os sistemas lacrados e constatar que tudo transcorreu com precisão e lisura", finaliza a nota.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/bolsonaro-acusa-inquerito-de-moraes-de-ilegal-e-ameaca-antidoto-fora-das-4-linhas-da-constituicao.shtml


Comandante da Aeronáutica procura Gilmar e nega apoio a golpismo

É a primeira sinalização direta dos militares ao Supremo em meio à crise com Bolsonaro

Igor Gielow / Folha de S. Paulo

Na primeira sinalização direta da cúpula militar ao Supremo Tribunal Federal em meio à crise entre Jair Bolsonaro e o Judiciário, o comandante da Aeronáutica convidou o decano da corte para um almoço nesta terça-feira (3).

No cardápio servido no Comando da Aeronáutica, a negação de apoio a qualquer aventura golpista no país e a reafirmação de alguns pontos pelos quais os militares têm sido criticados.

Não foi uma conversa qualquer. O brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr. é visto como o mais bolsonarista dos três novos chefes militares que assumiram após a crise militar que derrubou todos os comandantes e o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, em abril.

E Gilmar personifica o tribunal mais criticado reservadamente pelos comandantes Brasil afora, que consideram a corte excessivamente poderosa e dada a tolher o trabalho do Executivo.

A conversa foi cordial, segundo conhecidos dos dois comensais. Procurado, Gilmar não quis falar sobre o encontro. A assessoria de Baptista Jr. ainda não respondeu a um pedido de comentário.

O encontro foi combinado por um amigo em comum dos dois do Clube da Aeronáutica, em Brasília, onde Gilmar costuma jogar tênis.

O tom cordato e os temas gerais do almoço traziam subjacentes a tensão aguda entre Judiciário e Executivo.

Bolsonaro está em guerra com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que reagiu abrindo uma investigação sobre suas acusações de que as urnas eletrônicas são objeto de fraude e ameaça de empastelar a eleição do ano que vem se o voto impresso não for aprovado.

O tribunal também enviou cópia da infame live promovida pelo presidente na quinta passada (29) para defender seus pontos sem prova para o Supremo, sugerindo a investigação de Bolsonaro no inquérito das fake news tocado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Os militares estão no meio da confusão. O ministro Walter Braga Netto (Defesa), ao negar que tivesse feito em privado a mesma ameaça que Bolsonaro fizera publicamente contra as eleições, divulgou nota no dia 22 de julho chamando de legítimo o desejo pelo voto impresso.

Ele não está sozinho. A cúpula militar, no geral, concorda com isso. Mas vários de seus integrantes consideraram o teor da nota dispensável, ainda mais porque ele remetia a uma publicação anterior, tão ou mais explosiva.

Em 8 de julho, Braga Netto divulgou uma nota dura contra o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM).

O parlamentar havia citado, ao comentar o fato de que havia vários militares sendo investigados por suspeitas na gestão do Ministério da Saúde pela comissão, o "lado podre das Forças Armadas".

No dia seguinte, Baptista Jr. concedeu uma entrevista ao jornal O Globo reafirmando a nota, subscrita por ele e pelos dois outros chefes de Forças, e aumentando o tom de ameaça. "É um alerta. Exatamente o que está escrito na nota. Nós não enviaremos 50 notas para ele (Aziz). É apenas essa", disse.

O próprio Gilmar reagiu à ofensiva fardada. "Não é função das Forças Armadas fazer ameaças à CPI ou ao Parlamento. Pelo contrário, as Forças Armadas têm o poder e o dever de proteger as instituições", disse então à rádio CBN.

O teor da fala de um oficial da ativa alarmou o mundo político, identificando nela uma perigosa associação entre quem detém monopólio da força e as pregações golpistas quase diárias do presidente Bolsonaro.

Mesmo entre alguns chefes militares a entrevista foi considerada excessiva, mas não por seu teor, com o qual concordam. O uso do "lado podre" remete à "banda podre", termo aplicado às milícias integradas por policiais no Rio e em outros estados.1 6

Aquilo magoou as Forças, Baptista Jr. disse a Gilmar no encontro, segundo conhecidos de ambos. O fato de eventualmente haver fardados envolvidos em falcatruas não conspurcaria as Forças de forma orgânica, sustentou.

Na própria entrevista ao Globo, o brigadeiro havia repetido o que se ouve usualmente na cúpula fardada, que malfeitos são punidos e há severidade. Isso é por vezes contradito na atuação vista como corporativa da Justiça Militar, contudo, o que reflete uma tendência das Forças de resolver problemas intramuros, sem transparência.

