Bolsonaro eleva pressão sobre TSE com clima de campanha e Lollapalooza

Marcelo Rocha / Folha de S. Paulo

presidente Jair Bolsonaro (PL) participou de evento partidário em clima de comício antecipado neste domingo (27), apesar das orientações da equipe jurídica diante dos riscos de se enquadrar em crime eleitoral.

Com ataques ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro discursou como candidato, um dia após anunciar que esse encontro do PL seria como um lançamento de sua pré-candidatura à reeleição.

A conduta do presidente elevou a pressão sobre integrantes do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) diante das restrições legais, no mesmo fim de semana em que seu partido questionou suposta propaganda eleitoral irregular em benefício de Lula no festival do Lollapalooza.

ministro Raul Araújo, do TSE, concedeu liminar classificando como propaganda eleitoral as manifestações políticas de Pabllo Vittar e da cantora galesa Marina e determinou multa de R$ 50 mil para a organização do evento se houver outras. Advogados do PT, por sua vez, recorreram ao tribunal contra a decisão.

A legislação eleitoral só permite campanha a partir de 16 de agosto. Comícios não são autorizados até lá. Eventos públicos de lançamento de pré-candidatura, situação não prevista na lei e semelhante ao de Bolsonaro neste domingo, também são vetados.

Especialistas ouvidos pela Folha, incluindo um ex-ministro do TSE que pediu anonimato, identificaram no evento deste domingo com Bolsonaro elementos de campanha antecipada.

Para eles, apresentar-se como candidato, fazer menções ao pleito e a seu principal adversário e pedir apoio da plateia são elementos que, fora do cronograma eleitoral, configuram a campanha extemporânea.

O evento pode motivar apuração por abuso de poder econômico, procedimento que, embora improvável na prática, em tese poderia ser capaz de inviabilizar uma candidatura e ser avaliado em conjunto com outros atos de Bolsonaro típicos de campanha ao longo dos últimos meses, como as motociatas.

No encontro deste domingo, Bolsonaro disse que a eleição de outubro não é luta da esquerda contra a direita, mas "do bem contra o mal", em referência a Lula, à frente nas pesquisas de intenção de voto.

"O nosso inimigo não é externo, é interno. Não é luta da esquerda contra a direita, é do bem contra o mal. E nós vamos vencer essa luta, porque estarei sempre na frente de vocês", disse.

O chefe do Executivo fez um discurso com roupagem de candidato à reeleição, ainda que isso não tenha sido mencionado.

"Se é para defender a democracia, a liberdade, eu tomarei a decisão contra quem quer que seja. E a certeza do sucesso é que eu tenho o exército ao meu lado. Este exército é composto de cada um de vocês", disse.

Em outro momento, Bolsonaro afirmou que, às vezes, "embrulha o estômago ter que jogar dentro das quatro linhas [da Constituição]", mas que o faz.

"Por vezes, me embrulha o estômago ter que jogar dentro das quatro linhas [da Constituição], mas eu joguei e não foi da boca para fora. E aqueles que estão do meu lado, todos, em especial os 23 ministros, eu digo isso, vocês têm a obrigação de, juntamente comigo, fazer com que quem esteja fora das quatro linhas seja obrigado a voltar para dentro."

Esta não é a primeira vez que ele fala sobre quem atua fora da Constituição. Costuma usar a expressão como referência velada a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Realizado em Brasília no Centro de Convenções Internacional do Brasil, que se apresenta como o maior centro de convenções da América Latina, o evento do PL contou com a presença de parlamentares, ministros e apoiadores do presidente.

Em meio à crise que envolve a atuação de pastores na liberação de verbas do MEC (Ministério da Educação), Bolsonaro não fez menções diretas ao ministro Milton Ribeiro, alvo de investigação, mas afirmou que "buscam qualquer gota d'água para transformar num tsunami".

"Todos nós somos humanos. Podemos errar. Quem nunca errou que está na plataforma neste momento?", disse no palanque.

No fundo do palco havia uma foto do presidente entre apoiadores com os dizeres: "Capitão do povo". O slogan "É com ele que eu vou" também foi explorado no ato.

Se há quatro anos Bolsonaro fez campanha com menos recursos, o evento deste domingo serviu para mostrar que, em 2022, ele contará com outra realidade. O ato desta manhã foi organizado e teve estrutura diferente do passado.

A expectativa dos apoiadores era a de que chegasse a 5.000 convidados, mas o salão tinha alguns locais esvaziados. O apresentador era Cuiabano Lima, locutor de rodeio e simpatizante do mandatário.

Como a Folha mostrou, a campanha do chefe de Bolsonaro chegou a mudar o anúncio do evento, que inicialmente seria o lançamento da pré-candidatura, após o sinal vermelho da equipe jurídica.

Os organizadores alteraram o material de divulgação e passaram a chamar o evento de "Movimento Filia Brasil".

Mesmo assim, Bolsonaro disse no sábado (26) o evento seria "o lançamento da pré-candidatura", indicando o clima de campanha adotado neste domingo.

Para ex-ministro Carlos Velloso, que presidiu o TSE, a propaganda eleitoral sempre foi tema de muita polêmica na corte. "Numa interpretação pessoal, eu acho que a lei é muito rigorosa, mas fugir da lei é pior. Fora da lei não há salvação", disse.

Velloso afirmou que o tribunal deve se manifestar, por exemplo, sobre o Lollapalooza, caso que já está judicializado no TSE. "Para que venha a ser usado [como parâmetro] daqui por diante. Por ora, temos uma decisão monocrática", afirmou.

Também ex-ministro do tribunal, o advogado Joelson Dias disse que as leis e a jurisprudência do TSE caminham rumo a uma maior liberdade, mas ele entende que a corte eleitoral —e também o STF (Supremo Tribunal Federal) — deve avançar na "sintonia fina" do tema.

Sem comentar casos concretos por não conhecer todos os detalhes envolvidos em cada um, Dias afirmou que as restrições aos "players políticos" nesse período pré-eleitoral serão sempre maiores, até por envolver recursos públicos, como o dinheiro do fundo partidário.

Neste domingo, quando Bolsonaro discursou, o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) estava ao seu lado. O militar e bolsonarista de primeira hora foi amplamente utilizado na campanha de 2018.

"Eu sou chefe da segurança institucional, a segurança institucional que já foi ofendida, já foi jogada pela janela várias vezes. Estou quieto. Vamos aguardar o fim deste filme, que eu tenho certeza que, graças a vocês, será glorioso", disse Heleno.

Pesquisa Datafolha divulgada nesta semana mostrou que Bolsonaro recuperou fôlego na corrida pelo Planalto, mas continua atrás de Lula. Segundo o levantamento, o mandatário tem 26% de intenções de voto, contra 43% do petista.

"Vocês já ouviram no passado, ouvem ainda, dizer que uma mentira repetida mil vezes transforma-se numa verdade. Vou dizer para vocês agora, uma pesquisa mentirosa publicada mil vezes não fará um presidente da República", afirmou Bolsonaro.

Todos os discursos tiveram como tônica a crítica mais ou menos velada aos governos petistas. Em gesto aos jovens, preocupação das campanhas neste ano, Bolsonaro pediu que suas famílias contassem como era a vida delas antes.

"Não podemos esquecer o nosso passado, porque aquele que esquece seu passado está condenado a não ter futuro. Os mais jovens podem não conhecê-lo, os seus pais e avós têm a obrigação de mostrar para eles para onde o Brasil estava indo, bem como vivem os jovens em outros países, como por exemplo a Venezuela."

Como costuma fazer em outros discursos, Bolsonaro começou a contar sua trajetória desde 2014. Ao falar daquele ano, disse que o país elegeu uma pessoa "que não tinha qualquer carisma, que a gente não consegue entender como teve dentro do TSE tanto voto".

Ele se referia à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que sofreu um processo de impeachment em 2016. O PSDB, que perdeu no segundo turno para ela, pediu auditoria das urnas eletrônicas, questionando a vitória da petista.

O resultado da auditoria tucana saiu em 2015, concluindo que não houve fraude no processo.

Bolsonaro relembrou ainda o que declarou durante a votação na Câmara para destituir Dilma. Na ocasião, ele, então deputado, exaltou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais símbolos da repressão durante a ditadura militar, chamando-o de um "velho amigo" que "lutou pela democracia".

O presidente também reformulou a frase que será tema de sua campanha: em vez do versículo bíblico "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará", repetido por ele desde 2018, Bolsonaro adotou o "nada temais, nem mesmo a morte, a não ser a morte eterna".

