Atrás de Lula, Bolsonaro agora 'corteja pobres', reporta Washington Post
O Washington Post foi a Sertânia, interior de Pernambuco, para reportar que, "Tropeçando nas pesquisas, Bolsonaro corteja uma faixa demográfica surpreendente: os pobres". Está na home page (abaixo), com foto da Bloomberg de toalhas estampadas com o atual e o ex-presidente, à venda no Pará.
"Quase metade dos moradores da cidade está recebendo um benefício em dinheiro fornecido aos pobres, uma quantia recentemente dobrada por Bolsonaro", descreve o correspondente.
Correndo contra o tempo, ele passou a priorizar eleitores pobres, alvo "improvável para um nacionalista de direita que passou sua carreira travando guerras culturais e glorificando as Forças Armadas". Bolsonaro se declara "o presidente que fez o maior programa social do mundo". Rebate o WPost:
"Mas esta é a realidade: ser pobre no Brasil poucas vezes foi tão difícil. A pandemia deixou o país mais empobrecido, mais desigual e mais desempregado. A inflação subiu acima de 10%. O custo da gasolina em alguns lugares está em níveis recordes. Quase 20 milhões relatam ter passado fome recentemente. À medida que as pessoas ficam em atraso e perdem suas casas, novas favelas estão crescendo em todo o país."
GOVERNO LOUCO
A nova edição da revista The New Yorker traz extenso perfil de Caetano Veloso, sob o título, na edição impressa, "O efeito Caetano". Na legenda da foto (acima), uma declaração: "Sempre percebi a singularidade do Brasil. Percebi uma missão para levarmos ao mundo".
O enviado passou uma semana no Rio e o descreve como alguém que "revolucionou o som e o espírito do Brasil", de "rosto bonito", "tímido", "suspeitamente modesto para um músico mundialmente famoso", com "uma das vozes mais marcantes da música".
Ouve dele que a vida sob Bolsonaro "é ruim, tão ruim quanto na ditadura, mas é uma situação diferente". As pessoas no poder "estão nostálgicas da ditadura, mas naquela época tivemos um golpe. Agora estamos sob um governo louco durante um período democrático".
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nelsondesa/2022/02/atras-de-lula-bolsonaro-agora-corteja-pobres-reporta-washington-post.shtml
Brasil inicia 2022 com estagnação econômica, avalia Benito Salomão
Benito Salomão / Revista Política Democrática Online
O ano de 2022 teve início e com ele a esperança de que o duro biênio 2020/21 fique na lembrança, ou que preencha a metade de uma página dos manuais de história que ensinará os estudantes do futuro sobre este turbulento período. Não é isso que acontecerá, no entanto, com relação à economia. O ano de 2022 nasce com os mesmos problemas econômicos de 2021. Muitos dos quais já se vêm arrastando há mais de uma década. Este artigo versará sobre um destes problemas, a estagnação econômica.
O PIB é um dos indicadores utilizados pelos economistas, capaz de medir a evolução da riqueza em um país em um intervalo de tempo. Em uma abordagem dinâmica e de mais longo prazo, pode ser dividido em dois componentes: tendência e ciclo. O primeiro componente envolve uma trajetória de crescimento de longo prazo, isto é, o potencial de crescimento de uma economia que depende de uma combinação de fatores: demografia; estoque de capital; disponibilidade de recursos naturais e o padrão tecnológico de cada economia. Já os ciclos nada mais são do que as flutuações de curto prazo que o produto faz em torno da sua tendência.
O Brasil tem problemas evidentes em ambos os componentes supracitados. No que se refere ao ciclo, as estatísticas do IBGE relativas ao PIB do 2° e 3° trimestre de 2021 mostraram que o país está em recessão técnica. Isto ocorre quando por 2 trimestres consecutivos os dados do Produto Interno Bruto vêm negativos. Isso tudo depois de um ano recessivo em 2020 quando o PIB retraiu 4,1%, a maior queda para um único ano desde que se têm dados.
Entretanto, é no componente de longo prazo que o Brasil apresenta seu principal desafio. Em tal abordagem, os economistas usualmente substituem o PIB pela métrica do PIB per capita, para auferir a evolução da riqueza em um país. Isso porque no longo prazo mudanças demográficas influenciam o tamanho da riqueza, de forma que elevações do PIB podem ser apenas aparentes. Na última década, entre os anos de 2011/20, a economia brasileira apresentou queda real do PIB per capita. Embora ainda não se tenham dados precisos acerca da população brasileira, devido à descontinuidade do Censo Demográfico, estimo que, em 2020, o PIB per capita da economia brasileira equivalia ao ano de 2009.
No caso do Brasil dos últimos 12 anos, divergência é o que se vê. O país vem-se distanciando em termos de renda per capita do resto do mundo. O mais grave é que o país entrou na nova década crescendo pouco. Os 4,5% de crescimento previstos para 2021 mal repõem a queda de 4,1% de 2020. Para 2022, a mediana das previsões do Boletim Focus aponta para um PIB de 0,28%. Nada garante, no entanto, que, ao longo do ano, essas estimativas não sejam revisadas para baixo, e o ano termine em recessão. Mas, supondo que a projeção do Focus se mantenha, isso em termos per capita, indica mais um ano de crescimento negativo.
Em resumo, em plena década de 2020 a economia brasileira segue presa em uma renda per capita da década de 2000. Este é um cenário que os economistas chamam de armadilha da renda média, mas eu prefiro chamar de risco eminente de decadência econômica. Longos períodos de estagnação podem levar a sociedade a se acostumar com uma situação anômala. Um brasileiro nascido em 2010 será um adulto em 2030 e pode não ver seu país crescer com robustez. Nos 20 anos que precederam o Plano Real, não faltou quem dissesse que a hiperinflação era uma doença crônica sobre a qual muito pouco poderia ser feito e que o país estaria condenado a conviver com tal problema.
Falta de crescimento, tal como a inflação são problemas econômicos para os quais existem soluções. No caso da economia brasileira, os fatores que causam estagnação econômica por longo período são objetivos: insegurança jurídica, defasagem do modelo tributário, falta de integração com as cadeias globais de valor, sucateamento do capital físico (infraestrutura) e humano (ciência e tecnologia), fragilidade fiscal do Estado. Tais fatores são matérias primas para o próximo governo em 2023, isso porque os problemas são do tamanho da melhora que pode emergir a partir de suas soluções graduais.
* Benito Salomão é economista.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro/2022 (40ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Luiz Carlos Azedo: Aliança de Lula com Alckmin aprofunda racha do PSDB
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva praticamente consolidou sua aliança com o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, que deve mesmo ser o vice de sua chapa, indicado pelo PSB. A retirada da candidatura do senador Humberto Costa (PT) ao governo de Pernambuco facilitou o acordo entre os dois partidos. Permanece a pendência entre o ex-governador Márcio Franca e o ex-prefeito Fernando Haddad em relação à disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, candidatura postulada também por Guilherme Boulos, do PSol. Entretanto, isso não será mais empecilho para a aliança nacional. O que subiu no telhado foi a federação entre o PT e o PSB por causa das dificuldades regionais, que têm provocado trocas de acusações entre dirigentes dos dois partidos.
A decisão de reservar a vice para Alckmin, que foi o candidato à Presidência pelo PSDB nas eleições passadas, amplia o apoio à candidatura de Lula, principalmente em São Paulo, ensanduichando ainda mais o governador João Doria, o pré-candidato tucano, que não consegue sair dos 2% de intenção de voto nas pesquisas. Além de sinalizar para a elite paulista a disposição de fazer um governo de centro-esquerda, mina as bases municipais de Doria, que sempre se identificaram com Alckmin, desde a época em que era vice do governador Mario Covas.
Agora, Lula se movimenta também em direção ao senador José Serra (SP), outro líder histórico do PSDB. Apesar dos problemas de saúde, que inclusive o obrigaram a se licenciar, cedendo a cadeira no Senado para seu primeiro suplente, José Aníbal, Serra tem revelado a interlocutores que deseja concorrer à reeleição. Um acordo com Serra, outro ex-governador paulista, praticamente garantiria a vitória de Lula em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país.
Apesar de todas essas dificuldades, Doria não pretende jogar a tolha. Faz apostas de alto risco, mas não tem alternativa. O governador venceu duas eleições largando bem atrás, sem apoio da maioria dos parlamentares do PSDB e conquistou tanto a Prefeitura de São Paulo quanto o Palácio dos Bandeirantes com um discurso liberal, focado no desempenho administrativo.
Em ambas as disputas, não aceitou ser refém da política tradicional. Quando disputou a prefeitura paulista, era um coelho que Alckmin tirou da cartola. Na eleição para o governo do estado, porém, se tornou a criatura que se virou contra o criador, cristianizou o padrinho político e se elegeu na aba do chapéu do presidente Jair Bolsonaro, ao qual faz ferrenha oposição agora. O resultado é o ódio dos petistas e dos bolsonaristas.
Doria colecionou desafetos no PSDB paulista, que agora derivam em direção a outras candidaturas. Está ancorado nas relações do vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), que deve assumir o comando do Palácio dos Bandeirantes, com os prefeitos paulistas. Oriundo do DEM, a filiação de Garcia ao PSDB descontentou Alckmin e outros caciques tucanos, como Aníbal. O pior dos mundos, para Doria, será a “cristianização” pelos prefeitos, após deixar o governo.
Em nível nacional, Doria também enfrenta dificuldades por causa do afastamento da União Brasil (a fusão do PSL e do DEM) de sua candidatura. A alternativa vem sendo negociar uma federação com o MDB e o Cidadania, o que não é uma tarefa fácil, por vários motivos.
Dificuldades
No MDB, a candidatura da senadora Simone Tebet (MS) é mais ameaça do que oportunidade. Como ambos estão tecnicamente empatados nas pesquisas, Doria corre o risco de ver a vice dos seus sonhos se tornar uma candidata mais competitiva. O problema de Simone é a ala do MDB que pretende apoiar a candidatura de Lula no primeiro turno.
No Cidadania, a federação está no telhado desde a reunião da Executiva do partido, que rachou meio a meio quanto ao acordo com o PSDB. O pré-candidato do Cidadania, senador Alessandro Vieira (SE), não é o principal obstáculo ao acordo, embora sua candidatura até agora esteja mantida pelo partido. O maior problema de Doria é a resistência à federação com o PSDB em 16 estados, dos quais 12 se manifestaram publicamente contra a aliança.
Mesmo assim, o presidente do Cidadania, Roberto Freire, trabalha para selar o acordo, juntamente com o líder da bancada, Alex Manente (SP), que, inclusive, articula o nome da senadora Eliziane Gama (MA) para vice de Doria. As alternativas em discussão no Cidadania são federar com o PDT ou Podemos ou manter a candidatura de Vieira.
Doria sonha com a desistência do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o candidato do Podemos, que atualmente sofre um ataque especulativo de todos os demais candidatos. O ex-juiz federal de Curitiba é o nome preferido de Doria para concorrer ao Senado por São Paulo, o que seria uma jogada de altíssimo risco, mas retiraria de campo um concorrente que vem atrapalhando seus planos de ser o candidato da terceira via.
Outra ameaça ao projeto de Doria é a movimentação do ex-prefeito paulista Gilberto Kassab, presidente do PSD. Tudo indica que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), está mais empenhado na reeleição para o cargo do que na pré-candidatura à Presidência, que não emplacou nem mesmo em Minas. Em busca de uma alternativa, Kassab conversa com o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, cuja filiação ao PSD deve ocorrer no final do mês. Uma eventual candidatura do político capixaba seria mais um problema para o tucano.
‘Faltou apoio para a agenda liberal’, diz Paulo Guedes
Adriana Fernandes e José Fucs / O Estado de S.Paulo
Ao completar três anos no cargo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tornou-se uma voz mais solitária do que nunca na defesa das bandeiras liberais no governo. Movido por uma resiliência surpreendente e pelo que define como “senso de compromisso e de responsabilidade com 200 milhões de brasileiros”, ele procura levar adiante a sua agenda de reformas e de modernização do Estado, apesar das seguidas rasteiras que leva do presidente Jair Bolsonaro e da oposição escancarada de colegas da Esplanada dos Ministérios e de parlamentares ligados à base governista no Congresso.
O ministro reafirma a sua disposição de seguir em frente e exalta a “relação de respeito” que mantém com Bolsonaro. Como apurou o Estadão, Guedes continua a desempenhar o papel de Dom Quixote do liberalismo em Brasília, mas está se exaurindo no processo. Parece ser mais forte do que ele próprio a determinação de tentar fazer a “coisa certa”, em meio a um grupo de ministros cujas ideias são mais próximas do nacional-desenvolvimentismo predominante no regime militar e repaginado nos governos do PT. De acordo com relatos feitos por diferentes fontes, Guedes procura manter o equilíbrio nas contas públicas, mas muitos de seus pares conspiram a céu aberto para abrir os cofres, esperando com isso azeitar a campanha de reeleição de Bolsonaro e – acima de tudo – as suas próprias campanhas.
