Milton Ribeiro entrega carta de demissão após denúncias de corrupção no MEC
Breno Pires, Julia Affonso e Eduardo Gayer / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Investigado por suspeita de envolvimento com pastores que cobravam propina para intermediar recursos para escolas, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, entregou o cargo ao presidente Jair Bolsonaro. Em carta, Ribeiro disse que as reportagens revelando corrupção na sua Pasta “provocaram uma grande transformação em sua vida”. Ele pediu que as suspeitas de que uma pessoa próxima a ele “poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigados com profundidade”. Ribeiro deixa o cargo dizendo estar “de coração partido”. A exoneração “a pedido” do ministro foi publicada em edição extra do Diário Oficial nesta segunda-feira, 28.
O pedido de demissão ocorre no mesmo dia em que o Estadão revelou que em evento do MEC foram distribuídas Bíblias com fotos do ministro – para especialistas, o ato pode ser enquadrado como crime. A derrocada do ministro começou no dia 18 deste mês, após publicação da primeira reportagem do Estadão sobre o gabinete paralelo na pasta de Ribeiro com atuação dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.
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Na carta, diante dos fatos, Ribeiro disse que decidiu pedir exoneração com a finalidade “de que não paire nenhuma incerteza sobre sua conduta.” Segundo o ministro, ele quer “mais do que ninguém, uma investigação completa e longe de qualquer dúvida acerca de tentativas dele de interferir nas investigações”. O ministro disse que seu afastamento “é única e exclusivamente decorrente de minha responsabilidade política que exigem de mim um senso de País maior do que quaisquer sentimentos pessoais”. Encerra a carta com o “até breve” prometendo voltar se sua inocência for comprovada.
Depois, na redes sociais, o ministro divulgou uma versão diferente da que circulou entre ministros do governo. Na versão final e assinada, Ribeiro suprimiu a parte final em que prometia voltar ao governo. Agora se despediu do cargo – antes, afirmou que seria um “até breve”. Ele também excluiu o trecho em que afirmava que o governo federal combate a corrupção.
“Agradeço e despeço-me de todos que me apoiaram nesta empreitada, deixando o compromisso de estar pronto, caso o Presidente entenda necessário, para apoiá-lo em sua vitoriosa caminhada”, diz a nova versão. “Assim sendo, não me despedirei, direi um até breve, pois depois de demonstrada minha inocência estarei de volta”, afirmava a anterior.
A nova carta se dirige “a todos os estudantes, profissionais da educação, servidores e demais cidadãos brasileiros” e exclui um trecho caro ao público bolsonarista, sobre combate à corrupção. “Decidi solicitar ao Presidente Bolsonaro a minha exoneração do cargo, com a finalidade de que não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e a do Governo Federal, que vem transformando este país por meio do compromisso firme da luta contra a corrupção”, afirmava antes o ex-ministro. Agora, a frase termina em “governo federal”.
A decisão foi tomada após o Estadão publicar uma série de reportagens revelando atuação que o ministro mantinha um gabinete paralelo operado pelos pastores. Em entrevistas ao Estadão, prefeitos contaram que receberam pedidos de propina em ouro em contrapartida para terem demandas atendidas no MEC. Com a demissão, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) passará por sua quinta gestão diferente do MEC.
Nesta segunda-feira, 28, o Estadão mostrou que, em evento do MEC, foram distribuídas bíblias com fotos do ministro Ribeiro, o que pode configurar crime. A compra das bíblias também era parte de pagamento de propina pedida pelos pastores, conforme relato de prefeitos ao jornal.
Quem deve assumir o MEC no lugar de Ribeiro é o secretário-executivo Victor Godoy Veiga, mas de forma interina.
Em um dos casos de privilégio aos evangélicos, a prefeitura de Bom Lugar (MA) conseguiu o empenho de parte do dinheiro solicitado apenas 16 dias depois de um encontro mediado pelos religiosos. A prefeita Marlene Miranda (PCdoB) e seu marido Marcos Miranda participaram no dia 16 de fevereiro de uma reunião no ministério intermediada pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.
O agora ex-ministro era reitor da Universidades Presbiteriana Mackenzie, instituição de ensino privada de São Paulo, e estava no cargo desde junho de 2020, após Abraham Weintraub sair do ministério.
Com a demissão, o governo Bolsonaro passará por sua quinta gestão diferente do MEC. Além de Ribeiro e Weintraub, também comandaram a área federal da educação o professores Ricardo Vélez Rodrguez e Carlos Alberto Decotelli, este último teve a nomeação publicada no Diário Oficial da União, mas ficou somente cinco dias na função, sem nunca ter despachado, por conta de inconsistências no currículo
Após a revelação do caso do gabinete paralelo, deputados decidiram acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) para que Ribeiro seja investigado por suspeita de improbidade administrativa e crime de responsabilidade, entre outras irregularidades.
Os deputados federais Kim Kataguiri (União-SP) e Túlio Gadêlha (PDT-PE) protocolaram pedidos para que a PGR apure as denúncias contra o ministro. Gadelha também apresentou requerimento para que Ribeiro seja convocado a prestar esclarecimentos ao plenário da Câmara. Antes, o deputado Rogério Correia (PT-MG) havia elaborado outro requerimento para pedir a convocação de Ribeiro para falar na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara. Na última sexta-feira, 18, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou a apuração do caso.
A notícia da demissão do ministro repercutiu entre parlamentares que já vinham cobrando apuração de irregularidades no MEC. “Caiu o ministro pelo qual o presidente disse que colocaria a cara no fogo! Milton Ribeiro vai responder a inquérito na PF e no STF. Bolsonaro vai colocar a cara no fogo?”, comentou o senador Jean Prates (PT-RN). "Sem dúvida, a saída é um respiro e um sinal de vitória não só da bancada da educação no Congresso, mas da sociedade civil estarrecida com as denúncias dos últimos dias. No MEC, eles têm podido muito, mas não podem tudo!", disse o deputado e presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, Professor Israel Batista (PV-DF).
A seguir a íntegra da versão final da carta do ministro Milton Ribeiro:
Dirijo-me a todos estudantes, profissionais da educação, servidores e demais cidadãos brasileiros.
Desde o dia 21 de março, minha vida sofreu uma grande transformação. A partir de notícias veiculadas pela mídia, foram levantadas suspeitas a cerca da prática de atos irregulares em nome do Ministério da Educação.
Tenho plena convicção de que jamais pratiquei qualquer ato de gestão que não fosse pautado pela legalidade, pela probidade e pelo compromisso com o Erário. As suspeitas de que foram cometidos atos irregulares devem ser investigadas com profundidade.
Eu mesmo, quando tive conhecimento das denúncias, em agosto de 2021, encaminhei, de imediato, expediente à CGU para que apurasse as situações narradas pelas denúncias. Mais recentemente, solicitei também àquela Controladoria que auditasse as liberações de recursos de obras do FNDE, para que não haja dúvida sobre a lisura dos processos conduzidos. Cumpre ressaltar que os procedimentos operacionais relacionados à liberação de recursos pelo FNDE não são de competência direta do Ministro da Educação.
São quatro os pilares que me guiam: Deus, família, honra e meu País. Além disso, tenho todo o respeito e gratidão ao Presidente Bolsonaro, que me deu a oportunidade de ser Ministro da Educação do Brasil num momento transformador para a educação brasileira. Registro que, sob a condução do Presidente da República, tive a oportunidade de conviver com uma equipe de ministros altamente qualificados e comprometidos com a ética e a probidade públicas.
