Maria Cristina Fernandes: Federar ou federar
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
O prazo de 2 de abril correu o risco de ficar para 5 de agosto, mas findou em 31 de maio. O adiamento, ainda que mitigado, no prazo de registro das federações partidárias deu alento à tese de que o mecanismo não terá vida longa. Aposta-se que se os partidos não conseguiram se coordenar para as deliberações internas da federação até aqui, não o farão em nova legislatura e sob outro governo.
Parece difícil imaginar, numa conjuntura de tantas divisões internas no governo e nos partidos, a prevalência de uma força centrípeta. Corrobora ainda o rechaço à ideia de impor coerência ao sistema político por decreto, como o fez a verticalização em 2002, obrigando as coligações presidenciais a se reproduzirem em todo o país. Assim como aquela decisão não se sustentou, esta tampouco ficaria de pé.
Os céticos apostam que os partidos não abrirão mão da autonomia para reger seu ordenamento interno. Ignoram, porém, que a mudança de regras sobre o sistema partidário já aconteceu. A federação, na verdade, é um balão de oxigênio para partidos a serem vitimados pelo fim das coligações e pelo estabelecimento da cláusula de desempenho, mudanças cujas consequências sobre o sistema político têm sido subestimadas.
Isso porque, apesar de terem cinco anos, ainda são tratadas como firulas do sistema político. Mas não se trata de simples mudança de regra. Vem junto com dois dados da realidade política, por ora, inelutáveis: a polarização da campanha presidencial e a fartura de recursos das grandes legendas. Essa tríade de fatores empurra para o enxugamento do quadro partidário - degola, em partidês.
Não são os cálculos da desoneração dos combustíveis sobre as finanças públicas que têm ocupado os políticos, mas aqueles de sua sobrevivência. Se o primeiro trimestre de anos eleitorais já costuma ser marcado pelas planilhas de quocientes eleitorais, nominatas de candidatos e cálculos dos recursos de que disporão para elegê-los, desta vez, pela tríade de fatores, tudo está mais tenso.
Quem tem assistido à fartura das emendas de relator se espanta que as contas da reeleição de seus autores estejam, assim, na ponta do lápis. O dono da emenda pode até se garantir, mas a prebenda não se estende à nominata do partido, como é conhecida a lista de candidatos com a qual disputará.
Se o partido não arregimentar, para esta nominata, nomes bons de voto, não atinge o quociente eleitoral, degrau para se alcançar uma cadeira na Câmara. A este sarrafo, some-se outro, o da cláusula de desempenho, que, este ano, é de 2% do eleitorado nacional e, em 2030, será de 3%.
A ambos os sarrafos, acresça-se a mudança na regra das sobras dos votos, aprovada em 2021, junto com as federações. Feito o cálculo do quociente eleitoral e repartidas as cadeiras, sobram votos que não são suficientes para ultrapassar o sarrafo e preencher o restante das vagas. Quem vai levá-las não é o partido com sobras maiores mas aquela legenda - ou federação - que tiver mais votos no total.
Se um partido A tiver 210 mil votos para um quociente eleitoral de 100 mil faz dois deputados e sobram 10 mil votos. Se o partido B conseguir 140 mil votos, faz um deputado e sobram 40 mil votos. A cadeira vai para o partido A. Se um partido C tiver 70 mil votos vão todos pro lixo. Foram mudanças que deram um caráter um pouco mais majoritário para a radical proporcionalidade do sistema brasileiro. Nos países radicalmente majoritários, como os Estados Unidos e o Reino Unido, só o partido A tem vez.
Se esta regra beneficia os grandes partidos e federações, a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também empurrará os partidos médios para o colo dos grandes que encabeçam as duas chapas. Há que se relativizar aqui as dimensões. Duas únicas legendas elegeram mais de 50 deputados em 2018, PT (54) e PSL (52). Esta última, reunida ao DEM, soma os 81 deputados do União Brasil. Este Arenão passa a encabeçar a fila com o maior fundo eleitoral.
Os partidos da chapa de Bolsonaro, PP e PL, serão beneficiados por puxadores de votos. Podem não ser capazes de mantê-los no Planalto mas são suficientes para fazer bancada. Calcula-se que deputados como Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli possam vir a eleger, apenas em São Paulo, seis parlamentares a mais para o PL, desde que os candidatos a serem arrastados tenham, pelo menos, 10% do quociente eleitoral.
O PT, além do candidato favorito para a Presidência, tem nomes que já ocuparam cargos majoritários, como Fernando Pimentel (MG) ou Eduardo Suplicy (SP) que também podem vir a atuar como puxadores de votos. Já partidos como PSD, MDB, PDT e PSDB, desatrelados de candidaturas a presidente competitivas, correm riscos de desidratação. A aposta no Congresso hoje é que os tucanos possam vir a perder um terço de sua bancada de 32 deputados.
Daí o apelo da federação. É bem verdade que se desconhecem as regras pelas quais as assembleias dos partidos federados vão deliberar decisões importantes como vagas nas mesas diretoras e comissões no parlamento ou mesmo a definição de candidaturas nas eleições municipais. Mas um governador que acompanha de perto as alianças aposta que se partidos como o PSB pagarem pra ver, correm o risco de chegar lá na frente em condições ainda mais desfavoráveis do que se federado estivesse. Podem ser obrigados a se submeter a fusões que restringem ainda mais a autonomia dos partidos.
Há sempre a possibilidade de a regra vir a ser mudada. Aquela que instituiu o fim das coligações e a cláusula de desempenho, porém, sobrevive há cinco anos. O objetivo, compartilhado por quase todos os ministros ontem, é o de evitar o que Luís Roberto Barroso chamou de “fraude da vontade do eleitoral”. É o que acontece, por exemplo, em coligações em que o voto de partidos que defendem os direitos de minorias ajudam eleger parlamentares de partidos que pregam sua subtração.