No começo de sua fala, o presidente passou o microfone para a ministra Tereza Cristina (Agricultura) e para a primeira-dama, Michelle. Esta última, como a Folha mostrou, deve aparecer mais durante a campanha neste ano, após aliados do presidente identificarem que ela pode ajudar a reverter a rejeição dele entre as mulheres. ​

A primeira-dama, que não costuma discursar, falou rapidamente. "Sei que, assim como Ele [Deus] foi fiel em 2019, será em 2022."

Cotado a vice na chapa do presidente, o ministro da Defesa, Braga Netto, não participou do evento.

Filiaram-se à legenda neste domingo os ministros Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e João Roma (Cidadania), além do senador Eduardo Gomes (TO).

Antes de o presidente discursar, falaram os ministros Roma, Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Tereza Cristina (Agricultura). Respectivamente, eles devem se candidatar aos governos da Bahia, de São Paulo e ao Senado pelo Mato Grosso do Sul.

Os três fizeram falas em contraponto aos governos petistas. Tarcísio disse que Bolsonaro está construindo um caminho "sem corrupção" e "que levou água para o nordeste, libertou as pessoas do carro-pipa".


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Roma, por sua vez, mencionou programas de distribuição de renda e disse que o governo Bolsonaro não usurpa direitos e liberdades.

Ministros também estiveram no evento do PL, como Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo), Onyx (Trabalho), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Fábio Faria (Comunicações), Anderson Torres (Justiça), Gilson Machado (Turismo), Marcelo Queiroga (Saúde) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, envolvido em um escândalo sobre a atuação de pastores na liberação de verbas da pasta, não esteve no evento. Um inquérito da Procuradoria-Geral da República apura suspeitas de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/bolsonaro-eleva-pressao-sobre-tse-com-clima-de-campanha-e-lollapalooza.shtml


Centrão quer mais espaço no governo Bolsonaro e já mira MEC e Petrobras

Daniel Gullino, Dimitrius Dantas, Paula Ferreira e Renata Mariz / O Globo

BRASÍLIA — Depois de ocupar um espaço inédito no governo, incluindo o núcleo duro do Palácio do Planalto, com a Casa Civil e a Secretaria de Governo, o Centrão volta seus olhos para o Ministério da Educação (MEC), um dos maiores orçamentos da Esplanada e considerado uma máquina de votos por sua capacidade de investimento nos rincões do país. As suspeitas de cobrança de propina na pasta são vistas pelo grupo conhecido pelo pragmatismo político-eleitoral como oportunidade de emplacar um substituto no lugar do ministro Milton Ribeiro, que balança no cargo.

Desconectados da política? Para jovens, candidatos não se empenham na conquista de seus votos

O bloco de parlamentares que há anos dá as cartas no Congresso tenta avançar ainda no Ministério da Ciência e Tecnologia, que deve ficar vago com a saída do ministro Marcos Pontes para disputar as eleições. A pasta interessa ao PP, partido do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. A cobiça também envolve a Petrobras, cujo presidente, o general da reserva Joaquim Silva e Luna, é alvo de insatisfações no Palácio do Planalto e no Congresso após reajustar o preço do combustível. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos líderes do Centrão, é um dos principais críticos da política atual da empresa, que deixou de abrigar indicados da base aliada do governo desde o início da Operação Lava-Jato, em 2014.

No último dia 10, Lira postou em seu perfil no Twitter: “Me causou espanto a insensibilidade da Petrobras com os brasileiros — os verdadeiros donos da companhia. O aumento de hoje foi um tapa na cara de um país que luta para voltar a crescer.”

Desde quando assumiu o cargo, Silva e Luna já precisou ir à Câmara duas vezes para explicar aumentos nos combustíveis e uma no Senado. Agora, terá que voltar ao Congresso para justificar a mais recente alta dos preços. Ainda não há data para a nova audiência.

Centrão quer mais espaço no governo Bolsonaro e já mira MEC e Petrobras Foto: Editoria de Arte
Centrão quer mais espaço no governo Bolsonaro e já mira MEC e Petrobras Foto: Editoria de Arte

Lira e Nogueira também já mostraram que gostariam de ter alguém mais político em cargos de comando da estatal, quando chancelaram o nome de Rodolfo Landim — uma escolha do presidente Jair Bolsonaro — para comandar o Conselho de Administração da Petrobras. Segundo a colunista Malu Gaspar, os caciques do PP consideram que o executivo pode abrir um “canal de interlocução livre de dogmas” com a direção da empresa.

Leia: Clãs de políticos tradicionais se preparam para tentar retornar ao poder nas eleições de outubro

Apesar de ter participado de todos os governos desde a redemocratização, o Centrão nunca teve tanto espaço como agora. Além da Casa Civil (Ciro Nogueira) e da Secretaria de Governo (Flávia Arruda), os três principais partidos que dão sustentação política ao governo do presidente Jair Bolsonaro — PP, Republicanos e PL — mantém o controle dos ministérios da Cidadania (João Roma) e Comunicações (Fábio Faria). As três legendas acumulam ainda dezenas de cargos-chave de segundo e terceiro escalões da administração pública federal.

É o Ministério da Educação, contudo, a “galinha dos ovos de ouro”. Com orçamento de R$ 159,58 bilhões em 2022 — o quinto maior da Esplanada —, a pasta atrai o interesse de políticos pela capilaridade com que esse dinheiro pode ser ser empregado em seus redutos eleitorais. Cabe ao MEC, por exemplo, decidir quais cidades vão receber recursos para construir escolas, creches, além da gestão do ensino superior do país, ativos políticos estratégicos para angariar votos neste ano.

Embora boa parte das despesas do ministério seja engessada — como pagamentos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e alimentação escolar, entre outras —, há um montante relevante para ser repassado aos municípios por critérios políticos. É o caso do Programa de Ações Articuladas (PAR). que prevê assistências técnica e financeira aos municípios para comprar material didático, realização de obras, aquisição de veículos, realização de formação de professores e de eventos.

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De 2018 a 2021, o MEC distribuiu por meio do PAR verbas para 3.772 cidades, ou seja, quase 70% dos municípios brasileiros. Ao longo desses anos foram cerca de R$ 4 bilhões destinados a estados e municípios com o dinheiro usado como trunfo pelos pastores que nesta semana passaram a ser investigados pela Polícia Federal.

Segundo prefeitos ouvidos pelo GLOBO, pastores com trânsito livre na pasta vendiam facilidades para liberar esses recursos para municípios em troca de propinas que poderiam ser pagas até por meio de aquisição de bíblias.

Além do cofre cheio, a pasta é a segunda em número de servidores, com mais de 373 mil funcionários, perdendo apenas para o Ministério da Defesa, e tem a maior folha de pagamento de toda a Esplanada. De olho no comando do ministério, o Centrão já administra o principal órgão da pasta, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável por executar boa parte do orçamento do órgão: R$ 64,78 bilhões.

O presidente do fundo é Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, do PP, um dos cotados para assumir a pasta em caso de demissão de Milton Ribeiro. Já o diretor de Ações Educacionais é Garigham Amarante Pinto, próximo de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro.

Poder pulverizado

Pesquisador da área educacional da Fundação Getulio Vargas, João Marcelo Borges aponta que as cifras que dependem da caneta do ministro da Educação representam “muito poder” na ponta quando são pulverizadas em forma de inauguração de quadra de esporte, lançamento da pedra fundamental de uma creche ou abertura de um laboratório de ciências.

LeiaEm busca de representatividade e eleição inédita, mulheres trans miram o Congresso

— A educação é uma política de longa exposição: são 40 milhões de crianças e jovens que vão todos os dias para a escola, só na educação básica. Há um olhar da política pública, mas também da política eleitoral. Todas essas crianças têm pais que são eleitores — analisa.

O simbolismo de um feito na educação também é outro fator importante nos ativos políticos.

— O político vai na inauguração do hospital, mas não fica capitalizando ao longo do tempo, porque é um lugar de doença. Já a quadra de esporte em determinados lugares vai servir para se fazer festas da cidade, jogos, shows. E não há equipamento público mais numeroso no país que a escola. Ela está em todos os municípios do Brasil — afirma Borges.

Mas não são apenas os vultosos recursos que chamam a atenção de políticos de Brasília. Ao emplacar aliados em cargos de direção do MEC ou do FNDE, esses partidos recebem também a possibilidade de acelerar ou atrasar a liberação de valores.

