Fernando Gabeira: A inocência perdida
É preciso sempre na internet ter um Sancho Pança interior que nos lembre: olhe bem, mestre; olhe bem o que está falando ou escrevendo
Quando ouvi, pela primeira vez, que os hackers da Lava-Jato tinham sido presos, tive muitas dúvidas. Processos assim sigilosos dependem da polícia. Ela é quem divulga a conta-gotas aquilo que considera inofensivo para o curso das investigações.
Lembrei-me de uma guia na Caverna do Diabo, no Vale do Ribeira. Ela me disse que alguns pontos da caverna eram escuros, mas era preciso tirar partido disto: as formas escurecidas estimulam nossa imaginação.
E lá fui eu no barco para a Ilha Grande remoendo as informações que chegavam aos poucos. O advogado de um dos suspeitos disse que ele negociava bitcoins, apesar de terem sido encontrados R$ 100 mil escondidos em casa.
Lembrei-me daquela velha história: em nosso país, as putas gozam, os traficantes se viciam, e os mercadores de bitcoins, possivelmente, escondem dinheiro nos colchões.
Parecia verossímil. Quando surgiram os primeiros indícios de que realmente tinham hackeado o telefone de Moro, pensei ainda: e se fossem apenas alguns dos hackers, os menos sofisticados que caíram na rede?
Descartei essa hipótese. Afinal, o telefone de Moro não pode ser uma espécie de piquenique de hackers. Deve ter sido um grupo apenas.
Muito rapidamente, com a confissão dos suspeitos, as evidências nas nuvens, não tive mais dúvidas: caso resolvido. Mas aí surgiram dúvidas novas.
Foi eficaz a ação da PF: demonstrou que está equipada no momento para rastrear e encontrar os autores do crime. Um alívio para nossa privacidade. Alívio parcial, é verdade. A PF tem como apurar, empregou 40 homens e dedicou-se intensamente ao trabalho.
Será possível o mesmo empenho quando o hackeado defende apenas sua privacidade de pessoa comum, devassada em suas frases cotidianas, bobagens, mas que podem ter inúmeras consequências emocionais? Minha sugestão é que sempre haja empenho, no mínimo, para treinar a capacidade de solucionar casos mais complicados.
Mas, ainda assim, sou o reticente quanto ao futuro da privacidade. Acho ingênuo demais confiar apenas na proteção policial. É preciso sempre na internet ter um Sancho Pança interior que nos lembre: olhe bem, mestre; olhe bem o que está falando ou escrevendo.
Nossos grandes irmãos estão nos olhando por todas as frestas. Pensou em comprar um simples chapéu, e sua timeline será inundada com ofertas. Dificilmente seus hábitos de consumo passam ao largo.
Dizem que cerca de mil pessoas foram atingidas. Bolsonaro, Alcolumbre, Paulo Guedes. Não posso imaginar o que pretendiam fazer com essa sinfonia de vozes da República.
Moro teria afirmado para o presidente do STJ que as mensagens seriam descartadas. Como descartar as mensagens e, simultaneamente, provar que existiram e aplicar a pena pela multiplicidade do crime?
O que estava em jogo no grande auê que se formou era comprometer Moro e favorecer a libertação de Lula. Uma proposta modesta se considerarmos o potencial que essa incursão pelos telefones de poderosos teria se os hackers fossem, por exemplo, interessados em abalar a segurança nacional, coletando diuturnamente os dados, analisando-os e usando-os a seu favor.
O tema da segurança cibernética ainda não subiu realmente à agenda. De vez em quando, passo pela TV Senado, ouço alguns discursos esparsos. Sinto pela ausência de reação que a maioria dos parlamentares ainda considera isto um tema do futuro.
De fato, num país em que um sargento entra com 39 quilos de cocaína num avião da comitiva presidencial, o tema da segurança cibernética pode parecer distante.
Mesmo acreditando nisso, não se pode ignorar que autoridades tratam de questões de Estado, e a comunicação entre elas tem importância para o país.
O propósito do hacker era combater a Lava-Jato, como ficou claro também em suas postagens na rede. Mas ele gosta de dinheiro, deu alguns golpes, tinha atalhos para entrar em contas bancárias. Mesmo se conseguir provar que estava apenas numa cruzada pela justiça, era um tipo ideal para ser contatado para um trabalho puro de espionagem.
Claro, não estamos em guerra, não se disputam com fervor nossos segredos nacionais. Mas existe uma linha divisória entre um país pacífico e um país de ingênuos.
Fernando Gabeira: Um paradoxo tropical
Voltamos às origens. E o Brasil parecia ter avançado para uma nova etapa...
Onde está todo mundo?
Com essa pergunta o famoso físico nuclear Enrico Fermi enunciava seu paradoxo. Com os dados da idade da Terra e a dimensão da galáxia, ele concluiu que civilizações extraterrenas já nos teriam visitado.
Onde está todo mundo? No paradoxo tropical os dados indicam que haveria uma grande reação à medida do ministro Toffoli proibindo que o Coaf troque dados com órgãos de investigação sem consulta judicial. Afinal, a luta contra a corrupção foi um dos temas fortes na campanha eleitoral. Os 57 milhões de eleitores de Bolsonaro devem ter acreditado nisso. O homem central da Lava Jato, Sergio Moro, especialista em lavagem de dinheiro, foi integrado ao governo.
Mas as camisas amarelas e bandeiras do Brasil sumiram das manhãs de domingo. Uma possível resposta ao paradoxo de Fermi é o fato de que civilizações mais antigas podem ter existido e desaparecido. Uma das possíveis respostas ao paradoxo tropical é o enlace do movimento anticorrupção com o governo.
A decisão de Toffoli representa uma retrocesso de mais de uma década, rompe com acordos internacionais do Brasil e nos transforma de novo num paraíso para os fora da lei. Mas ela foi provocada por um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, que estava sendo investigado com dados do Coaf. O pai, Jair, concordou com a medida.
O ministro Sergio Moro expulsou três paraguaios que se refugiavam no Brasil e disse que o País não será mais um abrigo para bandidos. Porém não comentou a medida de Toffoli que desfaz grande parte de um trabalho contra a corrupção. Ele abre caminho para recursos do PCC e outras quadrilhas, dificulta trabalhos importantes, como o de um laboratório de tecnologia de seu ministério que trabalhava especificamente com a lavagem de dinheiro.
Embora esteja longe de Brasília, posso imaginar mais um fator que explica o paradoxo tropical. Toffoli estava incomodado com as notícias de que o escritório de advocacia de sua mulher foi investigado pelas autoridades financeiras. Antes dele, Gilmar Mendes também protestou contra as investigações sobre as finanças de sua mulher. Havia no Supremo uma disposição para deter o mecanismo de troca de informações, hoje bastante corriqueiro no mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, enviam inúmeras pistas para outros países sobre suspeitas de financiamento do terrorismo. Mas em Brasília, quando se vai tomar uma medida desgastante, a primeira preocupação, se possível, é dividir a responsabilidade.
O pedido de Flávio Bolsonaro era o caminho ideal. Bolsonaristas deixariam suas camisas amarelas na gaveta. O Supremo estava protegido, não haveria grandes reações.
