Maioria dos bolsonaristas não defende intervenção militar, aponta estudo
Pesquisa qualitativa com eleitores de Bolsonaro fiéis e arrependidos indica que muitos têm visão benigna da ditadura de 1964, mas poucos abraçam novo golpe
Patrícia Campos Mello / Folha de S. Paulo
A imagem do bolsonarista como um militarista saudoso da ditadura de 1964-1985 é distorcida e não corresponde aos sentimentos dominantes desse grupo.
Essa é uma das conclusões da pesquisa qualitativa “Bolsonarismo no Brasil”, realizada pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (Iree).
Na pesquisa, foram raros os entrevistados que defenderam um golpe militar, possibilidade aventada frequentemente pelo presidente Jair Bolsonaro.
“Os bolsonaristas não apoiam, de forma majoritária, a intervenção militar, apesar de terem simpatia pelos militares e uma visão benigna do que foi a ditadura no país”, diz João Feres, coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj e coautor da pesquisa, ao lado de Carolina de Paula, também do laboratório, e Walfrido Warde Jr. e Rafael Valim, do Iree.
Os pesquisadores ouviram 24 grupos focais no Rio de Janeiro, em São Paulo, Goiânia, Curitiba, Belém e no Recife, com eleitores de Bolsonaro arrependidos e fiéis, evangélicos e não evangélicos, entre os dias 15 e 30 de maio deste ano.
“A expectativa era que as opiniões fossem mais divididas, mas descobrimos que a enorme maioria dos eleitores de Bolsonaro, arrependidos ou não, dizem ver a possibilidade de uma intervenção militar como um retrocesso”, afirma Feres.
Segundo a pesquisa, foram poucos os que fizeram falas entusiasmadas sobre uma eventual intervenção militar —geralmente homens mais velhos e de perfil mais radical sobre todos os temas.
“Contudo, há um grupo maior que avalia a ditadura iniciada em 1964 de modo positivo, acredita que foi uma época de segurança, de pouca violência e sem corrupção, e que foi negativa apenas para ‘gente da esquerda’ ”, conclui o estudo.
“Há também uma visão de que o regime militar não teria sido de fato uma ditadura, pois ditaduras são como na Venezuela e em Cuba. E o STF (Supremo Tribunal Federal) surge espontaneamente na fala de alguns entrevistados neste momento. Eles afirmam que Bolsonaro seria perseguido pela corte, que lhe cria dificuldades para promover seu projeto político.”
Enquanto a volta da ditadura é rejeitada pela maioria, a maior parte dos eleitores de Bolsonaro tem uma visão bastante positiva dos militares, “como pessoas de valores firmes, disciplinadas e obedientes à hierarquia, fator que muitos enxergam como extremamente positivo em um país em que tudo vira 'bagunça'".
“A ideia de que os militares são menos corruptos quando comparados aos políticos também emerge nas narrativas dos participantes", afirma o estudo.
Já nos grupos de eleitores arrependidos do voto em Bolsonaro em 2018, foram feitas críticas à falta de experiência e treinamento dos militares para exercer alguns cargos técnicos no governo, como no Ministério de Saúde, e menções ao desempenho do general Eduardo Pazuello à frente da pasta.
Outra conclusão da pesquisa, segundo Feres, foi a idealização de Bolsonaro por seus apoiadores.
Vários eleitores que pretendem votar novamente no presidente o veem como alguém “dotado de qualidades excepcionais, que inspira tamanha confiança a ponto de alguns falarem dele como se tivessem acesso direto a suas reais convicções e motivos, como se habitassem sua cabeça”.
“A rispidez dos comentários feitos por Bolsonaro ou mesmo a inadequação do conteúdo de suas falas são frequentemente atribuídos à sua espontaneidade, autenticidade, franqueza, falta de travas na língua, e tomados como virtudes e não vícios. Mesmo reconhecendo que tais falas não são próprias da liturgia do cargo de presidente, alguns apoiadores dizem ser bom que Bolsonaro assim o faça, pois isso seria necessário para sua missão de revolucionar o jeito de fazer política”, relata a pesquisa.
Segundo Feres, Bolsonaro apresenta o chamado “efeito Teflon”, comum a outros políticos populistas: nenhuma acusação ou denúncia gruda nele. Os arrependidos apontam o presidente como o principal culpado pela piora na economia e na renda, mas os fiéis defendem Bolsonaro incondicionalmente.
“É recorrente o discurso de que as forças políticas não deixam Bolsonaro trabalhar, por isso que as coisas não vão tão bem em seu governo quanto deveriam”, diz o estudo. “Muitos apoiadores dizem que a culpa pela crise econômica e mesmo pela falta de vacinas é dos governadores e prefeitos, e não de Bolsonaro.”
Mesmo quando o tema são acusações de corrupção contra seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), os apoiadores afirmam que o presidente não tem nada a ver com isso, ainda que evitem defender Flávio.
“Muitos refletem de forma mecânica declarações do próprio Bolsonaro, e é comum afirmarem que têm certeza da honestidade do presidente”, diz o pesquisador. Além disso, um argumento recorrente entre os bolsonaristas quando confrontados pelas acusações de “rachadinha” é de que se trataria de uma prática comum na política brasileira, que aconteceria em todos os lugares.
Os entrevistados também falaram sobre seus hábitos de consumo de informação. Segundo o estudo, os apoiadores mais fiéis do presidente “são altamente refratários à Rede Globo; avaliam que a emissora persegue Bolsonaro e distorce os fatos".
Segundo Feres, alguns chamam o Jornal Nacional de “Jornal Covid”. Esse segmento prefere acompanhar o jornalismo da Record e do SBT, menos críticos ao governo, e da CNN Brasil, segundo relatos.
Outro fator considerado preocupante pelos pesquisadores é que os apoiadores mais renhidos checam informações recebidas pelas redes sociais nas contas de redes sociais do próprio presidente e dos filhos.
Esses perfis são tratados como os “canais oficiais”. Assim, quando querem checar uma informação, é lá que procuram “a verdade”. As páginas de Bolsonaro, de seus filhos e mesmo de sua esposa foram repetidamente citadas como fontes confiáveis de notícias.
“O bolsonarismo fraturou a esfera da comunicação. Os apoiadores incondicionais do presidente consideram que todos os veículos de mídia têm um lado e não dá para confiar, e então acreditam nos perfis do governo e de políticos bolsonaristas e os usam para checar as informações”, afirma Feres.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/estudo-aponta-que-maioria-dos-bolsonaristas-nao-defende-intervencao-militar.shtml
Mercado já começa a falar em desembarque do governo Bolsonaro
Analistas têm precificado as dificuldades impostas pelo risco de uma deterioração do quadro fiscal
Douglas Gavras e Isabela Bolzani / Folha de S. Paulo
O risco de um descontrole fiscal com aumento de gastos e perspectivas cada vez mais duras para a economia no ano que vem encontraram eco em uma piora do cenário externo, e o mercado já começa a falar em desembarque do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Para ficar em uma figura de linguagem cara ao presidente, é como se o casamento do governo com os investidores estivesse mais próximo do divórcio do que da lua de mel.
Não é de hoje que os analistas têm precificado as dificuldades impostas pelo risco de uma deterioração do quadro fiscal, com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos precatórios, e a inflação mais alta do que se antecipava.
Também pesa a crise política gerada pela tentativa de reeleição do presidente, que tem colocado em descrédito o processo eleitoral e confrontado ministros do Supremo Tribunal Federal.
As preocupações dos investidores já se refletem na Bolsa de Valores brasileira e na cotação do dólar.
Nos mercados de renda variável, o Ibovespa, principal índice acionário do país, que até a última sexta-feira (13) acumulava um ganho de 1,83%, reverteu o sinal ao longo desta semana, apesar da alta registrada nesta quinta-feira (19). Agora, o índice acumula uma perda de 1,56% desde o início do ano. Só nesta semana, o Ibovespa acumula uma queda de 3,32%.
O dólar encerrou a sessão desta quinta em alta de 0,87%, a R$ 5,4220. Na semana a moeda americana sobe 3,4%. No ano a alta é de 4,5%.
No exterior, parte da explicação para a piora das expectativas em relação à retomada da economia em um cenário pós-pandemia veio de dados fracos da China e dos Estados Unidos, desde a última segunda-feira (16).