— O MEC é um pouco “prefeiturizado”, de alguma forma, porque repassa direto a estados e municípios. E essa relação direta é um dos pontos que torna a pasta atraente aos políticos — diz Lucas Hoogerbrugge, do movimento Todos pela Educação.

Orçamento secreto

Outro motivo da cobiça do Centrão pelo MEC se deve à possibilidade de controlar os repasses via orçamento secreto. Por esse mecanismo, recursos públicos são enviados a estados e municípios sem critérios objetivos e sem a identificação do parlamentar responsável por destinar o dinheiro. Segundo um levantamento feito pelo GLOBO, quase meio bilhão de reais do orçamento secreto passaram pelo FNDE no ano passado.

As altas cifras sob o comando da pasta explicam a movimentação intensa de prefeitos, que costumam ir a Brasília com o pires na mão atrás da verba federal. Ao serem atendidos, não poupam na propagada, transformando a reforma de uma escola ou a entrega de ônibus escolar em trunfo eleitoral.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/centrao-quer-mais-espaco-no-governo-bolsonaro-ja-mira-mec-epetrobras-25450394


Luiz Carlos Azedo: Semana decisiva para a candidatura de Eduardo Leite

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

Na semana em que se intensifica o troca-troca de partidos políticos, em razão da montagem de chapas majoritárias e proporcionais, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, deve definir o rumo que pretende tomar: primeiro, se permanece no cargo ou se desincompatibiliza; segundo, se troca o PSDB pelo PSD, ou não. São decisões difíceis e muito estratégicas, que envolvem alianças políticas locais e nacionais e o alcance de suas ambições políticas.

Dependendo do que decidir, será um fato político novo num cenário eleitoral polarizado, que está se cristalizando, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião, e o presidente Jair Bolsonaro, que concorre à reeleição com a vantagem estratégica de permanecer no cargo.

Como todo cenário complexo, a melhor maneira de tratar o assunto é desagregar suas variáveis. Comecemos pelo Rio Grande do Sul. Desde sua campanha ao governo gaúcho, Leite anunciou que não disputaria a reeleição, como já havia feito na Prefeitura de Pelotas. Esse é um compromisso de campanha que corrobora a superstição de que existe uma maldição no Palácio Piratini, que impede a reeleição de qualquer governador.

Seu desempenho administrativo é considerado muito bom, mas a crise fiscal gaúcha é uma das mais graves do país, rivaliza com as do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Leite cancelou uma viagem que faria a Buenos Aires e marcou uma entrevista para amanhã, às 14h, na qual deve anunciar sua saída do governo.

A desincompatibilização pauta um problema na retaguarda de Leite: a escolha do candidato das forças que o apoiam ao governo do Rio Grande do Sul, que estava congelada. O deputado estadual Gabriel Souza (MDB) é o nome preferido de Leite, mas não unifica sua coalizão política.

A briga começa dentro do próprio MDB, no qual o atual secretário de Planejamento de Porto Alegre, Cezar Schirmer, resolveu se lançar candidato e pretende disputar a convenção do partido, neste domingo. Gabriel, porém, tem apoio do ex-governador José Ivo Sartori e conseguiu remover da disputa o deputado Alceu Moreira.

A disputa dentro do MDB favoreceu uma candidatura própria do PSDB. O vice-governador Ranolfo Vieira Jr., que assumirá o cargo no lugar de Leite, pretende concorrer à reeleição. Secretário de Segurança do estado, já trabalha com a expectativa de poder para ganhar a convenção tucana.

A prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas, que pleiteava a indicação, não conseguiu apoio suficiente na legenda. Eduardo Leite terá muitas dificuldades para demover Ranolfo e garantir apoio ao seu candidato do MDB, Gabriel Souza, ainda mais porque o MDB está dividido.

O cenário eleitoral gaúcho passa, também, pela disputa à Presidência da República. A indefinição de Leite dificulta a vida de seus aliados e facilita a dos adversários locais: Luís Carlos Heinze (PP) e Onyx Lorenzoni (PL) buscam o apoio do presidente Jair Bolsonaro, enquanto Beto Albuquerque (PSB) e Edegar Pretto (PT) querem ser o candidato do ex-presidente Lula. Caso a candidatura de Leite se confirme, porém, essa polarização pode ser quebrada, porque haverá um deslocamento natural de eleitores gaúchos para o tucano.

Ficar ou sair, eis a questão

Na sexta-feira, Eduardo Leite foi novamente assediado pelo presidente do PSD, o ex-prefeito Gilberto Kassab, para se filiar ao partido. Dessa vez, teve todas as garantias de que terá legenda e recursos para sua campanha. Resolvida a desincompatibilização, essa é a segunda decisão estratégica. Se optar pelo PSD de Kassab, cria um fato novo no cenário político, viabiliza mais sua candidatura sem depender da conspiração para remover João Doria, que o derrotou nas prévias do PSDB.

Nesse caso, sua prioridade, agora, seria atrair o União Brasil, o que lhe garantiria ainda mais capilaridade. O segundo movimento seria atrair o MDB, convencendo Simone Tebet (MS) a aceitar ser vice na chapa. Ela é a noiva dos sonhos de todos os candidatos da terceira via, mas já disse que não pretende renunciar à candidatura para ser vice de outro candidato.

Resta o cenário mais difícil e, ao mesmo tempo, mais instigante: permanecer no PSDB e aguardar em Pelotas o desfecho da conspiração tucana para remover a candidatura de João Doria. Hoje, deve ser efetivada a federação do PSDB com o Cidadania. Apesar de vitoriosa nas prévias, a candidatura de Doria precisa ser homologada pela convenção.

A cúpula da federação é majoritariamente tucana, mas a correlação de forças pode se alterar em favor de Leite, em razão da divisão do PSDB e dos representantes do Cidadania, que serão uma espécie de fiel da balança. Caso Eduardo Leite permaneça no PSDB, é bom João Doria pôr suas barbas de molho. Cidadania, MDB e União Brasil estão dispostos a pedir que Doria desista em favor de Eduardo Leite.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-semana-decisiva-para-a-candidatura-de-eduardo-leite/

Alon Feuerwerke: A vaga em disputa

Alon Feuerwerker / Análise Política

As possibilidades eleitorais de Jair Bolsonaro estão bastante vinculadas à sensibilidade popular sobre a economia. Qual é risco principal para o presidente? Um repique inflacionário provocado pelos efeitos globais da crise russo-ucraniana. Isso levaria o Banco Central a um reaperto na política monetária e chegaríamos às eleições com a atividade em provável retração ou estagnação.

E com a possibilidade real de uma combinação momentânea de pasmaceira econômica e forte pressão nos preços. Um cenário ideal para quem está na oposição e representa a mudança.

Seria menos complicado para Bolsonaro se ele tivesse gordura eleitoral para queimar. Não é o caso. Hoje, quem pode se dar ao luxo é Luiz Inácio Lula da Silva, cujo principal oxigênio é o “no tempo dele eu vivia melhor”. O que tampouco teria o mesmo impacto caso o atual presidente estivesse mais bem apetrechado para argumentar que enfrentou, e ainda vem enfrentando, mais de dois anos de pandemia e agora uma guerra na Europa com repercussão planetária.

Perto disso a crise de 2008/09 foi, agora sim, uma marolinha.

Bolsonaro está até o momento contido no eleitorado mais fiel, suficiente para levá-lo ao segundo turno mas não para ganhar. Um eleitor oscilante, que certo dia votou no PT e em 2018 mudou de ideia, anda aparentemente tentado a fazer o caminho de volta. A dúvida é o que levaria esse voto a reverter a tendência momentânea e reafirmar a opção adotada em 2018. É a pergunta, como se diz, de um milhão.

Se Bolsonaro deixar a pressão dos preços dos combustíveis correr livre, com a óbvia repercussão inflacionária, estará concretando a estrada para Lula. Verdade que as pesquisas mostram um eleitor dividido quanto à responsabilidade pela alta na gasolina e no diesel, mas não importa: governos existem para resolver problemas, os criados por ele próprio ou por terceiros. Se o time tem dificuldades, a culpa será sempre do treinador.

Vamos ver como o presidente se sai. Lula continua tentando abocanhar ex-adversários e trazer de volta quem um dia foi aliado e deixou de ser. A favor da tática, as dificuldades do incumbente. Mas, como este não está fora da disputa e ainda por cima detém o governo, não é tão simples assim. Os profissionais da política, inclusive o próprio Lula, têm plena consciência de um jogo ainda sendo jogado.