O pressuposto desse trabalho de troca de informações financeiras é o sigilo. Houve vazamento no caso das esposas de Gilmar e Toffoli. Isso também explica parcialmente o paradoxo. O mecanismo foi apresentado como ameaça aos direitos do indivíduo, ao sigilo bancário.
No tempo dos degredados já havia uma certa visão negativa do Brasil. Ela se consolidou mais tarde nos filmes americanos em que o Brasil era uma espécie de Shangri-lá dos bandidos. Ronald Biggs, que participou do grande assalto ao trem pagador na Inglaterra, certamente veio para cá movido por essas fantasias.
Assim como a expectativa científica era de civilizações exteriores, no paradoxo tropical, onde todo mundo sumiu, é a própria pressão externa que pode resolvê-lo. As empresas hoje são regidas por certas normas de conduta, os países também são julgados assim quando rompem acordos internacionais no campo do combate à lavagem de dinheiro.
Perdem credibilidade.
Prevemos um futuro de intenso intercâmbio com o mundo, apesar dos lamentos antiglobalistas. O acordo com a União Europeia já foi acionado, aproxima-se outro com o Canadá. Sem contar o próspero Oriente.
Todavia, exceto a Rede, que recorreu contra a decisão de Toffoli, a oposição não se mexeu. Para a esquerda tradicional, a luta contra a corrupção era apenas uma nota no pé de página. E, quando se agigantou, tornou-se ameaça ao Estado de Direito, instrumento para derrotar as forças populares.
Navegando nesse paradoxo, o que se vê é um desmonte do aparato investigativo, uma volta, pelo menos nesse aspecto, a um passado de impunidade. E um nó dado no movimento contra a corrupção que se identificou com o bolsonarismo e agora é obrigado a fazer o jogo político tradicional.
Isso não significa que desapareceu a luta contra a corrupção. Ela apenas recuou para o partidarismo, o velho jogo de apontar corrupção nos adversários e calar sobre as suspeitas que recaem sobre si próprio.
Esse jogo leva necessariamente a uma convergência para neutralizar mecanismos sentidos como ameaçadores. Na experiência internacional, a expressão “siga o dinheiro” passou a ser um norte para as investigações. A medida de Toffoli diz o contrário: esqueçam o dinheiro porque não há autorização judicial para segui-lo.
Mas, se essas pistas forem desprezadas, como alcançar as grandes organizações criminosas, cada vez mais hábeis em camuflar suas atividades?
No escândalo da Petrobrás descobriu-se que a Odebrecht tinha um departamento de propinas, contas e até banco no exterior. Os criminosos comuns carecem dessa sofisticação, mas não faltam mercenários para assessorá-los.
Quando Dias Toffoli e Alexandre de Moraes tentaram censurar a revista Crusoé houve reação rápida e eficaz. Recuaram. Mas recuar agora é difícil porque os fios se ligaram lá em cima, governo e Toffoli pensam da mesma maneira, beneficiam-se da mesma medida.
Sumiram os cartazes, faixas caminhões de som e nessa nebulosa tropical somem também as grandes e suspeitas transações financeiras. Voltamos às origens. E o Brasil parecia ter avançado para uma nova etapa.
Onde está todo mundo?
*Jornalista
Fernando Gabeira: Um pouco além das bananas
Trabalhei na infância em fábrica de meias e loja de tecidos. Rigidez dos horários e tarefas mecânicas me entristeciam
Bolsonaro andou falando sobre trabalho infantil. De um modo geral, não costumo comentar todas as frases do presidente. Fazia o mesmo com Lula. Líderes populares falam muito e em lugares diferentes. Às vezes, precisam de um habeas língua; se não, nos obrigam a parecer rigorosos fiscais do politicamente correto.
Acontece que este artigo é resultado de algumas coincidências. Bolsonaro carregava banana nas plantações de Eldorado, no Vale do Ribeira. Eu, quando menino, vendia bananas num balaio. Hoje, também por coincidência, passei o dia documentando a rotina dos bananais. Nada a ver com Bolsonaro, apenas aspecto do meu aprendizado no Vale do Ribeira, nessas três semanas em que me dediquei a viajar pela região.
Vender bananas no balaio foi o trabalho mais fácil que tive. Era independente, podia sempre deixar o balaio num canto e, com um pedaço de cipó, montar um cavalo manso a pelo, colher goiabas ou mesmo tomar um refresco de groselha no armazém de um italiano chamado Seu Menta.
Mas trabalhei ainda na infância numa fábrica de meias e numa loja de tecidos. A rigidez dos horários, as tarefas mecânicas, tudo isso me entristecia como menino. Na verdade, gostava de brincar e satisfazer minha curiosidade sobre coisas que não estavam ali, naquele trabalho.
Isso foi o suficiente para que jamais pensasse em repetir com os filhos aquela experiência de 70 anos atrás. E a passagem dos anos confirmou em teses e até políticas internacionais a importância do brinquedo e do estudo na vida das crianças.
Interessante na passagem do tempo foi a evolução do próprio processo produtivo, não somente valorizando o conhecimento, mas também um elemento essencial no brinquedo: a criatividade.
Aliás, foi isso que ponderei com Bolsonaro quando ele enfatizava a disciplina das escolas militares. Estimular a inovação prepara melhor para sobreviver no mundo de hoje. Por isso, sempre gosto de lembrar a música de Santana: “Let the children play”.
Na verdade, as coincidências me fizeram lembrar do trabalho infantil. O próprio Bolsonaro afirmou que não pretendia transformar esse tema em projeto, nem levá-lo ao Congresso. O trabalho infantil não consta oficialmente de sua “retropia”.
Voltando às bananas, tal como as vi num dia de trabalho adulto, creio que entendi melhor essa resistência visceral diante de nossas políticas ambientais.
As plantações de banana estão numa região que detém 60% da Mata Atlântica, grande riqueza hídrica. A região é coberta por um conjunto de parques estaduais, reservas privadas como a da Votorantim, já desenvolvendo negócios a partir da floresta em pé: produção de mudas, pesquisa biotecnológica.
Os plantadores de banana questionam as restrições ambientais. A contrapartida que uma visão sustentável poderia representar não existe ainda: estradas, conexão fácil. Ainda acreditam, como talvez no tempo de Bolsonaro, que o grande entrave ao negócio é essa condição de área preservada.
Alguns quilombos — há cerca de 70 no Vale — acharam um nicho plantando banana orgânica. Talvez não seja essa a alternativa para as grandes plantações.
Mas o interessante é que planejam fazer uma campanha de marketing em torno da banana. Quem sabe, um dia, exportar.
Se o caminho for esse, certamente haverá compromissos e conciliações. Foi o que aconteceu com Bolsonaro ao assinar o acordo do Mercosul com a União Europeia.
Viajar pela Régis Bittencourt sempre nos lembra como o Vale do Ribeira é um caminho e parte de dois estados poderosos: São Paulo e Paraná. O fato de não ter ainda dado um salto para além de suas limitações atuais não significa que isto seja impossível. Sua riqueza florestal e hídrica deve ser a alavanca desse salto. O potencial turístico ainda é pouco explorado, faltam infraestrutura, restaurantes.