Assim, levando em consideração os aspectos citados, decidi solicitar ao Presidente Bolsonaro a exoneração do cargo de Ministro, a fim de que não paire nenhuma incerteza sobre minha conduta e do Governo Federal. Meu afastamento visa, mais do que tudo, deixar claro que quero uma investigação completa e isenta.
Tomo esta iniciativa com o coração partido. Prezo pela verdade e sei que a verdade requer tempo para ser alcançada. Sei de minha responsabilidade política, que muito se difere da jurídica. Minha decisão decorre exclusivamente de meu senso de responsabilidade política e patriotismo, maior que quaisquer sentimentos pessoais.
Agradeço e despeço-me de todos que me apoiaram nesta empreitada, deixando o compromisso de estar pronto, caso o Presidente entenda necessário, para apoiá-lo em sua vitoriosa caminhada.
Brasil acima de tudo! Deus acima de todos!
Brasília/DF, 28 de março de 2022 Milton Ribeiro
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,em-carta-ministro-diz-que-sai-do-mec-com-coracao-partido-e-pede-investigacao-completa,70004022219
Revista online | Do esquecimento à depressão, sequelas da covid-19 fragilizam saúde mental
Cleomar Almeida / Revista Política Democrática online
A empresária Olívia Rosana Tavares, de 38 anos, tenta retomar sua rotina com pedidos em uma floricultura de Manaus (AM) desde que recebeu alta do hospital por causa de complicações da covid-19, em janeiro deste ano. “Mas não consigo. Por diversas vezes, já fiz confusão na anotação de pedidos e enviei flores erradas para os clientes”, lamenta.
Além de representar um alívio na luta pela vida, a saída de pacientes do hospital, muitas vezes, também é o início de uma nova guerra contra impactos severos da doença na vida de algumas pessoas que foram contaminadas e, possivelmente, tiveram o cérebro invadido pelo coronavírus.
A ideia de que o coronavírus é capaz de invadir o cérebro está apenas começando a se consolidar. Poucos pesquisadores no mundo foram capazes de analisar o tecido cerebral de pessoas que tiveram Covid. Mesmo no atendimento com a equipe de suporte, Olívia conta que enfrenta novo imbróglio.
“É constrangedor porque nem sempre as pessoas compreendem, já que precisam do produto com urgência em casa, sem contar o prejuízo que estou tendo. Nesses casos, tenho de arcar com o retorno das peças e um novo reenvio delas”, afirmou. “Isso tem me deixado mais ansiosa, estressada e feito eu tomar mais remédio para controlar a depressão”, desabafa.
Alertas
A agenda de saúde frente à pandemia engloba muitas áreas que devem ser cobertas. No entanto, a comunidade médica e a população sabem o risco de uma epidemia paralela, que dá indícios preocupantes: o aumento do sofrimento psicológico, dos sintomas psíquicos e dos transtornos mentais.
“Sabe-se que o vírus entra no organismo ligando-se a um receptor de entrada, o ACE2 (angiotensin-converting enzyme 2), que é encontrado no pulmão e, também, em outros órgãos, como o cérebro”, diz o documento, que faz um alerta para pacientes como a manauense Olívia.
O guia foi coordenado pelos profissionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Santa Catarina (UFSC), de Santa Maria (UFSM), do Ceará (UFC) e do Rio de Janeiro (UFRJ).
Também participaram do guia pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), do Instituto de Ensino e Pesquisa do Envelhecimento (Iepe) de Belo Horizonte e do Hospital Augusto de Oliveira Camargo (HAOC).
As consequências cognitivas e comportamentais podem ocorrer de duas formas, segundo os pesquisadores. Uma delas é por mecanismos biológicos, incluindo a invasão direta do vírus no órgão. Essa invasão ocorre a partir da cavidade nasal e rinofaringe ou ao passar pela região chamada de trato respiratório baixo, por meio do nervo vago.
Neuroinvasão
Além disso, a chamada neuroinvasão pode ocorrer também pela corrente sanguínea. Nesse caso, de acordo com revistas científicas, o vírus transportado pelo sangue pode cruzar uma estrutura responsável por proteger o sistema nervoso central, conhecida como barreira hematoencefálica, e, então, chegar ao cérebro.
A outra ocorre por mecanismos de ativação imunológica e pode demorar mais tempo. Muitas vezes, conforme explica o guia de saúde mental, os efeitos comportamentais ocorrem apenas depois de alguns meses da infecção primária. Isso se deve a um mecanismo conhecido como priming, uma espécie de sensibilização do sistema imune.
Em linhas gerais, o priming é conhecido como um processo pelo qual uma condição antecedente ou exposição anterior potencializa a resposta do sistema imunológico a um estímulo subsequente, envolvendo uma cascata de mudanças funcionais e na morfologia celular.
Em janeiro, pesquisadores da USP publicaram um estudo segundo o qual o Sars-CoV-2 consegue entrar no cérebro humano. Imagens de altíssima resolução serviram de suporte para a análise, com ultrassom, ressonância magnética e tomografia, além de autópsia minimamente invasiva do tecido cerebral de seis pessoas que desenvolveram a forma grave da covid e foram internadas em unidade de terapia intensiva (UTI).
Cientistas, até então, acreditavam que o cérebro era afetado apenas por uma inflamação em resposta à presença do vírus no corpo. Os pesquisadores da USP, porém, verificaram que, com uma biópsia, é possível identificar o vírus nas células microgliais e endoteliais, que revestem a superfície interna dos vasos.
Resquícios do vírus
A análise do tecido cerebral mostrou resquícios da presença do vírus até em cérebros que, nas imagens, pareciam intactos. Por isso, reforçou-se ainda mais o alerta: mesmo que seja de forma assintomática ou leve, este é um vírus para não se ter.
Por causa das sequelas que dificultam a retomada das atividades, Olívia foi encaminhada para tratamento com equipe multiprofissional: neurologista, psiquiatra, cardiologista, psicólogo e educador físico. A ideia é unir forças para que ela consiga parar de anotar pedidos errados de sua floricultura.
“Fiquei bastante ansiosa no início, por perceber que estava anotando tudo errado ou esquecendo muito coisas básicas do dia a dia, mas agora me sinto mais aliviada e sei que vou vencer mais essa batalha aqui do lado de fora do hospital”, afirma ela. “A depressão e a ansiedade também pioraram, mas creio que vai melhorar agora com todo esse apoio profissional”,
acrescenta.
Ansiedade e depressão se alastram em meio à pandemia
No primeiro ano da pandemia da covid-19, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%, de acordo com um resumo científico divulgado, neste mês, pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O estudo destaca quem foi mais afetado e mostra o efeito da pandemia na disponibilidade de serviços de saúde mental e como isso mudou durante a emergência de saúde pública.
Preocupações com possíveis aumentos dessas condições já levaram 90% dos países pesquisados a incluir saúde mental e apoio psicossocial em seus planos de resposta à covid-19, mas permanecem grandes lacunas e preocupações.
“As informações que temos agora sobre o impacto da covid-19 na saúde mental do mundo são apenas a ponta do iceberg”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Este é um alerta para que todos os países prestem mais atenção à saúde mental e façam um trabalho melhor no apoio à saúde mental de suas populações”, afirmou ele.