E os demais? Continuam presos à armadilha de acreditar que há um largo contingente de votos “nem Lula, nem Bolsonaro”. Todas as pesquisas mostram que essa fatia gira em torno de 15%, mas quando a fé é forte os fatos objetivos enfrentam alguma dificuldade para prevalecer. O resultado prático é que a terceira via, ao insistir na tática, deixa aberto para o presidente o caminho de apresentar-se como o único e autêntico “anti-Lula”.

Pois a vaga em disputa para ir ao segundo turno não é a do “nem-nem”, é a dos que não querem a volta do ex-presidente. A chance de um terceiro está em provar que se sairá melhor que Bolsonaro no mano a mano com Lula.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

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Publicado na revista Veja de 30 de março de 2022, edição nº 2.782

Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2022/03/a-vaga-em-disputa.html


Evandro Milet: sociedade hiperconectada pede comunicação integrada

Evandro Milet / A Gazeta

O mundo digital ampliou muito as formas de comunicação de uma empresa com o seu público, tanto em quantidade de opções de meios, como na transformação do que era unidirecional para bidirecional. O público não apenas assiste, ouve ou lê como antes, ele agora fala e emite opinião. São 165 milhões de internautas no Brasil - cidadãos conectados. A atenção dos consumidores está sendo disputada por uma infinidade de demandantes, obrigando as empresas a uma dedicação muito maior para conseguir se comunicar com seu público.
Até o início desse novo século a comunicação era muito concentrada no Brasil, muito mais do que já era nos EUA na época. O Jornal Nacional tinha 60% de audiência, hoje está na casa dos 20%. Bastava que as empresas colocassem anúncio na TV, no rádio e no jornal e aguardasse a chegada do consumidor. Agora, houve uma verdadeira fragmentação nas formas de comunicação, na tentativa de encontrar o consumidor em um dos nichos onde ele convive e tentar o seu engajamento com a empresa de forma que ele mesmo passe a divulgar a empresa nas suas redes. Gerar conteúdo para cada nicho passa a ser obrigatório para quem quiser engajar o consumidor.

Desse modo, a comunicação das empresas deve abranger hoje várias ferramentas como: televisão, rádio, mídias sociais, eventos, publicações, sites, lives, newsletters, blogs, outdoors, chats, atendentes humanos, avatares, robôs, email marketing. E também várias atividades: relações públicas ou institucionais, publicidade, assessoria de imprensa, enfim uma infinidade de formas de apresentação.

Nas mídias sociais convivem diferentes linguagens. Facebook, Twitter, Instagram, TikTok, YouTube, WhatsApp e outros, com diferentes propostas de comunicação. Uns focam em vídeos, outros em fotos, outros em mensagens curtas, outros em grupos fechados, uns em públicos mais jovens ou mais técnicos ou mais conservadores e obrigam as empresas a manter equipes especializadas em aparecer bem, oferecer conteúdo relevante e também antenadas no que é comentado a seu respeito, principalmente se for algo negativo que pode gerar boicotes ou cancelamentos.

Não faz mais sentido essas equipes ficarem separadas. Devem estar juntas, uma única equipe, dentro de uma mesma estratégia, passando uma imagem única da empresa para fora e para dentro em todos os canais simultaneamente.

Há várias linhas de comunicação na empresa e todas devem estar alinhadas, falando a mesma língua: horizonta l- a comunicação entre os departamentos de uma empresa; vertical - a comunicação alinhada ao objetivo da empresa; interna - a comunicação entre todo o time de colaboradores; externa - a comunicação com clientes, fornecedores e terceiros.
O cenário é de fragmentação maior da comunicação, aumento da conectividade, respostas ágeis, consistentes e simultâneas em todas as plataformas de relacionamento. Isso vale para empresas e vale também para governos, todos têm de se comunicar com seu público.

Não faz mais sentido cursos universitários separados para cada tipo de profissional que atua nesse meio. Tudo tem que estar junto e misturado.
O mercado batizou como “Comunicação Integrada de Marketing” ou CIM, essa inovação de gestão integrada e simultânea de todas as ferramentas mercadológicas, com melhor aproveitamento de recursos e gerando consistência à marca.

Não é só a tecnologia que evolui, com ela todas as formas de gestão também mudam.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/sociedade-hiperconectada-pede-comunicacao-integrada-de-marketing-0322


Cristovam Buarque: Os putins brasileiros e a Ucrânia silenciosa ao nosso redor

Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles

Há 30 dias, assistimos perplexos e horrorizados as imagens das consequências das bombas jogadas por Putin na Ucrânia. Choramos e nos indignamos com esta violência que destrói prédios, força migração, mata civis, inclusive crianças e mulheres. Nem todos, porém, lembramos da nossa Ucrânia silenciosa e permanente ao nosso redor.

Há décadas, milhões de brasileiros, sobretudo do Nordeste, são forçados a abandonarem suas casas, em busca de sobrevivência em outras partes. As casas não serão destruídas por bombas e mísseis, mas já eram tão degradadas que pareciam bombardeadas por dentro, durante a própria construção precária. Nossos migrantes são chamados de pau de arara, mas de fato são nossos ucranianos.

Vinte milhões destes ucranianos brasileiros sofrem hoje a violência da fome. Dormem sem comer, com a geladeira e armários vazios. E ainda sofrem a violência de acordarem sem ter o que comer, mas assistindo pela televisão programas de conversas ao redor de mesa farta de comida. Depois, com os olhos ávidos e os estômagos vazios, assistem programas de culinária e gastronomia, que ensinam como fazer comidas com suculentos filés e apetitosas sobremesas.

Nossa Ucrânia é violenta ao exportar comida e deixar nosso povo como fome, e ainda tripudiar ou ignorar quem passa fome assistindo a abundância e até o desperdício de comida transmitido pela televisão. Esta realidade é violenta contra as mães que têm seus filhos com fome, e sobre as crianças que não entendem o porque de serem excluídas. As crianças da outra Ucrânia pelo menos sabem que a culpa é da guerra, da Rússia, de Putin. À violência da fome, soma-se a violência do espetáculo da culinária tão perto e tão longe de suas pobres casas, sem o risco de mísseis e explosões, para explicar porque são tão despossuídos.

Os ucranianos europeus são todos migrantes e despossuídos, a violência é sobre todos, os ucranianos brasileiros sabem que as bombas e as necessidades pesam apenas sobre alguns escolhidos para não sofrerem. Protegidos contra os putins brasileiros. A violência é dupla: pela pobreza que sofrem e pela percepção da riqueza ao lado. Os abrigos de Kiev são trágicos, mas são democráticos. E são passageiros

Nossas crianças vivem em uma Ucrânia apartada, silenciosa e permanente, não menos malvada e com menos explicação. Em alguns bairros de algumas cidades, sem uma guerra que explique, nossas crianças são vítimas de balas perdidas, como se estivessem ao redor de Kiev.

Se conseguem chegar, suas escolas estão melhores do que as ucranianas destruídas por bombas. Mas as crianças da Ucrânia têm a esperança de que a guerra vai um dia terminar e elas voltarão a suas escolas bonitas, enquanto às nossas continuarão degradadas, semi-escolas, permanentemente. Não por bombas momentâneas enviadas por um autocrata estrangeiro irresponsável e perverso, mas pela perversa omissão histórica, como nossos governantes tratam as crianças pobres do Brasil. Temos uma Ucrânia brasileira e temos putins brasileiros.

Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro

Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/os-putins-brasileiros-por-cristovam-buarque


Paulo Fábio Dantas Neto: Sinais amarelos e conversas de cozinha

Em artigo publicado há poucos dias na revista Política Democrática, n.41 transmiti, de modo sucinto, três impressões. Primeiro a de que pesquisas recentes indicam que se forma uma nova conjuntura pré-eleitoral, na qual reacendem-se, para Jair Bolsonaro, algumas esperanças, ainda que oscilantes, de reeleição; segundo a de que as oposições (tanto a de esquerda quanto aquela que tenta se colocar como “terceira via”) ainda não reagiram a esses sinais, seja por uma aproximação entre ambas para formar uma unidade já no primeiro turno, ou por uma efetiva e resoluta política de “conquista do centro” por parte de Lula, duas variantes do que poderia ser uma estratégia voltada a sepultar, no primeiro turno, as chances de reeleição do presidente.  Menos ainda se vê esboço de sucesso de um sempre ensaiado processo, no chamado centro e na centro-direita, de entendimentos agregadores com vistas a uma candidatura convergente própria - cada dia mais improvável – capaz de tirar Bolsonaro do até aqui confortável segundo lugar, ou pelo menos, de impedir que chegue ao segundo turno em posição competitiva.