Por isso, um conselho de vendedor para carregador de banana: será melhor definir o futuro em função dessa realidade de um Vale preservado e adaptar suas principais atividades a ela.
O investimento em pesquisa, estradas e conexão também pode impulsionar a banana do Vale, como se fez com o café no Sul de Minas. Bolsonaro deveria ajudar seus amigos a olhar para a frente. Mas é um entusiasta do passado.
Fernando Gabeira: Luz e contraluz
Acordo com os europeus, ao lado da reforma da Previdência, pode ser um estímulo para novos investimentos
Trouxe o livro de Steven Pinker para a estrada. Na forma papel, só é possível quando me desloco de automóvel. Tem quase 700 páginas, o que pesa muito para quem vai trabalhar com as mãos, ainda que levemente, todo o dia. “O novo iluminismo” é uma defesa da razão, ciência e progresso. Há um imenso campo de discussão sobre essas três palavras.
Recolhi até agora algo que me estimulou a pensar sobre o momento. Pinker aponta a religião como uma adversária do iluminismo. De fato, há dois momentos perigosos em atitudes religiosas. Um deles é colocar suas regras morais acima da felicidade das pessoas. Daí a dificuldade de aceitar o homossexualismo e as diversas identidades sexuais. O “New York Times” perguntou como as pessoas se definiam. As respostas foram múltiplas e variadas.
Outro momento delicado é o questionamento da ciência a partir de uma visão da fé. Pinker cita o caso do júri de um professor americano que ensinava Darwin, que ficou conhecido como o julgamento do macaco. É histórico. Eu mesmo citei o filme sobre aquele júri, “O vento será tua herança”, quando a ministra Damares questionou o espaço que se dava a Darwin.
Pinker considera também na base do contrailuminismo o que chama de uma tendência tribal que se expressa também no nacionalismo, na hostilidade às iniciativas globais. Referia-se mais aos Estados Unidos após a vitória de Trump. Mas esse traço é diferente no Brasil. Apesar da ideologia antiglobalista, o governo não só assinou como comemorou o acordo com a Comunidade Europeia. Na verdade, um passo na integração internacional.
E o avanço de um movimento muito amplo, apesar da resistência de Trump. É a marcha do capitalismo com todas as suas consequências, nem sempre positivas, sobretudo para os que vão sendo deixados para trás.
Bolsonaro precisou aceitar o discurso que muitos dos seus seguidores questionam. Isso me faz pensar em algo: como esquerda e direita são parecidas diante do capitalismo. O discurso é crítico, mas nas grandes decisões têm de seguir a corrente. É como se o capitalismo global avançasse sem travas, deixando a possibilidade de mudanças sempre para o futuro. Não há volta atrás.
Bolsonaro mantém seu discurso hostil à preocupação ambiental dos europeus. Minha suposição é que, diante desse tema também decisivo em termos globais, ele até possa seguir falando as mesmas coisas. Mas será julgado pela sua adesão prática ao Acordo de Paris.
Tem a solidariedade de Trump. Mas ambos me lembram um pouco a piada do papagaio que foi jogado para fora de um avião, junto com um passageiro que reclamava do serviço de forma inconveniente. Em plena queda entre as nuvens, o papagaio disse para o passageiro ejetado com ele:
— Até que, para quem não tem asas, você é bastante folgado.
A situação do Brasil é muito diferente da americana. Bolsonaro é muito arrojado ao afirmar que sobrevoou a Europa duas vezes e não viu florestas. Florestas existem, algumas até encantadas, como a Hallerbos, na Bélgica; a Negra, na Alemanha; a de Epping, na Inglaterra.
O problema é que a Europa, depois de 17 anos de monitoramento, constatou, ao examinar 130 mil amostras, que em suas florestas há decadência crescente das árvores. Sem contar que o alto nível de consumo de seus habitantes contribui também para a redução de muitas florestas pelo mundo.
A Europa reconhece o problema de suas florestas. No próprio relatório, a Comunidade fala de suas medidas sobre a poluição, uma das causas dessa decadência. Se a intenção for criticar a Europa, nada melhor do que se basear na sua própria autocrítica.
Esse acordo com os europeus, ao lado da reforma da Previdência, pode ser um estímulo para novos investimentos. Uma tênue promessa para o futuro. Não creio que vamos alcançá-lo dando cotoveladas.
O Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirmou que houve um aumento de 88% em áreas desmatadas na Amazônia. É um dado que compara junho de 2018 com junho de 2019.
Os métodos do Inpe são transparentes. O governo disse que neles há ideologia, manipulação.
Aqui sim é preciso falar de ciência. Por enquanto, o governo contesta os fatos apenas com sua fé. Luz e contraluz.
Fernando Gabeira: Um governo que namora com a morte
Em vários temas, nos inspiramos na Alemanha e outros países europeus aos quais Bolsonaro quer dar lições
Acabara de escrever um artigo sobre esses estranhos seis meses em que o Brasil é conduzido pela direita. Pensei em mudar de assunto, mas surgiu a notícia da prisão de um sargento da Aeronáutica em Sevilha.
Trinta e nove quilos de cocaína num avião de apoio à comitiva presidencial. Segundo os jornais, o sargento Manoel Silva Rodrigues fez várias viagens oficiais, inclusive com outros presidentes. Aparentemente, era uma prática antiga. Mas foi descoberta na viagem de Bolsonaro. Isso significa um arranhão em sua imagem internacional. É inevitável.
Internamente, a repercussão num país polarizado transforma-se logo numa troca de acusações que dificulta uma abordagem mais séria do problema. Sem dúvida, por partir também de um ministro da Educação, a frase de Abraham Weintraub foi a mais infeliz. Ele sugere que os aviões de Dilma e Lula eram mais pesados.
Além de não se basear em nenhuma evidência (portanto, uma acusação falsa), Weintraub passa uma terrível impressão ao mundo exterior. Um ministro sugere que os aviões do passado levavam mais cocaína, e o Brasil conseguiu reduzir a carga para 39 quilos. Uma ética medida em peso.
Tudo isso acontece no momento em que Bolsonaro, à frente de uma política ambiental desastrosa, afirma que o Brasil pode dar lições à Alemanha.
Nós sabemos que Bolsonaro ignora os esforços que a Alemanha faz nesse campo, seu avanço tecnológico, e jamais visitou as florestas do país. Mas e os outros, o que pensarão dessa abordagem agressiva e tosca? Num tema que obriga à cooperação, internacional, Bolsonaro quer competir.
Na conclusão do artigo em que analisava alguns pontos dos seis meses de governo, afirmei que Bolsonaro está inspirando uma oposição que envolve mais que a democracia. Uma frente pela vida.
As pesquisas já indicam como o capital político de Bolsonaro escorre pelos dedos. Ele está longe de perceber como a extrema direita é minoritária.
No momento, sua agenda espontânea já indica uma linha condutora. É um flerte com a morte: das armas ao agrotóxicos, estradas sem radares, leis mais frouxas no trânsito.
Na Espanha da Guerra Civil, os adeptos de Franco expressavam essa tendência de uma forma mais nítida: “Viva la muerte.”