O ministro do Supremo fez ponderações acerca da impropriedade do debate sobre o voto impresso como está sendo feito, implicando a urna eletrônica em fraudes inexistentes. Fez a defesa do sistema eleitoral brasileiro.

O almoço certamente não irá apaziguar de todo a relação entre militares e o Judiciário, que era mediada por Azevedo quando era ministro —ele havia servido como assessor da presidência do Supremo sob Dias Toffoli. Mas se insinua como um marco no ambiente cheio de crispação atual.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/comandante-da-aeronautica-procura-gilmar-e-nega-apoio-a-golpismo.shtml


Generais negros do Exército são relembrados em obra de ex-militar hoje jornalista

Livro tem tido boa recepção entre as Forças Armadas e estabelece uma interlocução com o debate racial

João Gabriel Telles / Folha de S. Paulo

Numa baixada margeada por um pequeno rio, a mata do Kamba’Race, entre os municípios de Nioaque e Jardim, em Mato Grosso do Sul, foi palco de um massacre.

Durante a Guerra do Paraguai, em maio de 1867, a tropa do Exército brasileiro sob o comando do coronel Carlos Alberto Camisão bateu em retirada, abandonando 135 soldados acometidos por cólera. Depois da chacina promovida pelo Exército inimigo, sobraram só três soldados brasileiros, além da fama de mal assombrado que se abateu sobre aquele lugar, onde até hoje se ouvem os gemidos dos homens ali sacrificados, segundo o relato de moradores de Jardim.


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O nome “Kamba’Race”, que em guarani significa “lamento negro”, se deve ao considerável contingente de soldados afrodescendentes nas tropas brasileiras, muitos dos quais eram escravizados que foram libertos para servir ao Exército no conflito. O episódio inspirou o jornalista e ex-militar Sionei Leão a escrever o livro “Kamba’Race: Afrodescendências no Exército Brasileiro”, que faz uma reconstituição histórica da contribuição de negros na instiuição miltar, destacando a biografia de 11 desses homens que chegaram à posição de general ao longo da história.

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'De volta do Paraguai', gravura de Ângelo Agostini, em que soldado retorna da guerra e se surpreende com a mãe sendo castigada no tronco - Vida Fluminense, nº 12, 12.jun.1870

Quando prestava serviços militares em Campo Grande, Leão avistou um quadro na sede do Comando Militar do Oeste em que, entre ex-comandantes brancos, havia um homem negro. Era João Baptista de Mattos, o segundo afrodescendente a chegar ao generalato. Um dos mais famosos e celebrados militares da instituição, segundo o autor, Mattos teve origem humilde, sendo neto de mulher escravizada pelo Visconde de Taunay, que participou do episódio do Kamba’Race como jovem tenente. Foi a inspiração para o início das pesquisas de Leão.

Resultado de duas décadas de trabalho, o estudo surgiu a partir de uma monografia de pós-graduação finalizada em 2000, que se transformou em documentário em 2006 e neste ano foi publicado em livro pela editora da Fundação Cultural Astrojildo Pereira.


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“Eu escrevi para valorizar a população negra, para mostrar heróis e reconhecer as carreiras dos generais e oficiais negros”, afirma Leão, que espera que a obra sirva de ponto de interlocução entre o Exército brasileiro e o debate racial.

O autor, no entanto, não conseguiu conciliar as duas atividades em sua própria carreira. Recrutado para as Forças Armadas em 1984, Sionei Leão chegou ao posto de terceiro sargento e serviu ao Exército em Campinas, no interior paulista, Salvador e Campo Grande, onde conheceu o Trabalho e Estudos Zumbi, o TEZ, movimento social de militância antirracista. “Participar do grupo me abriu perspectivas que me entusiasmaram muito. Foi transformador para mim. Inicialmente eu achava que não haveria problema em continuar sendo militar.”

Embora a organização não estivesse formalmente ligada a algum partido, Leão foi repreendido pelas Forças Armadas sob a acusação de participar de atividades político-partidárias. “Eu fiquei numa situação em que ou eu abria mão de participar do movimento social ou eu deixava a carreira militar, que foi o que fiz”, diz ele.

Afirmando ser grato ao Exército, Leão diz que foi com o salário dos tempos de sargento que começou os estudos em jornalismo, atividade à qual se dedica atualmente em Brasília, além de integrar o Grupo TEZ e a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Distrito Federal.

Em seu livro, Leão não discute o racismo, ainda que reconheça a pequena representatividade de negros nos altos postos da instituição.