A terceira impressão é a de que a lenta e ainda incerta recuperação de Bolsonaro - combinada à conservação desse “ponto morto” oposicionista na disputa presidencial - aponta a uma consequência que suponho ser a mais temível para forças políticas e sociais comprometidas em salvaguardar o processo eleitoral e a própria democracia. Refiro-me, é óbvio, ao “segundo turno sangrento” entre direita e esquerda, embate de extrema tensão (por falta de um centro moderador influente, mesmo como força coadjuvante) e de resultado imponderável, entre Lula e Bolsonaro, com o país cindido de cima a baixo, isto é, da elite política ao eleitorado. Nessas condições específicas, a vitória de Lula poderia evitar o desfecho, digamos, mais trágico. Mas o imponderável se transferiria ao exercício do governo, tanto na hipótese de Lula tentar cumprir o que tem dito até aqui na pré-campanha, quanto na dele manter esse dito na campanha e tentar fazer o não-dito no governo. A aventura populista e o estelionato eleitoral seriam atitudes igualmente temerárias e conversíveis em fatores tendentes, na melhor das hipóteses (a da célebre habilidade do presidente evitar a pura e simples ingovernabilidade), a prolongar, por mais quatro anos, a crise de múltiplos níveis em que o país foi metido desde 2013/2014.

Os sobressaltos trazidos pela terceira impressão não se resumem, contudo, ao longo prazo, no qual um governo instável e contestado seria a conquista possível, até uma benção, se comparado à letalidade de um segundo mandato de Bolsonaro, para a democracia brasileira. Ainda durante as eleições, se o quadro atual ganhar força inercial, estaremos de novo expostos, tal qual no último setembro, ao risco de uma tentativa de assalto golpista ao nosso Capitólio e/ou às nossas Cortes judiciárias. O requisito para essa hipótese voltar à cena política - da qual anda afastada pela domesticação do autocrata por artes do que impropriamente chamamos Centrão – é a mistura incandescente da suposição, por parte de apoiadores e eleitores-raiz de Bolsonaro, de que a reeleição é possível, com a convicção dos chefes de que as urnas a negarão.

Desdobrarei cada uma dessas impressões que enunciei em alusão ao artigo da PD.  Sobre a insinuada recuperação de Bolsonaro ressalta a incerteza sobre tendências após contato com diferentes pesquisas e com séries de cada instituto relevante. Nos últimos dias três delas têm permitido elocubrações em distintas direções. A do Instituto Ideia justifica os sobressaltos. Comentários do seu fundador, Maurício Moura, emitem sinais amarelíssimos para quem teme a reeleição de Bolsonaro (ou sua ida ao segundo turno em condições competitivas), não no sentido de aponta-la como provável, porém, como mais possível do que parecia ser há alguns meses. Suas prospecções estão mais ou menos em linha com a pesquisa mais recente do Datafolha sendo que essa última aponta, ao menos, dois terrenos em que a hipótese de recuperação se sustenta. Intenções de voto e avaliações mais positivas de Bolsonaro estariam avançando no eleitorado da chamada baixa renda, afetado pelo Auxílio Brasil, bem como se nota movimentos migratórios relevantes de retorno do voto evangélico ao capital eleitoral do presidente. Uma questão importante é saber até onde esses achados são fotografias de conjuntura ou tendências preditoras de cenários futuros.

Nesse ponto o cientista político Antônio Lavareda, responsável por uma terceira pesquisa, a do Ipespe, comparece sugerindo que se tratou de movimento sazonal a talvez se esgotar no impacto inicial do Auxilio Brasil e a talvez se reverter nas previsíveis dificuldades econômicas do país. Além disso a pesquisa do Ipespe insinua movimento no voto evangélico senão oposto, ao menos distinto daquele captado pelo Datafolha. Agrados governamentais, assim como esforços de diálogo por parte da campanha de Lula não têm faltado e configuram uma intensa corte eleitoral a esse segmento, o que empresta força argumentativa às conjecturas de ambos os institutos. Seja como for repara-se que os argumentos de Lavareda a partir da pesquisa que coordenou não exprimem tanto uma discrepância de dados quanto um prognóstico distinto, feito a partir de uma interpretação a respeito das possibilidades de evolução da situação econômica e social que molda as preferências de políticos e eleitores a cada momento, fazendo com que possam mudar ao longo do ano.

Pelo lado dos dados, tomados em seu conjunto, as três pesquisas convergem para mostrar que a reeleição saiu do armário porque, a partir da foto do momento, está mais difícil supor vitória de Lula no primeiro turno e mais difícil ainda vislumbrar espaço para que surja uma novidade que mereça o nome de terceira via. Daqui a uma semana, com o fim do prazo de filiações, saberemos bem mais do que sabemos hoje, embora certo grau de incerteza sobre o cardápio eleitoral possa se manter até junho, época das convenções. Mas pesquisas mostram que a velocidade com que a polarização se consolida não respeita o calendário dos partidos, que obrarão bem se andarem mais depressa.

Cabe ainda uma última nota sobre a primeira das três impressões, que não é boa notícia para a oposição. A rejeição a Bolsonaro e seu governo é menos rígida do que se pensava semanas atrás. A performance da economia afeta-a de uma maneira um tanto estúpida, no sentido de que variações na rejeição acompanham variações da economia mesmo que essas estejam longe de se firmarem como tendências. Podem se alterar de modo pendular, sem precisar seguir a marcha lenta de um pêndulo. A sugestão é mais de um movimento de iô-iô, que pode pregar peças se manejado por mãos hábeis.  Quem apostar muito na memória dos eleitores sobre as maldades bolsonaristas no tempo da pandemia ou sobre as suas aventuras golpistas pode ter uma má surpresa. Isso não quer dizer que essas maldades e crimes não devam ser incansavelmente lembrados pela oposição. Quer dizer é que sem um discurso econômico consistente a memória pode virar éter, apesar de esforços em contrário.

Sobre a segunda impressão – o que interpreto como atual ponto morto das oposições – não é possível contornar maus presságios oriundos da observação, por mais que essa seja feita com a simpatia política de quem enxerga derrota de Bolsonaro e vitória da democracia como equivalentes. Começando pelos partidos e pré-candidatos da chamada terceira via, sua incapacidade de agregação decorre, no caso dos pré-candidatos Ciro Gomes e João Dória (deixo de mencionar Sergio Moro por não o ver como opção da chamada terceira via e sim como dissidente do esquema bolsonarista que não se define politicamente), de uma incompatibilidade entre a ideia da unidade e seus modos voluntaristas de inserção na cena política. O modo sollo de agir não é opção disponível numa cena tão densamente ocupada por Lula e Bolsonaro.  E como eles não parecem saber agir em concerto, patinam e assim tendem a ficar se forem até o final e enfrentarem a lógica implacável do voto útil.

No caso dos partidos de centro e centro-direita - noves fora os do núcleo duro do centrão, que parece não querer se afastar do palácio tão cedo – poder-se-ia esperar apresentações de candidaturas mais “orgânicas”. Mas à dificuldade que passaram a ter, desde os anos Lula, de transitar pela arena plebiscitária da disputa presidencial, somam-se agora novos fatores de ordem institucional e de interação política. Filhos do Poder Legislativo, é da sua natureza priorizar eleição de deputados, em especial num momento em que mudanças de regras eleitorais conjugadas à desestruturação do presidencialismo de coalizão acirraram a competição interpartidária por ampliação de bancadas e elevaram o poder decisório da Câmara dos Deputados, do que são exemplo cabal, mas não isolado, os novos modos de estipulação, controle e gestão de verbas orçamentárias.  Esse novo padrão interativo, anti-presidencialista tem sido mal analisado como se fosse apenas um expediente fisiológico desprovido de fundamentos institucionais. Parece estar vindo para ficar e promete implicar mesmo, a médio prazo, em novo sistema de governo. Não é crível que se consolide como privilégio do centrão. Voltam-se a ele olhos de todos os partidos ao lançarem mão do fundo partidário. Dividi-lo, neste momento, com candidaturas presidenciais, assumindo altos custos de viabilizá-las numa arena plebiscitária, é mais problema do que solução. Disso são reféns projetos de pré-candidaturas como a de Simone Tebet e Eduardo Leite. E caso extremo é o do União Brasil, que nem pré-candidato tem. O PT é ponto fora da curva por ter cumprido, com Lula, a rota plebiscitária.