É uma luta inglória, um programa sob o signo de Tânatos. Suas manifestações não se limitam à destruição das espécies. Mas também da diversidade humana.
Na Rio-92 houve dois focos: a defesa da diversidade das espécies e, num outro palco, da diversidade cultural. São interligadas.
Para completar a semana, a notícia de que, recuando de nossas posições internacionais, o Brasil deixa de reconhecer as pessoas que se sentem mulheres, apesar do órgão sexual masculino, ou homens, apesar do órgão feminino. É uma visão de mundo que despreza a felicidade humana em nome de suas rígidas regras de vida.
Nosso consolo é que Tânatos, o deus da morte, inspira apenas uma política de governo. A sociedade é cheia de vida, diversa; dentro das limitações, centenas de experiências ambientais se desenvolvem no Brasil.
De fato, temos uma grande floresta em pé, por razões históricas e econômicas. Parte da destruição de nossas matas conseguimos conter com a legislação. Isso talvez seja uma conquista.
Bolsonaro deveria se lembrar de que foi contra muitas dessas leis. Participei delas, sinto desapontá-lo: em vários temas, nos inspiramos na Alemanha e outros países europeus aos quais ele quer dar lições.
Finalmente, o caso da cocaína merece uma investigação profunda e transparente. É uma questão nacional. O que o general Heleno disse também é um espanto: foi falta de sorte a droga ter sido descoberta numa viagem para a reunião do G-20. Segundo o jornal “El País”, a mala de cocaína sequer estava escondida junto à roupa. Droga nua. Não era falta de sorte, mas de controle.
Em qualquer circunstância que uma carga dessas fosse descoberta num avião presidencial, seria um grande azar para o Brasil. Em matéria de sorte, a gente vai levando, mas a fase, francamente, é de fechar o corpo, enquanto ainda temos nossos pais e mães de santo.
Os músicos de metrô já perdemos por inspiração de um dos filhos de Bolsonaro. Gostava de ouvi-los na Praça Nossa Senhora da Paz tocando “There Will Never Be Another You”.
Fernando Gabeira: Seis meses à direita
A linha-mestra do comportamento político de Bolsonaro é flertar com a morte
Neste primeiro período de governo, Jair Bolsonaro afirmou que a cadeira do presidente era sua kryptonita, o metal que enfraquece o super-homem nas histórias em quadrinho. Mais tarde, ele disse que estavam querendo transformá-lo na rainha da Inglaterra. Ambas as afirmações convergem para sua ansiedade sobre o poder escapando entre os dedos. E remetem às primeiras discussões após sua vitória eleitoral.
Naquele momento, a esperança era de que os contrapesos democráticos contivessem Bolsonaro. Da mesma forma que se esperava, guardadas as proporções, que isso acontecesse com Trump nos Estados Unidos.
Na verdade, Bolsonaro foi contido pelo menos sete vezes pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). É verdade que muitas de suas propostas foram lançadas para mostrar ao eleitorado que cumpria as promessas de campanha. Mas foram propostas que desprezaram as necessárias negociações. Parece que Bolsonaro não se importa em perder ou conseguir pelo menos alguma eficácia. Ele quer mostrar que suas ideias morrem no Congresso ou são rejeitadas pelo Supremo.
São coisas tão elementares que qualquer assessoria jurídica desaconselharia. Por exemplo: tentar com uma nova medida provisória passar a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. Isso havia sido negado e ele reeditou a medida, algo que não pode ser feito na mesma legislatura.
Na verdade, não o estão tornando uma rainha da Inglaterra. Uma combinação de incompetência e arrogância o conduz a sucessivas derrotas.
Ultimamente, tenho observado uma linha-mestra no comportamento político de Bolsonaro. Ele flerta com a morte, como faziam, à sua maneira, os governos de extrema direita do passado. Seus projetos caminham nesta direção: liberação das armas, flexibilização das regras do trânsito, legalização de potentes agrotóxicos que devem dizimar nossos insetos e abelhas, sem falar nas consequências disso para a saúde humana.
Já escrevi sobre isso tudo, de forma isolada. Mas o conjunto da obra revela uma tendência mórbida, ainda que mascarada de um desejo de crescimento econômico rápido e sem barreiras.
O simples fato de usar a imagem da kryptonita o coloca dentro da mitologia do super-homem, algo que era muito comum na direita no limiar da Segunda Guerra.
Vi com certa apreensão que os próprios manifestantes pró Sergio Moro escolheram a imagem do super-homem para defini-lo, isso precisamente no momento em que sua condição humana estava em jogo com as revelações do The Intercept.
Pode ser que essas conexões sejam de alguém que assimilou mal a história do século 20 e está vendo fantasmas em cada esquina. No entanto, o desdobramento do projeto de Bolsonaro é preocupante, exceto pelo fato de que as salvaguardas estão em pleno funcionamento. Até o momento, nenhuma medida ilegal foi engolida pelo Congresso e pelo STF.
Tudo indica que Bolsonaro não se preocupa tanto com as derrotas porque mira a reeleição, continua em campanha, revelando aos seus eleitores como suas ideias são trituradas pelo aparato constitucional.
Atropelar o Congresso e o Supremo não parece ser a saída. Soaria como um retorno a 64, algo que os militares rejeitam: estamos num mundo diferente, a guerra fria não é o quadro geral em que nos movemos.
Bolsonaro, entretanto, não é tão saudosista como parece ser em alguns momentos. Ele sabe que surgiu uma nova extrema direita no mundo, principalmente no rastro do problema migratório. Ele conhece, por exemplo, como seu colega húngaro tenta reduzir as limitações que a democracia lhe obriga.
Em certos momentos, chegou a revelar sua admiração por Hugo Chávez, embora saibamos que é uma admiração pelo método, não pelos objetivos.
Bolsonaro, penso eu, está fadado a ter muitas dificuldades com o Congresso. Atender a todos os pedidos é fatal; rejeitá-los significa o isolamento.
Seu propósito inicial de superar o toma lá dá cá, de contornar os vícios do presidencialismo de coalizão, é interessante. Todos os candidatos que se pretendem inovadores batem nessa tecla. No meu entender, é uma visão limitada de quem também sonhava em acabar com isso, mas há um caminho estreito cujo êxito não é assegurado. Este caminho está apoiado em duas variáveis: um projeto de governo claro e conhecimento das regiões do Brasil e de suas bancadas.
Ao tornar o Congresso um parceiro na realização do programa, é possível reduzir o medo do parlamentar de perder a eleição.
Conhecer o Brasil não é difícil para um militar, apesar de Bolsonaro ter deixado a farda e o rodízio pelo País há muito tempo. O mais importante é conhecer os problemas regionais, sobretudo aqueles dos quais os parlamentares não podem fugir.
É muito difícil para os candidatos que se dizem inovadores obter a cooperação do Parlamento apenas com ideias novas e a esperança de apoio popular. É preciso mais. Era evidente que a reforma da Previdência seria alterada nos pontos em que o foi.
Era evidente que o decreto das armas demandava negociação. Se eleitores de Bolsonaro apoiavam a tese, parte da opinião pública era contrária.