Presença de generais negros no Exército Brasileiro


Octavio Mendes de Oliveira, promovido em 1975 a general de brigada. Foto: Arquivo familiar
Luís Antonio dos Santos, promovido em 2009 a general de brigada. Foto: Colégio Militar de Porto Alegre
General Luiz Carlos Rodrigues Padilha, promovido em 2008. Fonte Arquivo Familiar
General Job Lorena de Sant'Anna foi promovido ao cargo em 1984. Foto: Orlando Brito
João Baptista de Mattos, militar promovido em 1955 a genereal de brigada e a general de divisão em 1961. Foto: Arquivo familiar
'De volta do Paraguai', gravura de Ângelo Agostini, em que soldado retorna da guerra e se surpreende com a mãe sendo castigada no tronco - Vida Fluminense, nº 12, 12.jun.1870
Dom Obá II d´África. Foto: Reprodução
Claudino José Ferreira, ex-soldado da Guerra do Paraguai. Foto: Reprodução
General Carlos José Ignácio durante visita PM do Rio Grande do Norte, em Natal. Foto: Divulgação
Capitão Marcolino. Foto: Reprodução
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Octavio Mendes de Oliveira, promovido em 1975 a general de brigada. Foto: Arquivo familiar
Luís Antonio dos Santos, promovido em 2009 a general de brigada. Foto: Colégio Militar de Porto Alegre
General Luiz Carlos Rodrigues Padilha, promovido em 2008. Fonte Arquivo Familiar
General Job Lorena de Sant'Anna foi promovido ao cargo em 1984. Foto: Orlando Brito
João Baptista de Mattos, militar promovido em 1955 a genereal de brigada e a general de divisão em 1961. Foto: Arquivo familiar
'De volta do Paraguai', gravura de Ângelo Agostini, em que soldado retorna da guerra e se surpreende com a mãe sendo castigada no tronco - Vida Fluminense, nº 12, 12.jun.1870
Dom Obá II d´África. Foto: Reprodução
Claudino José Ferreira, ex-soldado da Guerra do Paraguai. Foto: Reprodução
General Carlos José Ignácio durante visita PM do Rio Grande do Norte, em Natal. Foto: Divulgação
Capitão Marcolino. Foto: Reprodução
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Segundo Sionei Leão, na visão dos militares, o debate racial é uma “coisa de esquerda”, o que inviabiliza a discussão do assunto. “O Exército tem vários méritos e os poderia apresentar. Quantas pessoas sabem, por exemplo, que a abolição teve uma atuação importante do Exército? Isso passa uma imagem positiva à população.”

O autor continua na tentativa de dialogar com o Exército sobre a questão racial. Na sua avaliação, seria pretensioso acreditar que o livro possa aprimorar a instituição, mas diz que a obra tem tido boa recepção e até elogios entre os militares, inclusive um em forma de cartão oficial, com a marca da Presidência da República, assinado pelo vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão.

KAMBA’RACE: AFRODESCENDÊNCIAS NO EXÉRCITO BRASILEIRO

Preço R$ 60 (168 págs.)
Autor Sionei Ricardo Leão
Editora Fundação Astrojildo Pereira


Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/08/generais-negros-do-exercito-sao-relembrados-em-obra-de-ex-militar-hoje-jornalista.shtml


Congresso quer alterar todo o sistema político e eleitoral do país

São seis frentes que tramitam separadamente e tratam de temas como pesquisas eleitorais, voto impresso, cotas e distritão

Ranier Bragon e Danielle Brant / Folha de S. Paulo

Com a volta esta semana dos trabalhos no Congresso, a Câmara dos Deputados pretende votar propostas que visam alterar praticamente toda a legislação eleitoral e política do país, em uma reforma que, se entrar em vigor, será a maior da história desde a Constituição de 1988.

O Senado já aprovou antes do recesso um minipacote que, agora, aguarda análise dos deputados.

Entenda os principais pontos de cada uma das seis frentes de debate no Congresso, o estágio da tramitação de cada uma delas e o que pode mudar em relação ao que vigora hoje em dia.


1 - REVOGAÇÃO DE TODA A LEGISLAÇÃO ELEITORAL ORDINÁRIA E CONSOLIDAÇÃO DAS REGRAS EM UM ÚNICO CÓDIGO

O que é: projeto de lei complementar debatido por um grupo de parlamentares e relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma das principais aliadas de Lira

Estágio de tramitação: texto está pronto para ser votado no plenário da Câmara

Próximos passos: caso seja aprovado, segue para votação no Senado. Para valer nas eleições de 2022, tem que estar aprovado e sancionado pelo presidente da República até o início de outubro, a um ano da disputa

Alguns dos principais pontos:


2 - ALTERAÇÕES NAS REGRAS ELEITORAIS ESTABELECIDAS NA CONSTITUIÇÃO

O que é: proposta de emenda à Constituição relatada pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP)

Estágio de tramitação: texto está pronto para ser votado na comissão especial da Câmara

Próximos passos: caso seja aprovado, segue para votação no plenário, onde precisa do apoio de ao menos 308 dos 513 deputados. Para valer nas eleições de 2022, tem que passar ainda pelo Senado e ser ser promulgado até o início de outubro, a um ano da disputa

Alguns dos principais pontos:


3 - VOTO IMPRESSO

O que é: proposta de emenda à Constituição relatada pelo deputado Filipe Barros (PSL-PR)

Estágio de tramitação: texto está pronto para ser votado na comissão especial da Câmara

Próximos passos: caso seja aprovado, segue para votação no plenário, onde precisa do apoio de ao menos 308 dos 513 deputados. Para valer nas eleições de 2022, tem que passar ainda pelo Senado e ser ser promulgado até o início de outubro, a um ano da disputa

Principal ponto:

Estabelece a impressão do voto dado pelo eleitor na urna eletrônica. O projeto obriga a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, que seriam depositadas em uma urna, de forma automática e sem contato manual


4 - ​MINIRREFORMA ELEITORAL DO SENADO

O que é: projetos sobre temas eleitorais, já aprovados pelo Senado

Estágio de tramitação: Aguardam votação pela Câmara

Próximos passos: caso sejam aprovados pelos deputados sem alteração, vão à sanção presidencial. Caso sejam alterados, voltam para análise do Senado. Para valer nas eleições de 2022, têm que estar sancionados até o início de outubro, a um ano da disputa

Alguns dos principais pontos:


5 - FUNDO ELEITORAL

O que é: previsão de gasto de dinheiro público na campanha de 2022, inserida na Lei de Diretrizes Orçamentárias

Estágio de tramitação: Aguarda sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro

Próximos passos: independentemente da decisão de Bolsonaro agora, valor final só será definido na discussão pelo Congresso do Orçamento-2022, a partir de setembro.

Principal ponto:

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Deputados e senadores aprovaram a LDO com dispositivo que quase triplica o valor do Fundo Eleitoral para as eleições de 2022, indo para R$ 5,7 bilhões. O fundo é a principal fonte de financiamento dos candidatos. Há tentativa de acordo para que o valor fique em torno de R$ 4 bilhões


6 - ​SEMIPRESIDENCIALISMO

O que é: texto ainda indefinido
Estágio de tramitação: nova proposta de emenda à Constituição pode ser apresentada ou pode ser usado texto já protocolado no ano passado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).

Próximos passos: medida precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado em dois turnos de votação em cada Casa, com o apoio de ao menos 60% dos parlamentares.

Principal ponto:

Espécie de parlamentarismo, mas com a manutenção de mais poder na mão do presidente. O presidente da República, eleito pelo voto direto, é o chefe de Estado, comandante Supremo das Forças Armadas e tem o poder de dissolver o Congresso Nacional em casos extremos, convocando novas eleições, entre outras funções. Ele é responsável por indicar o primeiro-ministro, que é quem governará, de fato, juntamente com o Conselho de Ministros. O gabinete cai e é substituído caso perca apoio no Congresso.

O modelo é defendido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), manifestou inclinação favorável à medida, para valer a partir de 2026. Oposição no Congresso é contra.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/congresso-quer-alterar-todo-o-sistema-politico-e-eleitoral-do-pais-entenda-principais-pontos.shtml


Acadêmico rico em credenciais, mestre Weffort foi um intelectual público pleno

Professor guardou em sua obra acadêmica íntima conexão com o mundo da política prática e com as perguntas que suscitava

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

​Certa vez, perguntaram ao trompetista inglês Humphrey Litelton (1921-2008) se sabia para onde ía o jazz. Ele respondeu que, se soubesse, já estaria lá. Francisco Correa Weffort foi um desses raros intelectuais brasileiros que já estavam lá quando outros começavam a chegar. Curta para os padrões dos burocratas universitários, sua obra é importante porque ousou enfrentar uma questão desafiadora para a ciência social: o peso das macroestruturas, das escolhas e das ideias na análise dos fenômenos políticos.

Nos estudos pioneiros sobre o populismo, parte dos quais reunidos no livro "O populismo na política brasileira", mostrou que aqui ocorria um tipo de incorporação das massas trabalhadoras ao jogo político distinto daquele das nações capitalistas democráticas. Argumentou ainda que a chave sociológica para entender a adesão dos setores populares a líderes populistas estava na sua origem rural recente, na experiência da migração e nas formas de inserção na vida urbana.