A outra face do ponto morto das oposições desenha-se na esquerda e expressa-se na ambiguidade extrema da candidatura de Lula no que diz respeito a realizar uma rota em direção ao centro ou seguir aquela ditada pela natureza autárquica do PT, para a qual a frente de esquerda é o limite de alteridade suportado. No seu auge, Lula mantinha essa “natureza” petista sob pressão do seu pragmatismo político e nos momentos de baixa soltava os gênios das garrafas para lembrar ao país qual era a identidade da sua esquerda eleitoralmente relevante. Fez isso quando a Lava-jato lhe alcançou e a militância foi quase tudo nos tempos da campanha do Lula Livre. Agora que o cheiro do poder volta a testar seu faro, está tendo dificuldades crescentes para fazer os gênios voltarem ao interior das garrafas. Os embaraços ao comando pessoal são hoje mais sólidos, apesar das pesquisas.

Num quadro de grande incerteza política, garantir respeito aos resultados das urnas é desafio de todos os democratas, mas dos petistas em particular, pois é do seu partido o líder popular que se encontra em posição de ser a mais provável solução política para encerrar a aventura bolsonarista. Nesse sentido, o exemplo dado na Bahia provoca desorientação ao seguir a opção autárquica. Assim como no caso dos partidos de centro e centro-direita, existe uma racionalidade na solução adotada se se pensa no estrito interesse do partido. Acontece que o PT ocupa a arena plebiscitária da eleição presidencial e termina sendo altamente disfuncional o partido se comportar como os demais. É um equívoco descolar a campanha de Lula de um perfil de ampla frente democrática. Lula decide nas urnas, mas não a ponto de ser um artilheiro na banheira para aproveitar os erros da zaga adversária e colher os frutos do caos. Sem meio de campo a bola não chega nele. O endereço do caos é a direita. Se Lula não desafiar o PT para buscar jogo no meio de campo pode morrer na banheira, como em 1994. Só que agora, do outro lado vai ter coisa bem diferente de votos no Plano Real e em FHC. Para momento tão delicado, Alckmin não basta, mas nem o PT nem Lula dão sinais de que pensam assim.

Algumas soluções estaduais são imprudentes. Para não me repetir falando da Bahia, há no Paraná o tom da fala de Lula ao saudar Requião, o candidato agora petista. Reafirmação dos tempos mais intrépidos do Nós X Eles: “Vamos ter que eleger muitos deputados e senadores que pensem igual a gente, a gente não pode votar colocando raposa no nosso galinheiro, a desgraçada da raposa vai comer nossas galinhas”. Então, empresa privada é raposa em galinheiro. Noutro momento promete dar “cabeçada” na Petrobras para baixar o preço da gasolina. Presidencialismo forte, nacionalismo, estatismo, populismo, com essa gramática não há ida ao centro.  Em São Paulo o acordo com o PSOL pode levar a esquerda a brilhar na capital e acionar Alckmin para disputar o interior. O que pode ser um exemplo, naquele Estado, de combinação dialética de táticas distintas numa estratégia realista e feliz não dispensa o PT e Lula de responderem à seguinte questão: país afora, é possível adotar por osmose a sinalização da solução paulistana? Como a resposta parece ser não, advém outra pergunta: qual a sinalização nacional? Sem que se veja alguma, Lula parece crer que dançará qualquer música. Por mais estreito que seja o arranjo estadual para eleger deputados a popularidade de Lula resolverá embaixo o que se interditar em cima. Midas de urna, seu toque fará de cada limão uma limonada.

Há mesmo quem se anime a ter essa fé e a confiar nessa mística.  Mas quem foi politicamente treinado no agnosticismo (meu caso) não consegue acreditar que o iceberg no caminho é uma oportunidade. Esse ceticismo pode ser disfuncional em momentos de turbulência em que se pede exatamente fé. Mas o otimismo da vontade, para não se perder em delírio, precisa se alimentar de evidências. As recentes mandam é prestar atenção ao sinal amarelo.

E assim chego, para ser sumário, a uma única nota sobre a terceira impressão, a do fantasma de um “segundo turno sangrento” contra um Bolsonaro politicamente vivo e provocando agitações golpistas. Quando vejo esse cenário pelas frestas de uma pesquisa atual surge a seguinte cogitação: se Bolsonaro tentar um golpe contra as urnas, desafiando a probabilidade de fracasso, será por ter percebido que perderá as eleições. Correremos riscos institucionais, sim, mas há precedentes a indicar que ele será derrotado nesse terreno também, além de perder nas urnas. Já se ele apostar firme nelas porque terá chances reais de vitória e se ela ocorrer, aí sim, o sinal estará fechado para os democratas. A reeleição custará mais caro que uma tentativa frustrada de invadir nosso Capitólio. E ela só poderá vir como fruto da orfandade de uma faixa de eleitorado ao qual a centro-direita não ofereceu uma opção competitiva e distinta do bolsonarismo e ao qual Lula não se dirigiu a sério, por ter se enredado em uma teia de interesses temperada na sua cozinha.

* Cientista político e professor da UFBa

Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2022/03/paulo-fabio-dantas-neto-sinais-amarelos.html


Benito Salomão: Nazistas, antivacinas e o paradoxo da tolerância

Benito Salomão / Correio Braziliense

"Mas as nuvens do erro que escurecem as mentes se dissiparão, se dissolverão, e o sol da verdade terminará, cedo ou tarde, por triunfar" (Bobbio, pág. 139)

A sentença acima foi extraída do Elogio da Serenidade, de Norberto Bobbio. A preocupação do autor era com uma visão eclética de verdade, em um contexto em que grupos sociais antagônicos possuem concepções distintas sobre uma verdade.

Neste contexto, o princípio da tolerância é fundamental para que diferentes concepções de verdade possam coexistir, no mesmo tempo e espaço, sem que rivalidades resultem em violência. De forma intuitiva, o apelo à tolerância quanto às verdades alheias, é um problema das democracias, uma vez que no autoritarismo a imposição de uma verdade sobre as demais se dá via truculência.

Um dos problemas que surgem em sociedades democráticas, hiperconectadas e de informações instantâneas, é que a questão da tolerância pode ser traduzida para os fins deste argumento, como os limites da liberdade de expressão. É difícil mergulhar no pantanoso terreno do que deve, ou não ser tolerado, sem apelar a argumentos morais.

Apologistas de causas esdrúxulas como os antivacinas, recorrem ao princípio da liberdade individual para exercerem o "direito" de não se vacinarem. A invocação do princípio da liberdade para tal fim recorre (de forma bastante empobrecida) a uma moralidade liberal, talvez anarquista.

Do outro lado do espectro social, há os que acreditam no método científico e, portanto, em vacinas. Se a extensão da cobertura vacinal não alcançar o total da população mundial, a presença de grupos não vacinados estimula a reprodução do vírus abrindo a possibilidade para o surgimento de novas cepas.

Tais variantes podem, em algum momento, tornar-se resistentes às vacinas disponíveis e prolongar a pandemia no tempo. Neste caso, a população vacinada é diretamente afetada pelo delírio antivacina. Tem-se aqui um claro confronto entre princípios morais, uma vez que o direito de não se vacinar de um grupo, interfere no direito a uma vida próspera e saudável de outro grupo. Como resolver?

Mais recentemente, outra polêmica veio à tona envolvendo uma conversa de redes sociais. Uma caricatura da profecia de Umberto Eco de que tais mídias dariam voz a uma legião de idiotas, agravada pelo fato de que além de voz, podem dar alcance às piores ideias. A polêmica envolvendo um youtuber e um deputado federal invocava o princípio da liberdade somado à pretensa equivalência entre os crimes do nazismo alemão e do comunismo stalinista, maoísta ou castrista, para reivindicar o direito de manifestação política pró-nazista.

A invocação do "direito à liberdade" de grupos se posicionarem politicamente partindo de uma concepção racista de mundo, incorrem no mesmo conflito moral supracitado na questão antivacina. O direito moral da liberdade política de uns, se opõe ao direito a uma vida digna e segura de outros.

A questão que se impõe neste contexto é se o princípio da tolerância trabalhado por Bobbio deve ser levado em conta no caso dos antivacinas ou dos nazistas? A resposta é dada pelo próprio Bobbio: "todas ideias devem ser toleradas, menos aquelas que negam a ideia de tolerância" (p. 153). A invocação do princípio da liberdade para justificar ideias socialmente perigosas é má fé, que não interessa aos liberais de boa formação intelectual, pois os desmoralizam.