LEIA TAMBÉM
Economia defende zerar imposto só de diesel e tenta barrar 'PEC kamikaze' com custo de R$ 100 bi
Nesta entrevista, realizada no escritório do Ministério da Economia em São Paulo, na avenida Paulista, Guedes fala sobre a sua “frustração” com o ritmo das reformas e a “falta de apoio” para implementar a sua agenda liberal. “Não tive o apoio que tinha de ter”, diz. “Nós entramos com uma plataforma que é o resultado de uma aliança de conservadores e liberais, que funcionou politicamente para a eleição, mas a engrenagem não girou. Essa aliança não conseguiu nem implementar as propostas dos conservadores, porque os liberais têm valores um pouco diferentes, nem as reformas liberais, porque às vezes têm fogo amigo dos conservadores.”
Guedes fala também sobre o crescimento da economia em 2022, a situação das contas públicas, as privatizações dos Correios e da Eletrobras, a proposta de reduzir o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), para turbinar a “reindustrialização” do País, e o corte de tributos dos combustíveis. Em resposta aos críticos que o chamam de “ministro da semana que vem”, por suas propostas supostamente não se concretizarem, ele afirma que não dá para deixar de lado a pandemia na avaliação de seu desempenho no ministério. “Há muita militância e falsas narrativas, por desinformação mesmo e talvez por falhas nossas de comunicação, mas também por desonestidade intelectual. Acho profundamente desonesto ignorar o impacto da pandemia – uma crise sanitária de proporções nunca vistas antes, em que mais de 600 mil pessoas perderam vidas e empresas foram destruídas – na agenda econômica.”
O sr. acabou de completar três anos de governo. Há uma percepção de que não conseguiu levar adiante a sua agenda liberal, defendida na campanha eleitoral e ao longo de sua gestão. Dizem que as reformas estão paradas, as privatizações não saíram e a abertura econômica não andou. Como o sr. vê essa percepção?
É evidente que as reformas ambiciosas que nós defendemos não estão andando na velocidade em que gostaríamos. Naturalmente, há uma frustração nossa com o ritmo das reformas. Então, em parte, é uma percepção razoável, mas em parte é completamente injusta. Hoje, há uma politização muito radicalizada no Brasil e isso desfavorece a compreensão do que está acontecendo. Há muita militância e falsas narrativas, por desinformação mesmo e talvez por falhas nossas de comunicação, mas também por desonestidade intelectual. Por exemplo: acho profundamente desonesto ignorar o impacto da pandemia – uma crise sanitária de proporções nunca vistas antes, em que mais de 600 mil pessoas perderam vidas e empresas foram destruídas – na agenda econômica. Todas as narrativas reconhecem que a pandemia foi algo terrível, que efetivamente foi, uma tragédia de dimensões planetárias. Mas, quando se fala do seu impacto na economia, as cobranças são como se não houvesse uma guerra e como se, nos três anos em que estamos aqui, dois não tivessem sido voltados à pandemia. Na verdade, só tivemos um ano de tranquilidade, que foi o primeiro ano de governo, tomado pela reforma da Previdência.
De que forma a pandemia afetou a agenda de reformas?
A pandemia mudou todo o nosso cronograma. No primeiro ano, a prioridade absoluta era o controle de despesas do governo. Além da reforma da Previdência, entregamos a reforma administrativa para o Executivo examinar e a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Pacto Federativo para o Senado, que era um marco de controle fiscal. No segundo ano, o plano era fazer a reforma tributária e acelerar as privatizações. Já havíamos começado a vender subsidiárias de estatais e entraríamos nas maiores empresas. Aí, quando chegou a doença, saímos do trilho das reformas e fomos atacar a pandemia. Quem é que iria falar de privatização no meio da pandemia? Ainda assim, conseguimos R$ 230 bilhões com as vendas de subsidiárias de estatais, que não demandavam mudanças constitucionais, em dois anos, e desalavancamos os bancos públicos em mais R$ 220 bilhões. Em quatro anos, no mesmo compasso, daria quase meio trilhão em privatizações.
É verdade que, no ano passado, as privatizações não andaram. Alguns liberais deixaram o governo por causa disso. Agora, eu pergunto: alguém antes privatizou R$ 230 bilhões em dois anos? Só lá atrás, nas grandes privatizações, que eu acho que faremos agora: Correios, Eletrobras, Porto de Vitória, Porto de Santos e os aeroportos Santos Dumont e Congonhas. O pessoal fala “ah, mas você não abriu a economia”. Como é possível cobrar a abertura quando a economia enfrentou dois anos de guerra? A economia mundial fechou. Mesmo neste cenário, baixamos pela primeira vez a tarifa do Mercosul, em 10%, para 94% dos produtos. Também demos sequência ao processo de ingresso do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e avançamos com o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.
Ao longo de sua gestão no Ministério da Economia, o sr. anunciou diversas medidas que, no fim, acabaram não saindo. Muitos analistas passaram a chamá-lo de “ministro da semana que vem” e coisas do gênero. O que aconteceu? No começo do governo, o sr. falava em “mais Brasil e menos Brasília”? Brasília venceu?
Eu cometi um erro. Sabem qual foi? Dividi com vocês essas metas todas que eu tinha e a oposição a essas mudanças importantes, dentro e fora do governo, rapidamente descredenciava os projetos mais ambiciosos. Os oposicionistas, que sempre foram contra as reformas, ganhavam uma força adicional de gente de dentro. Sempre houve fogo amigo, sempre há e sempre haverá. Havia também uma enorme barreira às mudanças, decorrente de uma hegemonia social-democrata no establishment, na mídia, no meio empresarial. Foram trinta anos de relações estabelecidas que poderiam estar sofrendo uma ruptura. A esquerda teve o grande mérito após a redemocratização de incluir os mais pobres nos orçamentos públicos, mas não teve a capacidade de fazer a transformação estrutural necessária, acabar com as empresas campeãs, cortar subsídios, e nós entramos querendo implementar esse programa.
Então, eu achava muito importante que a gente mantivesse não só a equipe motivada, mas o governo inteiro sabendo qual era a meta. Se você não tem uma coalizão parlamentar, e nós não tínhamos quando chegamos, como vai transmitir alguma coisa para a equipe? Você tem de dizer “queremos privatizar estatais”, “queremos fazer uma reforma da Previdência”, “queremos fazer uma reforma administrativa”. Aí, eu percebi que você consegue mais se não compartilhar tanto as metas, porque as narrativas nem sempre são construtivas. São parte de uma cultura de quem não quer reconhecer que perdeu a eleição. Por isso, tenho falado menos.
O sr. dizia que iria privatizar R$ 1 trilhão, zerar o déficit público, metas muito ambiciosas. Isso não acabou depois trabalhando contra o sr.?
Eu tenho metas ambiciosas, propósitos ambiciosos, mas não faço previsões. Nunca falei “eu vou vender essas seis estatais”. Eu sempre falei assim: “quero vender todas as estatais”. Nunca falei “eu vou zerar o déficit o ano que vem”. Sempre falei “queremos zerar o déficit”. Nunca disse quando. Essas grandes metas tinham o objetivo de neutralizar as falsas narrativas, de se contrapor ao pessimismo generalizado. É um método muito comum no setor privado. Você estabelece metas bem altas e mesmo não as satisfazendo alcança um resultado muito melhor do que com metas de fácil obtenção. É o que nós chamamos no setor privado de big bold targets. É como nós trabalhamos, fixando grandes metas e realizando-as parcialmente, ao contrário do que acontecia em governos anteriores.
Parte da narrativa que falseia a realidade é justamente esta: “Ele prometeu zerar o déficit e não zerou”, “ele prometeu vender todas as estatais e não vendeu”. É uma falsa narrativa. O que você prefere: dizer que a sua meta é reduzir o déficit primário de 1,4% do PIB (Produto Interno Bruto) para 1% do PIB e cumpri-la ou colocar uma grande meta, de reduzir de 10,5% para 0,4% do PIB, que foi o que aconteceu em 2021, sem a definição de uma meta explícita? Neste ano, a meta vai ser bem fácil de cumprir. A meta que nós mandamos no orçamento é de R$ 170 bilhões de déficit. Ela será cumprida. Vocês vão ficar felizes. Eu já sei que não vou ficar feliz. Mas vou cumprir a meta.
Faltou também apoio político para tocar uma agenda liberal?
Sim. Não tive o apoio que tinha de ter. Realmente, esperava mais apoio para essa agenda. Agora, eu vou lhe perguntar o seguinte: nós entramos neste governo com apoio parlamentar? Vocês acham que tínhamos apoio parlamentar para tocar essa pauta? Depois, com as mudanças no PSL, que era o partido de sustentação do governo, a situação ainda ficou mais complicada. O governo só encontrou eixo parlamentar agora, nos últimos dois anos. Você vê como as reformas andaram em 2021, mesmo num ano de pandemia, com a aprovação da autonomia do Banco Central, dos novos marcos regulatórios do gás, do saneamento, das ferrovias e da cabotagem, além da Lei de startups, da Lei de Falências e da BR do Mar. Quando tem apoio parlamentar, a coisa anda. E, quando não tem, como é que você sustenta um governo? Motivando, lutando contra as falsas narrativas. Criando pressão para a mudança.
Nós entramos com uma plataforma que é o resultado de uma aliança de conservadores e liberais, que funcionou politicamente para a eleição, mas a engrenagem não girou. Essa aliança não conseguiu nem implementar as propostas dos conservadores, porque os liberais têm valores um pouco diferentes, nem as reformas liberais, porque às vezes têm fogo amigo dos conservadores. O establishment é muito forte. Você ganha a eleição com uma plataforma, mas aí há primeiro um desalinhamento dentro dessa aliança e – mais importante – a resiliência do establishment, que protege o seu modus vivendi.
O sr. poderia dar um exemplo de como essas divergências prejudicaram o andamento da agenda liberal?
Quando o nosso governo chegou, nós dizíamos que o estatismo, o dirigismo e o intervencionismo têm muitas dimensões: eles corromperam a nossa democracia e estagnaram a nossa economia. Daí a defesa das privatizações. Nós achávamos que, depois dos escândalos do mensalão e do petrolão e dos problemas na Caixa, haveria vontade política de reduzir a corrupção sistêmica – e ela só será reduzida quando avançarmos com as privatizações. É evidente que a corrupção foi reduzida agora, por uma questão moral, por pressão da sociedade e por não haver aparelhamento político na máquina estatal. Agora, olha a dificuldade para fazer a privatização dos Correios, com a qual o presidente se comprometeu, que já foi aprovada pela Câmara, mas parou no Senado, que agora precisa dar esse passo. Com a Eletrobras, aconteceu algo parecido. A privatização já foi aprovada na Câmara e no Senado, mas teve uma travazinha no TCU (Tribunal de Contas da União). Eu acredito que vá destravar. Se 60 milhões de pessoas votaram num programa liberal, se o presidente se comprometeu com um programa liberal, se a Câmara e o Senado aprovaram a privatização da Eletrobras, quero crer que o TCU está apenas dando uma ajuda para que a coisa corra de uma forma mais suave. Acho muito importante dizer o seguinte: o diagnóstico inicial é o mesmo, a direção é a mesma, nós temos o mesmo ímpeto, ma houve a covid, deficiências em sustentação parlamentar e falsas narrativas que atrapalham o tempo inteiro. O importante é o Brasil não dar passos para trás. É surpreendente a inapetência da elite brasileira pelo avanço das reformas liberais
Por que é tão difícil implementar uma agenda liberal no Brasil?
Mesmo que o Brasil tenha constatado a corrupção no sistema político, orgânica, sistêmica, e tenha vivido uma estagnação econômica de três ou quatro décadas, mesmo com o mensalão e o petrolão, é surpreendente que a elite brasileira ainda não tenha compreendido a necessidade de fazer essa transição incompleta, com a transformação estrutural do Estado. É surpreendente essa inapetência pelo avanço das reformas liberais. As coisas até vão acontecendo, mas levam tempo demais. Os liberais ficaram muito tempo fora do governo, o que também é compreensível, porque a direita estava associada aos governos intervencionistas, aos governos militares. Aí, veio a esquerda, que também tem simpatia pelo intervencionismo, e era até natural que a pauta andasse bem lentamente. Mas era uma pauta incontornável. O Brasil foi, de crise em crise, aprendendo a importância dessas reformas.
O câmbio flexível foi aprendido numa crise, na reeleição do Fernando Henrique. O câmbio explodiu, literalmente. Não foi um aprendizado virtuoso. Da mesma forma, o Plano Real foi filho de uma hiperinflação. Os economistas que fizeram o Plano Real são os que falavam que política monetária não funcionava. Também não foi um aprendizado virtuoso. Foi a explosão inflacionária que ensinou a importância de um Banco Central, de um câmbio flexível. Quando os juros subiram muito, impedindo o crescimento, se deram conta de que deveria haver uma Lei de Responsabilidade Fiscal. Cada grande erro foi um aprendizado, com a social democracia fazendo um recuo tático envergonhado, em direção a uma economia de mercado. É evidente que a gente reconhece que alguns passos importantes foram dados em governos anteriores. Isso é um processo. Mas era um processo sem convicção.
O sr. está falando tudo isso, mas o governo está ampliando o pessoal em estatais, criando novas empresas...