Com o tempo, Weffort foi transitando das explicações do comportamento político ancoradas na estrutura social para outras, nas quais as escolhas —e a responsabilidade— de certos atores passaram a ser decisivas. Assim, seus artigos sobre o sindicalismo destacaram o papel das lideranças do partido comunista, elos necessários na cadeia que vinculou o proletariado aos dirigentes populistas.

Desde sempre, a obra acadêmica de Weffort guardou íntima conexão com o mundo da política prática e com as perguntas que suscitava. Em momento algum esse nexo é tão nítido quanto no conjunto de seus textos sobre a democracia, inspirados, primeiro, pela experiência de ser oposição sob o regime militar e, algo mais tarde, pelas vicissitudes da infância do sistema democrático que o sucedeu.

Notadamente, "Por que democracia?" é a um tempo indagação na melhor linhagem da teoria política contemporânea e peça de combate. Trata-se de um capítulo crucial da trajetória da esquerda de tradição marxista, em vias de abandonar a visão instrumental da democracia, para aceitar —como fins e valores em si mesmos —o pluralismo e a competição eleitoral livre. Por seu turno, "Qual democracia?" reúne artigos cujo núcleo se volta para a qualidade do sistema representativo, em construção no país e na América Latina.

“O que se diz das ideias e dos homens se diz da própria sociedade”, sustenta Weffort em seu último livro —"Formação do pensamento político brasileiro: ideias e personagens"—, indicando que o estudo das ideias dominantes no país é uma forma de pensar a sociedade nacional e suas estruturas políticas.

Acadêmico rico em credenciais, Weffort foi um intelectual público pleno. Na oposição à ditadura militar, manifestou-se em conferências, debates e artigos, ajudando a plasmar a agenda da oposição democrática. Isso o levou à política partidária —participou da criação do Partido dos Trabalhadores, tendo sido o seu primeiro secretário-geral— e ao exercício da função pública, como ministro da Cultura no governo Fernando Henrique.

Para muitos, foi sobretudo um mestre. O professor e orientador Francisco Weffort tinha a extraordinária capacidade de transformar nossos raciocínios nebulosos em formulações claras e precisas, fazendo-nos crer, com característica generosidade, que eram nossas, e não dele, a clareza e a precisão. Todos quantos fomos seus alunos experimentamos a confortadora —e não raro enganosa— sensação de que dizíamos coisas inteligentes. Obrigada, mestre.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/08/academico-rico-em-credenciais-mestre-weffort-foi-um-intelectual-publico-pleno.shtml


Bolsonaro volta a atacar Barroso e diz que não aceita 'intimidações'

Presidente repete ameaças golpistas um dia após corte eleitoral abrir inquérito para apurar acusações de fraudes nas urnas e pedir para Supremo investigar Bolsonaro

Mateus Vargas / Folha de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta terça-feira (3) que o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, coopta membros da corte eleitoral e do STF (Supremo Tribunal Federal) e presta um desserviço ao país ao se opor a mudanças no sistema de voto com a urna eletrônica.

Bolsonaro disse ainda que não vai aceitar "intimidações" e que eleições "duvidosas" não serão feitas em 2022.

"O ministro Barroso presta desserviço à nação brasileira, cooptando agora gente de dentro do Supremo, né, querendo trazer para si, ou de dentro do TSE, como se fosse uma briga minha contra o TSE ou contra o STF. Não é. É contra ministro do Supremo que é também presidente do TSE querendo impor a sua vontade", disse Bolsonaro a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.9 30

A declaração do mandatário ocorre no dia seguinte ao TSE tomar a ação mais contundente desde que Bolsonaro começou a fazer ameaças golpistas de impedir as eleições em 2022, caso seja mantido o sistema atual de votação. O tribunal aprovou a abertura de um inquérito e o envio de uma notícia-crime ao Supremo para que o chefe do Executivo seja investigado no inquérito das fake news.

"Jurei dar minha vida pela pátria. Não aceitarei intimidações. Vou continuar exercendo meu direito de cidadão de criticar, ouvir, e atender acima de tudo a vontade popular."

Bolsonaro voltou a sugerir que há um complô para eleger o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em eleições fraudadas no próximo ano, e repetiu a retórica anticomunista que marcou a sua campanha ao Planalto em 2018.

Em tom de ameça, o presidente disse que pode convocar e participar de manifestações em resposta ao presidente do TSE."Se o ministro Barroso continuar sendo insensível, como parece que está sendo insensível, quer processo contra mim, se o povo assim o desejar, porque devo lealdade ao povo brasileiro, uma concentração na paulista para darmos um último recado para aqueles que ousam açoitar a democracia", diss Bolsonaro."Repito, o ultimo recado para que eles entendam o que está acontecendo, passem a ouvir o povo, eu estarei lá", completou o mandatário.