Apesar da qualidade da nossa imprensa, ainda não houve um estudo em profundidade sobre a bancada do PSL, a base parlamentar de Bolsonaro. Dizer que são inexperientes é pouco. Todo mundo o é ao começar. Tenho dúvida se são vocacionados. Se não forem, não vão aprender nunca.
Ao longo destes meses, vi desfilar a mitologia da direita, o flerte com a morte, a ilusão do super-homem. Ainda agora, sempre os vejo juntos movendo os dedos como se apontassem uma arma. Para onde, José?
Uma frente pela democracia é sempre falada em momentos históricos complicados como este. Mas cada vez mais me convenço de que o objetivo é mais amplo: a extrema direita nos coloca diante da necessidade de uma frente pela vida, em toda a sua diversidade.
*Fernando Gabeira é jornalista
Fernando Gabeira: Os ancestrais da Lava-Jato
Vale a pena discutir a tese de Luiz Werneck Vianna, que compara operação ao tenentismo nos anos 20
Por ter sempre defendido a Operação Lava-Jato, sofri algumas críticas por não tê-la condenado agora, com o material divulgado pelo Intercept.
Na verdade, escrevi dois artigos sobre o tema. Provavelmente, não os acham adequados aos tempos de julgamento rápido e linchamento em série que a atmosfera da rede propicia. Há algumas razões para isso. Uma de ordem pessoal: o trabalho — às vezes imerso na Mata Atlântica e em outros biomas —não me permite olhar o telefone de cinco em cinco minutos.
Há também uma razão de ordem prática: o próprio Glenn Greenwald, o jornalista que apresenta as denúncias, anunciou que tem um grande material sobre o tema e que vai divulgá-lo até o fim. Dada a dimensão, vai compartilhar a análise com outras empresas de comunicação.
Portanto, Greenwald anuncia um jogo longo. Estamos apenas na primeira parada técnica. No final da partida, voltamos a conversar.
No momento, não me importo que me julguem rapidamente, pois esse é o espírito do tempo. Nem que me culpem por apoiar a Lava-Jato. De um modo geral, as pessoas que o fazem são as mesmas que culpo por omitirem os erros da esquerda, sobretudo a colossal roubalheira que tomou conta do país nos últimos anos. Portanto, jogo jogado.
No entanto, vale a pena discutir, por exemplo, a tese do cientista político Luiz Werneck Vianna, que compara o papel da Lava-Jato ao do tenentismo nos anos 20. Na época em que ele lançou essa ideia, por coincidência, eu estava lendo o livro de Pedro Doria sobre o tenentismo. Concorde-se ou não com as teses de Werneck, ele lança um tema que merece ser discutido e estudado porque nos remete a alcance histórico mais longo que a sucessão diária no Twitter.
Werneck tem uma visão crítica da Lava-Jato. Considera que o objetivo dos procuradores é mais corporativo e que se esforçam para concentrar poder e, possivelmente, benefícios.
Mas se examinamos o momento mais tenso do tenentismo, a Revolta dos 18 do Forte, veremos que também eles costumam ser classificados de corporativistas. Em tese, estariam reagindo às criticas oficiais que maculavam a honra dos militares.
O tenentismo repercute por toda a década de 20 em espasmos distintos, inclusive a Coluna Prestes. Muitos dos integrantes do movimento são nome de rua em várias cidades do país.
O tenentismo lutava contra um poder concentrado na oligarquia de Minas e São Paulo, a chamada aliança café com leite. A Lava-Jato já encontra tantos anos depois um sistema mais bem distribuído nacionalmente e atinge quase todos os partidos.
Quando a candidatura de Nilo Peçanha enfrenta a oligarquia, existe uma tentativa de conquista da opinião da classe média para as teses do que se chamava Reação Republicana.
Aqui de novo uma grande diferença. A inspiração da Lava-Jato foi a Operação Mãos Limpas, na Itália. Nela estava contida também a necessidade de convencer a opinião pública.
Os meios de hoje são mais potentes, e a própria opinião pública, mais articulada e desenvolvida. Os tenentes estavam dispostos à ação armada, ainda que em condições dramaticamente desfavoráveis.
A Lava-Jato optou pelo caminho legal. O que realizava na prática era passível de confirmação ou veto pelas instâncias superiores. Havia nela o mesmo fervor dos tenentes que esperavam com ação consertar o Brasil.
Dentro do quadro jurídico, ela sobreviveu até agora. Os julgamentos de seus atos foram públicos.
No momento, sofre um ataque especial. Dificilmente um movimento histórico dessa dimensão não se desgasta com a divulgação de conversas íntimas que se acham protegidas da divulgação.
Lendo o livro sobre o gênio político de Abraham Lincoln, a sensação é de que, se algumas conversas fossem vazadas como hoje, também seriam incômodas. Para abolir a escravatura, foi preciso um toma lá dá com parlamentares, ainda que em número pequeno.
Isso não justifica nada. Apenas reforça a tese de que um julgamento depende de dados, de um contexto e, sobretudo, de verificação de sua autenticidade.
Por que tanta pressa, se garantem que é devastador o material contra a Lava-Jato?
Fernando Gabeira: O ocaso da privacidade
Se um hacker invade telefone de autoridades, o que não pode fazer com pessoas que não se preocupam com segurança?
Na semana passada, fiz uma viagem nostálgica à Suécia. Fui apenas a São Paulo, onde conversei com o embaixador que deixava o cargo e empresários da Câmara de Comércio Sueco-Brasileira.
Lembrei-me da Suécia que deixei e me descreveram a atual. Eles passaram bem todos esses anos, sobretudo depois da crise de 2008. Há novos problemas, como o crescimento do partido da direita e diante do crescimento da presença estrangeira. Já intuía esse problema; na verdade, o menciono no primeiro parágrafo de um livro sobre o exílio.
Ajustaram a Previdência, e podem se dar ao luxo de discutir uma lei que pune o dono que abandona o cachorro sozinho depois de mais de cinco horas.
Aqui, após o caso Neymar, surgiam a invasão do telefone de Sergio Moro e o ataque geral aos procuradores da Lava-Jato. Escrevi sobre consequências políticas e jurídicas no artigo de fim de semana.
Ainda no ritmo nostálgico da conversa com os suecos, gostaria de avançar: o mundo mudou, ganhamos muito com a revolução digital mas, ao mesmo tempo, ficamos vulneráveis.
Se um hacker invade telefone de autoridades e de uma sofisticada operação policial, o que não pode fazer com pessoas que não se preocupam com segurança? As pessoas comuns que trocam mensagens familiares, dizem algumas bobagens — afinal, temos direito a uma cota de bobagem —não têm interesse público. A divulgação provocaria sorrisos ou compaixão pelas nossas dificuldades cotidianas. Mas suas intenções de consumo e outros hábitos já são monitorados com a ajuda da inteligência artificial.
A vulnerabilidade é assustadora, porque o hacker sequestra sua identidade virtual. Pode, por exemplo, escrever barbaridades como se fosse você. E num mundo de linchamento eletrônico, não há tempo para a defesa.
Não estamos verdadeiramente sós. Isso é uma perda em relação ao passado. E nos remete a outra vulnerabilidade: o que é verdadeiro ou não num tempo de fake news? A fronteira pode se apagar?