O tom professoral dos ministros costuma suscitar reações enervadas, como aconteceu na rejeição da verticalização. Naquela ocasião, porém, a amarra que impunha a reprodução, nos Estados, da coligação federal, havia sido estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral. Só viria a cair por emenda constitucional quatro anos depois.
Desta vez, a mudança das coligações, da cláusula de desempenho e seu unguento, as federações, foram estabelecidas pelo Congresso. A iniciativa legislativa e o interesse das grandes legendas em se fortalecerem com a manutenção das regras funcionarão como um dique. Risco é apostar contra.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/federar-ou-federar.ghtml
Vera Magalhães: Escolha seu governo
Vera Magalhães / O Globo
Está em cena um espetáculo engraçado, protagonizado por Jair Bolsonaro, seus ministros e representantes no Congresso.
Trata-se de uma peça em que cada um se finge de desavisado enquanto todos sabem que o governo promove, em mais de uma frente, a discussão de propostas que visam, artificialmente, reduzir o preço dos combustíveis para que o tanque eleitoral do presidente saia da reserva e seu carro rode mais alguns quilômetros.
Antes mesmo de Flávio Bolsonaro tascar sua impressão digital na tal PEC Kamikaze, já se sabia que vinha da Casa Civil uma versão menos suicida de proposta, que aportou na Câmara.
Ainda assim, Paulo Guedes topa, de novo, encenar o ato em que o ministro da Economia luta contra moinhos de vento e tenta defender os cofres públicos de uma “bomba” armada logo ali do lado, pelo seu chefe e pelos seus colegas.
Do jeito que Guedes pinta o quadro de infortúnios que o impediram de fazer as reformas que imaginou e de vender as empresas que prometeu, o último responsável é Bolsonaro. Na sua frente estão o Congresso, a imprensa, os economistas “social-democratas” e sabe-se lá mais quem.
Pois não é nenhum desses personagens secundários que está no palco, quando as luzes rapidamente se apagam, e a cena da peça muda, tratando de, mais uma vez, promover benesses eleitoreiras à custa de um estica e puxa no Orçamento da União.
Resta saber por que o ministro aceita o papel do incauto, desavisado, o “naive” de quem todos fazem troça e, ainda assim, proclama sua fé na manutenção da suposta aliança entre “liberais e conservadores” para mais quatro anos.
Pelo andar da carruagem, Bolsonaro pode até lhe agradecer os préstimos e dizer que, se reeleito, seguirá por outro caminho — esse mesmo pelo qual já está trafegando, que tem o Centrão como piloto e copiloto.
E aí aparece em cena o outro governo, o que de fato está dando as cartas. Este é um personagem mais complexo. Ao mesmo tempo que redige as propostas para baixar o preço dos combustíveis, o Centrão usa um de seus porta-vozes no Congresso, o deputado Ricardo Barros, para dizer que, como é mesmo?, o “apoiamento” do filho mais velho do presidente a essa medida não quer dizer nada.
Barros, Bolsonaro e os demais que arquitetam o truque de deixar como obra do Legislativo uma manobra que visa sobretudo a limpar a barra do presidente junto aos caminhoneiros e aos demais eleitores que usam combustível ou transporte público (ou seja, a quase totalidade) acham que todo mundo topa ser tão enrolado quanto Paulo Guedes.
Não é a primeira vez que a área econômica e o segmento político de um governo andam em descompasso, com interesses distintos, sobretudo diante da aproximação de eleições. Essa é a dinâmica natural, causada pelo instituto da reeleição, que faz com que o desejo de permanecer na cadeira seja não só do chefe do Executivo, mas de seus auxiliares diretos, daí a rinha para ver quem tem mais poder.
Mas como tudo nesta quadra que atravessamos, na era Bolsonaro essas joelhadas se dão de forma atabalhoada, tendo como objeto de disputa não grandes projetos de país (desenvolvimentismo x monetarismo ou ortodoxia x heterodoxia econômica), mas apenas o interesse mais comezinho e o horizonte mais imediato da disputa eleitoral.
Como outro elemento dessa administração em que cada um puxa para um lado, coube ao Banco Central dar o alerta que já soa fora de Brasília: não adianta reduzir na base do cavalo de pau os preços dos combustíveis, porque isso é percebido, precificado e estoura lá na frente. Com as outras “bombas” que Guedes viu serem colocadas no seu caminho, sabe por quem foram deixadas, conhece no que resultarão para a próxima gestão, mas vai aceitando e lamentando a sorte enquanto tramam mais uma sem nem se preocupar em disfarçar.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/escolha-seu-governo.html
Dejetos plásticos nos oceanos devem triplicar até 2040
Correio Braziliense
Os resíduos plásticos já estão em todas as partes dos oceanos e ameaçam a biodiversidade marinha, alerta um relatório da organização Fundo Mundial para a Natureza (WWF), que pediu um tratado internacional para combater o problema. A contaminação "atingiu da superfície ao fundo do mar, dos polos às costas das ilhas mais isoladas, do menor plâncton à maior baleia", afirma a ONG, a poucas semanas de uma assembleia sobre meio ambiente das Nações Unidas.
Entre 19 e 23 milhões de resíduos plásticos param no mar a cada ano, afirma o relatório, que resume mais de 2 mil estudos sobre o tema. Os resíduos sofrem uma decomposição e viram partículas minúsculas, transformando-se em nanoplásticos, de tamanho inferior ao mícron (milésima parte de um milímetro).