O temor de um retrocesso econômico ganhou ainda mais força na terça (17), quando os Estados Unidos também reportaram dados aquém das expectativas: uma queda de 1,1% nas vendas do varejo em julho, ante a estabilidade esperada pelo mercado.
Outro ponto de influência nos mercados foi a ata da última reunião de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Nela, a autoridade monetária sinalizou que o patamar de desemprego para que o suporte à economia seja reduzido pode ser atingido neste ano.
Essa desaceleração no ritmo dos estímulos dados pelo Fed à economia americana, na prática, também pode refletir em um aumento das taxas de juros nos Estados Unidos –o que, para o Brasil e os mercados emergentes, pode significar menos investimento.
No cenário interno, a percepção é de incerteza e insegurança, que tendem a aumentar caso o governo não sinalize um comprometimento com as regras fiscais, aumente gastos e mantenha um ambiente de confronto com as instituições até a eleição de 2022.
Um sintoma disso é que as curvas de juros futuros para cinco e nove anos voltaram a atingir os dois dígitos nesta semana, recuperando patamares de três anos atrás.
A deterioração da confiança do mercado no governo é visível e muitos já compreendem que a busca por uma reeleição por parte do presidente seria bastante preocupante do ponto de vista da agenda econômica, avalia a economista Zeina Latif.
"Às vezes, há um acúmulo de notícias negativas, mas o mercado demora a reagir por falta de um gatilho. Agora, esse gatilho veio lá de fora, com o Fed e um cenário externo não tão confortável, com a China desacelerando e o impacto nos preços de commodities. Isso acaba forçando o mercado a reavaliar o cenário interno", explica.
Segundo ela, cada vez mais o Brasil será afetado por ondas de volatilidade e, se antes o mercado apostava muito no governo Bolsonaro, hoje certamente não é assim. "É difícil falar sobre o mercado como uma entidade de opinião única, mas eu diria que antes havia mais unanimidade, como em 2018, e isso não existe agora.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, é ainda mais enfático ao afirmar que o mercado já não espera que o governo entregue algo de relevante até as eleições do ano que vem.
Ele considera que o governo perdeu as condições de colocar em prática a política econômica às vésperas de uma disputa eleitoral que deve ser muito tensa. Essa combinação é ruim para o mercado, diz, e a taxa de câmbio deve continuar subindo, colocando pressão sobre a inflação e os juros.
Com um discurso golpista, o presidente acaba prejudicando a imagem do país e a capacidade do investidor de fazer negócios, diz Vale. "O governo Bolsonaro, nesse sentido, acaba sendo pior que o da ex-presidente Dilma Rousseff. As dificuldades econômicas de agora são similares ao que havia no fim do governo da petista, só que com riscos institucionais que não existiam", afirma.
"Hoje, com Bolsonaro criando crises, trazendo riscos fiscais crescentes e com a falta de equilíbrio na política, o mercado gradativamente vai abandonar o governo, o que já está acontecendo."
Ele ressalta que a perda de paciência com Bolsonaro não significa um embarque na candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que hoje lidera as pesquisas eleitorais. O mercado, na verdade, deve manter a expectativa por uma terceira via em 2022, aponta.
Há também um desconforto entre os analistas, ao avaliarem que muitas das medidas propostas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, não avançaram ou tiveram dificuldades para sair do papel. A reforma mais relevante até agora, a da Previdência, é vista como um esforço do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ).
"Com Arthur Lira [PP-AL], só temos tido bola fora, do ponto de vista fiscal. A reforma tributária que está se discutindo agora, por exemplo, é muito ruim. O mercado percebe que o governo e o ministro da Economia não são funcionais e esse elemento ajuda no desembarque", diz Vale.
O economista avalia que só ocorreria um reembarque do mercado se houvesse sinal por parte do Executivo de mudança da trajetória de gastos. "Talvez não tenha mais volta."
Para o ex-diretor do Banco Central e consultor da Schwartsman e Associados, Alexandre Schwartsman, apesar de vários alertas, o mercado ignorou os riscos domésticos, por estar surfando na onda de uma enorme liquidez mundial, que elevava o preço dos ativos. "Agora que há risco de o cenário mudar lá fora, os problemas domésticos ficaram à vista."
Ele acrescenta que é preciso diferenciar o mercado das pessoas que atuam nele, ao medir as chances de uma retirada do suporte dado ao governo.
"O mercado, em si, vende ativos sem dó e, portanto, pode-se dizer que já desembarcou. Sobre as pessoas, algumas já soltaram a mão do governo, como os manifestos recentes sugerem; outras, porém, há pouco erigiam estátuas em homenagem ao ministro Paulo Guedes."
Sob condição de anonimato, o economista de uma grande gestora de investimentos lembra que
o mercado sempre espera que o governo proponha boas reformas. O fato, diz esse economista, é que hoje os investidores estão céticos com a aprovação de medidas importantes até o final deste mandato, e agora começam a sentir os efeitos dos ruídos eleitorais e fiscais.
Ele também avalia que não havia como prever a proposta de adiamento no pagamento dos precatórios, por exemplo, nem o tamanho exato da pressão que haveria do Executivo para aumentar os gastos no ano que vem. Ainda segundo esse economista, o que o mercado vê hoje é que essa pressão é muito maior do que se imaginava.
Os precatórios são dívidas do governo reconhecidas pela Justiça. O ministro Paulo Guedes e sua equipe têm elevado a pressão no Congresso sobre os efeitos no Orçamento do ano que vem, caso o parcelamento das dívidas de precatórios não seja autorizado.
“Estávamos vindo de uma situação fiscal que trazia notícias positivas para o curto prazo, com uma redução da dívida pública, uma arrecadação mais forte e a volta da atividade. Mas todo o bom humor virou quando surgiu a questão do aumento da provisão de pagamento dos precatórios para o ano que vem”, diz a chefe de economia da Rico, Rachel de Sá.
Para o economista-chefe da Necton, André Perfeito, se o Banco Central conseguir ajustar a curva de juros para algo mais razoável, isso pode resolver parte dos problemas. "Mas o mercado já entende que as necessidades políticas e eleitorais do presidente estão cobrando um preço alto demais na disciplina fiscal."
Para parte dos investidores, a PEC dos precatórios é um desrespeito, e o mercado entende que a agenda que se imaginava no começo do governo não vai mais ser aprovada. "Mas isto é uma fotografia do momento. O rei está nu agora, mas pode voltar a se vestir", pondera o economista.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/08/desconfianca-cresce-e-mercado-ja-comeca-a-falar-em-desembarque-do-governo-bolsonaro.shtml
CPI quebra sigilo de Ricardo Barros e influenciadores bolsonaristas
CPI ouve dono de empresa envolvida em suspeitas no caso da vacina Covaxin nesta quinta-feira (19)
Raquel Lopes e Renato Machado / Folha de S. Paulo
A CPI da Covid aprovou uma série de requerimentos nesta quinta-feira (19), entre eles o sigilo fiscal de Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara, e também do advogado Frederick Wassef, que atua para o presidente Jair Bolsonaro e para seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).
Os requerimentos preveem que a Receita Federal repasse as movimentações de Barros e Wassef dos últimos cinco anos.
A comissão também quebrou o sigilo do Centro de Educação Profissional Técnico Maringá, entidade a qual o líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), detém participação. Os senadores desconfiam que Barros pode ter recebido repasses de empresa investigadas pela CPI por meio dessa entidade.
Houve também a aprovação da quebra de sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático da Global Gestão em Saúde e o sigilo fiscal de Francisco Maximiano, –sócios da Precisa Medicamentos, representante da Covaxin no Brasil.
A pedido dos governistas, os senadores também aprovaram as quebras de sigilo de blogueiros bolsonaristas, como Allan dos Santos e Leandro Ruschel, e de canais de apoio ao presidente. Foram quebrados os sigilos de veículos, como Brasil Paralelo e Senso Incomum.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://aovivo.folha.uol.com.br/poder/2021/08/19/6047-cpi-ouve-dono-de-empresa-envolvida-em-suspeitas-no-caso-covaxin.shtml#post410562
Maria Hermínia Tavares: Catástrofes ambientais, perigo que o país ignora
O governo dos piores e as oposições empenhadas em impedir o pior afundam o país num dia a dia crispado e medíocre
Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo
Na semana passada, o relatório do Grupo 1 do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) reafirmou a responsabilidade humana pelo aquecimento do planeta e o consequente aumento da frequência e intensidade de eventos naturais extremos. Como era de prever, o assunto foi ignorado no Planalto, onde o presidente se entretia disparando ameaças a ministros do STF e açulando suas milícias nas redes sociais.