De um modo geral, existe uma tendência negativa que descarta a importância dessa questão e passa imediatamente a outra: não importa se a notícia é verdadeira ou não, e sim como aproveitá-la.
Moro e os procuradores admitem que foram hackeados. Se fossem pessoas comuns, poderiam dar de ombros. Foi um crime, não se responde à devassa da intimidade. Em outras palavras: não é da sua conta.
No entanto, com pessoas públicas, a dinâmica é diferente. É natural que elas determinem investigação rigorosa. E seria natural que houvesse no Brasil uma discussão sobre a vulnerabilidade cibernética do país.
Mas precisam também dar sua versão dos fatos. Colocar as frases soltas no contexto, descartar as fake news que surgiram na rede, enfim, realizar o debate que a invasão traz: a questão da imparcialidade.
Embora com regras diferentes, é um tema comum a juízes e jornalistas. The Intercept Brasil apresentou algumas frases que mostram a proximidade entre Moro e Dallagnol, juiz e procurador.
Juristas condenam isso. Embora aconteça muito no cotidiano do combate ao crime comum, por exemplo. Um juiz teme muito mais favorecer, pela inércia, a uma organização criminosa do que à promotoria.
Quando se trata de política, de novo, o tema ganha nova luz. The Intercept apresentou frases que realmente precisam ser discutidas. Mas a questão da imparcialidade é tão delicada que o próprio Moro e os promotores acusam o site de não os terem ouvido. Argumento contrário: eram muito poderosos e poderiam sufocar o caso.
Jornalistas resguardam o anonimato de sua fonte. The Intercept diz que a fonte foi protegida por algumas semanas. É um sinal de proximidade. Há uma diferença entre proteger a fonte e proteger apenas seu anonimato.
Nós nos movemos num mundo imperfeito, às vezes ressaltando nossas qualidades, às vezes diminuindo a do adversário. Isso ficaria claro se todos os telefones fossem invadidos.
Gilmar Mendes, por exemplo, achou um escândalo a relação de proximidade entre Moro e Dallagnol, procurador da Lava-Jato. Mas se esquece de que também foram vazadas conversas suas com Aécio e com o governador do Mato Grosso que estava para ser preso.
Viver, na era digital, é muito perigoso.
Fernando Gabeira: A cabeça pode salvar o capacete
Os desastres com moto já são campeões nas estatísticas. A saída é continuar documentando acidentes, fazendo as contas
Governo estranho este. O que Bolsonaro propõe hoje vai na direção oposta do Código de Trânsito Brasileiro, pelo menos tal como o votamos. É um governo conservador que se lixa para o princípio de precaução, o que poderia ser uma ponte para o debate. É um governo liberal pouco atento à vida das pessoas, embora queira livrá-las das garras do Estado.
Lembro-me dos debates sobre o Código de Trânsito. O relator era um deputado de São Paulo, que conhecia bem o tema. Chama-se Ary Kara e aceitou emenda para que os carros populares tivessem airbag. Fomos derrotados porque a indústria achava, na época, que isso reduziria vendas.
Bolsonaro deu uma grande mexida no setor. Propõe abolir a multa para quem não usa cadeirinha das crianças, ampliar os pontos para suspensão da carteira, afrouxar as regras para uso de capacete em moto. Isso entra em choque com a experiência cotidiana. No Norte e Nordeste, há uma abundância de motos e uma escassez de capacetes.
Numa das primeiras viagens para a TV, passei pelo interior do Maranhão e constatei como algumas UTIs estavam cheias com acidentados de moto. E nem todos os hospitais do país têm neurocirurgião.
Outro dia, no interior do Piauí, mostrei como é a saída da escola. Os pais vêm de moto e recolhem as crianças, às vezes mais de uma na garupa. Nem sempre usam capacetes. Em alguns casos, usam, mas não trazem o capacete das crianças.
Isso sem contar no Norte e Nordeste o grande número de bebês que é transportado em moto. Documento isto com frequência.
Já havia manifestado minha posição favorável aos radares. Sou sensível à possibilidade de multas injustas. Mas acho que existe um canal para contestá-las.
Bolsonaro está reduzindo multas porque acredita no caminho pedagógico. Mas é uma contradição acreditar nesse caminho e, subitamente, afrouxar as punições. A mensagem que passa, já estamos falando de pedagogia, é de que as infrações não são graves.
Compreendo que existam muitos motoristas que serão beneficiados, que Bolsonaro procura não apenas atender aos seus impulsos, mas também a muitos dos seus eleitores.
Mas é um governo meio doido. Ao mesmo tempo em que apresenta uma política de drogas repressiva, com a internação obrigatória, amplia os prazos para exames toxicológicos em motoristas profissionais.
No passado, tive a esperança de que os governos convencessem a indústria de motos a gastarem parte de seus lucros em campanhas e cursos de segurança. Isso já acontece em alguns países. Mas a vida tem se desvalorizado nos últimos tempos no Brasil, a própria política de segurança potencialmente pode produzir um número maior de mortes.
Não há outro caminho a não ser enfrentar as estradas e conviver com um perigo ainda maior. Perigo que aumenta não só no trânsito, como na mesa. Com conhecimento, e algum dinheiro, ainda é possível comer algo saudável, num país em que oito perigosos agrotóxicos são liberados.
Uma grande rede de supermercados sueca iniciou um boicote aos produtos brasileiros, precisamente por causa das decisões do governo na liberação de agrotóxicos.
Os desastres com moto já são campeões nas estatísticas. A saída é continuar documentando acidentes, fazendo as contas. Os liberais que se apoiam apenas na liberdade pessoal de assumir os riscos se esquecem de algumas relações que estabelecemos no trânsito.
Todos estamos em jogo. Desastres acontecem não só com os que têm opções imprudentes. Levam os outros também. As UTIs superlotadas deixam gente de fora, postergam cirurgias.
Conservadores de fato compreendem isso, da mesma forma, aos liberais de fato não escapam essas interconexões.
Este é um governo estranho. Eleito por 57 milhões de brasileiros, parece querer levar o Brasil para um tempo que não existe mais e que talvez nunca tenha existido, exceto na fantasia de Bolsonaro.
Às vezes, você espera um Messias e recebe um Jim Jones, aquele reverendo que levou seus seguidores ao suicídio coletivo.
Não quero dramatizar. É preciso apenas ficar de olho. Costumamos punir gestão temerária de bens. Por que não dedicar um tempo para avaliar uma gestão temerária de vida? Naquela, a vida ceifada por caminhos indiretos. Nesta, a vida apenas, sem apelação.
Fernando Gabeira: Aviso de tsunami
Bolsonaro viu Lula Livre em todos os cartazes. Parece pedir socorro ao PT. Por favor, voltem com força. Preciso de um bicho-papão
Conversando com um amigo, disse para ele que escrever um diário talvez ajude a atravessar esta fase sombria no Brasil. Diários costumam ser confusos, incompletos, mas talvez espelhem melhor o caos, sejam a única maneira de interpretá-lo. Quando houvesse necessidade de clareza, como existe aqui, bastaria organizar, editar, acrescentar um ou outro argumento, para voltar a fazer sentido.