A situação é tão grave que, mesmo com o fim do constante despejo de lixo atual, o volume de microplásticos dobraria até 2050 devido aos resíduos já presentes. Porém, o mais inquietante é que a inundação de material não será interrompida: a produção de plástico novo deve dobrar até 2040, o que triplicará os dejetos nos oceanos. "Estamos chegando a um ponto de saturação em vários lugares, o que representa uma ameaça não apenas para as espécies, e sim para todo o ecossistema", explica Eirik Lindebjerg, diretor de pesquisas sobre resíduos plásticos no WWF.
Além das imagens impactantes de tartarugas ou focas presas em redes, toda a cadeia alimentar está em perigo. Um estudo de 2021 sobre 555 espécies de peixes localizou restos de plásticos em 386 delas. Outros cientistas que examinaram a pesca de bacalhau, um dos peixes mais comercializados, detectaram que até 30% das espécies pesqueiras no Mar do Norte tinham microplásticos no estômago.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2022/02/4983688-dejetos-plasticos-nos-oceanos-devem-triplicar-ate-2040.html
BC alerta para risco inflacionário de PECs apoiadas por Bolsonaro
Rosana Hessel / Correio Braziliense
Apesar de não citar explicitamente a PEC dos Combustíveis, o Banco Central fez um alerta sobre os riscos da polêmica proposta de reduzir impostos defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores para baratear os preços do diesel e outros produtos. Para o BC, a medida pode ter um efeito danoso para as contas públicas e para a inflação futura, colocando em xeque as regras fiscais sem surtir o efeito esperado para o consumidor.
Na ata da primeira reunião deste ano do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada na semana passada, o BC enfatizou uma maior preocupação com a deterioração fiscal por conta desse tipo de medida, que, na sua avaliação, tem efeito limitado e pode acabar elevando os preços em vez de reduzi-los. "O Comitê nota que mesmo políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo podem causar deterioração nos prêmios de risco, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, um efeito altista na inflação prospectiva", afirma a ata, divulgada ontem.
Há duas PECs dos Combustíveis no Congresso. A equipe econômica aponta que a do Senado, apelidada pelos técnicos do Ministério Economia de "PEC Kamikaze", que já tem assinaturas que garantem a sua tramitação na Casa, deverá ter impacto fiscal superior a R$ 100 bilhões. Na Câmara, há outra proposta parecida, com impacto de R$ 54 bilhões nas estimativas da pasta.
O Copom, na última reunião, decidiu, por unanimidade, elevar em 1,5 ponto percentual a taxa básica da economia (Selic), de 9,25% para 10,75% ao ano, o maior patamar desde maio de 2017. Entre os motivos da decisão — além da piora no cenário fiscal que pressiona os prêmios de risco exigidos pelo mercado para adquirir títulos públicos —, destacaram-se a persistência inflacionária tanto no Brasil quanto no exterior e as projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que estão acima do teto da meta deste ano, de 5%, mesmo considerando uma Selic de 11,75% no fim do ciclo de alta dos juros.
Apesar de confirmar que pretende reduzir o ritmo de alta da Selic, o Copom informou, na ata, que não pretende mais antecipar a intensidade dos ajustes nas reuniões seguintes, sem sinalizar quando pretende interromper o ciclo de aperto nos juros. Além disso, reforçou que a política monetária será contracionista para a atividade econômica, ou seja, atuará no sentido de frear a economia.
Apostas
Na avaliação de analistas, o BC, sob o comando de Roberto Campos Neto, se mostrou mais "hawkish" na ata do que no comunicado divulgado após a reunião do Copom. Ou seja, com disposição de ser mais agressivo na política monetária. Eles reforçaram as apostas de uma Selic acima de 12% neste ano. "Explicitamente, a ata estende o ciclo de alta da Selic, embora em ritmo mais lento", destacou José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. Para ele, o cenário confirma uma Selic de 12,25% no fim do ano, ou acima disso. "A sinalização do Copom foi de que mais altas de juros virão, mas sem especificar o tamanho", acrescentou.
Para Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, a ata deixou uma janela aberta para novas altas de juros ao longo do ano. "O pessoal ficou muito otimista após o comunicado do Copom, na semana passada, de que o ciclo de aperto monetário pararia com a Selic em 11,75%. Mas a ata mostrou que o BC pode prolongar a alta dos juros acima de 12%", disse.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/02/4983820-bc-alerta-para-risco-inflacionario-de-pecs-apoiadas-por-bolsonaro.html
Rejeição ao governo Bolsonaro continua acima de 50%, destaca Genial/Quaest
Rosana Hessel / Correio Braziliense
A rejeição ao governo Jair Bolsonaro (PL) continua elevada para a eleições deste ano, acima de 50%, enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) permanece à frente das intenções de voto no primeiro turno e, em um eventual segundo turno, ganha de todos os opositores com mais de 50% da preferência, conforme dados da edição de fevereiro da Pesquisa Genial/Quaest, divulgada nesta quarta-feira (9/2).
De acordo com o levantamento resultante da parceria entre a Genial Investimentos e a empresa de inteligência de dados Quaest, a avaliação negativa do governo Bolsonaro passou de 50%, em janeiro, para 51%, em fevereiro, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais.
O estudo ainda revelou que 80% dos eleitores desaprovam a maneira como o presidente conduz o combate à inflação. A segunda maior crítica ao atual governo diz respeito ao combate à violência, de 65%. Sessenta e três porcento dos eleitores reclamam de Bolsonaro no combate à pandemia; 62% consideram negativas as políticas de geração de empregos; e 61% consideram negativa a forma como Bolsonaro combate à corrupção. Para 35% dos entrevistados, o maior problema do país neste momento é a economia. Outros 27% dizem que é a saúde.
A avaliação de Bolsonaro piorou em três das cinco regiões do país. No Nordeste, o aumento foi maior, passando de 56% para 61%. No Norte, subiu de 42% para 48%, e, no Sul, passou de 48% para 49. Já no Sudeste, recuou de 49% para 47% e, no Centro-Oeste, declinou de 48% para 42%.