Embora os 103 cientistas que subscreveram o estudo tenham advertido que nenhum país escapará à catástrofe já em curso se a temperatura do globo subir 1,5º C a 2º C, o site do Ministério do Meio Ambiente ignorou o alerta, e seu titular perdeu a oportunidade de sair do anonimato com uma declaração à altura da importância do problema —para o país, quanto mais não seja.
Os riscos aqui são muitos: desertificação de porções do Nordeste ocupadas pela agricultura familiar; degradação do bioma do sul da floresta amazônica; estiagens fortes e repetidas no Centro-Oeste ocupado pelo agronegócio; tempestades mais comuns no Sul e Sudeste, ampliando o perigo de enchentes e deslizamento de encostas; cidades litorâneas ameaçadas pela elevação do nível do mar.
Não menos eloquente é o silêncio das lideranças políticas da oposição, ocupadas, de um lado, com a contenção do autoritarismo bolsonarista e, de outro, com a articulação de apoios e a mobilização de bases que lhes proporcionem uma boa posição de largada na disputa eleitoral de 2022.
O governo exercido pelos piores e as oposições políticas empenhadas em impedir o pior terminam por afundar a vida pública num dia a dia tão crispado quanto medíocre; incapaz de pensar nosso futuro num mundo que está discutindo novas formas de se relacionar com a natureza, de produzir e organizar a vida em sociedade.
Por isso, é mais do que bem-vindo o recém-lançado relatório da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). "Construir um novo futuro - uma recuperação transformadora com igualdade e sustentabilidade" é um texto programático que situa a redução das desigualdades e a sustentabilidade ambiental no centro das estratégias de modernização e retomada do crescimento econômico pós-pandemia na região.
Mais preocupado com o que fazer do que como fazer, oferece sugestões valiosas de setores prioritários —energias renováveis, mobilidade e adaptação urbanas, inclusão digital, indústria da saúde, bioeconomia, ecoturismo—, instrumentos tributários e fiscais, concepção ambiciosa de proteção social, um papel regulador e indutor para o Estado. Ideias inspiradoras para pensar o país sem Bolsonaro.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/08/catastrofes-ambientais-sao-o-perigo-que-o-pais-ignora.shtml
Conrado Hübner Mendes: Augusto Aras não é Geraldo Brindeiro
Seu dadaísmo jurídico, em vez de protestar contra a brutalidade, chancela Bolsonaro
Conrado Hübner Mendes / Folha de S. Paulo
Augusto Aras está para Geraldo Brindeiro como Jair Bolsonaro está para Fernando Henrique Cardoso. Mas essa síntese não é suficiente para expressar a magnitude do equívoco dessa comparação apressada, incompleta e benevolente.
Brindeiro foi PGR pelos oito anos do governo FHC e se celebrizou como engavetador-geral da República. Não sem razão. Dizia examinar as representações que lhe chegavam "com a cautela que a matéria requer". Costumavam terminar mesmo na gaveta.
Por pressão de FHC, recuou e não pediu intervenção federal no Espírito Santo pelo colapso de segurança pública. Miguel Reale Jr., então ministro, demitiu-se por isso. Sua apuração sobre compra de votos para emenda da reeleição (a "pasta rosa") e os casos contra autoridades do governo também ilustram sua deferência.
Não foi pouco. Apesar disso, Brindeiro nunca foi inimigo do Ministério Público, nunca lutou contra a instituição a pretexto de combater o "facciosismo"; nunca perseguiu ou desqualificou colegas de MP, nunca saiu em defesa gratuita e performática do presidente, nunca disputou publicamente corrida ao STF. Nunca perseguiu críticos do presidente e de si próprio. E não tinha sobre sua mesa a delinquência de Bolsonaro.
O Senado, prestes a reconduzir o PGR para novo mandato, precisa de um balanço que faça justiça a Aras. Um balanço que não o diminua. A omissão de Aras, diferentemente da de Brindeiro, requer muito trabalho (como descrevi em outra coluna). Seu primeiro mandato foi uma enormidade.
AUGUSTO ARAS E BOLSONARO
Esses dois anos de gestão foram dedicados a três tarefas principais: garantir tranquilidade ao bolsonarismo; implodir a Lava Jato sem fazer as distinções que importam (entre Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo; entre combate à corrupção e a corrupção do combate à corrupção); conflagrar e definhar o MPF.
A primeira tarefa exerceu de forma tão espalhafatosa que resultou em inéditos escrachos públicos por ministros do STF, solicitando que faça algo, cumpra prazos; e culminou em duas representações por crime de prevaricação feitas por ex-subprocuradores e senadores.
A segunda, ao generalizar os graves vícios da Lava Jato de Curitiba para as forças-tarefas de São Paulo e Rio de Janeiro, bloqueou, abruptamente, avanços contra a corrupção. A cúpula dos governos de SP e RJ respirou aliviada. Aproveitou a onda e desmontou a Força Tarefa da Amazônia. À arbitrariedade do lavajatismo respondeu com mais arbitrariedade.
A terceira tarefa é extensa. Mas pode ser ilustrada pelas muitas manchetes que narram a guerra interna. Como esta: "Corregedora da PGR aponta manobra de Aras para blindar aliados e perseguir adversários". E esta: "Subprocuradores querem que MPF oficie MEC por censura a manifestação política".
Quando se defende das críticas, Aras surfa na hermenêutica declaratória. Autoafirmação é seu critério de legalidade. Vale qualquer coisa que saia de sua boca ou caneta: "existe alinhamento à Constituição", "vou me manifestar dentro do quadrado constitucional".
Vende silogismo jurídico e entrega dadaísmo. A premissa maior: o PGR deve obedecer a Constituição. A premissa menor: eu sou o PGR. A conclusão: Portanto, eu obedeço a Constituição. Inferências produzidas por fluxo de consciência, onde a lógica não entra.
Faz um dadaísmo troncho, para ficar claro. Abraça a contradição, recusa a racionalidade e se deleita com a sonoridade das palavras, mas ignora a parte do dadaísmo que combate a violência. Em vez do protesto contra a brutalidade, chancela Bolsonaro.
Esse dadaísmo também produz nonsenses ridículos. Diz, por exemplo, que Roberto Jefferson tem liberdade de expressão para incitar e ameaçar, mas cidadão não tem pra criticá-lo. Seu tratado sobre a liberdade nem precisa ser escrito, pois se resume à fórmula "acho que sim, acho que não". A fórmula não é lotérica nem jurídica. E nada ingênua.
Dia desses, citou em live corporativa o conceito de "sociedade aberta dos intérpretes da Constituição", de Peter Häberle. Concluiu que o MP não combina com eleições internas e listas tríplices, mas com mérito. Afora o palavrório, parecia crer que Bolsonaro o nomeou por mérito. A meritocracia bolsonarista, lembre-se, deixa brasileiro morrer sem vacina e oxigênio.
Brindeiro só não fazia. Era grave. Aras faz muito. É incomparável.
*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/conrado-hubner-mendes/2021/08/augusto-aras-nao-e-geraldo-brindeiro.shtml
Aras desqualifica críticos e nega omissão diante de ataques de Bolsonaro
Procurador-geral se contrapõe ao presidente e faz defesa pública do sistema brasileiro de votação
Marcelo Rocha e Matheus Teixeira / Folha de S. Paulo
O procurador-geral da República, Augusto Aras, se contrapõe ao chefe do Executivo e faz uma defesa pública do sistema brasileiro de votação pela primeira vez desde que o presidente Jair Bolsonaro passou a insistir nos ataques às urnas eletrônicas e encampou o voto impresso como sua principal bandeira.