Uma das principais explicações para esse aumento é o estresse sem precedentes causado pelo isolamento social decorrente da pandemia. Ligadas a essa situação estavam as restrições à capacidade das pessoas de trabalhar, a busca de apoio dos entes queridos e o envolvimento em suas comunidades.
Solidão, medo de se infectar, sofrimento e morte de entes queridos, luto e preocupações financeiras também foram citados como estressores que levam à ansiedade e à depressão. Entre os profissionais de saúde, a exaustão tem sido um forte gatilho até para o pensamento suicida.
Automutilação
Baseado em uma revisão abrangente das evidências existentes sobre o impacto da covid-19 na saúde mental e nos serviços de saúde mental, o resumo também inclui estimativas do último estudo Global Burden of Disease. Além disso, mostra que a pandemia afetou a saúde mental de jovens, que correm um risco desproporcional de comportamentos suicidas e automutilação.
Também indica que as mulheres foram mais severamente impactadas do que os homens e que pessoas com condições de saúde física pré-existentes, como asma, câncer e doenças cardíacas, eram mais propensas a desenvolver sintomas de transtornos mentais.
Os dados sugerem que pessoas com transtornos mentais pré-existentes não parecem ser desproporcionalmente vulneráveis à infecção por covid-19. No entanto, quando essas pessoas são infectadas, elas são mais propensas a sofrer hospitalização, doença grave e morte em comparação com pessoas sem transtornos mentais. Pessoas com transtornos mentais mais graves, como psicoses, e jovens com transtornos mentais estão particularmente em risco.
Saiba mais sobre o autor
Cleomar Almeida é graduado em jornalismo, produziu conteúdo para Folha de S. Paulo, El País, Estadão e Revista Ensino Superior, como colaborador, além de ter sido repórter e colunista do O Popular (Goiânia). Recebeu menção honrosa do 34° Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e venceu prêmios de jornalismo de instituições como TRT, OAB, Detran e UFG. Atualmente, é coordenador de publicações da FAP.
** Reportagem especial produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Roberto Freire: "Esquerda é prisioneira de dogmas dominantes no século 20"
Cleomar Almeida e João Vítor*
O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, criticou nesta sexta-feira (25/3) a esquerda por entender que ainda não acompanhou os anseios da sociedade. “Especialmente no Brasil, temos uma esquerda que ainda é prisioneira de dogmas que foram dominantes no século 20”, disse. Ele participou de seminário em celebração aos 100 anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em Niterói (RJ), e destacou a importância de usar o marco histórico para pensar no futuro.
Veja vídeo abaixo:
100 anos do PCB: evento resgata memória e aponta desafios em Niterói (RJ)
A Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, realizou o seminário do centenário do partido no auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). O PCB se reformulou com o passar dos anos e, em 1992, tornou-se o Partido Popular Socialista (PPS) antes de avançar para a nova identidade política com o Cidadania, em 2019.
Freire destacou o que chamou de "esquerda democrática", a qual, segundo ele, "não fica presa a dogmas, não é ortodoxa e pretende entender interpretar a história conseguindo ser atual, como é na Europa hoje e totalmente hegemônica". Na avaliação dele, não é o caso da América Latina.
Dezenas de militantes e dirigentes do partido participaram do evento, que também contou com a presença do diretor-geral da FAP, o sociólogo Caetano Araújo, e do secretário-geral da direção estadual do Cidadania no Rio de Janeiro, Roberto Percinoto. Uma placa foi descerrada em homenagem a todos dirigentes mortos pela ditadura militar e pessoas que fizeram parte da luta histórica do PCB.
"Perspectiva com jovens"
De acordo com Freire, a celebração do centenário deve ser usada para reflexão sobre a importância da luta do PCB no Brasil e, sobretudo, para estimular a juventude a compreender o contexto histórico com vistas para o futuro. “Não é só conversando sobre o passado, lembrando exílios e missões, mas esse partido, com o Cidadania, está montando uma perspectiva com jovens para pensar no futuro”, ressaltou.
“Eu quero dizer que está havendo um grande enfrentamento com o tempo histórico em relação ao pensamento de esquerda”, disse Freire, para ressaltar depois a necessidade de essa linha política avançar. “Pensar nessa perspectiva é o que nós temos que fazer e é por isso que continuo na luta e que pode nos levar adiante”, afirmou.
"Lições"
O diretor-geral da FAP citou algumas “lições” que marcaram a história do partido e que, segundo ele, podem auxiliar no avanço das lutas por uma sociedade menos injusta, menos desigual e menos excludente. É o caso da mobilização pela equidade, igualdade e em defesa da democracia, que passou a ser ameaçada, sobretudo, durante o atual governo.
“A desigualdade é difícil de superá-la. O Brasil não consegue fazer isso, mas temos que continuar lutando”, destacou. Ele também defendeu a luta incessante pela democracia. “A revolução tem que ser feita de baixo para cima. Tem que acontecer nas mentes e depende de debates, ou seja, democracia. Equivocado o pensamento de que a revolução tem que ser violenta. Isso não produz mudança”, acentuou.
É por isso que Caetano acredita que a democracia é a saída mais possível para solução dos imbróglios na sociedade, inclusive para a crise sanitária mundial da covid-19. “Todos os nossos problemas, para serem resolvidos, precisam de acordos mundiais, e isso também vale para a pandemia. O risco persiste. Exige enfrentamento global com nossa história. Temos muito a contribuir com as lutas do Brasil e com o mundo”, salientou.
"Aprender muito mais"
Com discurso marcado pela emoção, Percinoto chorou ao lembrar sua trajetória no PCB. “Antes de ingressar no velho partidão, eu era simpatizante, não só das reuniões, mas das discussões políticas”, disse ele, que também participou da clandestinidade durante o período em que militantes do partido foram perseguidos pela ditadura militar.
Ao final, o secretário demonstrou que ainda está bastante disposto a seguir na luta partidária. “Não estou desanimado e quero aprender muito mais. Olhar para frente sem o farol de ré ligado”, afirmou Percinoto.
O evento teve debates sobre a fundação do PCB e seu histórico, a relação do partido com o mundo da cultura e intelectuais, além de seu vínculo com lutas sindicais e sua preocupação com a formação política da juventude.
Transmissão ao vivo
O seminário em Niterói teve transmissão ao vivo no portal da FAP, na página da instituição no Facebook e no canal dela no Youtube. O objetivo foi tornar o evento acessível ao maior público possível para registrar a importância do legado do partido principalmente na luta pela democracia.
Desde 2021, a FAP tem realizado diversas atividades e eventos online em celebração ao centenário do partido. Antes do evento em Niterói, a fundação organizou o Seminário Internacional 100 Anos do PCB, realizado de 8 a 10 de março.
*João Vítor é integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da fundação, Cleomar Almeida.
Veja vídeos de eventos do centenário
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Editorial / Revista Política Democrática Online
As pesquisas eleitorais mais recentes consolidam, ao que parece, a estratégia governista no rumo da reeleição. Cultivar o eleitorado fiel, apostar na divisão dos opositores e chegar ao segundo turno, defrontando-se, a persistir a tendência de hoje, com o candidato do PT. Nesse caso, o eixo da campanha governista está definido: aproveitar a rejeição elevada, ao candidato e ao partido oposicionista, alimentar essa rejeição com a desqualificação sistemática, por meio de críticas de cunho moral, não político, e apostar no desânimo do eleitor, manifesto no absenteísmo, no voto branco e no voto nulo.