Apesar de a rejeição a Bolsonaro ser maior entre mulheres do que entre homens, entre janeiro e fevereiro, a avaliação negativa do atual governo cresceu entre o público masculino, passando de 44% para 48%. Entre o público feminino, recuou de 55% – maior patamar desde o início da pesquisa em julho de 2021 –, em janeiro, para 54%, em fevereiro.
Depois de um leve recuo de 47% para 45%, entre dezembro e janeiro, na média de intenção de votos, Lula voltou a registrar aumento na preferência de votos no primeiro turno na pesquisa estimulada, com 46% das intenções de voto em fevereiro, o que pode garantir uma vitória do petista na primeira rodada do pleito eleitoral. A fatia de Bolsonaro, por sua vez, passou de 23% para 24% entre janeiro e fevereiro, na média dos cenários. Em um eventual segundo turno, o petista vence todos os opositores com mais de 50% da preferência, segundo o levantamento.
Bolsonaro mantém a liderança da rejeição entre os candidatos, com 66% dos entrevistados afirmando que não votariam nele nas eleições deste ano. Em segundo lugar, Sergio Moro, tem 62% dessa aversão. E, em terceiro lugar, João Dória, tem 61% de rejeição, seguido por Ciro Gomes, em quarto, com 54%. Lula, em quinto lugar, ficou com 43%, mesmo percentual do registrado em janeiro.
A Pesquisa Genial/Quaest para as eleições de 2022 foi realizada entre os dias 3 e 6 de fevereiro e ouviu 2 mil eleitores. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
TSE aprova fusão DEM e PSL no União Brasil, maior partido do País
Weslley Galzo / O Estado de S.Paulo
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou, por unanimidade, nesta terça-feira, 8, o estatuto e o programa do União Brasil - ou seja, o processo legal que sela a fusão entre DEM e PSL no que se tornará, num primeiro momento, o maior partido da Câmara. O relator Edson Fachin declarou durante a sessão que, com base no exame dos documentos apresentados pelas legendas, verificou-se “o cumprimento de todos os requisitos necessários para a fusão de partido político”.
Além de reconhecer a legitimidade da fusão, o relator deu 30 dias para o PSL e o DEM apresentarem ao TSE os comprovantes dos pedidos de cancelamento das respectivas contas bancárias, assim como garantiu 90 dias para que as siglas cancelem suas inscrições de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) na Secretaria da Receita Federal.
LEIA TAMBÉM
TSE julga homologação do União Brasil, maior partido do Brasil
Durante a sessão, Fachin relembrou que, conforme dita a legislação eleitoral, devem ser somados os votos obtidos por DEM e PSL na última eleição nacional para que sejam repartidos com a nova legenda os recursos do Fundo Partidário e do tempo gratuito de propaganda eleitoral em rádio e TV de que dispõem.
O União Brasil nasce com 81 deputados federais em exercício, que lhe garantem a maior cifra de fundos públicos para a manutenção do partido, o equivalente a R$ 1 bilhão neste ano. O montante desbanca o PT, que dispunha até então da segunda maior cifra do fundão, mas, ainda próximo do que recebia o PSL.
Em 2021, os petistas embolsaram R$ 87,9 milhões ante R$ 104,5 milhões dos sociais-liberais. Neste ano, porém, o partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ficar com apenas metade do que ganhará o União Brasil, ou seja, cerca de R$ 500 milhões.
O megapartido presidido por Luciano Bivar, do antigo PSL, e dirigido nacionalmente por ACM Netto, do extinto DEM, contará ainda com oito senadores e três governadores. A robustez partidária se manifesta também nas Assembleias Legislativas dos Estados, onde contam com 129 deputados estaduais. O União Brasil herda também 552 prefeituras em todo o País, o equivalente a 10% dos municípios.
A capilaridade de que disporão na disputa eleitoral deste ano, no entanto, será testada já nos primeiros dias do União Brasil. É esperado uma debandada de ao menos 25 deputados bolsonaristas, que seguiam no PSL, mas devem migrar para PL, nova casa do presidente Jair Bolsonaro.
A fusão de partidos permite aos seus filiados migrarem para outras siglas sem serem punidos pela lei da fidelidade partidária. Portanto, dezenas de parlamentares devem passar a procurar um novo reduto para se abrigar neste ano, sobretudo, com a possibilidade de escolherem livremente - e antes da janela de transferências dos partidos - de que lado desejam estar na disputa deste ano.
Conforme mostrou o Estadão, a maioria dos parlamentares do União Brasil não descarta apoiar Bolsonaro em 2022. Levantamento feito em novembro com os deputados e senadores da nova sigla mostra que 56 defendem o apoio ou admitem que podem apoiar a reeleição. Apenas cinco disseram abandonar essa possibilidade. O líder do PSL na Câmara, Major Vitor Hugo, já declarou que deixará o partido se os dirigentes não chegarem ao acordo de firmar federação com o partido do atual presidente, ou ao menos apoiá-lo.
Embora o alinhamento com o atual presidente predomine no partido, o deputado Júnior Bozella avalia que “a expectativa é boa” no União Brasil e que o processo de saída da sigla é natural diante do estatuto aprovado. “O partido nasce com o propósito de combater os extremos, o radicalismo, isso foi dito no lançamento do seu manifesto. Lá atrás, o DEM e o PSL fizeram uma manifestação conjunta contra os arroubos autoritários do presidente da República e em defesa do liberalismo econômico no País. O próximo passo é partir para a prática. Temos um ativo político muito forte na mão, que é o União Brasil”, disse ao Estadão após o julgamento no TSE.