Pensei em começar com a frase de Eduardo Bolsonaro sobre a bomba atômica. Num diário, falaria da Coreia do Norte, que era dirigida por Kim Il-sung, e agora um dos rebentos da família se dedica à produção da bomba. Ou mesmo do ministro brasileiro que defendeu a construção do artefato, vestido com um roupão numa sala de hospital.
Estava envolvido nessa questão de gênero, no caso gênero literário, quando li que Bolsonaro esperava um tsunami. Pensei: estou de bobeira na praia. Deixei tudo de lado, para esperar a gigantesca onda.
Na verdade, não é só uma onda, mas um punhado de ondas estranhas: a revelação de um pacto para levar Moro ao Supremo, a inabilidade na explicação para contingenciar gastos na educação, a frase de Bolsonaro chamando manifestantes de idiotas inúteis.
Uma tática que me parece suicida; quem sabe um dia descubra sua lógica.
Aí então veio uma onda maior: a iniciativa dos procuradores do Rio de quebrar o sigilo bancário de Flávio Bolsonaro e de seu funcionário Fabrício Queiroz, o que, certamente, vai revelar a vida financeira de ambos.
Mas as grandes interrogações que rondam a passagem de Flávio pela Alerj não se limitam ao sucesso na compra e venda de imóveis. Houve muitas fontes de renda suspeitas entre deputados do Rio. Propinas, cala-boca, rachadinhas, um longo inventário.
No entanto, o mais inquietante são os indícios de que a milícia tinha um espaço no gabinete de Flávio e que esse espaço era administrado por Queiroz. Milicianos, esposas e mães de milicianos recebiam salários e não se sabe precisamente por quê.
Uma história de corrupção envolvendo a família Bolsonaro realmente representaria uma grande onda negativa para quem se elegeu com a bandeira de luta contra a corrupção.
Mas se a investigação sobre as origens da grana demonstrar também uma associação com as milícias, aí, realmente, é melhor se afastar da praia, pois tem cara de tsunami.
De um modo geral, as ondas foram criadas pelo próprio governo. Bolsonaro viu Lula Livre em todos os cartazes. Parece pedir socorro ao próprio PT. Por favor, voltem com força. Preciso de um bicho-papão.
Milhares de pessoas foram às ruas porque consideram a educação um tema decisivo para o país. Elas pedem projetos, explicações mais sérias do que contar chocolates na TV.
Resta-me, no momento, voltar ao pensamento informal, refletir mais livremente. Por que sobem e caem os populistas? Por que, ao cair, acabam fortalecendo um outro populismo que se opõe a eles?
Até que ponto continuarão brincando de gangorra com um país desse tamanho? O medo de um leva ao outro. E assim vamos vivendo de horrores.
Por acaso, o que esteve em jogo esta semana de manifestações é uma das chances de sair dessa armadilha: priorizar a educação.
A bomba atômica que explodiu na agenda, com o discurso do filho do presidente, foi sufocada pelo rumor das ondas. Ia tratá-la com respeito, pois Eduardo Bolsonaro apresentou-a como um fator de poder do país. Mas há outros poderes mais suaves: nossa cultura, que não se expressa apenas nas artes e costumes, mas na defesa da paz em vários lugares do mundo.
É um poder mais barato e durável. Não significa desprezar a defesa necessária. Mas esse poder é em si um fator auxiliar da proteção. Quem vai atacar um país internacionalmente empenhado em garantir a paz?
Se tivéssemos uma bomba atômica, Maduro nos respeitaria como espera o jovem Bolsonaro? A resposta é não. O que faríamos com a bomba atômica?
Momentos estranhos. Mas passam. No meu caderno, anoto apenas um verso de Fernando Pessoa e o imagino transfigurado na boca de um ministro Weintraub, mestre em Contabilidade: “Come chocolates, pequena/ Come chocolates!/ Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.”
Fernando Gabeira: Os dilemas de Moro
Não foi pelas armas que a Lava Jato rendeu muitos elogios e prestígio internacional
Não posso dizer que o ministro Sergio Moro me surpreenda, porque não o conheço bem. Nem posso avaliar o êxito de sua escolha, pois o governo apenas começa, apesar de tantos episódios cheios de som e fúria, significando nada.
Nos últimos meses, o Brasil vem reduzindo o número de assassinatos. A queda foi de 12,5% em 2018. Leio que em fevereiro a queda dos assassinatos no Ceará foi de 58%. Já analisei a situação do Ceará em artigos anteriores. Parte da derrocada do crime se deve à suicida ofensiva militar das facções. Derrotadas, tiveram de unir objetivos e parou a matança mútua.
Mas houve trabalho também por trás dessa redução. Do governo petista e de Moro. Um dos fatores foi a apreensão rápida dos carros roubados, graças às câmeras que identificam as placas e acionam o alarme. Carros roubados são fundamentais em ações criminosas.
Era o momento de dizer: o índice de assassinatos está caindo, é possível reduzi-los, vamos discutir o que aconteceu e traçar os rumos do próximo avanço.
Moro parece-me indiferente a esses dados. É provável que, no caso do Ceará, exista um pequeno incômodo: o sucesso parcial se deve a um trabalho conjunto com o governo petista. Reconhecer as vantagens de uma ação republicana não repercute bem nas hostes radicais governistas. Mas, no meu entender, existe outro fator que condena o pequeno sucesso ao anonimato. Ele se deve também à tecnologia. Assim como em Guararema (SP), são as câmeras que fazem o trabalho – um trabalho decisivo.
Num governo preocupado com espingardas e trabucos, a grande expectativa é a posse de armas para todos. O sucesso não interessa porque ele é resultado do avanço tecnológico, não comprova a ideologia oficial que vê nas armas a única salvação.
Moro assistiu meio constrangido à assinatura de um decreto claramente ilegal para a liberação das armas. É uma espécie de estatuto próprio de Bolsonaro, atropelando o Congresso e a lei.
De que adianta ser ministro da Justiça e concordar com esse amadorismo bélico? De certa forma, Moro lembra a obra mestra da literatura alemã: Fausto, de Goethe.
Bolsonaro sabe que Moro engole sapos no governo e tende a ser derrotado no Congresso. E relembra a compensação para tantos transtornos: um lugar no Supremo Tribunal Federal.
Com todo o respeito pelo Supremo e pelos juízes que querem chegar lá como ápice de suas carreira, isso é um enredo modesto e provinciano diante das oportunidades que se abrem de construir uma eficaz política de segurança pública no Brasil. As afirmações de Bolsonaro sobre o compromisso de levar Moro ao Supremo, entre outras coisas, apenas reduzem a dimensão do que parecia ser até para ele um tema de grande importância.
Isso sem contar o absurdo de indicar um ministro para o Supremo com mais de um ano de antecedência, abstraindo as condições da Corte e os potenciais candidatos, algo que só pode ser levado em conta no momento da escolha.
Moro tem um pacote anticrime e se empenha em aprová-lo, o que acho improvável em curto prazo e na integridade do texto. Mas isso não esgota o trabalho. Há muita coisa a fazer no campo da segurança pública e nem tudo está contido no pacote.