Os governos Lula ampliaram o funcionalismo em 100 mil pessoas. Os governos Dilma contrataram 60 mil pessoas. Nós enxugamos quase 40 mil pessoas. Para cada 100 funcionários que se aposentam, a gente contrata 26. É o que a gente está fazendo. Onde é que está, então, essa contratação? Cuidado com as narrativas. Nós desaceleramos concursos públicos e fizemos um choque digital. A Petrobras tem hoje 30% a menos de funcionários. O Ministério da Economia era dividido em cinco ministérios, com R$ 15 bilhões de despesa por ano, e hoje é um ministério só, com um despesa de R$ 10 bilhões. Cortamos em 1/3 os gastos. O Ministério do Trabalho, que desgarrou, está bem menorzinho do que era antes.
Somos o primeiro governo que não tem um aumento no número de funcionários, porque houve um choque digital. Nós aumentamos dramaticamente a produtividade. Na semana passada, acabamos com a prova presencial de vida para os aposentados. Hoje, você consegue abrir uma empresa em três dias. Antes, levava três, quatro meses. Você tinha de ir a seis ou sete órgãos para pedir licenças e hoje pede a um só e eles se comunicam entre si. Nós criamos a plataforma gov.br, em que você acessa qualquer órgão do governo com um cadastro só. Hoje, há mais de mil serviços digitais oferecidos à população. Recebemos o prêmio de melhor governo digital das Américas, na frente dos Estados Unidos e do Canadá. Somos a 7º economia mais digitalizada no mundo. Então, essa conversa de criação de empregos públicos, de empreguismo, não tem base na realidade. “Ah, mas criou uma, duas agências”. Sim, qual o problema? Isso não nos impediu de desinchar a máquina.Não foi a inflação que permitiu a redução do déficit fiscal. Foi travar a despesa
No ano passado, muitos economistas fizeram previsões apocalípticas sobre o déficit fiscal e o crescimento da dívida pública do País. Mas, no fim, o resultado foi bem melhor do que se dizia por aí. Como o sr. analisa isso?
Vários desses economistas, que falavam em “populismo fiscal”, que a gente tinha perdido o rumo e gastado demais – até isso eu ouvi – passaram pelo governo. Conheço a história de cada um deles. Eles levaram o País a 5.000% de inflação ao ano e agora dizem que o resultado fiscal de 2021 foi melhor do que se esperava, porque a inflação subiu. Interessante, né? Então, naquela época, então, o efeito deveria ser o mesmo, mas não foi o que aconteceu. Quando a inflação bateu 10% ao ano durante o governo Dilma, o resultado fiscal também deveria ter sido outro. A inflação aumenta as receitas, mas também aumenta os gastos, os salários, as aposentadorias. Tudo isso iria subir junto com a arrecadação. Ou seja, não foi a inflação que consertou a história. Foi travar a despesa. Aí, quando a inflação sobe, as receitas crescem, mas as despesas não. Isso é básico. Nós travamos os reajustes salariais do funcionalismo por dois anos durante a pandemia. Um conhecido economista de São Palulo previu que a dívida pública iria para 100% do PIB e ela ficou em 80%, o que representa quase R$ 2 trilhões a menos.
A classe política fez em tempos de guerra o que nunca conseguiu fazer em tempos de paz. Para a saúde, sim, houve recursos, mas para reajuste de salário, não. Essa é a essência da política. É assim que funciona nas democracias liberais no mundo inteiro. Pergunta se tem alguém pedindo reposição de salário nos Estados Unidos, na Alemanha e Reino Unido. Não tem. Eles entendem que houve uma guerra e que as pessoas perderam um pouco do poder de compra. Todo mundo. Os aposentados americanos tiveram uma inflação de 7% e o juro lá é de 0,5% ao ano. Se ficam dizendo que há “populismo fiscal”, irresponsabilidade, num ano em que tivemos o primeiro superávit primário do setor público em sete anos, tem algo de muito errado nas narrativas que circulam. Eu vou ser julgado pela história, não por um bando de medíocres, despreparados.
Agora, no caso da dívida pública, o próprio Tesouro previu que iria chegar perto de 100% do PIB.
O Tesouro é sempre conservador, usa os modelos deles.
Neste ano, com as eleições, há um temor de que o presidente Jair Bolsonaro, abra os cofres e aumente os gastos públicos de forma descontrolada, para tentar se fortalecer na disputa. Como o sr. se coloca diante disso?
Sempre houve confiança e respeito entre nós. E neste ano de fervura política espero que exista pelo menos muito respeito entre todos os brasileiros. Agora, é necessário haver um reforço da aliança dos liberais com os conservadores, em defesa de programa liberal democrata na economia. Há conservadores em torno do presidente que o aconselham a não empreender as reformas administrativa e tributária por receio de que percam votos, enquanto os liberais insistem que, para manter os seus votos, os votos do centro, é importante que as reformas estruturantes prossigam, pois elas reformas é que garantem o caminho da prosperidade. Mil vezes eu falei para o presidente o seguinte: “O sr. quer dar certo? Vamos fazer a coisa certa. Eu estou aqui para ajudá-lo a fazer a coisa certa. Se o sr. fizer a coisa certa, o sr. será reeleito, o sr. tem chance de ganhar a eleição. Se não fizer, não”. Então, acho que, nesta reta final, um maior compromisso com a agenda liberal pode ajudar muito, porque este é um governo de reformas. Nós temos de seguir com as reformas. A centro-direita pode estar cometendo agora um erro que a esquerda às vezes cometia lá atrás, mas sem consequências para eles, porque eles brigavam entre si mas ganhavam sempre. Pode ser o Fernando Henrique, o Lula, o Ciro. É tudo de esquerda mesmo. A centro-direita não pode se dar a esse luxo. Acho que os economistas vão errar de novo nas previsões de crescimento em 2022
A gente sabe que, no Brasil, em ano eleitoral, é difícil aprovar grandes reformas no Congresso. O que o faz imaginar que agora será diferente?
Na semana passada, houve um sinal animador. Ao reabrir os trabalhos no Congresso, tanto o presidente da Câmara, Arthur Lira, quanto o do Senado, Rodrigo Pacheco, disseram que vamos quebrar esse paradigma de que em ano de eleição não se trabalha nem se faz reformas estruturantes. Nós temos de prosseguir com as reformas. Que a gente tenha menos tempo, ok. Mas o tempo que temos deve ser dedicado a seguir com as reformas. O presidente da Câmara falou que já fez a reforma tributária e está esperando o Senado avançar com a parte dele e que está disposto a retomar a reforma administrativa. O presidente do Senado também falou que vamos seguir com as reformas que são importantes para o Brasil. Então, acho que tem chance de sair a mudança no Imposto de Renda. Acredito que vão sair também as privatizações dos Correios e da Eletrobras. Agora, quero ver se, daqui a seis meses, caso isso não aconteça se vocês vão falar que eles prometeram e não cumpriram.
Logo depois da posse, em 2019, em entrevista ao ‘Estadão’, o sr. afirmou que os políticos tinham de assumir 100% do Orçamento. Hoje, os políticos já controlam 50% das verbas discricionárias do Orçamento. Só que, em vez de o dinheiro ser aplicado em políticas públicas articuladas, está sendo usado para atender emendas individuais, conforme o interesse de cada parlamentar. Era isso o que o sr. tinha em mente?
É claro que não. A minha proposta estava vinculada à desindexação, à desvinculação e à desobrigação de 100% do Orçamento, para a promoção de política públicas articuladas. Tanto que eu tinha uma sugestão de uma reforma política, que já deveria ter acontecido há muito tempo, que era a cláusula da votação em bloco. Cada partido discutiria internamente as propostas e todos os seus parlamentares teriam de seguir a posição vencedora. Assim é que tem de ser feito o Orçamento. Minha proposta era fazer isso na margem. A diferença entre o valor do Orçamento de um ano para o outro seria totalmente definida pelos políticos. Não e como estão fazendo hoje. Não é para usar o dinheiro em emenda individual. Agora, é para onde eles foram empurrados. Isso é sobrevivência. A essência da política é o controle dos orçamentos públicos, no sentido de que os programas defendidos pelos partidos têm de ser implementados, sem compra de apoio parlamentar no varejo. Essas discussões nobres sobre o destino dos recursos são negadas no Brasil. Como 96% do orçamento estão carimbados, há uma disputa da maior ferocidade pelos 4% restantes.
As previsões para o desempenho da economia neste ano também estão bem pessimistas, oscilando entre uma queda de 0,5% do PIB a um crescimento de no máximo 1% do PIB. O que o sr. pensa sobre isso?
Em 2020, esses mesmos economistas falavam que o PIB iria cair 10% e caiu menos de 4%. Em 2021, quando eu dizia que a recuperação da economia viria em “v”, eles afirmavam que o “v” era de virtual, porque só o ministro estava vendo isso. No fim, a economia cresceu 4,5% e poderia ter crescido 5,5% ou 6%, se deixássemos os estímulos fiscais e monetários, como outros países estão deixando – juros negativos, todos os programas fiscais expansionistas etc. Foi um crescimento vigoroso, já sem os anabolizantes que outras economias ainda têm. Hoje, nós somos o único País que já está de novo onde estava antes da pandemia chegar. Eu disse que isso iria acontecer, mas as pessoas não entenderam direito. Eu não faço previsões, mas acredito que neste ano a economia vai crescer mais. Acho que eles vão errar de novo. As revisões de crescimento lá fora vão ser todas para baixo. As nossas aqui vão ser todas para cima, porque já tiramos os estímulos. O ministro da Saúde está dizendo que nós vamos sair de uma pandemia para uma endemia, que em 60 dias possivelmente teremos um quadro mais claro da doença, se uma população fortalecida pelas vacinas pode enfrentar um vírus que tem muita transmissibilidade mas menos letalidade. Nós estamos com a população adulta toda vacinada, todo mundo voltou ao trabalho. Então, é possível que a economia sustente o ritmo de volta. Tem coisas que são obviedades, mas as narrativas não são construtivas. O eixo do desenvolvimento era o investimento público e agora será o investimento privado
O sr. acredita, então, que o desempenho da economia, visto por muitos analistas como um problema para o presidente na campanha pela reeleição, vai ajudá-lo?
Se o governo que fizer a coisa certa – e nós estamos fazendo a coisa certa e vamos continuar a fazer a coisa certa – só pode ajudar. Hoje está muito ruim, não é isso? Vocês acham que a economia vai piorar ou melhorar? Só pode melhorar, né? Estou analisando fatos. Passaram um ano falando que iria dar tudo errado, porque o fiscal estava fora de lugar. Aí, fechamos o ano com um pequeno superávit. Agora vai dar errado por que? “Ah, porque a inflação tá alta”. As previsões são de que inflação vai rachar ao meio, vai cair de 10% para 5% neste ano. Com a inflação em queda, os juros vão cair também, porque existe o equilíbrio fiscal. “Ah, e o emprego? A economia vai ficar parada, não vai criar mais emprego”. Eu acho que vão errar de novo. Em 2021, nunca se gerou tanto emprego no País. Houve um recorde de criação de empregos. Se pegar desde o fundo do poço, foram mais de três milhões de empregos formais e mais de 9 milhões no total, incluindo empregos formais e informais. E qual foi a narrativa desses economistas? Que o emprego cresceu, “mas o salário médio caiu”. É claro, eles queriam que, depois de uma guerra, o salário médio tivesse subido?
Em sua visão, a economia pode reagir mesmo com o corte realizado nos investimentos públicos no Orçamento de 2022?
Tem gente que quer furar teto, achando que o jeito de ganhar eleição é repetir o que a Dilma fez, gastar bastante. Tem gente que ainda acha que o caminho vai ser através de orçamentos públicos. As pessoas que estão no modelo antigo falam “ah, o investimento público está caindo”. Sim, ele está caindo há 30 anos. Vocês só descobriram hoje que o investimento público está caindo? É por aí que o Brasil vai levantar? Não. Nós estamos indo em direção a uma economia de mercado, de investimento privado e de consumo de massa. Não adianta ficar esperando as companhias estatais reativarem o investimento público. Elas foram assaltadas, quebraram, quebraram seus fundos de pensão, quebraram tudo. Então, não precisa ser um gênio para saber que esse modelo se exauriu. O caminho é outro. O eixo do desenvolvimento era o investimento público e agora será o investimento privado. Não podemos continuar vítimas de monopólios verticalizados. Se hoje a gente tem problema de energia, de combustíveis, de exploração de petróleo, é por causa da insuficiência crônica de investimentos nesses setores.
Se o Brasil explorasse petróleo no mesmo ritmo de outros países, o preço do petróleo seria mais baixo. Influenciaria até os preços internacionais. Agora, nós estamos limitados à capacidade de investimento da Petrobras. O Brasil tem muito petróleo e explora num ritmo lento. O Brasil se transformaria no 3º ou 4º maior produtor do mundo se tivesse um ritmo de extração forte. Quando nos chamaram para participar da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) logo que fizemos a cessão onerosa, eu falei: “Nós jamais participar de um cartel para controlar ritmo de extração para segurar o preço do petróleo lá em cima”. Ao contrário. Vamos acelerar a produção. Nós acreditamos numa transição para uma economia verde. Esses fósseis daqui a 10,15 20 anos vão perder valor. Então, temos que extrair e petróleo o mais rápido possível.