Na dianteira das negociações, antes mesmo da oficialização do União Brasil, Bivar já estava dialogando com os presidenciáveis Sérgio Moro (Podemos) e João Doria (PSDB). Os aliados do deputado querem que ele seja vice de um deles. O presidente do novo partido já disse que o ex-ministro da Justiça e o governador de São Paulo são seus nomes favoritos para ocupar o Planalto. O peso da máquina do União Brasil garantirá a qualquer candidato vantagem na definição de recursos e tempo de propaganda eleitoral.
Os dirigentes do DEM, no entanto, têm preferido focar nas disputas estaduais e na ampliação da bancada parlamentar do que no cenário nacional. Neste cenário, o poder do partido seria destinado a se fortalecer em vez de partir para alianças na disputa majoritária que beneficiem diretamente outros quadros de fora da legenda.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,tse-aprova-fusao-de-dem-e-psl-no-uniao-brasil-que-passa-a-ser-o-maior-partido-do-pais,70003973373
Luiz Carlos Azedo: Arrocho na Lei Rouanet é um duro golpe contra a cultura
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense
No mês do centenário da Semana de Arte Moderna, a cultura nacional sofreu um duro golpe do governo federal, que mudou as regras da Lei Rouanet e reduziu a capacidade de financiamento da nossa indústria cultural. É mais um elemento do ambiente político e ideológico tóxico que estamos vivendo, pautado pelo obscurantismo da política oficial. Não à toa, ocorre num momento tão simbólico como essa efeméride.
Marco da história de São Paulo, que emergia como centro dinâmico da economia brasileira e polo hegemônico da Primeira República, a Semana de Arte Moderna de 1922 foi uma ruptura com o parnasianismo, o simbolismo e a arte acadêmica, que iria se somar e influenciar outras manifestações modernistas, que ocorriam no Rio de janeiro e outras capitais do país. Agora, parece que o governo quer fazer a roda da história voltar para trás e inviabilizar teatros, cinemas, a música, o audiovisual e, principalmente, a vida profissional de artistas, diretores e produtores culturais.
Há 110 anos, motivados pelo Centenário da Independência, artistas e intelectuais anunciaram o rompimento com as correntes literárias e artísticas anteriores, defendendo um novo ponto de vista estético e o compromisso com a independência cultural do país. Entre os dias 13 e 17 de fevereiro, no Teatro Municipal de São Paulo, houve a exposição, no saguão, aberta ao público de 100 obras de arte que rompiam aqueles padrões, algumas das quais estão em grandes museus, e três sessões literárias e musicais noturnas. Inspirados nas vanguardas europeias e dispostos a promover a renovação da cultura brasileira, a força literária e artes plásticas conferiram à Semana de Arte de 1922 o caráter icônico que tem hoje, que se somou à mudança política que estava em curso, que iria desaguar na Revolução de 1930.
O modernismo no Brasil teve múltiplas manifestações, notadamente no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em Pernambuco, mas nenhuma delas com a mesma capacidade de traduzir, naquele momento, o fenômeno da industrialização, da urbanização e da imigração de estrangeiros, como ocorria em São Paulo. Por ironia, neste ano do Bicentenário da Independência, estamos assistindo a uma grande onda regressista no plano cultural, patrocinada pelo governo Bolsonaro, cujo objetivo é desarticular a nossa cultura e levar ao ostracismo seus mais importantes representantes.
Desfinanciamento
A maneira de fazer isso é levar ao colapso o financiamento da cultura e seus protagonistas. Ontem, o Diário Oficial da União publicou mudanças nas regras da Lei de Incentivo à Cultura, de 1991, conhecida como Lei Rouanet, a mola mestra da indústria cultural brasileira. Assinada pelo secretário especial de Cultura do governo federal, Mario Frias, a instrução normativa define valores que podem ser captados por projeto e por empresas, bem como cachês pagos aos artistas.
Como se sabe, a Lei Rouanet autoriza produtores a buscarem investimento privado para financiar iniciativas culturais. Em troca, as empresas podem abater parcela do valor investido no Imposto de Renda.
O valor máximo a ser captado caiu para R$ 6 milhões, para concertos sinfônicos, museus e memória, óperas, bienais, teatro musical, datas comemorativas (carnaval, Páscoa, festas juninas, Natal e ano-novo), inclusão de pessoa com deficiência, projetos educativos e de internacionalização da cultura brasileira. O prazo de captação foi reduzido para dois anos.
No caso de artista ou modelo solo, o limite dos caches caiu de até R$ 45 mil para até R$ 3 mil por apresentação. No caso das orquestras, o limite que pode ser pago ao músico por apresentação passou de R$ 2,25 mil para R$ 3,5 mil, porém, para o maestro, caiu de R$ 45 mil para R$ 15 mil.
No audiovisual, os valores foram mantidos, pois já haviam sido reduzidos: médias metragens, R$ 600 mil; festivais, R$ 400 mil; jogos eletrônicos e aplicativos educativos e culturais, R$ 350 mil; programação semestral de rádio, R$ 100 mil; episódios de programas de tevê, R$ 50 mil; infraestrutura de sites, R$ 50 mil; produção e conteúdo de internet, R$ 150 mil; e episódio de web série, R$ 15 mil.
Desde a campanha eleitoral de 2018, o presidente Jair Bolsonaro defende mudanças na Lei Rouanet. Influenciado pelo falecido escritor Olavo de Carvalho, acredita que a política cultural é uma forma de dominação da esquerda, “comunista”, por meio do chamado “marxismo cultural”. O termo foi adotado pela extrema-direita dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, para atribuir aos “judeus da Escola de Frankfurt” a busca pelo controle da sociedade pelo comunismo.
Adaptado por Olavo de Carvalho, o termo vem sendo usado no Brasil para caracterizar uma suposta ameaça de ditadura gayzista, feminista, abortista, globalista, libertina etc. Na cabeça de Bolsonaro, a mudança mira a esquerda. Na realidade, aprofunda a crise de financiamento da indústria cultural, duramente atingida pela pandemia.