Uma das coisas mais lamentáveis nos políticos é ocuparem um cargo pensando em outro. Alguns são derrotados por causa disso. Outros escapam pela tangente, como é o caso do governador de São Paulo.
Essa história do Supremo acabou colocando Moro no mesmo patamar das pessoas que estão fazendo de seus postos apenas uma espécie de alavanca para o que consideram um salto maior.
E nem sempre consideram com precisão. De fato, seria uma bela carreira começar como juiz no interior do Paraná, conduzir importantes processos e conquistar ainda jovem uma cadeira no Supremo. Mas isso é um capítulo do livro “pessoas que deram certo”, que realizaram seus sonhos.
Muitos podem achar que a soma de pessoas que deram certo faz um país vitorioso. Mas é um engano. É preciso um trabalho específico de recuperação do Brasil, que independe de promoções, promessas compensatórias.
Uma política de segurança pública é algo essencial. No entanto, apesar de eleito com essa bandeira, Bolsonaro confia apenas nas armas e aponta os dedos como se estivesse atirando. Ao seu lado, numa foto meio patética, políticos e aspones apontam o dedo também como se estivessem atirando.
A base deixada por Temer e implementada por Jungmann precisa ser desenvolvida. Visitei no Ceará um centro de informações que será vital para o Nordeste. Agora foi inaugurado de vez. Inteligência e tecnologia, aos poucos, vão transformando o caos na segurança pública em algo administrável.
Movidos por sua ideologia bélica, os dirigentes atuais seguem apontando os dedos como se atirassem. Não há provas da eficácia dessa visão. É um pouco como as cerimônias religiosas dos antigos para garantir a chuva e fertilidade.
É preciso problematizar a solução pelas armas e Moro até agora não se dispôs a fazê-lo. Não foi pelas armas que a Lava Jato rendeu muitos elogios e prestígio internacional.
Apoiei a operação por considerá-la a única capaz de desatar o nó da impunidade no Brasil, unindo instituições, estabelecendo a cooperação internacional, usando da melhor forma os recursos tecnológicos. Se alguém me dissesse que o sonho de Moro era fazer tudo isso para ganhar uma cadeira no Supremo Tribunal, perguntaria: mas só isso?
Moro decidiu entrar no governo para completar seu trabalho, uma vez que a Lava Jato dependia de novas leis. Agora, corre o risco de retrocesso e tudo o que lhe prometem é uma compensação, um cargo de ministro, uma capa preta, lagosta com manteiga queimada, vinhos quatro vezes premiados e espaço na TV para falas intermináveis. Mesmo o Doutor Fausto queria mais.
*Jornalista
Fernando Gabeira: O poder briga com a sombra
Não importa o que aconteça com Mourão, um governo tão estreito como o de Bolsonaro certamente terá novas tensões internas
O governo deu um passo na reforma da Previdência, mas continua no clima de barraco eletrônico, com grupos internos se atacando.
Não entro em detalhes, nem me interesso por personagens. Persigo um quadro um pouco maior.
Nele, a primeira ideia que surge dessas incessantes brigas é a ausência da oposição, ocupando ampla e seriamente o seu espaço. Na falta dela, o governo não tem com quem brigar e resolve brigar consigo próprio.
A cena agora revela mais abertamente uma tensão entre presidente e vice. É uma dupla singular para quem observa o recente período democrático. Na última viagem a Brasília, o fotógrafo Orlando Brito me mostrou a imagem da posse de Fernando Henrique Cardoso. No carro aberto, o vice Marco Maciel levantava a mão, de olho na altura da mão de Fernando Henrique. Ele não queria que acidentalmente seu braço estivesse mais elevado.
Marco Maciel era rigoroso na interpretação do papel do vice. Entre Temer e Dilma, houve um período em que a relação esquentou, terminando com aquela carta em tom de bolero: você não se importa comigo, sou apenas um vice decorativo.
Era, na verdade, uma carta de despedida. Temer já se preparava para substituir Dilma.
No caso Bolsonaro-Mourão, teoricamente tinham tudo para se complementar. Poderiam ter até combinado uma divisão de trabalho: Bolsonaro falaria para seus adeptos; Mourão faria a ponte com os setores que, por pura rejeição ao PT, votaram sem concordar com tudo.
Mas a política não se faz apenas com teorias. Ela é mediada por nossas paixões humanas. Sem combinar suas posições, agindo desorganizadamente, acabaram caindo na armadilha de sempre: até que ponto o vice pode ser protagonista?
No princípio da campanha, Mourão parecia tão ou mais conservador que Bolsonaro. Com o tempo, foi abrandando seu discurso, voltado para o mercado financeiro, a imprensa, a diplomacia.
Até que ponto Mourão quis apenas manter a amplitude da frente que elegeu Bolsonaro, até que ponto seu protagonismo é a maneira de se diferenciar dele, mostrar-se como uma alternativa?
Isso dá margem para tantas nuances interpretativas que prefiro avançar um pouco na tese inicial. Não importa o que aconteça com Mourão, um governo tão estreito como o de Bolsonaro certamente terá novas tensões internas, sobretudo pela ausência de uma forte oposição. Um efeito colateral dos confrontos entre alas do governo é o tiroteio contra as Forças Armadas. O que se diz sobre os militares em posts e lives da direita, não se dizia nem nos panfletos da extrema esquerda no tempo da Guerra Fria.
Não me importo com textos que tentam interpretar o golpe de 64 como algo realizado pelos civis, muito menos com a afirmação de que os militares destruíram os políticos de direita.
O mundo da internet é recheado de interpretações, eletrizado por teorias conspiratórias. Por que perder tempo em desfazê-las?
As coisas mudam de figura quando os ataques às Forcas Armadas são postados na conta do próprio presidente da República.
É algo tão grave, em termos políticos, como a postagem do golden shower. Não creio que Bolsonaro compartilhe realmente da tese de que as Forcas Armadas no Brasil são uma nulidade. Todo os que viajam pelo Brasil podem testemunhar a ação positiva do Exército. Se quiser reduzir o aprendizado a duas situações, basta ir à fronteira com a Venezuela, ou mesmo às cidades mais secas do Nordeste, onde o Exército organiza o abastecimento de água.
Quem gosta de ler também pode ter acesso às obras que militares têm publicado. Outro dia, resenhei o livro do coronel Alessandro Visacro sobre “A guerra na era da informação”. Acabo de receber o livro “Direito internacional humanitário”, do coronel Carlos Frederico Cinelli. Um estudo sobre a ética em conflitos armados.
As Forcas Armadas não divagam sobre filosofia ou política, mas cuidam de temas ligados à sua atividade principal.
Quem escolheu um general como vice foi o próprio Bolsonaro. Tem de arcar com sua escolha. Se quiser trocar de vice, que o faça em 2022, se for candidato.
A comparação das fotos de posse de Fernando Henrique e Bolsonaro é sintomática. No carro de FH, Marco Maciel obcecado em ser discreto; no carro de Bolsonaro, a ausência. Em seu lugar, Carlos Bolsonaro, protegendo o pai.
O protagonismo de Mourão foi suprimido no ritual. Naquele momento, o drama, como dizia o poeta Drummond, já se precipitava sem máscaras. Era só olhar.