No campo dos partidos de oposição, a inércia na construção de estratégias comuns de resistência democrática parece conviver com uma atividade febril no que respeita, tanto aos passos dos candidatos já lançados, como à busca de novos nomes que revelem potencial eleitoral mais promissor.
Vimos há pouco a eficácia de uma campanha semelhante nas eleições norte-americanas. Os democratas, divididos, conseguiram a unificação, em primeiro lugar por meio de um acordo amplo, em torno das candidaturas a presidente e, provavelmente, a todos os demais cargos em jogo. Em segundo lugar, por uma campanha muito bem-sucedida em prol do comparecimento às urnas, com a participação de estrelas do esporte e da música popular.
Devemos, todas as correntes do campo democrático, avançar nesse rumo. Em primeiro lugar, com a adesão explícita e ativa dos partidos políticos e seus candidatos à campanha em curso. Em segundo lugar, com a iniciativa da sequência lógica da campanha, com o objetivo final de aumentar o número de votos válidos nas eleições de outubro. À campanha pelo alistamento eleitoral, ou seja, para obter o título de eleitor, devem-se seguir as campanhas complementares pelo comparecimento no dia da eleição e pelo voto válido em candidatos do campo democrático contra o candidato do governo.
A experiência internacional demonstra o impacto da reeleição de governos autoritários no esfacelamento progressivo das instituições democráticas. Por conseguinte, o objetivo da resistência democrática nas eleições deve ser ambicioso: a derrota do governo já no primeiro turno das eleições, com sua exclusão de um eventual segundo turno.
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Braga Netto deixa a Defesa; posse de novo ministro será nesta quinta (31)
Ingrid Soares / Correio Braziliense
Em reunião no Palácio do Planalto nesta segunda-feira (28/3), o presidente Jair Bolsonaro (PL) se encontrou com os comandantes das Forças, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Exército Brasileiro), o almirante de esquadra Almir Garnier Santos (Marinha do Brasil), o tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica) e o auxiliar Pedro Cesar Sousa, subchefe para Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral da Presidência.
Na mesa, foram discutidos os detalhes para que o atual comandante do Exército, Paulo Sérgio de Oliveira, assuma o comando do Ministério da Defesa na quinta-feira (31), no lugar de Walter Braga Netto, que deverá ser vice na chapa de Bolsonaro à reeleição, conforme o próprio chefe do Executivo tem acenado.
Já o posto do comando do Exército ficará a cargo do general Marco Antônio Freire Gomes, em solenidade também prevista para o próximo dia 31.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4996401-braga-netto-deixa-a-defesa-posse-de-novo-ministro-sera-nesta-quinta-31.html
TSE deve derrubar decisão contra manifestação política no Lollapalooza
Weslley Galzo / O Estado de S. Paulo
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve derrubar a decisão do ministro Raul Araújo, também membro da Corte, que proibiu manifestações políticas durante o festival Lollapalooza, encerrado no último domingo, 27. A percepção predominante entre os magistrados, segundo seus interlocutores, é de que a proibição pode manchar a credibilidade que a instituição tem se esforçado para alcançar junto ao eleitorado em um momento decisivo, na medida em que as eleições se aproximam.
Entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que atuam como efetivos no TSE, a avaliação foi unânime contra a decisão do colega de toga. Os magistrados passaram o final de semana tendo conversas sobre os rumos que a Corte deveria seguir para reverter o despacho de Araújo, que estaria isolado no posicionamento adotado contra os artistas do festival.
Como mostrou o Estadão, os ministros viram cerceamento injustificado à liberdade de expressão na decisão. A percepção é de que a instituição, que vem sendo alvo de ataques recorrentes do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus apoiadores, agora estaria exposta a críticas de outros grupos por causa de uma questão jurídica delicada. Especialistas ouvidos pelo jornal avaliaram que a jurisprudência do tribunal apontaria para um sentido contrário do que decidiu o ministro.
Nesta terça-feira, 28, o presidente do TSE, Edson Fachin, manifestou que pretende levar o caso ao plenário da Corte em caráter de urgência. Para que o despacho seja revisto pelos demais ministros é necessário, porém, que Araújo libere o processo para julgamento, o que ainda não tem data para acontecer. A organizadora do Lollapalooza no Brasil, a Time 4 Fun (T4F), já recorreu da decisão — outra exigência para que os demais ministros possam julgar este tipo de ação.
No mês passado, ainda durante a presidência de Luís Roberto Barroso no TSE, Araújo foi designado ministro da propaganda eleitoral ao lado de Maria Cláudia Bucchianeri e Carlos Velloso Filho, todos substitutos na Corte. A função dos três é julgar reclamações ou representações que indiquem irregularidades nas campanhas de candidatos à Presidência.
O ministro decidiu com base em um pedido do partido de Bolsonaro — o PL — contra manifestações das artistas Pablo Vittar e a inglesa Marina. A cantora brasileira desfilou com uma bandeira com o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante o seu show no sábado. Já a artista do Reino Unido disse aos seus fãs estar “cansada dessa energia” e convocou xingamentos contra Bolsonaro. Araújo determinou multa de R$ 50 mil para cada artista que descumprisse a decisão. No último dia do festival, porém, diversos grupos e cantores se manifestaram contra o que decidiu o TSE.
“A manifestação política em mais de um show, uma em absoluto desabono ao pré-candidato Jair Bolsonaro e outra em escancarada propaganda antecipada em favor de ‘Lula’, configuram propaganda eleitoral irregular – negativa e antecipada – além de promoverem verdadeiro showmício, sendo indiferente se o evento foi custeado pelo candidato ou se o mesmo esteve presente no ato”, escreveu Araújo.
O ministro, porém, rejeitou um pedido do PT para retirar outdoors com mensagens de apoio ao presidente espalhados por Rio de Janeiro, Bahia, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Na ocasião, o magistrado entendeu que não foram apresentadas evidências suficientes para que o caso fosse configurado como propaganda eleitoral antecipada.
Supremo é instado a agir
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) apresentou uma reclamação em caráter de urgência ao Supremo contra a decisão do ministro Araújo. Na ação encaminhada à Corte nesta terça-feira, 28, a legenda acusa o TSE de ter praticado “censura prévia”.
Documento
- O PEDIDO DO PDT PDF
“O ponto nevrálgico de insurgência é a proibição genérica, antecipada e indistinta para que artistas se manifestem politicamente, a favor ou contra algum projeto de poder, num cenário pré-eleitoral marcado, naturalmente, pelo enfrentamento e pela polarização”, escreveu o partido. “Esse balizamento judicial antecipado do debate público é geneticamente autoritário”, completou
O PDT argumenta que o Supremo pode ser considerado omisso caso não julgue este caso, pois deixará “acesa a lamparina do autoritarismo, constrangendo toda a classe artística, bem como o exercício da opinião pública em geral”. De acordo com os advogados do partido, a decisão do TSE restringe o direito de expressão dos artistas e gera um “profundo estado de insegurança quanto a apresentações vindouras”.