Bolsonaro põe fogo no Posto Ipiranga
Fernando Canzian / Folha de S. Paulo
Entre todos os embustes vendidos pelo então candidato Jair Bolsonaro na campanha de 2018, o mais bem disfarçado talvez tenha sido o seu aceno ao mercado, personificado na biografia de Paulo Guedes, escolhido para atrair empresários e bancos para o seu lado.
Nos campos político e pessoal, um deputado medíocre e ignorante como Bolsonaro talvez não produzisse mesmo nada melhor do que a sujeição humilhante ao centrão e posicionamentos contrários aos dos eleitores de quem depende, como demonstrou seu negacionismo versus a aderência da população às vacinas.
O resultado é que Bolsonaro entra em sua campanha à reeleição pequeno, desmoralizado e sem ter onde se agarrar.
Lançados tardiamente, mesmo seus principais programas sociais, o Casa Verde e Amarela e o Auxílio Brasil, seguem muito identificados com o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, ambos criados por Lula.
Apesar do valor médio de R$ 400, mesmo o Auxílio Brasil atual é muito inferior, em reais e em abrangência, em relação ao montante recebido pelos mais pobres anteriormente, reforçando o "efeito piora".
No geral, o que o presidente entrega em seu último ano é um país em estagflação, crescendo quase nada e inflacionado. Nada menos promissor.
É a partir desse ponto que Bolsonaro prepara agora a traição a seus eleitores do mercado, os trouxas deixados para o final, juntamente com o seu mais tolo fiador, Paulo Guedes.
"PEC Kamikaze" é como a equipe do ministro qualifica proposta do Senado, apoiada pelo filho 01, Flávio Bolsonaro, que pode gerar impacto de mais de R$ 100 bilhões ao ano à União. Tudo fora do teto de gastos, hoje a principal âncora fiscal do governo que, apesar de desmoralizada, ainda mantém alguma previsibilidade.
Além de reduzir tributos sobre diesel, biodiesel, gás e energia elétrica em 2022 e em 2023, sem compensação pela perda de receitas, a proposta autoriza a União a criar, nos dois anos, um auxílio-diesel mensal de até R$ 1.200 a caminhoneiros autônomos. Outro dispositivo abre caminho para oferecer botijões de gás gratuitamente a até 17,5 milhões de famílias.
Por vias muito mais explícitas, trata-se de populismo fiscal comparável ao da reeleição de Dilma Rousseff em 2014, que acabou jogando o Brasil na brutal recessão de 2015-2016.
É inegável que Bolsonaro e sua equipe tiveram o azar de existir durante uma das maiores crises sanitárias da história. E surpreende que, apesar disso, as contas de seu governo tenham terminado 2021 em relativa ordem, com o menor déficit desde 2013, de R$ 35 bilhões.
O que não deveria surpreender é Bolsonaro, pela reeleição, arruinar tudo no final —e finalmente tocar fogo no que ainda resta do tal Posto Ipiranga.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/fernandocanzian/2022/02/bolsonaro-poe-fogo-no-posto-ipiranga.shtml
Série de entrevistas da Rádio FAP celebra o centenário da Semana de Arte Moderna
João Rodrigues, da equipe da FAP
A Semana de Arte Moderna, ocorrida em 1922, foi um dos marcos do Modernismo no Brasil. E para celebrar os 100 anos desse evento tão importante para a cultura brasileira, o podcast Rádio FAP fará quatro episódios especiais ao longo deste mês de fevereiro.
O primeiro convidado da série de entrevistas é o professor Martin Cezar Feijó, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Historiador, Feijó é professor titular-doutor na Faculdade de Comunicação e Marketing da Fundação Armando Álvares Penteado (FACOM-FAAP).
Os principais artistas, a repercussão na imprensa da época e os desdobramentos históricos da Semana de 22 estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do canal Em Diálogo, Izabel Gomes, no Youtube, e canção Cascavel, de Heitor Villa-Lobos.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
Cristovam Buarque: Flores da epidemia
Cristovam Buarque / Correio Braziliense
Em seu posfácio ao livro “Um Tempo para não Esquecer”, o doutor José de Jesus Camargo diz que a diplomacia pode ter perdido um grande talento, mas a medicina ganhou, quando Margareth Dalcolmo, a autora, optou pela carreira médica. As letras também ganharam, porque o livro une conhecimento médico ao talento de escritora. Não é por acaso que esta médica começa sua apresentação, lembrando que antes de iniciar os artigos do livro “recorreu a releituras seminais em minha formação” para dar o testemunho de um tempo que ficará para sempre. As páginas desses 81 artigos, que se unem por um fio condutor, descrevem o que vivemos, no inesquecível período entre abril de 2020 e novembro de 2021.
Logo no início, Margareth lembra como começaram “estes tempos duros que marcaram, indelevelmente nossas vidas e que, podemos dizer, deram início ao século XXI”. Sua formação médica aparece na descrição da doença e seu enfrentamento, a formação literária surge em dezenas de citações apropriadas, não apenas de cientistas e médicos, também de escritores, filósofos, dramaturgos.
No primeiro capítulo, pergunta o que aprendemos. Foram esses meses de epidemia que fizeram os seres humanos constatarem que nosso futuro depende da ciência, da solidariedade social e da responsabilidade política; que o mundo é uma nação de 7,5 bilhões de pessoas integradas por cima das fronteiras nacionais, embora separadas por fronteiras sociais; que estamos todos conectados, não importa onde estejamos. Aprendemos também que nem todos pensam assim: há muitos que negam o papel da ciência e rejeitam a terra-pátria, como Edgar Morin chama o mundo atual. Até o abril em que o livro começa, esses eram conceitos abstratos, de filósofos e geógrafos; a epidemia colocou-os na consciência de bilhões de seres humanos e adotou-os como pilares do futuro: para construir um mundo melhor e mais belo.