PRESIDENTE JAIR BOLSONARO EM 2021


Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR
Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro cumprimenta o general Eduardo Villas Boas, em cerimônia no Planalto. Foto: Alan Santos/PR
Entrega de espadim aos cadetes na Aman. Marcos Corrêa/PR
Entrega de espadim aos cadetes na Aman. Marcos Corrêa/PR
Presidente visita estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte. Foto: Marcos Côrrea/PR
Cerimônia de entrega de residenciais no Cariri. Foto: Marcos Corrêa/PR
Entrega da "Ordem da Machadinha" em Joinville (SC). Foto: Alan Santos/PR
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Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR
Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro cumprimenta o general Eduardo Villas Boas, em cerimônia no Planalto. Foto: Alan Santos/PR
Entrega de espadim aos cadetes na Aman. Marcos Corrêa/PR
Entrega de espadim aos cadetes na Aman. Marcos Corrêa/PR
Presidente visita estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte. Foto: Marcos Côrrea/PR
Cerimônia de entrega de residenciais no Cariri. Foto: Marcos Corrêa/PR
Entrega da "Ordem da Machadinha" em Joinville (SC). Foto: Alan Santos/PR
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O presidente disse que o Brasil está sendo "agredido internamento" e mencionou suposta manifestação da Polícia Federal em defesa da impressão do voto. Peritos da PF que realizaram testes nas urnas últimas eleições, no entanto, não apontam fraude ou adulteração nos resultados. Técnicos em informática do órgão defendem a impressão como ferramenta adicional, mas sem levantar risco para a disputa.

"Constituição diz que todo o poder emana do povo. Eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição. E o Barroso, tenho certeza, joga fora", declarou ainda Bolsonaro aos apoiadores.

Todos os sete ministros do TSE votaram a favor da instauração da apuração de ofício, ou seja, sem solicitação da Procuradoria-Geral Eleitoral, a exemplo do que fez o Supremo com o inquérito das fake news em 2019.

A sugestão de abrir um inquérito administrativo partiu do corregedor-geral eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão.

Já a iniciativa para enviar uma notícia-crime para investigar a live de 29 de julho em que Bolsonaro prometia comprovar a fraude nas urnas partiu do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. O pedido será enviado ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news no Supremo. Moraes também integra o TSE.

"A ameaça à realização de eleições é conduta antidemocrática, suprimir direitos fundamentais incluindo de natureza ambiental é conduta antidemocrática, conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódios e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática", afirmou Barroso.

Bolsonaro ainda voltou a levantar suspeitas, sem entrar em detalhes, de interesse de outros países em desestabilizar as eleições no Brasil. "Será que é preciso desenhar?", disse o presidente.

Bolsonaro disse que conversou com o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, sobre como é feita a contagem do voto no país vizinho.


MOTOCIATA E PROTESTOS A FAVOR DO VOTO IMPRESSO


Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
Presidente Jair Bolsonaro participa de motociata e ato a favor do voto impresso na cidade de Presidente Prudente. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Ele também afirmou que mostrou "prova incontestável" sobre fraude nas eleições municipais de São Paulo em 2020. Em transmissão feita na última semana, porém, Bolsonaro reconheceu que não tinha em mãos a comprovação de adulteração no resultado do pleito, apesar de alardear há três anos que apresentaria estes dados.

O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) disse nesta terça-feira (3), após a fala de Bolsonaro a apoiadores, que há "clima de MMA" e exageros do governo e do Judicário no debate sobre o voto impresso. "Quando a gente exacerba as coisas, nunca é bom."

Para Mourão, o debate deve ser feito dentro do Congresso. "Está havendo algumas invasões aí. A Arbitragem vai ter de entrar em campo. Dois dois lados", afirmou.

O vice-presidente declarou que o Judiciário está "fazendo um ativismo que não lhe compete". Ele não fez uma forte defesa da mudança no sistema de voto, mas disse que o modelo "pode evoluir".

"Tudo aquilo que melhore a transparência, acho que é válido. Agora, quem tem de aprovar isso é o Congresso", declarou Mourão.

O questionamento do presidente às urnas eletrônicas não é novidade e foi uma de suas bandeiras de campanha. Quando deputado, Bolsonaro foi o autor da proposta que determinava que as urnas emitissem um recibo com as escolhas de cada eleitor. Aprovada pelo Congresso em 2015, a emenda constitucional foi anulada pelo STF.