Será que o setor privado tem fôlego para liderar essa nova onde de investimentos de que o Brasil precisa para crescer de forma sustentável?
Com a aprovação dos novos marcos regulatórios do gás, do saneamento, das ferrovias e da cabotagem, da BR do Mar, mais o 5G, o investimento, a formação bruta de capital fixo, já subiu 15% no ano passado, para 19% do PIB, e está indo para 20% neste ano. Só para vocês terem uma ideia, ministros extraordinários como o Tarcísio (Gomes de Freitas, da Infraestrutura), que executa extraordinariamente bem, têm um orçamento de R$ 8 bilhões para investimento. Uma empresa privada como a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro) mobilizou sozinha R$ 50 bilhões num fim de semana, quando foi privatizada, R$ 20 bilhões de outorga e mais R$ 30 bilhões de compromisso de investimento. É o equivalente a 6,5 vezes o orçamento do Tarcísio para gastar o ano inteiro.
São esses novos marcos regulatórios que explicam o volume de investimentos já contratados para os próximos dez, quinze anos. Hoje, já temos R$ 828 bilhões em investimentos contratados. A estimativa é de que até o fim do ano haja mais 300 bilhões, elevando o total a mais de R$ 1,1 trilhão, em diversos setores. Em dez anos, isso significa R$ 100 bilhões por ano, o equivalente a 10 vezes o orçamento do Tarcísio e a 15 vezes o orçamento do (Rogério) Marinho (ministro do Desenvolvimento Regional). É um novo modelo de crescimento.
Em que pé que estão as propostas de redução do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), que faz parte das exigências da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para o ingresso do Brasil na entidade, e de diminuição do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)?
A redução do IOF exigida pela OCDE vai ocorrer muito devagarzinho. Começa com um corte de 1,5% daqui a dois anos. Depois, vai baixando até zerar. Zera em oito anos. Agora, no caso do IPI, a ideia é fazer já. Nós estamos estudando uma redução linear de 25% a 50% para o IPI, o quanto antes O presidente gosta da proposta, o Ciro (Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil) adora, e o (Arthur) Lira (presidente da Câmara), também. Eu tinha imaginado usar esse aumento de arrecadação ocorrido no ano passado – que eu sabia que vinha, embora não soubesse de quanto – para financiar a reforma tributária. Isso bancaria a transição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) para o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), mas perdemos o timing. O IVA dual foi aprovado na Comissão de Justiça da Câmara, estava tudo ali preparidinho para avançar, só faltava o IPI, mas não andou.
Vou ficar esperando eles aprovarem ou dar um uso para esse recurso? Então, a ideia é aproveitar o aumento de arrecadação para reduzir as alíquotas, baixar o IPI, para todo mundo. “Ah, mas metade do dinheiro do IPI é dos Estados e municípios”. Paciência. Fomos nós que demos esse dinheiro para eles. Quem é que congelou os salários dos servidores deles? Foram eles ou fomos nós? Se é a social-democracia que está à frente, ela pega esse aumento de arrecadação e dá aumento de salário para todo mundo e incha a máquina. Foi o que fizeram durante 10, 15, 20 anos. Com um liberal democrata é o contrário, ele reduz os impostos, o que estimula o aumento da produtividade e representa uma corte permanente na carga tributária. A gente ainda está no meio da pandemia e vai dar aumento de salário para o funcionalismo? Não faz sentido.
Entre tantos tributos existentes no País, por que escolheu o IPI?
Porque a indústria brasileira está sendo penalizada. O agronegócio brasileiro não tem esses impostos e está bombando. A indústria brasileira está sob fogo cerrado, está afundando. O IPI é uma estaca no coração da indústria brasileira. Nós precisamos reindustrializar o Brasil. Então, a hora é agora, porque teve esse aumento de arrecadação. Se eu reduzir o Imposto de Renda, é só dinheiro do governo federal. Se eu cortar o IPI, é dinheiro meu e dos governadores. Com a redução do IPI, que pega produção de fogão, geladeira, televisão, ajudo a indústria a ficar em pé, a minimizar o impacto dessa abertura que fizemos, com o corte de 10% nas tarifas do Mercosul. Eu tenho um pacto com a indústria brasileira: enquanto houver um piano nas costas, que são os encargos trabalhistas, uma boa de ferro na perna direita, que é o excesso de impostos, e outra bola de ferro na perna esquerda, que é o juro alto, não vou submetê-la ao massacre da serra elétrica, deixando a chinesada entrar. Tem gente que prefere reduzir o PIS/Cofins da gasolina, que é uma discussão que está tendo agora. Vocês acha legal, os milionários usarem lancha, avião e a gente subsidiá-los, quando estamos tentando fazer uma transição para uma economia verde? Quer dizer, até agora não conseguimos aprovar o imposto sobre juros e dividendos e ainda vamos dar subsídio para a gasolina?
O sr. acha que isso vai ser repassado para o consumidor?
Bom, eu reduzi as tarifas de importação. Se a redução do IPI não tiver impacto nos preços, posso baixar de novo, fazer outro lance. Tenho que ir andando.
Em que isso é diferente do que aconteceu na crise de 2008, quando o governo do PT diminuiu os impostos da linha branca?
Primeiro, foi um corte setorial. O PT não estava criando empregos. Estava perdendo empregos. Acuado, com o PIB caindo3,5%, desemprego em massa, 1,5 milhão de desempregados num ano, o PT fez o que não acredita: desonerou a classe produtiva que estava mais próxima dele, do ABC paulista. Quem tinha mais força política levou. É totalmente diferente. Nós estamos num outro ponto. Estamos criando empregos loucamente, abrindo a economia, fazendo uma expansão do PIB, melhorando o ambiente de negócios e estamos falando que vamos reduzir os impostos, sim, de forma linear, para todo mundo, porque somos liberais. Aqui não tem esse negócio de que quem tem lobby leva. Não sou a Dilma que baixou os impostos e subiria de novo assim que possível. Eu quero diminuir agora e depois cortar mais.
O sr. falou numa redução entre 25% e 50%. É um intervalo muito amplo. Não dá para dar um número mais preciso?
Quem decide isso é a política. Suponha que os governadores queiram contribuir aceitando o congelamento ou mesmo a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre os combustíveis. A nossa redução poderia ser de 10%, 15% ou 20%, só para sinalizar. Agora, suponha que os governadores queiram, ao contrário, subir impostos, descongelar o ICMS, dar uma puxada para cima, conceder aumento de salário. Aí, o nosso corte pode ser de 50%. O Congresso é que decide isso. Vocês acham que, num ano eleitoral, se a gente propuser uma queda de imposto de 25% ou 50% vai ser bom para ganhar voto? Estão usando justamente o populismo para dar aumento de salário no meio da pandemia. Então, nós vamos baixar o IPI. Você está entendendo o que o presidente está dizendo quando ele fala que vai zerar os impostos sobre combustíveis? Ele está dizendo: “Olha, vão conversar com os governadores, que estão mamando aí em cima disso”.
O sr. acredita que, em ano eleitoral, vai ser possível segurar essa despesa com o aumento do funcionalismo?
O que você acha da opinião pública? É a favor de dar aumento? Não. Então esclareçam esse drama. Tem um pessoal aí, que são os governadores, querendo usar uma arrecadação acima do esperado para dar aumento de salário e tem o governo federal falando que “tudo indica que uma redução de imposto é melhor do que aumento da despesa”. Primeiro, porque tem o teto de gastos. Segundo, porque a reposição salarial para o funcionalismo significa que eles não vão pagar pela guerra contra a pandemia. No mundo inteiro assalariados, pensionistas, gente que tem poupança perderam poder de compra. A pandemia tirou renda de todo mundo. A nossa geração pagou pela guerra. Por isso, digo que nós não precisamos fazer ajuste nenhum. O Brasil é o único país que está em pé, na mesma posição em que estava quando a pandemia chegou. O déficit primário está praticamente zerado. Quando a pandemia chegou estava em 1% do PIB e agora está 0,5% do PIB. A dívida bruta estava em 76% do PIB e agora está em 80%. Quer dizer, subiu quase nada. A economia já subiu, voltou em “v”, está com nível acima do que estava, também. O desemprego caiu. Estava em 12% em 2019, a pandemia levou para 14,4% e agora já voltou para 11,6%.A força que me mantém aqui é um senso de compromisso e de responsabilidade com 200 milhões de brasileiros
Quanto a essas propostas do Congresso para redução dos preços combustíveis, qual é a sua avaliação?
Todo governo sofre com esse troço, com a energia e o petróleo, cujos preços estão subindo no mundo inteiro. Agora, não tem nenhuma marcha contra a Casa Branca, o governo de Berlim e o do Reino Unido. No Brasil, isso vira um problema de governo, porque é ele que está sentado em cima dessas duas coisas. Agora, quando isso acontece numa dose agravada pela covid, o problema político é muito maior, ainda mais num ano eleitoral. É o que explica essa profusão de propostas sobre a questão, com essa conjugação de fatores adversos. Não é o Bolsonaro que está fazendo o petróleo subir lá fora nem o ministro Paulo Guedes, assim como não sou eu quem controla o regime de chuvas e está subindo a tarifa de eletricidade. Juntando isso tudo, acho natural que a classe política reaja procurando soluções. O problema é que normalmente procuram soluções que já deram errado muitas vezes. Tem gente que propõe controle de preços, fundos de estabilização. São medidas emergenciais e a maior parte delas, dependendo de como são tratadas, podem até agravar em muito o problema.
Afinal, qual é a proposta que o sr. defende?
A gente tem simpatia pela ideia de zerar os tributos do óleo diesel, cujo impacto fiscal deve ser de cerca de R$ 17 bilhões ou R$ 18 bilhões ao ano, que seria um mal menor. Se eu ainda reduzir 25% do IPI, seriam mais R$ 20 bilhões, mas aí seriam R$ 10 bilhões meus e R$ 10 bilhões dos Estados e municípios. Isso elevaria o custo total para o governo federal para R$ 27 bilhões, que representam 0,2% do PIB. A proposta do Senado, que propõe a criação de um fundo para redução de tributos dos combustíveis, do botijão de gás, da energia elétrica e até de passagens de transporte público urbano para idosos, independentemente de a pessoa ser rica ou pobre, tudo ao mesmo tempo, é uma bomba fiscal. Seu custo poderá chegar a R$ 110, 120, 130 bilhões ao ano. Esta proposta tem o potencial de anular todos os ganhos que ela busca, pelo potencial que tem de provocar uma alta do dólar, com reflexos nos preços dos combustíveis. É uma insensatez. Além disso, ela acaba por financiar muita coisa que não é para financiar, como gasolina de avião e helicóptero e lancha de milionário, gasolina de carro de passeio, além de não ser verde. Vai ser o inverso de tudo que estamos fazendo, no sentido de reduzir os subsídios. O fundo de combustíveis é uma solução que foi tentada no mundo inteiro, não funcionou e tem um custo altíssimo. Além disso, não dá para implementar rápidamente. Há, ainda, uma outra proposta, na Câmara, com um impacto fiscal de pouco mais de R$ 50 bilhões, que tem foco nos combustíveis, até porque o problema do custo da eletricidade já está endereçado nas tarifas sociais, e não inclui também benefícios para o transporte público.
O sr. sempre defendeu o equilíbrio fiscal, mas no fim do ano passado acabou dando o seu aval à mudança no sistema de pagamentos dos precatórios e ao aumento das despesas, com a criação do programa Auxílio Brasil. Como o sr. explica isso?
O negócio dos precatórios é muito simples. Tinha uma despesa crescendo. Quando estava tudo pronto para enviar ao Congresso o projeto de criação do Auxílio Brasil de R$ 300, dentro do teto, tendo como fonte de recursos o imposto de renda sobre juros e dividendos, tudo casado, caiu um meteoro no Ministério da Economia, com um aumento de 100% nas despesas do Judiciário. No ano anterior, a gente tinha pago R$ 45 bilhões e precatórios e nós tínhamos separado R$ 53 bilhões para 2022, com um aumento de 15%, 20%. De repente, com uma decisão de ministros do Supremo, os precatórios viraram R$ 90 bilhões. Aí, o que eu fiz foi dar previsibilidade às despesas com precatórios, colocando-as dentro do teto de gastos. Os precatórios agora têm de seguir a mesma exigência de submissão ao teto. Eles nunca mais vão dar um susto na gente. O que ficar fora do teto será jogado para a frente corrigido pela inflação. Agora, todas as causas de até 60 salários mínimos, equivalentes hoje a R$ 66 mil reais, o que a gente chama “requisições de pequeno valor”, que representam 90% do total, mas apenas 30% a 40% do dinheiro, serão atendidas. O que ficar fora do teto poderá ser usado leilões de concessão e de privatização e para encontro de contas. Nós permitimos que os maiores advogados e financistas do Brasil participem da grande transformação do Estado brasileiro. Eles poderão comprar os papéis com deságio e usar pelo valor de face.