Margareth Dalcolmo mostra isso em seus curtos e profundos artigos, misturando alto conhecimento de epidemiologia, com vasta cultura e forte sensibilidade social. Ela ajuda a ver a pátria do século XXI formada pela humanidade, seus valores humanistas e concepções do mundo, graças à ciência; mostra a necessidade de uma ética, sobretudo entre políticos, capaz de aceitar as regras da ciência e usá-la a serviço dos interesses da humanidade.
Quando fala da consciência social da população brasileira ao se vacinar, deixa implícito que, no Brasil, a cultura venceu a política, ao nos transformar em um dos países com maior índice de vacinação, apesar de ter o governo mais negacionista entre todos no mundo atual.
“Um Tempo Para Não Esquecer” faz lembrar como será diferente o Brasil quando tivermos consciência social pró-educação, vista como a mãe de todas as vacinas: contra a permanência da pobreza, a desigualdade, a ineficiência e o negacionismo. O capítulo sobre a aventura da ciência pode ser especial para despertar os jovens a descobrirem a beleza e o poder da ciência.
No capítulo “Depois da Delta, a Épsilon”, Margareth alerta para as epidemias futuras, por vírus e bactérias ainda não conhecidas. Nos faz lembrar a maior das epidemias já em marcha: o meteoro interno que, por falta de ética, usa a inteligência para depredar o meio ambiente e concentrar os benefícios sociais e econômicos do progresso, provocando uma nova extinção que ameaça a sobrevivência do homo sapiens.
Além do alerta, o livro acena para o caminho a seguir: “Esperamos que, dessa fusão entre o engajamento público e a comunidade científica, como o caminho mais democrático e sereno, seja possível vencer o reducionismo que distingue ciência e política e a cética encruzilhada entre certo e errado”. A última frase do livro diz: “vivemos um bom momento para se pensar o homo sapiens e o seu lugar no mundo”. Essa manifestação de otimismo no meio da epidemia lembra o Imperador Carlos IV, criando a Universidade de Praga em um dos anos mais trágicos da peste negra.
As epidemias dizimam populações, desagregam economias, desesperam povos; de positivo ficam as obras literárias de seu tempo: são as flores da epidemia. Em verso, Quintana resume, “e eis que veio uma peste e acabou com todos os homens mas em compensação ficaram as bibliotecas”.
O livro de Margareth Dalcolmo faz parte desse jardim, onde estão livros de Camus, Boccacio, Defoe. Por isso, é preciso universalizar suas especificidades nacionais e traduzi-lo a outros idiomas, para mostrar ao mundo o tamanho de nossa tragédia e o nível de nossa literatura ao descrever um “tempo para não esquecer”.
*Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Comissão Internacional da Unesco para o futuro da educação
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2022/02/4983481-cristovam-buarque-flores-da-epidemia.html
Ataque dos cães é western sob nova medida, avalia Luiz Gonzaga Marchezan
Luiz Gonzaga Marchezan / Revista Política Democrática Online
Ataque dos cães, de início, conta com um movimento da narrativa que chama a atenção do espectador porque instala um pacto solitário de um filho, Peter (Kodi Smit-McPhee), de proteção à mãe, Rose (Kirsten Dunst), sinalizado como um motivo que ganhará força figurativa na história do filme.
Peter quer cursar medicina; no momento, estuda anatomia em animais (coelhos e bezerros mortos por lobos ou peste) e demonstra coureá-los com eficiência. Mora com a mãe, recém-casada, numa fazenda de gado do padrasto, George, e do irmão deste, Phil (Benedict Caumberbatch).
Phil também é coureiro, tem uma oficina em seu celeiro, bem equipada para seus feitos com o couro de abates do seu rebanho, que ele mesmo curte.
Acontece que Phil nutre compulsivo desprezo pela cunhada, o que ativa, silenciosamente, o pacto do filho de proteção à mãe, à medida que a percebe abalada pelas humilhações que o cunhado lhe impinge. Algo que se acirra quando Rose doa couros curtidos por Phil a um indígena, que vive do artesanato e, no momento, não tem matéria-prima para o seu trabalho. Phil vê em tal atitude da cunhada gesto de alguém para ele desprezível e com intenções de disputar um lugar de mando na propriedade, algo que consente compartilhar somente com o irmão. Tal situação empurra-o a humilhá-la intensamente.
Assim, tais circunstâncias vividas passam a exigir da narrativa um desenlace diante do que foi pactuado por Peter e dito de início, acerca da sua função como escudo protetor da mãe, ação que ele, sutilmente, passa a desenvolver aos olhos do espectador ao oferecer a Phil couro que ele curtira; no entanto, sabidamente visto como infectado com o vírus do antraz, o que levará Phil à morte por contaminação.
O filme, que é de Jane Campion, desenvolve uma narrativa econômica para debater intolerâncias entre comportamentos, modos de viver e de ser, num belo cenário de pastagens com as montanhas de Montana circundadas por pequenas estradas, bem cuidadas para o tráfego dos automóveis do início dos anos do século XX. A paisagem encontra-se também sob nova medida: não sustenta um espaço de proteção, confronto ou fuga, mas de clareza.
O cinema conta com modos de produção e recepção que lhe permitem, meticulosamente, calcular, harmonizar, dar volume a valores, sentimentos, emoções que impactam o espectador no curso de hora e meia. Cálculo e harmonia são medidas de beleza das artes, tratamento dado por Jane Campion aos significados associados ao couro e distribuídos, sob medida, para traduzirem o confronto silencioso entre Phil e Peter; o primeiro, como um paciente artesão e rude criatura; o segundo, como um indivíduo frágil, mas uma couraça, um escudo protetor da mãe.