Bolsonaro tentou ressuscitar a ideia, mas o Planalto já admite que é inviável a aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) do voto impresso na comissão especial que avalia a matéria.

Mesmo com derrota na comissão, o tema ainda pode ser deliberado pelo plenário. No entanto, um voto contrário no colegiado é um sinal político forte, que dificilmente é revertido.

Para aprovar uma PEC em plenário são necessários ao menos 308 votos na Câmara (de um total de 513 deputados) e 49 no Senado (de um total de 81 senadores), em votação em dois turnos. Para valer para as eleições de 2022, a proposta teria que ser promulgada até o início de outubro.

Após ser eleito, Bolsonaro voltou a falar em fraudes nas urnas em 9 de abril de 2020, durante viagem aos Estados Unidos, quando prometeu apresentar provas das fragilidades no sistema eleitoral --o que jamais foi feito.

A polêmica do voto impresso chegou ao ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, que, em nota, espelhou o discurso do chefe afirmando que existe no país uma demanda por legitimidade e transparência nas eleições.


Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/em-novo-ataque-a-barroso-bolsonaro-diz-que-ministro-coopta-tse-e-stf-e-que-nao-aceita-intimidacoes.shtml


Voto impresso: Presidentes de partidos dizem PEC será barrada mesmo com protestos

Eles afirmam que ameaças golpistas de Bolsonaro tiveram efeito zero e que urnas são confiáveis

Guilherme Seto, Camila Mattoso e Fabio Serapião / Painel / Folha de S. Paulo

Líderes do grupo de partidos que se formou para barrar a PEC do voto impresso no Congresso dizem que as manifestações deste domingo (1º) e as ameaças golpistas disparadas por Jair Bolsonaro não tiveram resultado.

“Efeito zero. Não muda nada. Estamos seguros de que o voto impresso não é necessário. Confiança total nas urnas eletrônicas”, diz Paulinho da Força, do Solidariedade. “No PSD continuamos firmes contra”, diz Gilberto Kassab.PUBLICIDADE

Como mostrou o Painel, os partidos PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e Avante se uniram para derrubar a PEC já na Comissão de Constituição e Justiça.

O Republicanos posteriormente se afastou da iniciativa, mas mesmo sem ele os presidentes das siglas calculam ter 22 votos na CCJ atualmente —eles precisam de 18 para barrar o projeto.


Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/08/presidentes-de-partidos-dizem-que-atos-pelo-voto-impresso-nao-mudaram-nada-e-que-pec-sera-barrada.shtml


Perigo está na derrota do centrão para o Partido Militar, não no contrário

Risco de rompimento do equilíbrio instável não está no acordo com Nogueira e Lira

Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo

A "prova matemática" que Jair Bolsonaro apresenta de que houve fraude em 2018 é, ela mesma, uma fraude já desmoralizada pelos... matemáticos. O truque, a exemplo do que se dá com o cloroquinismo, consiste em chamar de mera opinião a ciência, e de ciência a mera opinião ou o proselitismo ideológico. Uma postura corrói a democracia; a outra mata pessoas. O momento é delicado. Bolsonaro já sabota seu recém-indicado ministro da Casa Civil.

A trapaça se opera com a mesma sem-cerimônia com que o crime é chamado de liberdade de expressão, e a liberdade de expressão, de crime. E tudo se dá sob o silêncio cúmplice do procurador-geral da República, Augusto Aras, ele próprio empenhado em criminalizar os que têm uma opinião desabonadora não a respeito de sua pessoa privada —talvez seja um cara bacana—, mas de seu desempenho à frente da PGR, a exemplo do que faz com Conrado Hübner Mendes, colunista deste jornal.

Antes de sua patuscada matemática —criminosa por si mesma porque ataca a institucionalidade por meio de uma falácia—, foi o presidente a acusar o Supremo de ter cometido crime ao supostamente tê-lo impedido de atuar contra a pandemia. É evidente que não agiria com tamanha desenvoltura não fossem a certeza da impunidade e a esperança da virada de mesa "manu militari". E aqui está o xis da questão.

O centrão terá de decidir se vai ser esbirro do golpismo, que conta com apoio de alguns fardados de pijama, ou se vale o combinado entre o próprio Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Ciro Nogueira, novo ministro da Casa Civil: apoio até o fim, mas dentro das regras do jogo. Nogueira, note-se, foi o intermediário do recado golpista de Braga Netto, o gendarme da Defesa, a Lira: ou voto impresso ou suspensão das eleições de 2022.