E em relação ao Auxílio Brasil, que levou à mudança da regra do teto de gastos. Qual é a sua explicação?
Nada disso se originou da equipe econômica. Como nós perdemos cinco ou seis meses discutindo a questão dos precatórios, dentro do próprio governo começou a se dizer que R$ 300 não dava mais para o Auxílio Brasil, em razão da alta da inflação, e que o valor teria de ser R$ 400. Só que, como R$ 400 furava o teto, houve uma revisão do teto. A revisão é tecnica e politicamente compreensível. Tecnicamente, porque havia uma dessincronização. Quando a inflação subia, como subiu no ano passado, o teto era revisto de julho a junho, mas as despesas eram contabilizadas de janeiro a dezembro. A ideia de rever o valor do Auxílio Brasil veio da política, porque estavam dizendo que as pessoas estão comendo ossos, passando fome, e que a pandemia reduziu o Brasil à miséria. A solução técnica para fazer isso também foi sugerida pela política. Não saiu de nós. Mas, quando nos perguntaram se a gente tinha alguma ressalva à antecipação da revisão da regra do teto de 2026 para 2022, para permitir a sincronização das despesas, nos pareceu uma medida defensável. Neste ano, se a inflação cair, o teto vai descer junto com ela, em vez de sobrar dinheiro. Daqui para frente, o teto vai andar junto com inflação.
Até o seu maior crítico será capaz de reconhecer a sua resiliência e a sua perseverança neste período todo. O que o leva a continuar no governo em meio a tantas dificuldades?
A força que me mantém aqui é um enorme senso de compromisso e de responsabilidade com 200 milhões de brasileiros, que eu sei que pude ajudar e que estou ajudando em uma base diária. Para isso, estou tendo de ignorar e resistir a tudo. Meu maior ativo não foi a resiliência, porque isso vocês podem dizer que a Dilma, que é cabeça dura para caramba, tem. Meu maior ativo é sempre dar passos para frente na hora que abre a janela. Pelo menos, eu mostrei o que tem de ser feito, conduzi a minha tropa e muito foi realizado. Normalmente, eu estaria de olho no aspecto econômico. Na pandemia, eu era o cara certo, na hora certa no lugar certa, na dimensão que todo mundo esperava menos, que era a dimensão humana. Eu sou o cara que desenhou o auxílio emergencial e o benefício emergencial, para 68 milhões de pessoas, que deu desconto no Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). Criamos também o Pronamp, para ampliar o crédito para as micro e pequenas empresas na pandemia. O Congresso nos ajudou muito, mas sei quem desenhou cada um desses programas. Agora, o que fizeram com a minha biografia? A minha biografia foi aniquilada. Não tenho nada a perder. Disseram que eu não faço nada, que não entrego nada, que prometo e não faço. Então, de um lado está a minha biografia, que já foi atacada de forma injusta, e de outro o meu compromisso com 200 milhões de pessoas. Eu não estou preocupado em sair bem no filme.NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Economia defende zerar imposto só de diesel e tenta barrar 'PEC kamikaze' com custo de R$ 100 bi
- Governo estuda redução linear de IPI entre 15% e 30% em aceno à indústria em ano eleitoral
- Guedes diz que arrecadação tem que voltar ao consumidor, mas é contra fundo para amortecer preços
- Guedes: é um absurdo um governo condenar o mandato seguinte a dar aumento de salários
- Guedes: Correios e Eletrobras estão 'na pista' para privatização
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,entrevista-paulo-guedes,70003972195
Apoio da esquerda e da direita a Putin
Lourival Sant'Anna / O Estado de S.Paulo
O que o húngaro Viktor Orbán, o argentino Alberto Fernández e o brasileiro Jair Bolsonaro têm em comum? Os três se dispõem a visitar Vladimir Putin para estreitar os laços de amizade com o presidente russo, enquanto ele intimida militarmente a Ucrânia.
A identificação de um governante rotulado de esquerda e de dois de direita com Putin é reveladora do quanto essas categorias são vazias e da atração que o ditador russo exerce sobre determinado tipo de político - e de homem.
LEIA TAMBÉM
Vargas Llosa: Putin, um verdadeiro patriota?
Fernández disse a Putin: “Estou empenhado em que a Argentina deixe de ter essa dependência tão grande que tem com o Fundo (Monetário Internacional) e com os Estados Unidos. Tem de se abrir caminho a outros lados e me parece que a Rússia tem um lugar muito importante.”
Putin está há 22 anos no poder e aprovou lei que lhe permite permanecer até 2036, quando terá 84 anos de idade. Sua perpetuação no cargo é sustentada pela prisão e assassinato de todos que disputam o poder político e econômico com ele, pelo controle de todos os grandes negócios da Rússia e da mídia.
Putin provoca constantes tensões internacionais, como a atual, para justificar a violência contra opositores, que acusa de serem “agentes externos”. Com leis e medidas arbitrárias, ele eliminou direitos dos homossexuais, das mulheres e de minorias étnicas, em nome da defesa de uma suposta “identidade russa”.
A homofobia, o machismo e o racismo de Putin o aproximam de Bolsonaro e de Orban, não de Fernández. Mas, para a esquerda latino-americana, o antiamericanismo e a captura do Estado estão hierarquicamente acima das pautas “progressistas”.
O americano Joe Biden, o francês Emmanuel Macron e o britânico Boris Johnson também têm conversado com Putin. Mas não foram a Moscou, e o conteúdo de sua mensagem é outro: temos garantias de segurança a lhe oferecer; se invadir a Ucrânia, você, as pessoas a seu redor e a economia da Rússia serão castigados.
RESPALDO
Xi Jinping recebeu Putin em Pequim, e ambos declararam apoio mútuo em seus embates com o Ocidente. Assinaram o aumento do fornecimento de gás russo para a China, de modo a reduzir a dependência da Rússia das exportações para a Europa.
A China importa soja russa, embora numa escala muito menor que a brasileira, mas a tendência é esse volume crescer e, com ele, a concorrência entre Brasil e Rússia nesse segmento. O que não impede a cooperação entre os dois países em muitos setores.
Em relações internacionais, como na vida, timing é tudo. O Brasil só tem a perder quando seu presidente se deixa usar por outro, mais experiente e inteligente, para provar que não está isolado, enquanto ameaça a soberania de um vizinho mais frágil.
É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Vargas Llosa: Putin, um verdadeiro patriota?
- Fortaleza russa: como Putin preparou sua economia para sanções desde a anexação da Crimeia
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,apoio-da-esquerda-e-da-direita-a-putin,70003970781
José Eduardo Faria: As vantagens do atraso - O centrão e a força do clientelismo
José Eduardo Faria / Horizontes Democrático / Estado da Arte/ O Estado de S. Paulo
Eleito fazendo do que chamou de “nova política” uma de suas bandeiras eleitorais, apesar de ter sobrevivido em vários mandatos parlamentares recorrendo aos métodos tradicionais da “velha política”, o presidente Jair Bolsonaro está terminando seu mandato de modo patético. Não só terceirizou a gestão da máquina pública para o Centrão, como ainda assinou um decreto em que conferiu ao chefe da Casa Civil a última palavra em matéria de execução orçamentária.
O que é o Centrão? Com cerca de 230 deputados na Câmara, em uma casa legislativa com 513 parlamentares, ele é um agrupamento de políticos sem ideologia, preocupados com seus próprios interesses e acostumados a negociar apoio ao governante de plantão em troca de cargos. O que importa no Centrão são ganhos patrimonialistas propiciados pelo tráfico político de funções públicas e acesso às chaves dos cofres governamentais. O ethos do Centrão é conformado pelo fisiologismo como método no âmbito de um presidencialismo de coalizão. Responsável por algumas determinantes que condicionam o sistema político e o próprio Estado, especialmente o funcionamento de sua máquina administrativa e a alocação de recursos públicos, o Centrão resulta de uma patologia na formação histórica brasileira.
Como o país não dispõe de partidos grandes, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, quando um presidente da República é eleito ele não tem base partidária para apoiar sua gestão. Por isso, precisa formar uma coalisão, muitas vezes fora do espectro de partidos com que tenha algum alinhamento ideológico. Nas últimas décadas, houve uma explosão de partidos, quase todos criados apenas para vender esse apoio. Isso explica porque a Câmara e o Senado acabam, por vezes, sendo dirigidos por parlamentares medíocres. Político cuja base eleitoral se situa numa cidade onde seu pai é prefeito, além de pecuarista, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) é só um exemplo. Guardadas as diferenças de recursos financeiros, não discrepa muito de um Severino Cavalcanti, que também militou no mesmo partido de Lira e presidiu a Câmara, em 2005.
Apropriadores de recursos públicos em troca de apoio, eles representam o que se chama de clientelismo. O conceito foi cunhado por um brilhante cientista político, Victor Nunes Leal, autor de Coronelismo, Enxada e Voto. Lançado em 1949, é um trabalho sobre o município na vida política e administrativa. O autor analisa suas atribuições, suas receitas e seu papel na organização policial. Estuda o sistema político vigente na Primeira República – um período de decadência econômica dos proprietários rurais. E mostra como as relações de poder se desenvolviam a partir do município até chegar à presidência da República, com base numa complexa rede de relações envolvendo compromissos recíprocos.
Partindo da premissa de que o coronelismo resulta de um pacto entre chefes locais decadentes e um poder público que se fortalece, Victor Nunes afirma que a atuação política local sempre foi associada a relações hierárquicas e de dependência pessoal. Sempre dependeu de um coronel nos grotões. Décadas antes da publicação de Coronelismo, Enxada e Voto, os autores da Constituição de 1891 haviam se deixado levar pela ideia moderna e liberal de submeter a sociedade brasileira aos fundamentos de leis republicanas – ou seja, ao estabelecimento de uma vontade não arbitrária que se aplicaria a todos os cidadãos, tornando-os efetivamente livres. O livro de Victor Nunes, que mais tarde seria ministro do STF, aponta a distância entre o sonho republicano dos constituintes e a realidade no interior do Brasil profundo, onde há pobreza e concentração fundiária.
O texto foi apresentado como tese para concurso da cátedra de ciência política na Faculdade de Filosofia da antiga Universidade do Brasil, com o título “O município e o Regime Representativo no Brasil: contribuição ao estudo do coronelismo”. O subtítulo, porém, acabou prevalecendo. Por ter buscado identificar as interconexões do processo político, em vez de explicá-lo a partir da índole do povo, como era comum até então, a tese de Victor Nunes é a primeira análise sistêmica da vida política brasileira. Contrapondo-se à ideia de que o coronelismo seria decorrência natural da força da propriedade latifundiária, que se sobreporia ao poder público, o autor afirma que aquela fórmula só expressa o compromisso entre o poder privado e o poder público.
Segundo ele, como os coronéis vinham perdendo peso econômico e como os municípios tinham muitos encargos e poucas receitas, na prática o coronelismo apresentava mais fraqueza do que força. Os chefes locais tendiam a se empobrecer na medida em que, com a industrialização do país, a partir da década de 1940, a riqueza se deslocasse do campo para as cidades. Pragmáticos, os coronéis sabiam que dependiam da ajuda dos governos estaduais. Estes, por seu lado, reconheciam os chefes locais, concedendo-lhes favores e dando-lhes carta branca nas questões relativas à sua jurisdição, a ponto de lhes permitir nomear os funcionários estaduais – como delegados de polícia e coletores de impostos – que atuavam em seus respectivos municípios. Em troca, exigiam irrestrito apoio político aos candidatos do oficialismo nos pleitos estaduais e federais.
Portanto, o cenário não é de uma simples troca de favores entre chefes locais e um poder público estadual, mas de uma significativa alteração na relação de forças entre proprietários rurais e poder governamental. Segundo Victor Nunes, os chefes locais são a junção mais fraca da cadeia de interconexões do processo político – o elo mais potente e forte são os governadores e suas bancadas federais, que pressionam o presidente da República e condicionam suas decisões, aprovando-as se forem atendidos. Desse modo, se a decadência do latifúndio enfraquece os senhores rurais, o coronelismo, paradoxalmente, lhes dá sobrevida ao lhes permitir intermediar a distribuição de recursos estatais.
Ao estudar pioneiramente a vida pública nacional a partir dos chefes políticos locais e dos proprietários de terras, Victor Nunes mostra como as relações hierárquicas e de dependência pessoal inerentes ao coronelismo corroem a democracia representativa, na medida em que a cidadania é minada por trocas de favores financiadas por recursos governamentais. É um cenário paradoxal. Se a primeira Constituição republicana do país substituiu os critérios censitários pelo sufrágio (embora tenha adotado um equivalente funcional: a exclusão dos analfabetos), sua abertura democrática reforçou o poder dos coronéis, constituído na ligação entre os recursos públicos e os votos dos trabalhadores sob sua dependência. Quando as bases da representação legislativa nacional se assentam nessas relações políticas paroquiais, o coronelismo ou neocoronelismo acaba sustentando o Centrão federal.