Nesse contexto, não se trata simplesmente de uma mera disputa pela verdade, no sentido de que seja possível coexistir duas ou mais verdades em temas como a eficácia de vacinas e o direito às manifestações nazistas. Do ponto de vista do julgamento histórico, é óbvio que a verdade já assumiu seu lado e nazistas ou antivacinas perderam a disputa.

O problema que se impõe são as consequências que falsas verdades produzem no comportamento social. Como nos ensina o historiador Richard Weaver, ideias têm consequências e não podem ser desconectadas da fé que elas produzem nos homens, independentemente do seu mérito. Ideias perigosas, em um mundo de informações instantâneas, problemas sociais crônicos e cristalização de bolhas em redes sociais, podem encontrar terreno fértil para germinarem e se encaminharem para o ativismo político, podendo produzir as piores consequências.

Benito Salomão é doutor em economia pelo PPGE/Universidade Federal de Uberlândia (MG)

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2022/03/4996143-artigo-nazistas-antivacinas-e-o-paradoxo-da-tolerancia.html


Lollapalooza: TSE proíbe propaganda eleitoral após pedido do PL

Jéssica Andrade / Correio Braziliense

O ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atendeu ao pedido do Partido Liberal (PL) e proibiu atos de propaganda eleitoral e manifestações políticas no festival Lollapalooza, que acontece neste fim de semana. O Tribunal definiu multa de R$ 50.000,00 para novas ocorrências.

Segundo o partido do presidente Jair Bolsonaro, houve crime de propaganda eleitoral antecipada durante os shows de Pabllo Vittar, na sexta (25/3).

"Nossa intenção principal com a ação é que o TSE instrua os organizadores do evento para que eles também instruam os artistas a não se anteciparem nem positivamente nem negativamente antes do período oportuno", disse a advogada da campanha do presidente, Caroline Lacerda, ao Globo.

No show, Pablo levantou uma bandeira com o rosto do ex-presidente Lula estampado, quando andava na passarela do palco. Além disso, entoou um coro de "Fora Bolsonaro". A defesa jurídica do partido alegou que isso seria propaganda antecipada em favor do oponente de Bolsonaro e, portanto, "fere inúmeros dispositivos legais".

Já a artista britânica Marina, protestou contra o presidente da república brasileiro e contra o presidente russo, Vladimir Putin. Segundo a Lei Eleitoral, as campanhas começam oficialmente em 15 de agosto.

“A manifestação exteriorizada pelos artistas durante a participação no evento, tal qual descrita na inicial, e retratada na documentação anexada, caracteriza propaganda político-eleitoral”, diz o TSE.

O ministro Raul Araújo, relator do processo, ressalta ainda que a Constituição Federal assegura a livre manifestação do pensamento, “a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. No entanto, os artistas mencionados no processo “fazem clara propaganda eleitoral em benefício de possível candidato ao cargo de Presidente da República”.

“Os artistas e cantores referidos que se apresentaram no evento musical em testilha, além de destilar comentários elogiosos ao possível candidato, pediram expressamente que a plateia presente exercesse o sufrágio em seu nome, vocalizando palavras de apoio e empunhando bandeira e adereço em referência ao pré-candidato de sua preferência”, diz o relator.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4996212-tse-proibe-propaganda-eleitoral-no-lollapalooza-apos-pedido-do-pl.html


Reinaldo Azevedo: Condenação de Dallagnol expõe conivência da imprensa com terror jurídico

Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo

A imprensa não militante —chamava-se "grande" antigamente— deveria ter aproveitado a punição aplicada pelo STJ a Deltan Dallagnol para fazer um mea-culpa. Por 4 votos a 1, o tribunal decidiu que o ex-procurador tem de pagar ao ex-presidente Lula multa de R$ 75 mil, valor que ainda será corrigido, numa ação por danos morais.

O agora pré-candidato a deputado federal está indignado e já anunciou uma suposta vaquinha espontânea na internet, que teria arrecadado quase o dobro desse valor. Faz chacota da Justiça.

A imprensa condescendeu com todos os métodos ilegais a que recorreu a Lava Jato. Foi além. Tornou-se sua beneficiária à medida que repórteres se transformaram em clientes de procuradores e delegados no mercado negro dos vazamentos. O espetáculo grotesco do PowerPoint, no dia 14 de setembro de 2016, destroçava o devido processo legal.

Dois dias depois, como revelou a Vaza Jato, Dallagnol foi ao Telegram para bater um papinho com Sergio Moro, seu chapa e juiz incompetente e suspeito. Sabia que a peça acusatória —refiro-me à impressa e oficial— era inepta.

Considerou, então: "(...) Como a prova é indireta, ‘juristas’ como Lenio Streck e Reinaldo Azevedo falam de falta de provas. Creio que isso vai passar só quando eventualmente a página for virada para a próxima fase, com o eventual recebimento da denúncia, em que talvez caiba, se entender pertinente no contexto da decisão, abordar esses pontos".

Para quem não entendeu: ele estava tentando justificar, diante do chefe, a patuscada do PowerPoint. E explica que apelou àquele troço para imputar a Lula um crime que servia a fins propagandísticos apenas.

Com despudor peculiar, expõe: "Não foi compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema era necessária para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente não compreendeu por que colocamos ele como líder para imputar 3,7MM [R$ 3,7 milhões] de lavagem, quando não foi por isso, e sim para imputar 87MM [R$ 87 milhões] de corrupção."

Bingo! Embora a denúncia oficial se referisse ao apartamento —e o próprio Moro admitiu em embargos de declaração inexistir nexo entre as obras da OAS e o tríplex de Guarujá, o que significa ausência de provas—, o objetivo era "imputar R$ 87 milhões de corrupção" a Lula, tratado na coletiva como "comandante máximo do esquema de corrupção" e "maestro da organização criminosa".

Ocorre que também a acusação de que o petista comandava uma organização criminosa virou uma ação penal, senhores leitores! Tramitou na 10ª Vara Federal de Brasília. O ex-presidente foi absolvido pelo juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, que apontou uma "tentativa de criminalizar a política".

Saibam: o Ministério Público Federal nem sequer recorreu. Ah, sim: Moro deu a maior força àquele que é agora seu colega de partido: "Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme."

O então juiz atendeu ao pedido de seu pupilo: ao condenar Lula, ignorou a peça acusatória inepta e se fixou no... PowerPoint! Uma aberração.

Prisões preventivas a perder de vista, conduções coercitivas ilegais, mandados de busca e apreensão despropositados, criminalização de doações legais de campanha... Era o terror jurídico a tratar as garantias do devido processo legal como conivência com corruptos. Moro, Dallagnol e outros subiram na vida, mas a indústria de construção pesada no Brasil quebrou, destruindo milhares de empregos.

"Mas e a corrupção?" Vejam o Ministério da Educação, transformado num verdadeiro templo de vendilhões. Os mistificadores querem convencer os tolos —com algum sucesso, posto que tolos— que a lama de dimensões bíblicas em que se afunda o governo Bolsonaro, ao qual Moro serviu, decorre do que chamam "desmanche" da Lava Jato.

Não! A Lava Jato é que desmanchou algumas defesas que tinha o sistema político, tornando-o poroso a certo tipo de pistolagem que a operação, em vez de combater, promoveu, a exemplo dos "justiceiros" das redes sociais que se fizeram políticos. Não é mesmo, Moro? Não é mesmo, Dallagnol?

Que a imprensa profissional nunca mais abandone a Justiça em benefício de justiceiros. O "jurista" Reinaldo Azevedo segue atento.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2022/03/condenacao-de-dallagnol-expoe-conivencia-da-imprensa-com-terror-juridico.shtml


Bolsonaro tem os governadores que disputam a reeleição e palanques fortes no Sul e Sudeste

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

Da Bahia para cima, só dá Lula. Da Bahia para baixo, o presidente Jair Bolsonaro continua recuperando fôlego e armou muito bem seus palanques e a campanha à reeleição. Isso vale para Centro-Oeste, Sul e o populoso Sudeste, inclusive para São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Se o clima lulista era de “já ganhou” e a dúvida era se a vitória seria em primeiro ou segundo turno, as certezas balançam. Lula mantém uma dianteira folgada, mas Bolsonaro sobe nas pesquisas, melhora a rejeição, reduz a diferença para Lula e confirma que nem está morto nem será fácil tirá-lo do segundo turno.