O partido argumenta que a decisão do ministro representou “flagrante lesão” ao conceito de liberdade de expressão fixado pelo próprio Supremo. O PDT cita julgamento recente sobre showmícios em que os ministros declararam constitucional a apresentação de artistas com a finalidade específica de assegurar recursos para a campanha eleitoral, garantindo o direito de expressão da classe.
“O que se tutela é a prerrogativa de liberdade de expressão de toda a comunidade artística no contexto político-eleitoral, direito titularizado, pois, por qualquer cidadão ou organização”, defendeu o PDT. “Em outras palavras: ainda que existente qualquer “suspeita” de propaganda eleitoral irregular por artistas engajados, a censura nunca será o remédio legítimo a ser encampado pelo Poder Judiciário”, destacou em outro trecho.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/tse-deve-derrubar-decisao-contra-manifestacao-politica-no-lollapalooza/
Autores - Edição 41 (Março/2022)
Saiba mais sobre a entrevistada especial
Dra Margareth Dalcolmo MD, é a entrevistada especial da Edição 41 da Revista Política Democrática online. É PhD é pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz). É doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (USP), com experiência na condução e participação de protocolos de pesquisa clínica e tratamento da tuberculose e outras micobacterioses. É membro de Comissões Científicas das Sociedades Brasileiras de Pneumologia e Tisiologia e de Infectologia, da REDE TB de Pesquisa em Tuberculose e membro do Steering Committee do Grupo denominado RESIST TB, da Boston Medical School.
Integra também o Expert Group for Essential Medicines List da WHO e o Regional Advisory Committee do Banco Mundial para projetos de saúde na África Subsaariana em tuberculose e doenças respiratórias ocupacionais. Tem mais de 100 artigos científicos publicados nacional e internacionalmente. É docente da Pós-graduação da PUC-RJ, membro e ex-coordenadora da Câmara Técnica de Pneumologia e Cirurgia Torácica do Cremerj.
Investigadora principal dos ensaios clínicos SimplicTB da Global Alliance for Tb Research e BRACE Trail para vacina BCG para prevenção da Covid-19. Colunista semanal do jornal O Globo, em “Hora da Ciência”. Presidente Eleita para a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisologia para o biênio 2022-2024.
Luiz Antonio Santini é o autor do artigo ‘Um tempo para não esquecer’ retrata a luta da saúde pública contra a Covid-19. É médico, professor da UFF de Cirurgia e de Saúde Pública, ex-diretor do INCA e pesquisador associado da Fiocruz.
Autor do artigo Projeto Nacional de Desenvolvimento no século 21, Pedro Fernando Nery é Doutor em Economia do Meio Ambiente, mestre e bacharel em economia pela Universidade de Brasília. É Consultor Legislativo do Senado Federal para Economia do Trabalho, Renda e Previdência. Professor de mestrados do IDP. Colunista semanal do jornal O Estado de São Paulo.
Paulo Fábio Dantas Neto é cientista político e professor da UFBa. É autor do artigo Oposição sem rumo numa conjuntura nova.
Autor da Charge da Edição 41 da Revista Política Democrática online, JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
Cleomar Almeida é autor da reportagem especial Do esquecimento à depressão, sequelas da covid-19 fragilizam saúde mental. É graduado em jornalismo, produziu conteúdo para Folha de S. Paulo, El País, Estadão e Revista Ensino Superior, como colaborador, além de ter sido repórter e colunista do O Popular (Goiânia). Recebeu menção honrosa do 34° Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e venceu prêmios de jornalismo de instituições como TRT, OAB, Detran e UFG. Atualmente, é coordenador de publicações da FAP.
Autor do artigo Reflexões sobre a nova ordem mundial, Guilherme Casarões é doutor e mestre pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (Programa SAN Tiago Dantas). Leciona Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP)e na FGV-SP. Pela Contexto é autor do livro Novos olhares sobre a política externa brasileira.
Henrique Brandão é jornalista e escritor. É autor do artigo A Semana de 1922, mais atual que nunca.
Autora do artigo Geraldo e Jabor brilham em outros firmamentos, Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíca.
José Luis Oreiro é autor do artigo Juros e inflação no Brasil – o que explica o comportamento do Banco Central? É professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).
Lobby das armas quer ganhar rótulo de "sustentável"
Kristie Pladson / DW Brasil
Há apenas alguns meses, muitas pessoas ainda acreditavam que nunca testemunhariam uma guerra no continente europeu em sua vida. Agora, cerca de 30 anos após o fim da Guerra Fria, a chance de a Rússia implantar armas nucleares na Ucrânia "não é zero", disse um estrategista nuclear ao New York Times este mês.
Mas a guerra da Rússia contra a Ucrânia também está mudando a conversa em torno de armas convencionais. As empresas de defesa têm visto seus financiamentos diminuírem nos últimos anos, devido às controvérsias em torno da indústria de armamentos. Tanto o varejo quanto os investidores institucionais preferido cada vez mais investimentos que levam em conta critérios ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG), juntamente com o retorno financeiro.
A Comissão Europeia quer apoiar esta tendência com sua taxonomia social, que integra o Pacto Ecológico Europeu, o "Green Deal". Esta regulamentação, atualmente em desenvolvimento e provavelmente ainda a anos de sua implementação, definirá quais atividades econômicas são consideradas "verdes" e que receberão financiamento especial da União Europeia (UE).
Muitas estruturas ESG, embora não todas, utilizadas pelos fundos de investimento sustentável excluem empresas da indústria aeroespacial e de defesa, por causa de seu papel na produção de armas.
Mas a guerra na Ucrânia lançou uma nova luz sobre a indústria de armamentos. Como os governos procuram apoiar a Ucrânia sem se envolver diretamente com a Rússia, as armas de última geração tornaram-se uma das formas mais fortes de as potências militares sinalizarem este apoio. Em uma mudança radical de política, o governo alemão prometeu enviar 1.500 mísseis antitanque e antiaéreos para a Ucrânia.
Braços abertos para fabricantes de armas
O conflito no continente também levou os governos europeus a repensarem as próprias forças de defesa. Após anos de resistência à pressão americana, no mês passado a Alemanha disse que aumentaria seus gastos militares para 100 bilhões de euros em 2022, mais que o dobro do que gastou no ano passado.
"Temos que investir mais na segurança de nosso país para proteger nossa liberdade e democracia", disse o chanceler federal alemão, Olaf Scholz. na ocasião.
Ganhar dinheiro e proteger a natureza é possível?
O lobby do armamento e algumas instituições financeiras estão aproveitando o momento para argumentar que as empresas de defesa devem ser incluídas nas estruturas da ESG.
A contribuição dos fabricantes de armas para "defender os valores das democracias liberais e criar um dissuasor que preserve a paz e a estabilidade global" é um pré-requisito para tratar de outras questões sociais, argumentaram dois analistas do banco de investimento americano Citi em uma série de notas recentes.
O banco sueco SEB já ajustou uma política de sustentabilidade totalmente nova para permitir que seus fundos invistam no setor de defesa.
Mas o peixe graúdo que a indústria tem em vista é a taxonomia da UE, que a Comissão Europeia pretende que seja o "padrão ouro" que orienta o dinheiro público e privado para projetos sustentáveis.