Em entrevista à Folha nesta quarta-feira (18), Aras demonstrou incômodo ao ser indagado sobre sua atuação à frente da Procuradoria-Geral da República e refutou a tese de que tem sido omisso em relação a Bolsonaro. "Não houve em nenhum momento nenhuma omissão do procurador-geral da República", afirma.O chefe do Ministério Público Federal disse que atenderia a Folha às 14h30 na PGR e, em seguida, teria compromisso às 15h. Eram quase 14h50 quando a entrevista começou. Aras encerrou a conversa após 13 minutos, sob a alegação de que tinha agenda a cumprir.
Ao final, questionado sobre como quer que seu nome entre na história, disse para conferir o seu currículo na plataforma Lattes e partiu sem se despedir.
A conversa ocorreu horas depois de os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentarem ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma notícia-crime contra Aras para que ele seja investigado por prevaricação.Segundo Aras, a PGR nunca encontrou provas de fraude nas urnas e ainda atestou a legitimidade de todas as eleições. "O procurador-geral da República participou, na minha gestão em especial, de todos os atos pertinentes às eleições, legitimando as eleições", disse.
Para rebater as afirmações de que não age em relação às ameaças golpistas e aos ataques de Bolsonaro à Justiça Eleitoral e a ministros do Supremo, ele afirmou que as críticas vêm de pessoas que não conhecem as leis e que ele só pode se manifestar juridicamente.
"A diferença que pode estar surpreendendo o jornalismo é um procurador que não aceita fazer política, é um procurador que tem o compromisso de cumprir a Constituição e as leis."
O presidente Jair Bolsonaro tem afirmado que houve fraude nas últimas eleições e que também pode haver irregularidades no pleito de 2022. A PGR sempre liderou a defesa das urnas eletrônicas, mas o senhor tem evitado o assunto. O sistema de votação brasileiro é confiável ou pode ser fraudado? Todas as minhas respostas serão dadas juridicamente, já que não me é dado participar de discurso político.
Juridicamente, o procurador-geral da República participou, na minha gestão em especial, de todos os atos pertinentes às eleições, legitimando as eleições, todas elas, inclusive com a minha pessoa, eu presente fisicamente a todos os atos com o ministro [Luís Roberto] Barroso.
Não há nenhuma prova do Ministério Público Eleitoral e, lá no TSE [Tribunal Superior Eleitoral], tem um vice-procurador-geral eleitoral que, por força de lei, é delegado pelo procurador-geral da República, fala em nome do procurador-geral da República, representa o procurador-geral da República. E esse vice-procurador, doutor Renato Brill de Góes, se manifestou em todos os instantes a favor do sistema de votação.
Então, do ponto de vista do Ministério Público Eleitoral, representado pelo procurador-geral da República, cujo cargo monocrático tem todos esses subprocuradores-gerais da República atuando em seu nome, se manifestou à sociedade positivamente ao sistema eleitoral.
Ademais, em relação ao mais recente projeto [proposta de emenda à Constituição do voto impresso], que foi rejeitado, como PGR, aí, sim, eu pessoalmente disse que esse assunto seria superado, como foi, com a afetação pelo plenário da Câmara. Dessa forma, não houve em nenhum momento nenhuma omissão do procurador-geral da República.
Ou seja, a PGR representada pelos subprocuradores-gerais da República, que são aproximadamente entre 20 e 30 que atuam na minha gestão e por força da lei complementar 7.593 falam em nome da Procuradoria-Geral da República, dessa forma, o procurador-geral da República se manifestou em todas as etapas.
Mas o sr. tem sido criticado no Congresso e também internamente por não tocar no assunto nem defender as urnas de maneira clara. Na verdade, tenho sido criticado por pessoas que não querem ler a lei complementar 7.593. Quando o vice-procurador-geral eleitoral se manifesta, quem está se manifestando é o procurador-geral da República, até porque ele age com independência funcional e, agindo com independência funcional, o procurador-geral não interfere.
O sr. considera saudável para a relação entre os Poderes e para a vida institucional do país o presidente Jair Bolsonaro ter anunciado que pedirá o impeachment de dois ministros do STF? Escrevi um artigo na Folha intitulado "O máximo do direito, o máximo da injustiça", para dizer que o PGR não é um agente político no sentido partidário. E assim tenho me comportado.
Eu tenho o dever de velar pela norma, pelo cumprimento da Constituição e das leis.
Todas as vezes que o procurador-geral da República sai do campo do direito para entrar no campo da política, a tendência é a criminalização da política. E isso ocorre de forma simples. A linguagem da política é a linguagem do diálogo permanente, da integração, da busca pelo consenso social numa democracia.
Quando o procurador-geral age ou um juiz age, age para cumprimento da lei. E nesse cumprimento da lei não existe esta situação, salvo quando autorizada por lei, de negociação, de articulação, de busca pelo consenso social mediante concessões recíprocas.
De regra existe sim um direito moderno em busca de equilíbrio de partes que estão em conflito. Mas de regra existe submissão do sujeito aos termos da lei, de maneira que, se o procurador-geral da República sai de seu lugar para fazer política, para se manifestar, como o senhor sugere, da política do Legislativo ou do Executivo ou de quem quer que seja, ele sai do discurso jurídico.
E passa a ser até um discurso desigual, porque ele tem a norma e, tendo a norma, o argumento que vai prevalecer é de uma autoridade que não é uma opinião política, é opinião da norma, e isso é até desigual no campo da política. Por isso que tem espaço público delimitado na Constituição para cada instituição.
Se há posicionamento da Procuradoria do ponto de vista da confiabilidade do sistema, cabe alguma providência da Procuradoria em relação às afirmações do presidente da República levantando dúvidas e lançando suspeitas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas? O vice-procurador-geral eleitoral na época se manifestou em todos os procedimentos que ali tramitaram sempre em favor do sistema de votação da urna eletrônica.
E o atual vice-procurador-geral eleitoral, que acabou de assumir e que tem também plena independência funcional, abriu procedimento para acompanhar os trabalhos que o ministro Barroso já abriu de auditoria e de ampla abertura de fiscalização também pelo Ministério Público, facultando que técnicos, partidos e MP participem do processo.
A diferença que pode estar surpreendendo o jornalismo é um procurador que não aceita fazer política, é um procurador que tem compromisso em cumprir a Constituição e as leis.
AUGUSTO ARAS E BOLSONARO
Ministros do STF tomaram diversas decisões importantes, como no caso do ex-ministro Ricardo Salles e do ex-deputado Roberto Jefferson, sem ouvir a Procuradoria. O sr. acha que isso enfraquece o sistema de Justiça? O sr. se sente desrespeitado pelo STF? Não, pelo contrário. O diálogo é permanente com o Supremo, o diálogo com cada ministro é permanente, não há nenhuma dificuldade no relacionamento.
O que há é um entendimento em que eu respeito o entendimento da Suprema Corte. A Suprema Corte eu creio que, embora divirja do meu, também me respeita, e assim as instituições devem se movimentar. A dinâmica das instituições é essa, é de respeito à divergência.
A propósito, temos no CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] um programa que é único no Brasil, respeito e diversidade, é um programa exatamente para que tenhamos maior tolerância, uma maior abertura para a divergência para dirimir e reduzir os conflitos, e esse programa é sucesso absoluto.
O sr. se manifestou ao Supremo em relação a prazos. O posicionamento do sr. em relação ao não uso de máscara pelo presidente da República é decorrente de um caso que foi enviado para análise da Procuradoria no mês de maio. Estou achando ótima essa sua pergunta. Primeiro, você está fazendo uma pergunta [sobre algo] que não fui eu. É preciso registrar que, talvez, 90% ou mais das matérias [jornalísticas] que saem com Aras não foi Aras. Foi um colega que tem independência funcional, foi um colega que age e responde pelos seus atos, pelos seus pensamentos.
Eventualmente, eu posso até reconsiderar a decisão de um colega, mas nem sempre vou poder fazê-lo. Eu posso muito mas não posso tudo.
Então, de certa forma, é preciso dizer o seguinte: eu preciso respeitar o espaço de cada colega, do primeiro ao último grau. O último grau é ser subprocurador-geral da República.
Mas o sr. se ancorar no Renato Brill e outros vice-procuradores-gerais da República em relação às urnas e não se vincular ao que a subprocuradora Lindôra Araújo falou em relação ao não uso de máscara facial pelo presidente da República.... Não teria aí alguma contradição? Não precisa ter contradição. Ela tem autonomia, tem independência funcional.