Lula tem PT, PSB, MDB e boa parcela da direita, inclusive de partidos bolsonaristas, no Nordeste – o bolsão vermelho, onde o PT sempre vence e Fernando Haddad ganhou em 2018. Fora daí, a coisa muda de figura e não só no agrícola Centro-Oeste, como muitos creem.

Bolsonaro ainda patina no Espírito Santo, mas tem candidatos consistentes em toda parte: o ministro Tarcísio Gomes de Freitas (que irá para o Republicanos) em São Paulo e os governadores Cláudio Castro (PL) no Rio, Romeu Zema (Novo) em Minas, Ratinho Jr. (PSD) no Paraná e Carlos Moisés (Republicanos) em Santa Catarina. De quebra, o ministro Onyx Lorenzoni (PL) no Rio Grande do Sul.

A escolha de Tarcísio para disputar o Palácio dos Bandeirantes foi uma jogada de mestre de Bolsonaro, no âmbito estadual, equivalente à construção da chapa Lula-Geraldo Alckmin, no nacional. Bagunça o coreto na joia da coroa.

Carioca, Tarcísio possivelmente não sabe distinguir Americana de Pindamonhangaba, nem o bairro do Limão de Higienópolis, na capital, mas tem um fator que, em 2018, ao menos, foi decisivo nos Estados: o bolsonarismo. Vai para o Republicanos para abafar a ciumeira com a disparada da base governista para o PL, e os próprios adversários imaginam que já na largada tenha um quarto de intenção de votos no Estado.

Em São Paulo, o PSDB versus PT pode estar virando coisa do passado, mas o azul versus vermelho continua firme. Tarcísio vai disputar o centro, a centro-direita e a direita com Rodrigo Garcia, o neotucano lançado pelo governador e presidenciável João Doria. Um dos dois será o adversário do hoje favorito Haddad, que disputa o centro e a esquerda com Márcio França, do PSB.

Bolsonaro hoje alavanca Tarcísio em São Paulo. Depois, o crescimento de Tarcísio vai reverter a favor de Bolsonaro na eleição presidencial no Estado. Como diz uma conhecida raposa política, Bolsonaro não governa e não entende nada de nada, mas é populista e esperto em política, talvez tanto quanto Lula. E sabe muito bem o que está fazendo.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-tem-os-governadores-que-disputam-a-reeleicao-e-palanques-fortes-no-sul-e-sudeste,70004018985


César Felício: Bolsonaro mostra fôlego no Datafolha

César Felício / Valor Econômico

A pesquisa Datafolha permite dizer que o presidente Jair Bolsonaro consolidou a presença no segundo turno da eleição deste ano. Mas o longo intervalo entre a pesquisa divulgada nesta quinta e a anterior do Datafolha, em dezembro, prejudica o entendimento da curva. Na fotografia, o presidente foi de 22% para 26% e Lula de 48% para 43%. A diferença entre os dois, que era de 26 pontos percentuais, agora é de 17 pontos. Não se pode falar propriamente em queda ou alta, porque a lista de candidatos é diferente. Mas a situação de Bolsonaro indiscutivelmente melhorou.

Existissem levantamentos em janeiro e fevereiro seria possível aferir se já surte efeito a inflação persistentemente alta, fator que deve travar a recuperação presidencial no próximo trimestre, de acordo com os especialistas Christopher Garman, da Eurasia, e Antonio Lavareda, do Ipespe.

Com Rússia e Ucrânia em guerra, não há como impedir no Brasil os repasses de aumentos de cotações internacionais em commodities. Há como mitigar, mas não se impedirá perda de renda. O presidente deu azar, porque tinha o terreno antes preparado para continuar crescendo até junho.

Era a hora de colher a resposta do eleitorado às bondades em série do governo federal, traduzidas em auxílio Brasil, liberações do FGTS, desonerações, reduções de impostos, e por aí vai. Ele ainda se beneficiou do abrandamento da pandemia da covid-19. Há praticamente um consenso de que sua gestão desse tema é pessimamente avaliada. Essa colheita das benesses do governo ainda não veio, ela estaria por vir.

O que veio agora, em grande medida, foi a volta ao bolsonarismo de uma franja do eleitorado que buscava uma alternativa na terceira via. Sergio Moro e João Doria, dois ex-bolsonaristas, somavam 13% em dezembro e somam 10% agora. Bolsonaro apresenta quatro pontos a mais.

O presidente veste-se de outsider, com discurso antissistema, mas toda sua estratégia recente é 100% insider. Ele foi para um partido grande, está estabelecendo uma coligação, armou palanques consistentes no Brasil afora. Tem a caneta na mão, tempo para campanha na televisão, estrutura para a reeleição, tudo que um incumbente deve ter.

O único ponto fora da curva é o fato de não ter entregue para a costura política o posto de vice-presidente. Braga Netto na chapa é um sinal de que Bolsonaro não faz uma aposta integral na institucionalidade. Está preparado para um jogo “fora das quatro linhas da Constituição”, como gosta de dizer.

Nos Estados, o vento que sopra é a favor das reeleições. Segundo um levantamento feito pelo cientista político Antonio Lavareda, 73% dos líderes das pesquisas estaduais existentes são governadores que buscam um novo mandato. Segundo Lavareda, isso significa que o incumbente é o grande critério de voto neste ano. A eleição será focada no desempenho dos administradores. E aí está um problema para Bolsonaro, que paga certos preços que os administradores estaduais não pagam.

A inflação da Ucrânia deve impedir que Bolsonaro se recupere mais até junho. Um dos primeiros a antever a recuperação de Bolsonaro no primeiro trimestre, o cientista político Christopher Garman, com quem a coluna conversou antes da divulgação da pesquisa do Datafolha, não reviu sua estimativa de chances de reeleição no Brasil - a seu ver baixas, da ordem de 30% - fundamentalmente em razão disso. E a partir de junho, a eleição entra na dinâmica da campanha, Bolsonaro perde o que Lavareda chama de “monopólio natural da comunicação”, esgota-se o veio de ações do governo para proporcionar uma bolha de consumo.

Desta forma, seria lógico para Bolsonaro se desvincular do próprio governo e transferir o foco da eleição para um julgamento de seu principal oponente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para quem comanda um governo impopular, uma saída é ser o antissistema, estando no comando do sistema. Observadores da cena política, como o filósofo Marcos Nobre, apostam nisso.

O problema é que a narrativa que está se desenhando este ano é outra. A eleição de 2018 era momento de protesto e de ruptura. Este não parece ser o quadro agora. Um sinal nessa direção é o fato do índice de rejeição a Bolsonaro ser menor que o de desaprovação a seu governo. É um fator que tende a fazer com que Bolsonaro se afaste ainda mais da postura outsider. A virada de Bolsonaro sobre Lula no primeiro turno não é provável. Segundo turno, como gostam de dizer os políticos, é outra eleição.

Semipresidencialismo

A emenda do semipresiden- cialismo que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) impulsiona, caso venha a ser aprovada, entra em vigor só a partir de 2030, sem afetar, portanto, o mandato de quem venha a ser eleito ou reeleito em outubro próximo. No plano formal, é uma discussão desvinculada da cena eleitoral. No plano subliminar, o significado é diferente.

A introdução desse debate agora, quando a disputa oscila entre Bolsonaro e Lula, dá aos presidenciáveis amostra da disposição no parlamento em abrir mão das prerrogativas que o Legislativo detêm.

Entusiasta da proposta, o coordenador do grupo de trabalho criado na Câmara para o tema, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), diz que o que se busca é achar uma saída institucional melhor para um fato ineludível: o presidente não voltará ao poder que teve um dia. “Vivemos um orçamento parlamentarista com regime presidencialista e o que o próximo presidente vai fazer? Vai acabar com as emendas impositivas? Acabar com as emendas de relator? Com as emendas de bancada? Não vai”, sentenciou o tucano.

Em outras palavras, seja quem for o próximo presidente, não terá o comando do Orçamento, como Bolsonaro atualmente não tem. E mudanças, se vierem a ocorrer no Congresso, serão para fortalecer o Legislativo, não o oposto.

Em relação ao mérito da proposta, o argumento de Moreira, como de outros parlamentaristas, é que o sistema garante mais estabilidade, por pressupor um gabinete com maioria parlamentar, sem barganha a cada votação ou risco permanente de impeachment.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/impresso/noticia/2022/03/25/bolsonaro-mostra-folego-no-datafolha.ghtml