"A invasão da Ucrânia mostra como é importante ter uma forte defesa nacional", disse à Bloomberg Hans Christoph Atzpodien, chefe do BDSV, um grupo de lobby da indústria de defesa alemã. "Apelo à UE para que reconheça a indústria de defesa como uma contribuição positiva para a 'sustentabilidade social' sob a taxonomia da ESG".
Mas muitas pessoas envolvidas com finanças sustentáveis recusam esse argumento.
O rol de críticas
"É absurdo dizer que as armas são sustentáveis", diz Christian Klein, professor de finanças sustentáveis na Universidade de Kassel, na Alemanha. "É como dizer que batatas fritas são sustentáveis porque são gostosas."
"As indústrias sustentáveis nos ajudam a nos tornar independentes de regimes totalitários", afirma Andrew Murphy, diretor da Murphy&Spitz, uma empresa de gestão de ativos sustentáveis ativa na Alemanha desde os anos 1980. Ele aponta para medidas como expandir o uso de energias renováveis e melhorar o transporte público.
"Isto é o que precisa ser promovido", afirma ele à DW. "Não a indústria de armas, não armas que matam pessoas inocentes, destroem moradias e − nas mãos erradas − permitem guerras de agressão por governantes famintos de poder".
"Se a Europa tivesse considerado as questões sustentáveis de forma muito mais consistente, não teríamos acabado na terrível situação que enfrentamos hoje", acrescenta. " O fracasso em se concentrar na forma de energia mais econômica e ecologicamente viável, a energia eólica e solar, foi o que em primeiro lugar permitiu a Putin travar guerras de agressão".
Algo entre o verde e o marrom
Klein está aberto para discutir se as empresas de defesa caem em uma zona cinza sob o aspecto ético, semelhante a onde se encontram atualmente a energia nuclear e a indústria de combustíveis fósseis.
"As pessoas frequentemente acham que o que não é sustentável é o oposto de sustentável", disse Klein. "Significa que o que não é verde é marrom. Isso é errado".
É este mal-entendido que deixa empresas frustradas com a perspectiva de serem deixadas de fora da taxonomia da UE. "Isso porque não tem nada a ver com a mudança climática", explica Klein à DW.
"No final das contas, a taxonomia trata de melhores condições de financiamento para atividades ou empresas sustentáveis", diz. "E eu realmente não entendo por que a indústria de armas deveria ter melhores condições de financiamento."
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/em-meio-%C3%A0-guerra-da-ucr%C3%A2nia-lobby-das-armas-quer-r%C3%B3tulo-de-sustent%C3%A1vel/a-61264064
Lei das fake news pode blindar 750 mil políticos e instituições
Patrícia Campos Mello / Folha de S. Paulo
Ao menos 750 mil perfis de instituições e políticos, do presidente da República até vereadores, poderão contestar na Justiça as plataformas de internet e pedir restabelecimento célere de contas ou posts que violem regras caso a lei das fake news seja aprovada conforme a proposta atual.
Se prevalecer a última versão do projeto de lei 2.630, apresentada na quarta-feira (24) pelo relator, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), o tratamento especial será estendido para todas as contas que esses políticos mantiverem no Facebook, TikTok, Twitter, YouTube e Instagram e forem usadas para manifestações oficiais do cargo.
Ou seja, se um secretário municipal tiver dez perfis identificados no Instagram, os outros podem ter direito à mesma blindagem —por exemplo, ao violarem regras como a proibição de incitação à violência e ameaças ao sistema eleitoral.
Além disso, o texto prevê que a imunidade parlamentar se estenderá ao conteúdo veiculado por legisladores nas plataformas de internet.
Segundo Orlando, a legislação prevê a via rápida judicial, mas também cria obrigações importantes para todas essas contas de interesse público —que ficam impedidas de bloquear outras contas e de fazer monetização de seus perfis e precisam se submeter aos princípios da administração pública.
"Quem ler o texto verá que o objetivo é o contrário. Nós estabelecemos deveres que devem ser cumpridos pelas contas de interesse público. A lei não é para proteger deputado. Ela apenas dá celeridade a decisões judiciais, pois são contas que, em tese, são de interesse público", diz.
O deputado vai encaminhar o relatório para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nesta terça-feira (29). Lira tem dito a interlocutores que quer votar a urgência da tramitação e o projeto na sequência.
O artigo que estabelece a proteção extra para contas de interesse público tem apoio tanto de governistas quanto de parlamentares da oposição.
Ele surgiu de vários projetos de lei de deputados bolsonaristas que foram apensados ao projeto 2.630 e cujo objetivo principal era proteger políticos do "efeito Trump".
O ex-presidente dos EUA Donald Trump foi banido do Twitter, Facebook, Instagram e YouTube na esteira da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, acusado de usar as redes sociais para incitar a violência ou atacar a integridade cívica.
Defensores da blindagem afirmam que se trata de uma maneira de impedir as plataformas de internet de terem poder excessivo sobre contas de interesse público, que não teriam maneiras de recorrer de decisões arbitrárias.
Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, critica a extensão da imunidade parlamentar para as redes sociais.
"Não se trata de uma mera repetição do que já está na Constituição. Abre margem para uma interpretação do Judiciário de que as plataformas são obrigadas a manter conteúdo de parlamentares, de que esse conteúdo é imune em relação às regras privadas da plataforma", diz.
"E nós sabemos que muitas vezes os parlamentares fazem publicações problemáticas nas redes sociais, que causam danos na vida real, incitam a violência."
No entanto, Cruz diz que a via rápida judicial para as contas de interesse público, ao contrário da imunidade parlamentar, é uma medida adequada.
"É uma solução inteligente pois, às vezes, as plataformas abusam de seu poder ao remover uma conta de interesse público que está sendo usada de maneira legítima."
O advogado Diogo Rais, cofundador do Instituto Liberdade Digital, afirma que o intuito de fazer contas de interesse público cumprirem os preceitos da administração pública é louvável, mas o custo será alto.
"O artigo 22 [do projeto de lei] elenca uma quantidade muito grande de pessoas, e algumas que ocupam cargos muito transitoriamente. Como apertar esse botão de liga e desliga e saber quem saiu de um cargo? Só de pensar em secretários municipais de 5.570 municípios no Brasil, muita gente no cargo por período curto... Quem vai ficar monitorando isso?", diz.
"Há também a questão da igualdade eleitoral. Todo mundo que tem cargo público passa a ter uma conta protegida e vai concorrer com pessoas que não têm esse mesmo tipo de proteção digital. Cria uma espécie de superpoder."
Outro ponto polêmico do projeto é o artigo que equipara as plataformas de internet a meios de comunicação.
As empresas e parte da sociedade civil afirmam que isso viola o Marco Civil da Internet e pode tornar inviável a atividade dos gigantes de tecnologia no Brasil.
Por influência do Supremo Tribunal Federal, o texto incorporou um artigo determinando que as plataformas passarão a ser consideradas "meios de comunicação social" para os fins da Lei da Inelegibilidade —que prevê cassação de candidatos a cargos eletivos que recorrerem à "utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social".
O artigo incorporado remete à decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no ano passado na ação que pedia a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por disparos em massa durante a campanha eleitoral em 2018, rejeitada pela corte.
Nessa decisão, assim como na que resultou na cassação do deputado estadual Fernando Francischini por fazer uma live no Facebook com alegações falsas de fraude na eleição de 2018, o tribunal equiparou as plataformas de internet a meios de comunicação.