Eu posso dizer que eu tenho que respeitar a independência funcional de uma jovem procuradora ou de um jovem procurador em qualquer rincão do Brasil e devo não respeitar a posição de um subprocurador-geral?
Subprocurador é aquele que alcança o mais alto nível da carreira. A independência que vale para o mais simples vale para aquele que está no topo da pirâmide. E este procurador-geral da República respeita a independência funcional.
Vários estudos comprovaram a eficácia da máscara para evitar a propagação da Covid-19. O sr. não acha que colocar em xeque o equipamento a esta altura... A Procuradoria-Geral da República, seja através do procurador-geral, mas principalmente através de seus membros —é importante [dizer] que foram muitos membros, não [somente] o Augusto Aras, vários membros—, já se manifestaram à sociedade sobre essas questões. De maneira que, até pela grande produção de peças processuais, eu não preciso me manifestar sobre manifestação de colega.
Sobre o colunista da Folha Conrado Hubner Mendes. Não tenho o que me manifestar. A Justiça tem grau de jurisdição. Existe sempre recurso, né?
Do mesmo jeito que a Folha deu uma matéria em favor de um colunista seu [do jornal], tem jornalista que também teve queixa-crime recebida e é preciso que também, fora desta casa, não tenha espírito de corpo.
O sr. defendeu a liberdade de expressão quando se manifestou sobre o caso Roberto Jefferson. Não haveria uma contradição em relação a Conrado? Em hipótese alguma. Há uma diferença entre liberdade de expressão e crítica. Criticar e fundamentar a crítica.
Se eu disser que o fulano de tal é feio, a não ser que eu seja um artista, um fotógrafo, alguém com padrão estético profissional, é uma coisa subjetiva.
A crítica é amplamente admitida e se revela até no fato de que, sendo destinatário de uma campanha contra a minha recondução na imprensa, eu nunca processei jornalista por crítica fundamentada.
Agora, quando o indivíduo atinge a minha honra fora do meu cargo, aí o assunto não é mais de crítica. Crítica tem de ser fundamentada. Eu queria saber da população brasileira, se isso fosse possível, tecnicamente qual foi a decisão errada. Porque se alguém diz que o procurador-geral da República errou, tem de dizer assim: "O Supremo também errou", né? O Supremo acolheu todas as manifestações.
Como o sr. sonha que sua biografia entre para a história? Abra meu Lattes. Tem lá uma biografia de 400 palestras, livros, artigos.
RAIO-X
Antônio Augusto Brandão de Aras, 62
Ingressou na carreira do Ministério Público Federal em 1987. Entre outros postos, foi procurador regional eleitoral na Bahia e coordenador da Câmara do Consumidor e Ordem Econômica do MPF. Atuou em matéria penal perante o Superior Tribunal de Justiça. Desde setembro de 2019, é procurador-geral da República. Foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro à recondução para mais dois anos de mandato. Aras é doutor em direito constitucional pela PUC de São Paulo e mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Bahia.
ANTECESSORES DE ARAS NO POSTO NOS ÚLTIMOS ANOS
- Geraldo Brindeiro (1995-2003)
- Cláudio Fonteles (2003-2005)
- Antonio Fernando Souza (2005-2009)
- Roberto Gurgel (2009-2013)
- Rodrigo Janot (2013-2017)
- Raquel Dodge (2017-2019)
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/aras-desqualifica-criticos-nega-omissao-diante-de-ataques-de-bolsonaro-e-diz-que-nao-aceita-fazer-politica-na-pgr.shtml
Parlamentares estudam apresentar representações contra Lindôra Araújo
Senadores e procuradores reagem a parecer negacionista de aliada de Aras em defesa de Bolsonaro
Raquel Lopes , Marcelo Rocha , Renato Machado , Washington Luiz e Julia Chaib / Folha de S. Paulo
Procuradores e senadores reagiram ao parecer negacionista publicado pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo no qual ela questiona a eficácia de uso de máscaras contra Covid-19, contrariando pesquisas que apontam a efetividade da proteção.
Em uma frente, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, anunciou nesta quarta-feira (18) que ele e outros parlamentares vão enviar representação contra a procuradora no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Em outra, os próprios pares de Lindôra, subprocuradores, estudam providências a serem tomadas. Uma opção é também apresentar uma representação, mas ao Conselho Superior do MPF.
As reações ocorrem após a PGR (Procuradoria-Geral da República) enviar manifestação ao STF (Supremo Tribunal Federal) na qual põe em xeque a eficácia do uso de máscara e afirma que não vê crime na conduta do presidente Jair Bolsonaro de não usar a proteção e promover aglomerações.
Segundo a Procuradoria, desrespeitar leis e decretos que obrigam o uso de máscara em local público é passível de sanção administrativa, mas não tem gravidade suficiente para ensejar punição penal.
O parecer é assinado por Lindôra, uma das pessoas mais próximas do procurador-geral, Augusto Aras, e foi enviado ao Supremo no âmbito das notícias-crime apresentadas pela presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), e por parlamentares do PSOL contra o chefe do Executivo.
Na primeira notícia-crime, Gleisi critica as aglomerações de Bolsonaro e diz que o presidente teria gastado verba pública de maneira indevida para custear a utilização de aeronaves militares e a mobilização de grande aparato de segurança em suas viagens.
Na segunda, o PSOL cita o fato de o chefe do Executivo ter retirado a máscara do rosto de uma criança.A PGR, porém, diz que não há crime de Bolsonaro nesses casos e que “os estudos que existem em torno da eficácia da máscara de proteção são somente observacionais e epidemiológicos”.
O texto de Lindôra foi visto como uma sinalização ao governo. Apesar da rejeição à nota, o clima no Senado ainda é majoritário para aprovar a recondução de Aras, que foi indicado para mais dois anos na chefia do MPF.
Nesta quarta, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) assumiu a frente para rebater o posicionamento da procuradora e publicou nas redes sociais foto de um homem de máscara acompanhada do texto: "A máscara é uma barreira física que reduz significativamente o risco de contágio por Covid-19. Estudos de todo o mundo já concluíram que, se usada corretamente, o índice de proteção chega a 90%".
Alguns subprocuradores replicaram a mensagem e afirmaram que a posição de Lindôra não representa a opinião do MPF. No órgão, os procuradores estão cautelosos quanto ao envio de uma representação ao Conselho Superior do MPF por temerem o desgaste interno.
Isso porque só nesta semana eles já apresentaram dois processos: um para que Aras investigue Bolsonaro por texto compartilhado no WhatsApp em que o presidente fez menção a “contragolpe” e outro mirando o sertanejo Sérgio Reis.
Durante sessão da CPI da Covid nesta quarta, Randolfe disse que os atos de Bolsonaro são crime gravíssimo. Além disso, afirmou que a decisão de Lindôra contradiz outras tomadas por ela. Ele cita que a subprocuradora-geral da República pediu que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) investigasse o desembargador Eduardo Almeida Prado por aparecer sem máscara em uma praia de Santos (SP).
“Bom faria Vossa Excelência que mantivesse essa conduta correta que fez em relação ao comportamento do desembargador paulista. A decisão ontem da doutora Lindôra contraria totalmente a ciência, contraria as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), contraria as recomendações da nossa Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), contraria toda a lógica da ciência.”, disse.
Os membros da comissão afirmaram que a PGR atrapalha os esforços de combate à pandemia do novo coronavírus, para tentar proteger o presidente Bolsonaro. “Acho que lamentavelmente a PGR não prestou um bom serviço ao enfrentamento da pandemia. A Procuradoria não pediu parecer específico sobre o uso de máscaras, não acompanhou a literatura existente. E além do mais isso já é lei”, afirmou antes da sessão o senador Humberto Costa (PT-PE).
“É uma decisão que vai gerar conflito, que vai confundir a população e vai dar argumento para as teses negacionistas”, acrescentou.
Apesar das declarações, membros da CPI se reuniram com Aras na noite de terça-feira (17).
Na ocasião, o procurador afirmou ter autonomia para levar adiante eventuais pedidos de providência contra o governo que a comissão venha a pedir. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) também criticou a decisão de Lindôra.