Dito de outro modo: além de comprometer a eficiência da máquina governamental, a distribuição de recursos públicos em troca do loteamento ou da apropriação de cargos e postos típicos da burocracia pública, sob a justificativa de assegurar a “governabilidade” no âmbito federal, favorece integrantes do Legislativo que disputam a reeleição. Entre outros efeitos, essa distribuição de dinheiro prejudica os opositores. Desestimula o lançamento de adversários. E dificulta a eleição de candidatos novos, que poderiam oxigenar o Legislativo e pressionar o Executivo a mudar os rumos de suas políticas.
É nessa despolitização e esvaziamento da representação democrática que está a força do Centrão. Afinal, quanto mais indiscriminadas são a liberação de verbas públicas e a concessão de subsídios e de favores aos protegidos, mais eles são utilizados por parlamentares que o compõem com o objetivo de conservar e ampliar suas clientelas políticas, viciando assim a representação política. Em seu trabalho, Victor Nunes sugere que, à medida que o Brasil se industrializasse e se modernizasse, gerando uma crescente ampliação da população urbana, aumento do nível de educação e aperfeiçoamento das leis eleitorais, o clientelismo, por ser um fenômeno de sociedades não modernas, de bases rurais, tenderia a se enfraquecer. Nos centros urbanos, daria vez ao populismo, com seus esquemas igualmente clientelísticos de corrupção eleitoral.
Ainda que a redemocratização do país tenha sido um momento histórico na década de 1980, hoje, após 33 anos de promulgação de uma Constituição concebida para assegurar a aplicação universal das normas jurídicas, garantir a separação entre o público e o privado, impor uma burocracia governamental baseada nos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade e assegurar a concretização dos direitos sociais, ela é pouco efetiva na consecução desses objetivos. Continuamos a viver num contexto sem crescimento, com fortes desigualdades e invasão do privatismo nos negócios do Estado. Graças ao peso do Centrão nas coalisões parlamentares majoritárias, as últimas matérias apreciadas pelo Congresso, por exemplo, não foram votadas com base numa noção de projeto de Nação, mas em razão de interesses menores e favorecimentos a determinados grupos corporativos ou empresariais. O perfil das duas recentes indicações para o STF feitas por um governo sustentado pelo Centrão também deixa claro o empenho das estruturas de poder oligárquicas locais e regionais empenhadas em se perpetuar. Por fim, os sucessivos cortes orçamentários no ensino público evidenciam o empenho desses políticos e do governo por eles apoiado de evitar a emancipação das novas gerações.
Nesse contexto de perda de credibilidade das instituições governamentais e do processo legislativo, o Brasil do Centrão – que só tem a ganhar vantagens com o atraso – é um país incapaz de empreender as transformações modernizantes de que falava Victor Nunes Leal. Do mesmo modo, um governo apropriado pelo Centrão jamais conseguirá ser inovador. Jamais encarará o desenvolvimento como fenômeno dinâmico. Se caminhasse da linha da inovação institucional e da melhoria de qualidade no gasto público, estaria agindo contra seus interesses. Se valorizasse os interesses da sociedade, superando com isso as trocas de favores e o prevalecimento do poder pessoal, o governo do Centrão estaria ameaçando sua sobrevivência. Estaria serrando os frondosos galhos em que está sentado e se fartando.
(Publicado simultaneamente em Estado da Arte, em 06 de fevereiro de 2022; https://estadodaarte.estadao.com.br/atraso-jef-clientelismo-centrao/)
Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/as-vantagens-do-atraso-o-centrao-e-a-forca-do-clientelismo/
Alon Feuerwerker: A disputa pelo passado
Alon Feuerwerker / Análise Política
Volta e meia retorna o debate sobre a derrubada do governo Dilma Rousseff, com a natural disputa de narrativas. Consolidar uma narrativa ou um discurso, plasmá-los no senso comum, confere uma vantagem moral importante na guerra psicológica que inevitavelmente acompanha as disputas sociais e políticas. Então que siga o jogo.
Mas a queda de Dilma, a exemplo do que ocorrera antes com o presidente Fernando Collor, talvez seja um campo de observação útil em termos prospectivos. Em outubro deveremos eleger um presidente, ou reeleger o atual. E sempre vale a pena especular um pouco sobre os fatores que estabilizam ou desestabilizam um primeiro mandatário.
Afinal, antes de Jair Bolsonaro a “taxa de mortalidade política” dos eleitos desde a volta das diretas era de estonteantes 50%. Não parece muito normal.
Por que presidentes brasileiros caem ou precisam passar o mandato às voltas com campanhas pelo impeachment? Dizer “por falta de apoio político” mais parece uma tautologia. Pois a pergunta poderia ser refeita, mantendo sentido idêntico, para “por que os presidentes brasileiros perdem tão facilmente apoio político?”.
Consolidou-se um certo senso comum de que o governo Dilma Rousseff era politicamente estreito, e portanto o antídoto para a desestabilização é a frente ampla. Essa conclusão parece hegemônica hoje no PT. Não discuto a conclusão, mas a premissa está errada.
O governo Dilma tinha ampla participação formal de aliados. E que viraram adversários sem nem ter de sair do governo. Quem teve de sair foi a presidente. E debitar essa virada ao “temperamento” de Dilma também parece algo subjetivo.
A política organiza-se em torno de interesses materiais e da correlação de forças. Claro que com lutas, fricções e flutuações. Mas a base objetiva costuma ter peso decisivo. Políticos são animais selvagens lutando pela sobrevivência na selva.
Não são animaizinhos fofos atrás de um afago.
Dilma Rousseff caiu porque em certo momento não aceitou abrir mão de poder quando a correlação de forças se tornou extremamente desfavorável a ela, devido às escolhas econômicas e ao brutal contraste entre o discurso na campanha de 2014 e a vida real na sequência.
Não aceitou apoiar Eduardo Cunha para a Presidência da Câmara dos Deputados, perdeu a eleição para ele e depois não aceitou trocar o papel “decorativo” com o vice Michel Temer. E bloqueou um acordo de sobrevivência mútua com Cunha. E não detinha comando sobre os aparelhos estatais de coerção, que eventualmente poderiam fazer os adversários recuar.
Tampouco reunia massa crítica nos instrumentos de condução da opinião pública.
Repetindo. O governo Dilma não era “estreito”. Ela enfraqueceu-se e foi derrubada praticamente de dentro da composição governamental. As escolhas somaram-se às condições objetivas, com o resultado conhecido.
Se em outubro os adversários do PT vencerem e consolidarem um período de hegemonia de direita o governo Dilma continuará a ser visto como o momento em que a esquerda errou e abriu caminho aos opositores. Se Lula ganhar abre-se a estrada para Dilma ser repaginada como a mulher positivamente inflexível que não aceitou negociar os princípios.
Em 2022 o passado também está em disputa.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2022/02/a-disputa-pelo-passado.html
Crise na Ucrânia fortalece Otan e abre espaço para Biden
Beatriz Bulla / O Estado de S.Paulo
Com a tentativa de reduzir a influência da Otan, Vladimir Putin conseguiu colocar a Rússia no topo das prioridades da geopolítica global. Por outro lado, vem testemunhando o que não desejava: o fortalecimento da aliança atlântica, o alinhamento dos EUA com aliados europeus e o espaço dado ao democrata Joe Biden para liderar uma resposta à crise na Ucrânia.
O presidente americano teve sua capacidade de responder aos problemas mundiais colocada em xeque no ano passado, com uma conturbada retirada das tropas dos EUA do Afeganistão e desencontros diplomáticos com aliados europeus, especialmente como a França.
LEIA TAMBÉM
Forças russas agora são modernas e mais letais
“A crise tornou a Otan mais unida, forte e relevante. Antes disso, víamos Biden lidando mal com o Afeganistão e Angela Merkel como uma voz forte na coordenação transatlântica. A Otan não tinha uma missão tão relevante. Agora, há uma mudança. O tiro de Putin tem saído pela culatra”, disse Ian Bremmer, fundador da consultoria de risco Eurasia Group.
Renascimento
Para Sérgio Amaral, ex-embaixador do Brasil nos EUA, Putin mostra que a Rússia não é um país que está no seu ocaso, como alguns americanos pensam. “A Rússia tem poderio militar, estratégia e disposição de defender seus interesses. Ela quer mostrar que está viva. A questão da Ucrânia está no centro da nova reconfiguração no equilíbrio de poder.”
Segundo Amaral, Biden pode sair fortalecido com a crise. “A política que ele propôs, a formação de alianças, em substituição às ameaças de Donald Trump, bem ou mal está funcionando”, afirma. “A questão é saber como cada um dos países sairá deste período de transição, em que há duas potências (EUA e China) e uma menor que está mostrando que precisa ser chamada à mesa de negociação.”
Bremmer diz que a China assiste com atenção os movimentos na Ucrânia. “Se os russos saírem disso com mais território e sem uma resposta substancial dos EUA, Pequim se sentirá em condições de fazer o mesmo em áreas importantes para eles”, disse o ex-embaixador.
Um risco apontado por Amaral é o dilema americano: ceder aos apelos da Rússia ou assistir a uma aproximação ainda maior entre Moscou e Pequim. Para o establishment em Washington, Putin tenta não apenas colocar suas condições na mesa de negociação para impedir o avanço da Otan, mas também desestabilizar o governo americano. “O objetivo é fazer Biden parecer fraco. Criar divisão nos EUA e influenciar as eleições americanas”, disse James Stavridis, ex-comandante da Otan, em entrevista ao Washington Post.
Unidade
No entanto, democratas e republicanos – pelo menos quando o assunto é Putin – parecem unidos no Congresso. A frase “Você está completamente certo” foi repetida mais vezes do que o normal em um debate nesta semana em Washington promovido pelo Wilson Center, entre senadores dos dois partidos.
“A intenção de Putin, de dividir os EUA, os aliados e a Otan está tendo o efeito oposto. Isto está unindo a Otan”, disse a senadora democrata Jeanne Shaheen. “Ela está absolutamente certa”, concordou Roger Wicker, colega republicano. O apoio à Ucrânia vem até de aliados de Trump, como o senador Ted Cruz.
“Os dois partidos concordam que os EUA precisam estabelecer defesas fortes, militares e econômicas, no caso de os russos optarem pela intervenção, ainda que pequena. Todos concordam que os europeus devem ser aliados. Ninguém quer dizer que concorda com o outro. Mas, se compararmos a situação atual com outras crises recentes, veremos que há consenso”, afirma Bremmer.
“A questão é o que acontecerá se Putin decidir escalar a situação, mas não invadir. Se houver invasão, será um cenário horrível, mas manterá a Otan unida. Mas o que acontece se, sem invasão, ele escalar os ciberataques, por exemplo? Até onde a Otan manterá a união?”, questiona o analista do Eurasia Group.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Forças russas agora são modernas e mais letais
- Tentativa de Putin de afastar Otan da fronteira russa fez presença militar crescer no Leste europeu
- Em alerta aos EUA, Putin e Xi prometem aliança 'sem limites' entre China e Rússia
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,crise-na-ucrania-fortalece-otan-e-abre-espaco-para-biden,70003970761
Pré-candidatos à presidência divergem nos setores de petróleo, energia e bancos públicos
Bernardo Mello e Bruno Rosa / O Globo
RIO — Com um cenário de estagnação econômica, pandemia de Covid-19 e alta de preços de combustíveis e de energia, o debate sobre privatizações passou a ter papel de destaque na pré-campanha presidencial. Enquanto nomes como João Doria (PSDB) e Sergio Moro (Podemos) defendem o enxugamento do Estado, inclusive através da venda de bancos públicos, Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT), apesar de divergências entre si, acenam com a reversão de participações do capital privado em empresas públicas. O presidente Jair Bolsonaro (PL), eleito com uma plataforma liberal em 2018, ainda avalia como tratará o tema e qual será o papel na campanha do ministro da Economia, Paulo Guedes, em meio a idas e vindas em projetos de privatização.
Eleições: Paes critica apoio de Lula a Freixo e vê 'salto alto' do petista no Rio
Desde a sucessão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por Lula no Planalto, há duas décadas, envolta em discursos polarizados sobre maior ou menor participação estatal, o tema tem sido uma das pautas centrais na área econômica, dividindo espaço com a agenda de reformas e o desemprego. Outra vez no foco, o assunto fortalece discursos contrários ao bolsonarismo, na avaliação de assessores econômicos de presidenciáveis.
Bolsonaro, cuja equipe econômica projetava arrecadar até R$ 1 trilhão com desestatizações na campanha de 2018, inicia o quarto ano de governo sem ter vendido nenhuma estatal sob controle direto da União. No último triênio, houve redução de 209 para 158 estatais, em muitos casos graças a incorporações. Para a campanha de 2022, Bolsonaro ainda não definiu se Guedes será novamente responsável pelo programa econômico. O ministro acumula desgastes com o Congresso, e duas das desestatizações que trata como prioridade neste ano, a da Eletrobras e dos Correios, enfrentam resistências políticas e técnicas. Segundo o Valor, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou uma subavaliação “expressiva” na outorga da estatal de energia, definida em R$ 23,2 bilhões, o que gera novo entrave ao processo.