*Luiz Gonzaga Marchezan é mestre em Letras (1987), pela UNESP, Doutor em Letras (1994), pela FFLCH-USP, e Livre-docente em Teoria da Literatura (2019), pela UNESP-Ar., à qual se vincula como Professor Associado do Departamento de Linguística, Literatura e Letras Clássicas, do Curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Seus principais interesses de pesquisa e suas publicações situam-se no domínio das relações intersemióticas manifestadas no texto literário, especialmente, no conto contemporâneo e na ficção regionalista nacional.
**Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro/2022 (40ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
***As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Brasil inicia 2022 com estagnação econômica, avalia Benito Salomão
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Horizontes Democráticos: A Semana de Arte Moderna - histórias e polêmicas
Adelson Vidal Alves / Horizontes Democráticos
O Brasil do início do século XX se via na transição do regime monárquico para a república. No campo político vigorava o “liberalismo oligárquico” e na economia o predomínio do eixo agrário-exportador. Um país em lento desenvolvimento diante do centro do mundo, que viu intensas mobilizações sociais de uma classe operária nascente que se criava também com bastante atraso. No mundo, uma guerra mundial em curso trazia desordens, inovações e cenários socialmente desoladores, enquanto na Rússia um golpe de Estado levava ao poder os bolcheviques, que dizia falar em nome dos trabalhadores.
Esse cenário é o ambiente no qual se desenrola a famosa Semana de Arte Moderna de 1922, mesmo ano do surgimento do Partido Comunista do Brasil, da Revolta do Forte de Copacabana e da comemoração do centenário da independência. O evento, realizado entre os dias 11 e 17 de fevereiro, aconteceu no Theatro Municipal de São Paulo. Um acontecimento feito pela elite, realizado em lugar de elite e assistido pela elite, para usar as palavras do historiador Marco Silva.
Os nomes que protagonizaram os espetáculos daqueles dias faziam parte das classes dominantes, no qual se destaca Oswald de Andrade, autor do Manifesto Antropófago. O time contava ainda com nomes como Graça Aranha, Paulo Prado, Di Cavalcanti e Anita Malfatti, e se configurava uma articulação em torno de um “espírito novo”, como analisou outro grande integrante do grupo, Mario de Andrade, autor do artigo “O movimento modernista”, que analisou o legado daquele acontecimento. Esse novo espírito a que se refere Mario responde por uma iniciativa de ruptura e progresso, ainda que em seu meio figurassem reacionários como Plínio Salgado, principal nome do Integralismo, ideologia de orientação fascista. Entre os alvos do modernismo estavam a tradição, o academicismo e o parnasianismo.
A historiografia em torno do modernismo debate aspectos múltiplos, e muitas vezes até coloca em xeque a Semana como marco fundador da estética modernista. Há quem lembre a exposição polêmica de Anita Malfatti, em 1917, que trouxe reação raivosa de Monteiro Lobato. Pesquisadores como Monica Pimenta Velloso debatem a marca modernista na linguagem humorística antes de 22, e afirmações fortes como a do jornalista Ruy Castro defendem a existência do moderno no Rio de Janeiro antes de São Paulo, então um “vilarejo” de 500 mil pessoas diante das mais de 700 mil de população da capital federal.
Ruy Castro, aliás, escreveu um ensaio bastante polêmico, publicado na sessão Ilustríssima do Jornal Folha de São Paulo. No texto, o colunista afirma que durante 50 anos a Semana de Arte Moderna só teria tido importância para seus participantes, sendo somente reabilitada em 1972, em plena ditadura militar. Acusa os criadores de apoiarem o decadente regime da República velha, mesmo quando fala de Oswald, marido da revolucionária Pagu e mais tarde filiado ao Partido Comunista. Segundo Castro, em entrevista dada ao programa Roda Viva, Oswald de Andrade teria sido um “reacionário racista e homofóbico”.
O autor de As vozes da Metrópole diz mais, fala de uma certa arrogância do movimento modernista, como se ele fosse uma espécie de eixo central da história, do qual tudo se conta como antes, a partir ou depois dali. De fato, Alfredo Bosi chegou a falar em “Pré-Modernismo”, mas mais tarde reformulou, diferenciando “modernismo’ (o grupo de São Paulo) de “modernidade”.
Os “loucos anos 20”, para usar o termo do linguista Fabio Wolf, foram palco de grandes transformações no mundo e no Brasil, aqui representado por nossa chegada ao mundo industrializado, basicamente com a revolução varguista de 1930. Grandes acontecimentos falaram pelas turbulências desse tempo e a Semana de Arte de 22 é um deles. Em comum nessa história a condução das mudanças pelas elites sem participação popular, onde os protagonistas de cima garantiam transições seguras sem presença do povo. Os filhos da burguesia paulista que introduziam o moderno nas artes também eram parte da elite dominante, trouxeram da Europa a vanguarda, e levaram o Brasil a um “iluminismo caboclo”. Parece ser nossa sina, isto é, que o moderno sempre venha do alto.
Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/a-semana-de-arte-moderna-historia-e-polemicas/
Debate quer ampliar consciência sobre livros clássicos da arquitetura moderna
‘Eles não usam black-tie’ fala da disputa de classes com força histórica
Pedra no meio do caminho, de Carlos Drummond, “simboliza transtornos”
Terra em Transe, um dos marcos do tropicalismo, é tema de webinário
“Arquiteto depende da livre disposição da força de trabalho alheio”, diz livro
Cem anos depois, pintura modernista volta às ruas de São Paulo, Brasília e Rio
Filme Homem do Pau Brasil aborda “sexo com leveza”, diz cineasta
Manuel Bandeira via poesia “nas coisas mais insignificantes”, diz professora
Adaptação do conto de Guimarães Rosa, filme remete ao sertão