"É absurdo que a PGR, que representa o Estado e não o governo, que tinha que estar investigando as autoridades sejam elas quais forem dentro dos limites constitucionais, esteja ali a serviço de um governo e não de um Estado, diante de uma situação em que há interesse coletivo, é um direito difuso do povo brasileiro de proteção sanitária", afirmou.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que acionou o STF para que Aras seja investigado por prevaricação, também criticou o parecer assinado pela subprocuradora.
“A Procuradoria-Geral da República, em vez de proteger a vida e garantir a saúde da coletividade, passa recibo no negacionismo do governo Bolsonaro e nega as medidas sanitárias que a Organização Mundial de Saúde recomendou ao mundo”, publicou em rede social.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/senadores-e-procuradores-reagem-a-parecer-negacionista-de-aliada-de-aras-em-defesa-de-bolsonaro.shtml
Bolsonaro leva golpismo para turnê internacional
Presidente e aliados plantaram semente da insurreição no Paraguai e nos EUA
Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo
Em sua campanha para melar as próximas eleições, Jair Bolsonaro insinuou que há envolvimento estrangeiro numa conspiração fantasiosa para fraudar as urnas eletrônicas no ano que vem. "Outros países têm interesse em ter gente na Presidência, à frente de governo de estado, à frente de grandes cidades, pessoas mais simpáticas a esse governo de fora", declarou, há cerca de dez dias.
Esses inimigos externos misteriosos são um elemento adicional do discurso batido de que haveria uma trama poderosa para tirar Bolsonaro do cargo. Até agora, no entanto, os únicos personagens que parecem conspirar com atores políticos de outros países são o próprio presidente brasileiro e seus aliados.
Bolsonaro levou o golpismo para uma turnê internacional. No dia 5, uma semana depois de admitir não ter provas de fraude nas urnas eletrônicas, ele sugeriu ter mencionado as falsas suspeitas para o presidente do Paraguai. Para piorar, disse que Mario Abdo Benítez ofereceu "alguns de seus servidores da Justiça Eleitoral, com a urna do Paraguai". Alguém deveria avisar ao brasileiro que nem ele nem governos estrangeiros têm poder para apitar na organização das eleições por aqui.
Naquela mesma data, o presidente citou as falsas suspeitas numa reunião com o assessor de Segurança Nacional americano, Jake Sullivan. O auxiliar de Joe Biden não comprou o besteirol: manifestou preocupação com a tentativa do governo de desacreditar o sistema de votação e disse crer que as eleições de 2022 no Brasil serão justas.
Nos últimos dias, o bolsonarismo lançou a semente da insurreição para personagens marginais da política dos EUA. Num evento organizado pelo estrategista Steve Bannon e pelo empresário Mike Lindell, Eduardo Bolsonaro repetiu a ladainha do pai e foi aplaudido pelos trumpistas.
O presidente e sua turma já começaram a preparar o terreno internacional para contestar uma eventual derrota nas urnas em 2022. A sorte é que nenhum governo sério vai apoiar a aventura golpista de Bolsonaro.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/08/bolsonaro-leva-golpismo-para-turne-internacional.shtml
A militarização dos postos civis no governo Bolsonaro
O caso de Pazuello revela a extensão do corporativismo militar e seu potencial para deixar impunes as ilegalidades
Andrés del Río e Juliana Cesário Alvim Gomes / Folha de S. Paulo
Desde a promulgação da Constituição brasileira, em 1988, os resquícios autoritários da ditadura civil-militar são motivos de críticas.
Isso desde a manutenção do aparato de inteligência consolidado àquela época até o uso da Lei de Segurança Nacional para perseguir opositores, além da permanência da presença militar no aparato do Estado e no processo de tomada de decisão política.
Com a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência, há um grave aprofundamento desse processo.
Sem precisar de tanques –como da última vez–, os militares retornaram de maneira aberta e desavergonhada à mesa das decisões, aos cargos de alta remuneração e aos espaços que a redemocratização parecia lhes negar.
Nesse processo, um dos aspectos que chamam a atenção é a cooptação e distribuição corporativa dos cargos públicos civis da administração pública entre militares da ativa ou reserva.
No início de 2019, Bolsonaro indicou como ministro da Defesa um militar, o general Fernando Azevedo e Silva. Assim, ele quebrou a designação de um civil para esse ministério desde sua criação, em 1999.
Em fevereiro de 2020, pela primeira vez desde a retomada da democracia, um general passou a ocupar a chefia da Casa Civil, somando-se aos já ocupados Secretaria de Governo e Gabinete de Segurança Institucional.
No final de 2020, cerca de metade dos ministros do governo federal eram militares e havia mais de 6.157 militares na ativa ou na reserva trabalhando na administração pública.
Além de conferirem acesso ao poder político, esses cargos muitas vezes contribuem para um significativo acréscimo financeiro no ordenado daqueles que os ocupam.
EDUARDO PAZUELLO
UM GENERAL À FRENTE DA SAÚDE DURANTE UMA PANDEMIA
Nesse contexto, é representativo o caso do general Eduardo Pazuello, um general da ativa nomeado ministro da Saúde durante a pandemia de Covid-19, apesar de não ter qualquer experiência na área. Com ele, mais de 20 militares passaram a ocupar posições-chaves vinculadas à pasta.
Durante sua gestão, o Ministério da Saúde se opôs a medidas de confinamento e de uso de máscaras e incentivou a adoção de tratamentos inócuos e perigosos, como a hidroxocloroquina.
Como investigações do Congresso Nacional vêm revelando, foram criadas inúmeras barreiras para aquisição de vacinas.
Foi nesse período também que os dados da pandemia, como números de casos e mortes, “sumiram” do acesso público, escondidos da sociedade pelo ministério.
Durante seu tempo à frente da pasta, foram registradas cerca de 260 mil mortes por Covid no país e tragédias como as 28 mortes por falta de oxigênio em Manaus.
Para além da gestão funesta, o caso do general Pazuello revela a extensão do corporativismo militar e seu potencial para deixar impunes as mais evidentes ilegalidades.
Pouco depois de deixar a pasta, com um novo cargo na Secretaria-Geral do Exército, e de depor perante o Congresso, negando as irregularidades em sua gestão, Pazuello participou (sem máscara) de evento político ao lado de Bolsonaro.
Isso apesar da proibição de "manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária" prevista no Regulamento Disciplinar do Exército e no Estatuto dos Militares.
Diante disso, o Exército abriu um processo administrativo para apurar sua conduta.
Embora alguns militares tenham criticado publicamente a conduta do general, Pazuello não sofreu qualquer punição e o processo foi arquivado.
Senadores lamentaram a decisão do Exército de não punir o general e ex-ministro da Saúde.
Mesmo diante de tais reações, o Exército não só deixou de punir Pazuello como estabeleceu um segredo de cem anos sobre o processo relativo ao episódio.
O caso Pazuello revela a importância de se refletir sobre o papel e a responsabilidade de militares no âmbito político, sobretudo em um contexto em que mais e mais se embrenham na vida política e em que inúmeras irregularidades passam a vir à luz, como as reveladas pela CPI da Covid no Senado.
Além da vedação a manifestações públicas político-partidárias, o Estatuto dos Militares prevê a transferência de ofício para a reserva remunerada (aposentadoria) quando o militar "ultrapassar dois anos de afastamento, contínuos ou não, agregado em virtude de ter passado a exercer cargo ou emprego público civil temporário, não eletivo, inclusive da administração indireta".
Restringindo essa hipótese, Bolsonaro editou decreto em junho de 2021 conferindo natureza militar a cargos e funções “exercidos por militares” em diversos órgãos, como o Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia Geral da União (AGU), o Ministério de Minas e Energia e até mesmo empresas estatais.
Com isso, permite que, na prática, militares da ativa se mantenham nesses cargos por tempo indeterminado, ampliando e agravando o processo de ocupação dos espaços administrativos e políticos por membros das Forças Armadas.
DESFILE MILITAR NA ESPLANADA
A NECESSÁRIA REGULAÇÃO DAS FUNÇÕES DOS MILITARES
Como reação a esse processo, surgem iniciativas como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 21/21, que proíbe que os militares da ativa ocupem cargos de natureza civil na administração pública, na União, nos estados, no Distrito Federal ou nos municípios.