Veja também: Apoio do centrão a Rodrigo Garcia impede Tarcísio de reproduzir aliança de Bolsonaro em SP
Lula e Ciro, que têm feito críticas a privatizações, aproveitaram problemas na gestão Bolsonaro para defender a participação estatal nas empresas. O petista, que usou a estratégia de atacar vendas nas área de mineração e de distribuidoras de energia nos governos FH em campanhas contra o PSDB, em 2002 e 2006, tem visto aliados marcarem posição contra privatizações dos Correios e da Eletrobras.
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, diz que há risco de o “acionista privado se sobrepor aos brasileiros” em caso de privatizações como da Petrobras. Na campanha de 2006, Lula sugeriu que seu oponente, o tucano Geraldo Alckmin, privatizaria empresas estratégicas e que isso acarretaria perdas. Para afastar temores, Alckmin, hoje cotado como vice de Lula, chegou a posar com um colete repleto de logomarcas de estatais.
— O governo não pode abrir mão de ser majoritário em empresas estratégicas, como Petrobras e Eletrobras. Não há vantagem em vender a empresa se o Estado não vai recuperar o investimento feito. Os Correios também têm um papel importante, chegam a locais afastados— diz Gleisi.
Lula também declarou, na última semana, ser contra a política da Petrobras de paridade de preços com o mercado internacional, mas não detalhou ainda ideias de modelos substitutos. Ciro, outro crítico da “dolarização” do combustível, propõe estipular um parâmetro de “lucro razoável” para a Petrobras, com base na rentabilidade de produtoras de petróleo estrangeiras, para frear altas do combustível.
O economista Nelson Marconi, que assessora o pedetista, diz que ainda há estudos sobre o tamanho da participação do governo nas estatais, e define sua visão de privatizações como “pragmática”. Em entrevista ao GLOBO, Ciro disse que pretende comprar 60% das ações da Petrobras.
— O critério não é ideológico, e sim definir o interesse público. Não somos contrários ao marco do saneamento ou ao marco das ferrovias, por exemplo, apesar de apontarmos alguns ajustes. Em relação à Petrobras, para reduzir sua capacidade ociosa e prepará-la para um futuro de energia limpa, o governo tem de ser majoritário — afirma Marconi.
Sonar: Dilma diz não se sentir 'isolada pelo PT' e descarta candidatura
Conselheiro econômico de Moro e ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore também argumenta em prol da transição da Petrobras para um modelo que se afaste de combustíveis fósseis. Mas defende que, para isso, “o único caminho correto” é a paridade internacional e o aumento da participação privada na gestão da empresa.
Em entrevistas, Moro tem sugerido privatizar não só a Petrobras, mas também bancos públicos, como a Caixa e o Banco do Brasil.
— Se Lula entendesse de meio ambiente, jamais faria uma proposta de desvincular (preços de combustíveis), porque barateia um emissor de CO2. Olha só para um horizonte curto, da eleição. Em relação aos bancos, é preciso cuidar para o tiro não sair pela culatra. Antes de pensarmos em privatização da Caixa, que entra em projetos sociais, eu pensaria primeiro no Banco do Brasil — avaliou Pastore, com a ressalva de que ainda não debateu o tema com Moro.
Estudos sobre o tema
No caso de Doria, que já declarou ver com bons olhos uma venda da participação do governo no BB, a equipe econômica que atua em sua pré-campanha tem feito estudos sobre a privatização de um dos dois bancos públicos.
— Uma posição discutida é transferir para o BB as políticas públicas e o crédito habitacional e privatizar a Caixa. Pelo fato de o BB já estar no mercado e ter uma governança melhor, embora ainda possa ser aperfeiçoada — afirma o secretário estadual de Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, que integra a equipe de Doria.
Na avaliação de Meirelles, que disputou a eleição presidencial de 2018 pelo MDB, há hoje uma “menor demonização” de privatizações, devido à noção de que “empresas que custam dinheiro e prestam mau serviço são ruins para o cidadão”. O secretário de Doria confirmou que a equipe avalia a proposta, já veiculada pelo presidenciável, de “fatiar” a Petrobras e privatizá-la em etapas. Meirelles, por outro lado, defende um fundo de estabilização de preços do combustível, ideia também transmitida pela equipe de Ciro. A proposta foi descartada por Bolsonaro e Guedes na PEC dos Combustíveis, que será apresentada ao Congresso e tem o objetivo de permitir a redução de tributos federais.
Analistas criticam intervencionismo na Petrobras
Com o dólar acima de R$ 5,30 e o barril do petróleo ultrapassando os US$ 90, o debate sobre a atual política de preços dos combustíveis da Petrobras — que repassa as variações internacionais para o preço da gasolina e diesel vendidos no Brasil — deve ganhar ainda mais espaço entre os pré-candidatos à Presidência. Apesar de o tema gerar discussões entre os diferentes grupos políticos, especialistas do setor e do mercado financeiro são unânimes em defender os reajustes praticados pela estatal em linha com os valores do mercado externo.
Para eles, é preciso que os preços dos combustíveis sejam livres, iniciativa que vem ganhando força desde o governo de Michel Temer. Porém, lembram que uma solução a médio e longo prazos só virá com uma reforma tributária, que prevê a redução de impostos em bens essenciais, e a elaboração de mecanismos, como um fundo, já usado em países da Europa e América do Sul, para compensar a alta do petróleo e do câmbio.
Sem isso, o consumidor do Brasil, dizem os especialistas, ficará à mercê da cotação do barril do petróleo e do câmbio enquanto a tão esperada competição no setor não chega. Desde janeiro de 2021, a Petrobras já reajustou em 77% o preço da gasolina, cujo valor médio do litro passou de R$ 1,83 para R$ 3,24 nas refinarias. Com o diesel, o litro subiu de R$ 2,02 para R$ 3,61, em um avanço foi de 78%.
Em SP: Partidos de esquerda vivem divisão e impasse em São Paulo
Na última semana, o ex-presidente Lula (PT) disse que, se eleito, não manterá o preço do combustível dolarizado. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) também declarou no fim de janeiro que vai revisar a política de preços da estatal, que classificou como “criminosa”. Por outro lado, o ex-ministro Sergio Moro (Podemos) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), têm posições a favor da privatização da companhia e de preços livres.
O consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), lembra que o Brasil avançou muito desde 2016 com a política de preços livres dos combustíveis. Pires lembra que, além do preço do petróleo, hoje o maior vilão é o dólar. Por isso, defende a criação de uma política para reduzir a volatilidade dos preços. Para ele, o ideal é se pensar em uma reforma tributária para reduzir a carga fiscal. Lembra ainda que é necessário voltar a discutir um fundo de estabilização, como acontecia no governo de Fernando Henrique:
— Tínhamos a Cide, cujo valor poderia subir ou cair conforme a cotação de dólar e petróleo, de forma a neutralizar essa volatilidade. Mas o PT quando assumiu alterou isso e passou a usar a Cide para outras finalidades. Somente reduzir os impostos federais não vai resolver. Os preços precisam ser livres para atrair investidores. A Petrobras é uma empresa de capital misto. Não se pode ignorar o mercado.
STF: Cármen Lúcia vota por proibir governo de monitorar jornalistas em redes sociais
David Zylbersztajn, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) no governo FH, também defende a abertura do mercado, com preços livres. Segundo ele, a liberdade nos valores sem subsídios permite aumentar a produtividade da economia e atrair investimentos. Ele lembra que, sem esse cenário, a Petrobras não conseguirá vender refinarias, atraindo mais investimentos privados. Das oito colocadas à venda, a estatal só conseguiu se desfazer de três: a da Bahia, a do Amazonas e uma pequena unidade no Paraná.
— O mercado mais competitivo virá com a privatização do refino. E o preço real vai aparecer. Esse é o passo principal. Hoje, não tem transparência, porque a Petrobras é na prática uma monopolista. Ao subsidiar os preços, é feita uma transferência de renda perversa. O pobre não recebe investimentos em Saúde e Educação em prol de gasolina e diesel mais baratos para os mais ricos — afirmou Zylbersztajn.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, defendeu uma ampla agenda de reformas como forma de reduzir os preços dos combustíveis. Para ele, não adianta segurar os preços ou criar mecanismos como a PEC proposta na última semana (que, além de promover uma desoneração nos impostos federais sobre o diesel e a energia elétrica, cria um “vale” de R$ 1.200 para caminhoneiros e socorre o setor de ônibus urbano):
— A mais rápida e mais eficiente ideia para os combustíveis, por incrível que pareça, seria a aprovação de reformas administrativa e tributária, bem como uma tentativa efetiva de se restabelecer a credibilidade fiscal, visto que houve uma deterioração radical. Isso jogaria o câmbio para baixo, aliviando a paridade de preços da gasolina e do diesel.
‘Estratégia de Bolsonaro chegou ao seu limite’, analisa cientista político
Marlen Couto / O Globo
RIO — Ao documentar as estratégias para a ascensão de governos populistas no mundo, o cientista político Giuliano Da Empoli tem acompanhado os desdobramentos da gestão do presidente Jair Bolsonaro no Brasil. Em 2019, Bolsonaro terminava o seu primeiro ano de mandato com reprovação de 36% dos brasileiros, segundo o Datafolha, quando o pesquisador franco-italiano publicou no país, pela editora Vestígio, “Os engenheiros do caos”. No livro ele faz uma análise sobre como as fake news, teorias da conspiração e os algoritmos das plataformas digitais compõem uma engenharia que permitiu a eleição de nomes como Bolsonaro e do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Hoje, o cenário é bem diferente: Bolsonaro é rejeitado por mais da metade da população, enquanto se prepara para disputar a reeleição. Em entrevista ao GLOBO, o cientista político vê na impopularidade do presidente brasileiro o esgotamento do discurso anti-establishment durante a crise da Covid-19, alerta para a sofisticação na segmentação da propaganda política nas redes, e ressalta que é preciso transparência sobre como funcionam as plataformas.
Eleições: Apoio do centrão a Rodrigo Garcia impede Tarcísio de reproduzir aliança de Bolsonaro em SP
Recentemente, vimos o apoio a líderes populistas cair após ocuparem cargos públicos. Trump não foi reeleito nos EUA. Bolsonaro enfrenta alta rejeição. Por que esses governos têm dificuldade em permanecer no poder?
Uma vez que esses líderes baseiam sua popularidade em uma rejeição ao establishment, é mais difícil manter sua popularidade quando estão no poder. Para superar esse problema, alguns deles, incluindo Trump e Bolsonaro, tentaram manter a chama acesa, adotando um estilo subversivo de governo, focando em inimigos como o Deep State (estrutura global de poder que seria responsável pelas decisões econômicas, segundo a teoria conspiratória QAnon) ou o Poder Judiciário. Por um tempo, essa estratégia foi bem-sucedida, mas a Covid-19 pôs um fim nisso. Quando a pandemia surgiu, o instinto subversivo de Trump e Bolsonaro os pressionou a lutar contra o establishment médico e científico, e o desastre absoluto que se seguiu foi demais até mesmo para muitos de seus apoiadores.
Bolsonaro enfrentará uma eleição após quatro anos como presidente do Brasil. É possível ser presidente e e ainda assim mobilizar o discurso anti-establishment?
Com a Covid, a lógica da estratégia anti-establishment chegou ao seu limite, e pode ser difícil para Bolsonaro fazer uma retomada até outubro. Na Itália, porém, tivemos alguém como Berlusconi (ex-primeiro-ministro), que foi capaz de perder duas eleições nacionais e voltar tantas vezes, porque, mesmo que ele tenha sido o líder que passou mais tempo no poder entre meados dos anos 1990 e o início dos anos 2010, conseguiu transmitir a impressão de que estava lutando contra o establishment e a “velha classe política”. A mesma coisa pode acontecer ao Trump. Então, quem sabe o que vai acontecer com Bolsonaro a longo prazo...
No RJ: Paes critica apoio de Lula a Freixo e vê 'salto alto' do petista no Rio
O senhor alertou em seu livro que líderes como Bolsonaro estão destinados a frustrar seus eleitores, mas têm um novo estilo que impacta as novas gerações. Esse “estilo colérico” continuará ?
Infelizmente, a degradação das normas para o discurso e debate público será um dos legados mais duradouros desses líderes. Os jovens de hoje estão sendo introduzidos na política em um clima de abuso verbal e polarização que teria sido impensável há apenas dez anos.
É mais importante para esses líderes ter o apoio de um pequeno grupo do que da maioria da população?
Os apoiadores radicais têm um papel fundamental na estratégia desses líderes. Eles produzem o buzz constante, os memes, especialmente online, que alimentam sua ascensão. Isso é algo muito novo: em vez de tentar obter uma maioria, entregando mensagens moderadas sobre as quais a maioria das pessoas poderia concordar, líderes como Trump e Bolsonaro inflamam grupos extremos e tentam empilhá-los de modo que atinjam um número crítico para formar uma parcela majoritária.