Como desdobramento imediato da ameaça, deu-se o revés da fortuna para o Partido Militar (PM). O presidente do PP foi guindado à Casa Civil, definida por Bolsonaro como "a alma" do governo. Convém lembrar que Luiz Eduardo Ramos, o defenestrado, saltara do Comando do Sudeste para a Secretaria de Governo, encarregando-se, então, da articulação política. Uma aberração.

A 18 de fevereiro de 2020, assumiu a Casa Civil outro general: justamente Braga Netto, oriundo da chefia do Estado Maior do Exército. Mais uma aberração. Quando o presidente houve por bem "mostrar quem manda" nas Forças Armadas, tirou Fernando Azevedo e Silva da Defesa, substituindo-o por aquele que ameaçou pôr fim às eleições, e entregou a Casa Civil a Ramos.

Ora, é preferível que o centrão seja "a alma" do governo a que o governo tenha uma alma fardada e golpista. Os parlamentares podem ser aposentados pelo voto. O moralismo estridente que tomou conta do meio ambiente político com o lavajatismo policialesco destruiu a nossa hierarquia de valores. E não é raro que se leiam na imprensa textos de pessoas até bem-intencionadas a relegar a própria democracia a aspecto lateral em nome do que entendem ser a moralidade.

Pululam em todo canto, por exemplo, os vídeos da campanha de Bolsonaro em que ele assegura que vai governar sem o centrão, sem os políticos, sem os partidos, sem as ONGs, sem os entes da sociedade civil. Era candidato a César, não a presidente. E aí se contrasta aquele postulante, como se virtuoso fosse, com o presidente de hoje, que faz acordo com o centrão.

Esperem aí! Aquele era o Bolsonaro fascistoide, que voltou a dar as caras nesta quinta. Já o acordo com o centrão pertence ao universo da política se cumprido. Ocorre que, tudo indica, o novo ministro da Casa Civil nem deu os primeiros passos e já está sendo sabotado pelo presidente.

A nomeação de Nogueira representou uma derrota para o Partido Militar. Pela primeira vez em dois anos e sete meses, o governo pode ter um eixo que não seja a força, ainda que seja o centrão. A nova agressão de Bolsonaro ao STF e a mentira sobre a fraude eleitoral indicam que o risco de rompimento do equilíbrio instável não está no acordo com Nogueira e Lira, mas no seu descumprimento. O perigo está na derrota do centrão para o Partido Militar, não no contrário.


Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2021/07/o-perigo-esta-na-derrota-do-centrao-para-o-partido-militar-nao-no-contrario.shtml


Centrão ajuda Bolsonaro a fazer o governo do extremistão

Não há ilusão de normalidade na contratação de um operador político para o Planalto

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

novo chefe da Casa Civil chegou ao Planalto com a missão de azeitar relações com o Congresso, reduzir tensões com o STF e preparar terreno para a reeleição de Jair Bolsonaro. A contratação de um profissional para cumprir essas funções deixa o presidente livre para continuar exercendo sua especialidade: trabalhar na direção contrária.

Ao mesmo tempo em que abria as portas do governo para o centrão, Bolsonaro espalhou novas mentiras sobre a atuação do Congresso na aprovação do fundo eleitoral, acusou integrantes do Supremo de conspiração e voltou a divulgar informações falsas para tumultuar a realização das próximas eleições.

Não há nenhuma ilusão de normalidade na contratação de um nome como Ciro Nogueira para administrar as articulações e gerenciar o trabalho do Planalto. O centrão pode até tentar reduzir danos políticos provocados pelos ataques de Bolsonaro às instituições, mas a linha mestra do governo continua sendo executada no gabinete presidencial, controlado pelo líder do extremistão.

O presidente já mostrou que não tem interesse numa relação saudável com outros Poderes. Nas últimas semanas, ele insinuou que o STF trabalha para fraudar a disputa de 2022 e acusou o vice-presidente do Congresso de fazer uma manobra que não existiu na votação que reservou R$ 5,7 bilhões para o fundo de financiamento de campanhas.

O centrão também acompanha placidamente o trabalho de Bolsonaro na destruição da credibilidade das eleições. Nesta quinta (29), o presidente divulgou informações falsas coletadas na internet e reproduziu relatos já desmentidos de anormalidade na urna eletrônica. O crime de responsabilidade foi transmitido ao vivo pela TV oficial do governo.​

Os caciques do centrão já deixaram de ser parceiros de ocasião, que extraem benefícios políticos do governo enquanto Bolsonaro conduz um projeto de degradação contínua da democracia. Agora, esse grupo parece mais do que satisfeito em ajudar o presidente a completar sua missão.


Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/07/centrao-ajuda-bolsonaro-a-fazer-o-governo-do-extremistao.shtml