A PEC determina que, para exercer esses cargos civis, o (ou a) integrante das Forças Armadas, da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros que conte menos de dez anos de serviço deverá se afastar da atividade. Se contar mais de dez anos de serviço, passará automaticamente para a inatividade no ato de posse.
Atualmente, a Constituição não trata da presença de militares em cargos civis, embora restrinja sua elegibilidade em termos semelhantes (afastamento da carreira para os com menos de dez anos de serviço e passagem à reserva para os com mais), o que demonstra sua preocupação com o envolvimento político de militares da ativa, inclusive como forma de resguardar as próprias Forças Armadas.
Essa preocupação não é descabida.
A militarização do governo, da administração pública e da política ameaça a democracia e os próprios direitos humanos, como evidencia a gestão militar da pandemia de Covid no Brasil.
É fundamental regulamentar e restringir a participação de militares da ativa em cargos e funções civis de administração e governo sob pena de naturalizar a subversão do papel das Forças Armadas e de tornar permanentes e irreversíveis os danos ao equilíbrio das relações entre civis e militares causados pelo governo mais militarizado desde o fim da ditadura militar.
*Andrés del Río
Doutor em ciência política pelo Iesp-Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
*.Juliana Cesário Alvim Gomes
Professora-adjunta de direitos humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/latinoamerica21/2021/08/a-militarizacao-dos-postos-civis-no-governo-bolsonaro.shtml
Desfile militar dura 10 minutos e termina sem discurso de Bolsonaro
Desfile dos veículos na Esplanada dos Militares provocou reação por ocorrer em um momento de tensão institucional entre os Poderes
Ricardo Della Coletta / Folha de S. Paulo
O desfile desta terça-feira (10) em frente ao Palácio do Planalto reuniu pela manhã dezenas de veículos militares, entre blindados, tanques, caminhões e jipes.
A parada militar, realizada no dia da votação do voto impresso na Câmara dos Deputados e criticada como mais uma tentativa de politização das Forças Armadas, começou por volta de 8h30.
Nesse horário, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já estava na rampa do Palácio do Planalto, acompanhado dos comandantes das três forças. Também estavam diversos ministros, entre eles Walter Braga Netto (Defesa), Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Anderson Torres (Justiça).
No início do desfile, que durou aproximadamente 10 minutos, um militar em traje de combate desceu de um dos veículos, subiu a rampa e entregou a Bolsonaro um convite para comparecer a exercício militar da Marinha programado para agosto.
Durante a passagem dos veículos, um grupo de apoiadores de Bolsonaro se reuniu na Praça dos Três Poderes e entoou gritos em defesa da intervenção militar. Eles gritaram "Eu Autorizo" e "142", em referência a dispositivo constitucional que bolsonaristas dizem justificar uma eventual intervenção fardada.
Um dia antes, em meio à polêmica causada pelo desfile de blindados, Bolsonaro postou em suas redes sociais um convite para que autoridades de Brasília, como os presidentes das Casas Legislativas e do Judiciário, recebam também os veículos militares.
O desfile dos veículos provocou reação por ocorrer em um momento de tensão institucional, além de ser a data prevista para que a Câmara dos Deputados vote a PEC (proposta de emenda à Constituição) do voto impresso. O presidente já assume a possibilidade de derrota.
Mesmo aliados do presidente reagiram ao evento militar. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que se trata de uma "coincidência trágica" que o desfile dos blindados aconteça no mesmo dia previsto para a votação da PEC.
Após a passagem por Brasília, os veículos militares seguem para Formosa (GO), onde será realizado um grande exercício militar, com a presença de membros não apenas da Marinha como também do Exército e da Aeronáutica.
Embora seja um exercício de adestramento tradicional da Marinha, essa seria a primeira vez que os blindados entrariam em Brasília. Além disso, eles passaram pela Praça dos Três Poderes, em um momento de grande tensão entre os poderes, em particular entre o Executivo e o Judiciário.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/desfile-militar-em-dia-do-voto-impresso-dura-10-minutos-e-tem-bolsonaro-no-alto-da-rampa-do-planalto.shtml
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
STF e TSE usam estratégia nas redes para combater ataques de Bolsonaro
Diante de falas do presidente, cortes recorrem a contas na internet e sessões para ampliar apoios e passar recados
Matheus Teixeira / Folha de S. Paulo
O STF (Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) têm recorrido a ações fora dos processos para se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro e fazer frente à guerra de narrativa sobre as urnas eletrônicas e as recentes decisões da corte.
Na internet, os tribunais fizeram ao menos quatro publicações para desmontar as versões do presidente da República a respeito de temas que têm colocado os Poderes em conflito.
O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, também tem dado indiretas ao chefe do Executivo em redes sociais.
Em uma publicação em 28 de julho, o STF afirmou que "uma mentira contada mil vezes não se torna verdade", em relação às declarações de Bolsonaro de que a corte o impediu de agir no enfrentamento da pandemia da Covid-19. O presidente reagiu e classificou o texto como "criminoso".
Por meio de nota, o Supremo afirmou que "combate à desinformação deve se dar no mesmo ambiente no qual a desinformação circula".
Além disso, os presidentes do Supremo, Luiz Fux, e do TSE, Luís Roberto Barroso, aproveitaram sessões televisionadas para passar duros recados a Bolsonaro.
Na quinta-feira (5), Fux chegou a adiar um julgamento que não tinha relação com o Palácio do Planalto para rebater os ataques do chefe do Executivo. Na data, os ministros voltaram do intervalo da sessão e o presidente disse que se viu "instado a suspender" o encontro para responder a Bolsonaro.
O presidente tinha acabado de fazer duros ataques ao ministro Alexandre de Moraes, a exemplo do que vem fazendo com Barroso. Fux disse que as ofensas não atingem apenas os dois, mas toda a corte.
Na oportunidade, o chefe do STF também recorreu a um gesto político simbólico para dar o recado: anunciou o cancelamento da reunião entre os chefes dos três Poderes que vinha articulando desde julho.
"Como afirmei em pronunciamento por ocasião da abertura das atividades jurisdicionais deste semestre, diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual", disse.
As ações fora dos autos se somaram às iniciativas formais contra a ofensiva de Bolsonaro.
Nesta semana, no retorno do recesso de julho do Judiciário, o STF e o TSE adotaram as medidas mais contundentes contra o chefe do Executivo, que havia aumentado o tom no último mês contra as instituições.
Primeiramente, a corte eleitoral decidiu, por unanimidade, abrir um inquérito para apurar as acusações feitas pelo presidente, sem provas, de que o TSE frauda as eleições. Depois, Barroso assinou uma queixa-crime contra chefe do Executivo e recebeu o aval do plenário da corte eleitoral para enviá-la ao STF.
BOLSONARO EM SANTA CATARINA
Na quarta-feira (4), o corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, solicitou ao Supremo o compartilhamento de provas dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos com a ação que pode levar à cassação de Bolsonaro.
No mesmo dia, Moraes aceitou a queixa-crime de Barroso e incluiu o presidente como investigado no inquérito das fake news.
Antes dessa sequência de ações, porém, Barroso aproveitou a primeira sessão do TSE no semestre e fez o discurso mais incisivo contra os ataques de Bolsonaro.
O chefe da corte eleitoral disse que quem repete uma mentira muitas vezes será "perenemente prisioneiro do mal". Também afirmou que a obsessão do chefe do Executivo por ele "não faz nenhum sentido e sobretudo não é correspondida" e que não há risco de não haver eleições ano que vem caso não seja implementado o voto impresso.
Além dos discursos, foram usadas outras ações fora dos autos, como publicações na internet a fim de fazer frente às narrativas falsas criadas por Bolsonaro para animar a própria militância e estimular os ataques às instituições.
Ultimamente, Barroso tem aproveitado as dicas de pensamentos e de músicas que costuma dar todas as sextas-feiras para mandar indiretas a Bolsonaro.
Nesta semana, ele recomendou uma frase de Mario Quintana a seus seguidores: "Aquilo que falam de mim não me diz respeito".
Em outra oportunidade, ele recomendou um pensamento sem autor que também tinha a ver com o contexto dos ataques que o presidente vem fazendo contra ele: "Quando um homem de bem responde um insulto com outro insulto, ele permite que o mal vença. Não é preciso responder. O mal consome a si mesmo".