A propaganda política online está ficando cada vez mais sofisticada e extrai o máximo não só do progresso tecnológico como do campo das ciências cognitivas. É claro que a política sempre foi baseada na exploração de emoções como ódio e medo, mas esta é a primeira vez que ela pode ser feita cirurgicamente, atingindo as pessoas uma a uma e enviando precisamente a mensagem certa que ressoará entre elas. Durante a campanha do Brexit, a equipe responsável pela saída do Reino Unido da União Europeia foi capaz de dizer aos amantes dos animais que a União Europeia não protege animais o suficiente e aos caçadores que os protege demais. Você não poderia fazer isso no passado.
SP: Partidos de esquerda vivem divisão e impasse em São Paulo
Como líderes políticos não alinhados com ideias populistas podem reagir?
No caso das notícias falsas, é fundamental entender que, mesmo que sejam falsas, elas têm alguma forma de “verdade emocional” e correspondem à percepção de algumas pessoas sobre a realidade. Você não pode lutar contra isso apenas com a verificação de fatos. É preciso ser capaz de projetar uma visão, baseada em fatos reais, que também contenha uma forma de “verdade emocional” porque isso se encaixa na experiência real das pessoas.
Nos comunicamos adequadamente com adeptos de teorias da conspiração? Existe uma maneira de retomar o diálogo?
Mais do que simples notícias falsas, teorias conspiratórias prosperam porque “fazem sentido”, dão uma explicação sobre a realidade que produz uma ressonância emocional e criam um sentimento de pertencimento. Seguir algum tipo de teoria da conspiração permite que você faça parte de um grupo, como num culto religioso, e isso é valioso, especialmente para pessoas que são marginalizadas. É por isso que é tão difícil combater teorias conspiratórias. O mensageiro é crucial. Se você quer restabelecer o diálogo com esses grupos, precisa encontrar intermediários em quem confiam, como pessoas que costumavam fazer parte do grupo e mudaram de ideia.
Desde a publicação do seu livro, a pressão sobre as plataformas cresceu. Houve o bloqueio de Trump nas maiores redes. No Brasil, a Justiça discute o bloqueio do Telegram. Medidas como essas são uma forma de combater o populismo?
Os dois casos são diferentes, um sendo uma decisão unilateral de algumas plataformas para proibir um líder político e o outro um conflito real entre uma empresa e as autoridades judiciárias, mas ambos apontam para a mesma realidade: as plataformas privadas têm muito poder e pouca responsabilidade quando se trata de moldar o debate público. Elas precisam ser reguladas e o primeiro passo para fazer isso é impor transparência sobre a forma como funcionam, para que parem de ser caixas pretas misteriosas e poderosas no centro de nossas sociedades democráticas.
Presidenciáveis usam podcasts como alternativa em pré-campanha
Levy Teles e Gustavo Côrtes / O Estado de S.Paulo
Em meio a uma atribulada agenda de pré-candidato à Presidência, Sérgio Moro (Podemos) separou um dia de março para participar do podcast Inteligência Ltda., apresentado pelo humorista Rogério Vilela. Com pressa de crescer nas pesquisas e se firmar como alternativa à polarização Lula/Bolsonaro na disputa pelo Planalto, Moro tem cumprido também o script tradicional de uma campanha que, conforme o jargão, “já está na rua”: viagens, encontro com líderes políticos e entrevistas a veículos de comunicação.
LEIA TAMBÉM
Eleições 2022: veja quem quer concorrer à Presidência
Se o ex-juiz da Lava Jato tenta conciliar seu roteiro, outras pré-candidaturas, como a de Ciro Gomes (PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dedicam-se mais às “ruas digitais” neste momento do ano eleitoral. Além da oportunidade de falar com “nichos” de enorme audiência, esta via costuma ser um “ambiente seguro” para os pré-candidatos. Diferente de formatos jornalísticos, que têm tempo delimitado e os entrevistados são confrontados, os podcasts e vodcasts – transmitidos em áudio e vídeo ao vivo na internet – se estendem por horas, dando tempo aos participantes para desenvolver teses com mais conforto.
Programas completos e os chamados “cortes” – trechos selecionados que depois também são usados nos perfis dos futuros candidatos nas redes sociais – atingem milhões de pessoas. Novíssimos modelos desta comunicação também já inspiram pré-campanhas. Sem intermediação, como já acontecia, por exemplo, em 2018, quando o então candidato Jair Bolsonaro privilegiou as redes sociais como foco da campanha – aposta que será dobrada neste ano, como mostrou o Estadão.
No último dia 24, Moro esteve no podcast Flow, e conversou por cinco horas com os youtubers Monark e Igor 3k. Na conversa, sem ser contestado, defendeu sua atuação como magistrado da Lava Jato e fez ataques a adversários. Em clima informal, Monark perguntou a Moro o que ele acha de cogumelo. “Cogumelo plantinha?”, questionou o ex-juiz ao responder. “Cogumelo que deixa doidão”, treplicou o apresentador. O diálogo abriu um debate de cerca de 9 minutos sobre legalização das drogas. Monark defende a liberação da maconha e costuma acender “baseados” durante o programa.
AMBIENTE. “O estilo que eu faço é bom para político e para o público, porque é um ambiente mais ou menos seguro”, disse Rogério Vilela, que faz as gravações no porão da casa onde vive com a mulher e o filho em um condomínio fechado no Morumbi. “Se ele for em um jornal ou em uma revista, vão ter muito mais vontade de pegar ele de calça curta.
Enquanto Vilela recebia o Estadão, as assessorias do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e do deputado federal Felipe Rigoni (PSL-ES) entraram em contato com sua produção. Ambos estavam interessados em uma participação. “Antes a gente tinha que ir atrás. Agora, as assessorias é que querem que eles venham”, disse Vilela, que pretende receber todos os presidenciáveis e garante ter negociações avançadas com a equipe de Lula.
O petista, que lidera as pesquisas de intenção de voto, compareceu ao Podpah, apresentado pelos youtubers Mitico e Igão, em dezembro. Durante duas horas e meia, defendeu seus governos sem tocar em temas polêmicos. O vídeo, que foi transmitido ao vivo, acumula mais de 8,6 milhões de visualizações. Além do Podpah, Lula deu entrevista ao Mano a Mano, podcast do rapper Mano Brown. O episódio foi o mais ouvido do Spotify no ano passado.
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) também falou ao Flow. O vídeo já teve mais de 2,7 milhões de visualizações. Três meses depois da participação no Flow, Ciro acatou a sugestão de um dos apresentadores e criou o Ciro Games, live divulgada semanalmente nas redes sociais do candidato.
No programa, Ciro faz “gameplays” – transmissões de uma pessoa jogando videogame – entrevistas e “reacts” – formato em que uma pessoa assiste a vídeos e opina sobre o que viu – onde Moro é o principal alvo. No último “react”, o alvo foi Bolsonaro. Dário disse que participou de uma reunião com a equipe de comunicação do pré-candidato, que teve a participação do marqueteiro João Santana e outros 90 influenciadores.
Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, aponta que nos podcasts há um “esvaziamento do lugar social do jornalista”. Para ele, a figura do jornalista se torna “desnecessária, indesejável e obsoleta” nesta tendência. Para Maria Carolina Lopes, estrategista política e pesquisadora em comunicação digital, a ideia de buscar novas plataformas faz parte da tentativa de agregar públicos, principalmente os mais jovens, à campanha.
Sidônio Palmeira, da Leiaute Propaganda, que coordenou candidaturas do PT na Bahia, avalia que no ambiente digital é fundamental que o pré-candidato se esforce para passar naturalidade. “O marketing é a arte da síntese. O que se quer nas redes sociais é ter alguém falando de forma mais simples”, afirmou.
Para Daniel Braga, coordenador da comunicação digital de João Doria, presidenciável do PSDB, o trunfo dos canais na internet é que eles têm a “capacidade de atrair alguma coisa mais íntima dos candidatos”. Em uma entrevista ao Inteligência Ltda, Doria aproveitou para reforçar a tática de neutralizar a provocação de Bolsonaro e de sua rede mais fiel. Logo no começo do programa, o tucano deu ao apresentador uma calça “apertada”. “Adotei”, afirmou.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Eleições 2022: veja quem quer concorrer à Presidência
- ‘Não gosto da ideia de banir uma plataforma’, diz Barroso
- Cratera na Marginal Tietê inflama debate eleitoral nas redes, mostra levantamento
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,presidenciaveis-usam-podcasts-como-alternativa-em-pre-campanha,70003970955
Militares se distanciam de Bolsonaro, mas mantêm forte resistência ao petismo
Ingrid Soares e Gabriela Chabalgoity / Correio Braziliense
Na busca pela reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) procura manter o apoio de uma parcela específica do eleitorado: a ala militar. As Forças Armadas, no entanto, já não se mostram mais tão adesistas ao capitão reformado. As instituições castristas evitam transparecer vínculos políticos e deixam claro que serão fieis ao chefe do Palácio do Planalto, não importa quem seja.
Na semana passada, em entrevista à Folha de S. Paulo, o comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), Carlos de Almeida Baptista Junior, assegurou que, caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder das pesquisas de intenção de voto, saia vitorioso das eleições, receberá continência como comandante supremo das Forças Armadas. No Planalto, a declaração foi vista como "infeliz" por Bolsonaro, por ser lida como uma sinalização à oposição, apesar de não ter sido essa a intenção de Baptista Júnior.
A decepção dos militares com Bolsonaro é evidente, mas é fato também que Lula segue sendo malvisto na caserna, em razão da imagem de corrupção deixada pelos tempos da Lava-Jato. Mais do que a preferência pelo candidatos, no entanto, prevalece o respeito à ordem constitucional. É o que defende o general Paulo Chagas, militar reformado. "O atual comandante da Aeronáutica soube, com precisão, deixar claro que as instituições são órgãos de Estado, e não de governo, o que significa dizer que, seja quem for o presidente eleito, terá a lealdade constitucional das Forças. Os militares como cidadãos, em sua maioria, votaram em Bolsonaro em 2018, mas nunca estiveram 'fechados' com ele, como não estiveram 'fechados' com nenhum outro presidente", destaca.
Chagas relata um "número significativo" de militares decepcionados com Bolsonaro. Afirma que eles não confiarão o voto ao presidente no primeiro turno e devem optar pela candidatura de Sergio Moro (Podemos). Porém reconhece que, caso a disputa do segundo turno fique entre o atual presidente e Lula, não há chances de escolherem o petista. "Essa atitude é de foro íntimo de cada um e não pode ser interpretada como coletiva. Hoje, baseado na minha percepção pessoal e na de outros militares com quem mantenho contato, vejo que há um número significativo de militares que não votará mais em Bolsonaro no 1º turno. Mas, ao mesmo tempo, desconheço quem pense em votar em Lula da Silva tanto no 1º como no 2º turno", complementa.
O deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) está confiante. Diz que, no primeiro turno, Bolsonaro pode até perder alguns votos da ala militar. Mas, na segunda votação, se o oponente for Lula, não há a menor possibilidade de isso ocorrer. "O PT sempre foi inimigo das polícias. Não há a menor possibilidade de votarem no Lula. Vão estar 100% com Bolsonaro", afirma.
O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz (Podemos), ex-ministro da Secretaria-Geral do governo, também faz ressalvas ao alinhamento automático com Bolsonaro. "As instituições que compõem as Forças Armadas têm a cultura de cumprir a Constituição, e não existe possibilidade de preferência institucional por qualquer candidato. Individualmente, cada um vota em quem quiser. Não existe essa "continuação" com Bolsonaro nem aproximação com o outro candidato, o ex-presidente Lula. Isso é exclusivamente individual", ressalta Santos Cruz.
O distanciamento da caserna com o Palácio do Planalto pode ser observado em três movimentos, segundo a analista de risco político da Dharma Politics, Raquel Borsoi. Ela lembra que, em janeiro, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio, endossou as diretrizes de combate à covid-19 na Força, considerando vacinação, distanciamento, uso de máscaras e a proibição de espalhar fake news sobre a pandemia. Houve, ainda, o atrito entre Bolsonaro e o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres — que é almirante da Marinha — a respeito da vacinação contra a covid. Por último, a sinalização do comandante da Força Áerea, de prestar continências a quem quer que ocupe o Poder.
"Esses três movimentos são um sinal de que, para alguns — não podemos generalizar —, o "pedágio" de seguir alinhado ao presidente tem se tornado caro. Não entendo que o cálculo seja feito devido à situação social, nem que as Forças irão se alinhar a Lula por acreditarem ser o candidato a solucionar os problemas do país. As Forças Armadas têm conversado com todos os candidatos. O elemento-chave da questão é que, independentemente do resultado eleitoral, as Forças Armadas são um ator importante no debate e na dinâmica política atual e não poderão ser ignoradas por quem ascender ao Planalto", analisa
Alcides Costa Vaz, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed), aponta que a resistência a Lula no meio militar responde ao aspecto ideológico. "Bolsonaro ainda tem um grande apoio entre integrantes da corporação. No segundo turno, o que vai determinar é a forma que cada militar avalia a expectativa em Bolsonaro e uma eventual mudança de governo. O fator ideológico dentro das Forças tem peso significativo, o que favorece mais a candidatura de Bolsonaro do que Lula", conclui.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/02/4983093-militares-se-distanciam-de-bolsonaro-mas-mantem-forte-resistencia-ao-petismo.html