Mas as big techs temem que isso vá contra o espírito do Marco Civil da Internet.
A legislação que regula o funcionamento da internet no Brasil estabelece, no artigo 19, que as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem providências.
Ao considerar as plataformas de internet como meios de comunicação, como produtores e não apenas disseminadores de conteúdo, a lei das fake news poderia impor às plataformas as mesmas obrigações e responsabilizações que vigoram para os meios de comunicação tradicionais, como TVs e jornais.
Segundo Orlando, o texto só se aplica a esse contexto eleitoral e não viola o Marco Civil nem responsabiliza plataformas por conteúdo de terceiros.
No início do mês, os gigantes de tecnologia lançaram uma ofensiva de relações públicas contra o projeto de lei e publicaram, em diferentes veículos de comunicação, anúncios afirmando que ela traria consequências negativas às pequenas empresas que usam publicidade online em seus negócios.
O Google, além de divulgar uma carta aberta, chegou a enviar emails a anunciantes afirmando que o projeto de lei iria prejudicar empresas de todos os tamanhos.
A pressão fez efeito. O artigo 7, que poderia ser interpretado de modo a inviabilizar o uso de dados de usuários para vender anúncios direcionados a audiências específicas, teve o texto modificado.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/lei-das-fake-news-pode-blindar-750-mil-politicos-e-instituicoes.shtml
Milton Ribeiro será ouvido pelo Senado nesta semana e tem muito a explicar
Cristiane Noberto e Taísa Medeiros / Correio Braziliense
Ao cumprir um "pedido especial do presidente da República" — como disse —, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, se envolveu no que pode ser um grande escândalo de corrupção do governo de Jair Bolsonaro (PL): a denúncia é de que pastores tinham atendimento preferencial na liberação de verbas da pasta para prefeituras. O caso virou alvo de investigação da Polícia Federal e, nesta semana, Ribeiro terá de dar explicação na Comissão de Educação do Senado. A oitiva está marcada para quinta-feira.
Conforme as denúncias, dois pastores evangélicos, Arilton Moura e Gilmar Santos, teriam nas mãos o controle sobre as verbas destinadas a prefeituras via Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Contudo, para que os repasses fossem feitos, ambos cobravam "apoio" nas construções de igrejas e exigiriam propinas, entre R$ 15 mil e R$ 40 mil. Até 1kg de ouro teria sido negociado — para que as verbas chegassem nas mãos dos prefeitos.
Ribeiro admitiu ter tomado ciência do esquema em 2020, mas somente há cerca de um ano — segundo afirma — reportou o caso à Controladoria-Geral da União. O órgão, por sua vez, só acionou a Polícia Federal e ao Ministério Público Federal (MPF) após as denúncias da imprensa — o Estadão revelou a existência desse "gabinete paralelo" de evangélicos, e a Folha de S.Paulo obteve áudio no qual Ribeiro diz que seguia ordens de Bolsonaro.
De acordo com registros do Ministério da Educação, pelo menos 44 prefeitos foram recebidos por Milton Ribeiro em reuniões acompanhadas pelos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos. Em 15 meses, foram ao menos 19 registros públicos da agenda de Ribeiro em que constava a presença da dupla de religiosos.
A movimentação ocorria, principalmente, por meio do FNDE, detentor de uma das maiores fatias do orçamento do ministério. Entre 2019 e 2021, o Fundo, ligado à pasta, recebeu mais de R$ 50 bilhões por ano para a construção de creches e escolas, aquisição de ônibus escolares, construção ou reformas de quadras esportivas em escolas, compras de material didático, entre outros. A proposta para a realização dessas atividades é feita pelas prefeituras anualmente, dentro das condições que o MEC exige (veja arte). As medidas foram aperfeiçoadas, nos últimos anos, na tentativa de evitar fraudes.
Conivência
Mesmo com o endurecimento das regras, os repasses podem ter ocorrido por meio dos convênios entre União e municípios, as "transferências voluntárias". Secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco explicou que as propostas são analisadas pelo ministério dentro de prioridades, conveniência, oportunidade, existência ou não de creches e de escolas na região pleiteada. De acordo com o economista, são levados em consideração critérios e parâmetros técnicos.
"Não é isso que vem acontecendo. Na verdade, esses dois pastores acompanham o ministro, facilitam o contato de prefeitos com o ministro e, posteriormente, como tem sido provado em matérias feitas, essas liberações acontecem, e acontecem numa velocidade, inclusive, anormal", afirmou Castello Branco. "Esses pastores podem estar incidindo, naturalmente, com a conivência do ministro, num crime até de usurpação da função pública, porque não são funcionários do ministério", destacou.
Um dos 44 prefeitos que participaram dessas reuniões, Júnior Garimpeiro (PP), de Centro Novo (MA), já foi preso em uma investigação de garimpo ilegal, em setembro de 2021. Conforme apurado da Folha de S.Paulo, ele foi detido na Operação Curimã, da Polícia Federal, que tinha o objetivo de desarticular uma quadrilha responsável por desmatar extensas áreas de terra e transformá-las em garimpos. Antes de se entregar na Superintendência da PF em São Luís, Garimpeiro passou 13 dias foragido. Ele chegou a ser encaminhado para o presídio de Pedrinhas, mas foi liberado pela Justiça.
Outro prefeito recebido pela dupla de pastores foi Gilberto Braga (PSDB), do município de Luís Domingues (MA). Em entrevista ao Estadão, Domingues afirmou que o pastor Arilton Moura teria pedido R$ 15 mil antecipados e mais um 1kg de ouro para dar andamento às demandas da prefeitura junto ao Ministério da Educação. A conversa com o intermediador teria ocorrido em abril do ano passado. Conforme o gestor, os pastores não faziam nada escondido. "Ele (Arilton) falou, era um papo muito aberto. O negócio estava tão normal lá que ele não pediu segredo, falou no meio de todo mundo. Inclusive, tinha outros prefeitos do Pará. Ele disse: 'Olha, para esse daqui, eu já mandei tantos milhões; para outro, tantos milhões'", relatou.
Pressão
O deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) enfatizou que o caso merece uma investigação rigorosa. "Pode estar se caracterizando como grave desvio de função, finalidade e de recurso", frisou. "O ministro da Educação não faz o que quer. Prejudica uns e privilegia outros, gabinetes paralelos, despachos secretos e liberação de recursos sem obedecer a nenhuma política pública", criticou.
Na avaliação do presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação, deputado Professor Israel (PV-DF), é fundamental que seja instalada uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) para apurar responsabilidades. Ele protocolou o pedido de instalação na terça-feira. "Os parlamentares estão se mobilizando. Nós já estamos com o apoio de diversos partidos, tanto da oposição quanto de centro", frisou. Ele disse contar com nomes como o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM); e os senadores Alessandro Vieira (PSDB-SE), Fabiano Contarato (PT-ES) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
"Mais uma vez, o governo demonstrou que tem um modus operandi que já se repetiu, no Ministério do Desenvolvimento Regional; já se repetiu no da Saúde, no caso da compra das vacinas; e, agora, mais uma vez, percebemos o mesmo tipo de atuação por meio de gabinetes paralelos no Ministério da Educação", justificou.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4996330-milton-ribeiro-sera-ouvido-pelo-senado-nesta-semana-e-tem-muito-a-explicar.html
Leite decide ficar no PSDB e começa a avisar a aliados em telefonemas
Thiago Prado / O Globo
RIO — O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, decidiu ficar no PSDB e começou a avisar aliados em telefonemas na noite deste domingo, véspera da coletiva em que dará comunicando a sua desincompatibilização do governo do Rio Grande do Sul. Conforme O GLOBO revelou na semana passada, essa era a tendência de Leite depois de conversas com tucanos que se opõem ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), vencedor das prévias tucanas no ano passado.