Nas páginas oficiais das redes sociais, o STF e o TSE têm desmentido mais diretamente as declarações do chefe do Executivo. Com essa estratégia, ganham celeridade para se contrapor a Bolsonaro e não precisam aguardar o rito e o tempo dos processos judiciais para responder às ofensivas do presidente.
Já nas eleições de 2020, o tribunal eleitoral havia feito uma parceria com agências de checagem para dar celeridade às respostas da corte para as fake news sobre o sistema eleitoral.
Neste ano, porém, pela primeira vez a estratégia de checar informações se direcionou às declarações do presidente da República.
Quando o chefe do Executivo afirmou que Barroso defende redução da maioridade para o estupro de vulnerável, por exemplo, a página oficial do Supremo nas redes sociais fez uma publicação no mesmo dia para afirmar que é "falsa" a declaração do presidente.
"O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) fez exatamente o oposto: votou pela continuidade da ação penal contra um jovem de 18 anos que manteve relações com uma menina de 13", disse o texto.
No caso da live, no dia 29 de julho, em que Bolsonaro prometia comprovar a ocorrência de fraude nas urnas eletrônicas, o TSE montou uma força-tarefa para rebater em tempo real a narrativa de Bolsonaro.
A corte fez treze publicações no Twitter e enviou diversos boletins com checagens de informação à imprensa.
Na quinta passada, o TSE recorreu novamente às redes sociais para rebater Bolsonaro.
Em entrevista à Rádio Jovem Pan e posteriormente em publicação nas redes sociais, o presidente afirmou que o próprio tribunal eleitoral teria reconhecido que um hacker invadiu seu sistema interno. A admissão teria sido feita em um inquérito da Polícia Federal.
De acordo com a corte, "o próprio TSE encaminhou à PF as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis". E concluiu: "A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude".
Juliana Cesario Alvim, professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e doutora em direito, afirma que a atuação de ministros do Supremo fora dos autos precisa ser separada entre as situações que fortalecem e as que enfraquecem a corte.
Um pronunciamento do presidente com a posição institucional do tribunal sobre temas relevantes na abertura dos trabalhos no semestre, na visão dela, é adequado e ocorre no local certo, enquanto declarações fora das sessões com críticas a integrantes da própria corte ou com a intenção de pressionar outro ministro, estão no outro extremo.
Em relação ao uso das redes sociais pelos tribunais, ela disse acreditar que tem de acontecer de maneira cautelosa.
"Na medida em que pode fortalecer o tribunal, torná-lo mais acessível, mais próximo das pessoas, também pode se desvirtuar para algo que, de alguma maneira, ajude a erodir a legitimidade da corte", disse.
"O tribunal tem de calibrar isso, não se pode banalizar a presença da corte nas redes, colocar a corte em um lugar que ela não pode estar, que é no debate do varejo, do bate-boca da internet", afirmou.
Questionada, a assessoria do STF afirmou que "é preciso difundir informações corretas para o mesmo público anteriormente submetido às mentiras".
O Supremo também mencionou que uma das iniciativas ocorre por meio do projeto #VerdadesdoSTF, idealizado para desmentir boatos e inverdades na internet.
A corte afirmou ainda que prepara um programa mais amplo de combate à desinformação no âmbito do tribunal, com ações institucionais e de comunicação.
"A ideia é realizar capacitação de servidores, debates e parcerias com entidades e órgãos públicos para aprimorar o combate à desinformação. A previsão é de formatação do programa até o fim de agosto", afirmou.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/stf-e-tse-usam-estrategia-nas-redes-e-gestos-politicos-para-rebater-narrativa-golpista-de-bolsonaro.shtml
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Bolsonaro volta a defender voto impresso em nova motociata
Após participar de 'motociata' em Florianópolis um dia após decisão de Lira de levar discussão ao plenário, presidente acena a parlamentares e critica STF
Fábio Bispo, Especial para o Estadão
FLORIANÓPOLIS - O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender o voto impresso, conclamou a população a “lutar com todas as armas” pelo voto "auditável" e fez aceno a parlamentares. “Eleição fora disso não é eleição”, disse Bolsonaro em Florianópolis (SC), no início da tarde deste sábado, 7, após participar de "motociata" pelas avenidas da cidade.
O presidente repetiu os ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ao discursar para apoiadores na Beira-Mar Continental de Florianópolis: ”Não são meia dúzia dentro de uma sala secreta que vai contar e decidir quem ganhou as eleições; não vai ser um ou dois ministros do Supremo. Quem tem legitimidade além do presidente (da República) é o Congresso Nacional”, declarou.
Na sexta-feira, 6, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), decidiu levar para o plenário a discussão sobre o voto impresso, após o projeto ter sido derrotado em comissão especial nesta quinta-feira, 5, por um placar de 23 a 11, em comissão especial da Casa. Lira optou pela estratégia arriscada para agradar ao Palácio do Planalto, mas avisou Bolsonaro que, se o texto for rejeitado, não aceitará ruptura institucional.
No ato com tom de campanha em Santa Catarina, Bolsonaro aproveitou para atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera pesquisas de intenção de voto para as eleições do próximo ano, e fez ilações em tom alarmista citando o regime político da Venezuela.
“A gente vê na pequena Pacaraima, cidade de Roraima, onde o Exército brasileiro acolhe centenas de pessoas por dia que fogem do paraíso socialista da Venezuela. Muitas são grávidas com crianças pequenas que chegam lá arrastando seus filhos com uma mala na mão e uma trouxa de roupas na cabeça. Muitas sendo obrigadas a se prostituírem para dar de comer aos seus filhos. Nós sabemos como aquele regime começou, quem apoiou. Não preciso dizer que o é o bandido de nove dedos”, declarou. “Não queremos isso para o Brasil. E mais do que não queremos, lutaremos com todas as armas disponíveis para que isso não aconteça em nossa pátria.”
E a ofensiva contra Lula se estendeu aos ministros: “O ladrão de nove dedos, que seus amigos é que vão contar os votos dentro de uma sala secreta”.
Por diversas vezes, Bolsonaro pregou a união de seus apoiadores para combater as supostas ameaças que tem levantado, sempre sem provas, contra a democracia brasileira. ao insistir em eleições com voto impresso. “Há 50 anos eu jurei dar minha vida pela pátria, mas juntamente com vocês, agora, nós juramos dar a nossa vida pela nossa liberdade.”
E mandou recado aos que defendem a legalidade e segurança do atual sistema eleitoral Brasileiro - sem voto impresso -, a quem nominou de não democratas: “Quem não é democrata não tem espaço no resto do Brasil. Eu tenho limites, alguns poucos acham que são o dono do mundo, vão quebrar a cara. Nós queremos e exigimos nada mais além disso. Não continuem nos provocando, não queiram nos ameaçar”, disse ao final do discurso.
Prisão
A Polícia Militar informou que 24 mil motocicletas participaram do evento em Florianópolis, que teve a participação de diversos grupos de motociclistas da Região Sul do País. No palanque, montado no último trecho da "motociata", Bolsonaro discursou ao lado da vice-governadora de Santa Catarina, Daniela Reinerh, do senador Jorginho Melo (PL-SC), da deputada federal Caroline De Toni (PSL-SC), do deputado federal Daniel Freitas (PSL-SC) e do empresário Luciano Hang, que esteve ao seu lado desde a recepção no aeroporto.
O comboio de motos percorreu mais de 60 quilômetros pelas avenidas de Florianópolis. Apesar de não ser evento oficial da Presidência, a "motociata" mobilizou forte aparato público, com reforço no policiamento, guarda municipal, utilização de helicópteros, ambulâncias, entre outros. Diversas vias da cidade foram bloqueadas para o evento.
Pela manhã, um homem foi detido, segundo a PM, por ter atirado objeto nos apoiadores do presidente. Segundo comandante do 4º Batalhão da PM, Tenente-Coronel Dhiogo Cidral, não houve representação registrada pelas supostas vítimas. O homem foi levado para delegacia, onde foi lavrado um Termo Circunstanciado, e acabou liberado.
Fonte: O Estado de S. Paulo
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)