Desde o convite para entrar no PSD feito pelo presidente do partido, Gilberto Kassab, uma ofensiva para manter o governador gaúcho foi realizada pelo senador Tasso Jereissati e o deputado federal, Aécio Neves. Leite havia sinalizado que deixaria o PSDB para disputar o Planalto, mas mudou de ideia ao longo da última semana analisando argumentos apresentados por aliados. O principal deles, o fato do PSD nos estados ter candidatos a governador alinhados ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Lula.
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A negativa de Leite impõe o desafio a Kassab de buscar uma nova alternativa para a disputa ao Planalto. No ano passado, o plano A do presidente do PSD era a candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que deixou o DEM, mas acabou recuando de participar da corrida como opção da terceira via. Kassab chegou a abrir conversas com Lula e o PT, mas insiste que o partido que comanda terá candidatura própria e, assim, começou a negociar com Leite.
Doria fala em 'golpe'
Neste domingo, o governador de São Paulo, João Doria, afirmou que a existência de qualquer articulação no PSDB para retirá-lo das eleições presidenciais configura um “golpe”. A declaração foi dada após a movimentação de parte dos tucanos para ignorar as prévias realizadas em novembro — com vitória de Doria — em prol de uma candidatura de Eduardo Leite, derrotado no pleito interno.
Faça o teste: Você conhece os pré-candidatos à Presidência?
— Uma tentativa torpe, vil, de corroer a democracia e fragilizar o PSDB —afirmou João Doria, durante coletiva para anunciar uma nova etapa da vacinação da quarta dose contra Covid, ao ser questionado sobre a articulação de integrantes do partido para não reconhecer as prévias da sigla.
O PSDB saiu rachado das prévias e, quatro meses depois, Doria não conseguiu unir o partido. O pleito foi marcado por idas e vindas, e chegou a ser adiado após um episódio de suspeita de ataque hacker ao sistema de votação. Ao fim das eleições internas, João Doria recebeu 53,99% dos votos, e derrotou Eduardo Leite, que somou 44,66%, e o ex-senador e ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio, que teve apenas 1,35%.
Além do desafio interno, Doria precisa aplacar uma rejeição de 30% dos eleitores, de acordo com a última pesquisa Datafolha, divulgada na semana passada. Trata-se de uma média inferior somente à de Bolsonaro, sob a recusa de voto de 55% dos eleitores, e de Lula, com 37%. Além de um cenário que aponta para uma missão complicada no primeiro turno, Doria viu crescer a concorrência interna com Leite, um nome também ventilado para a chamada terceira via.
Aliados que ajudaram a convencer Leite a ficar no PSDB dizem que a convenção da sigla vai homologar o nome do candidato a presidente, independente do resultado das prévias. Avaliam ainda que os demais partidos que negociam com os tucanos — União Brasil, MDB e Cidadania —são simpáticos ao governador gaúcho e que a aliança estaria acima da disputa das primárias do PSDB.
Na última pesquisa Datafolha, Doria e Leite aparecem virtualmente empatados, ainda que não tenham sido testados juntos. Em um cenário sem Leite, Doria soma 2%. Na situação sem o governador paulista, o colega gaúcho tem 1%.
Igor Gielow: Bolsonaro mira disputa com Lula em discurso vazio e messiânico
Igor Gielow / Folha de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro (PL) lançou oficialmente sua campanha à reeleição com um discurso no qual desenhou um embate direto com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) baseado em critérios emocionais. Vazia e messiânica, a fala foi uma versão resumida de todos os temas caros ao bolsonarismo nesses pouco mais de quatro anos no poder.
Foi um lançamento ilegal também, mas até aí qualquer presidente sentado na cadeira está em campanha permanente. Vejamos como agirá o Tribunal Superior Eleitoral, bastante eficaz ao admoestar atrações de festivais de música pop, mas ao fim será ao máximo uma multa de trânsito de uma corrida na penúltima volta.
Olhando a forma, o palco do evento de filiação do PL, ou algo assim, era uma espécie de consolidação do Bolsonaro pós-apoplexia golpista de 2021.
Estavam lá elementos clássicos da safra 2018, como o militarismo de pijama (general Augusto Heleno), o indefectível deputado Hélio Lopes, o oportunismo do ministro-astronauta, o clima de culto na fala da primeira-dama, o sentido de clã na presença do filho Flávio.
Mas brilhavam mesmo os adereços do modelo 2022: a fina flor do centrão, Valdemar Costa Neto à frente com Fernando Collor —espera-se que o presidente não seja supersticioso.
No conteúdo, uma amarração depurada das paranoias do bolsonarismo, mas com um tom distintamente comedido. O ataque a Lula, seu adversário ideal para o segundo turno (os petistas pensam o mesmo com sinal inverso), foi feito como a culminação de uma daquelas jornadas do herói esmiuçadas por Joseph Campbell.
Em resumo, Bolsonaro se mostra como um predestinado (ele chegou perto de dizer que foi Deus que o mandou se candidatar), cuja vida deixou de pertencer a si mesmo, que enfrentou a morte e foi salvo por um milagre no atentado de 2018 e que agora enfrenta tudo e todos em nome de um futuro melhor.
"Não é uma luta entre esquerda e direita. É entre o bem e o mal", disse, inferindo a plateia de que lado o "mito", aspas compulsórias, está.
Discutir políticas públicas, preço dos combustíveis, pastores do MEC, obras que sejam, nada disso está no cardápio de forma assertiva. Politicamente, é o melhor caminho para o presidente, dado que política é emoção. O que importa é demonizar o adversário, uma atualização do que o próprio Lula fez no poder, quando berrava o "nós contra eles" —eles sendo a tal elite que tanto se deu bem em suas gestões.
Houve espaço para Bolsonaro repetir suas ideias obscuras sobre democracia e liberdade, usualmente associadas a armar a população. O Judiciário de Alexandre de Moraes foi devidamente criticado, sem nomes colocados, e uma sugestão incompreensível de "muito lá na frente" entregar o poder "com transparência" foi feita.
Entenda-se o que quiser aqui, dada a dissonância cognitiva usual do raciocínio presidencial, mas o desejo no coração do bolsonarismo sempre foi o de perpetuação tribal. Nenhuma novidade, portanto.
O interessante da fala vazia de sentido é que ela requenta temas de 2018 como se o governo do PT não tivesse acabado em 2016, sob as ruínas econômica e política de Dilma Rousseff. É nesse antipetismo mais gutural que o presidente se agarra, e a relativa melhoria de sua avaliação e sua intenção de voto na classe média mostram que é uma tática com eficácia.
Se será suficiente para sobreviver à turbulência de um ano em que se fala até em guerra nuclear, é incerto, mas pode o ser para garantir o segundo turno dos sonhos de Lula e Bolsonaro.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/bolsonaro-mira-disputa-com-lula-em-discurso-vazio-e-messianico.shtml