Tribunal de Haia recebe relatório da CPI da Covid contra Bolsonaro

Redação / O Estado de S.Paulo

Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, recebeu nesta quarta-feira, 9, o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. O documento acusa o presidente Jair Bolsonaro de nove crimes no âmbito da pandemia, incluindo epidemia com resultado de morte e crime contra a humanidade. 

O Tribunal de Haia atua quando as cortes nacionais não conseguem ou não desejam realizar processos criminais. Sendo assim, a tramitação de ações nesse foro internacional geralmente se justifica como um último recurso, e a corte só atua se o processo não estiver sendo julgado por outro Estado.

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O TPI costuma aceitar somente o julgamento de crimes internacionais considerados muito graves, incluindo genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade. O tratado que estabeleceu o tribunal, o Estatuto de Roma, foi adotado a partir de julho de 1998 por mais de cem países, incluindo o Brasil. 

Em entrevista ao Estadão durante os trabalhos da CPI da Covid, Sylvia Steiner, única juíza brasileira que já atuou na corte (2003-2016), disse acreditar que há “prova abundante” contra o chefe do Executivo. Segundo ela, ficou demonstrado pela comissão que o problema no País não foi somente de má gestão ou ignorância. “Porque má gestão e ignorância, infelizmente, não são crimes", disse. A ex-juíza assina o relatório de juristas coordenado por Miguel Reale Jr. que aponta diversos crimes cometidos por Bolsonaro na pandemia, incluindo contra a humanidade.

Desde 2019, a corte internacional recebeu três comunicações contra o chefe do Executivo. Uma delas já foi arquivada. Outra está em análise preliminar e uma terceira ainda não teve resposta.

Ex-integrantes da CPI cobram o Supremo Tribunal Federal (STF) a dar encaminhamento ao relatório. Os senadores Omar Aziz (PSD-AM), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL), que conduziram os trabalhos do colegiado, se reuniram nesta quarta-feira com o presidente da Corte, Luiz Fux, para pedir a conversão das petições encaminhadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em inquéritos. 

Em novembro do ano passado, Aras encaminhou ao Supremo dez petições com demandas por providências em relação ao relatório da CPI. As ações, no entanto, foram prontamente classificadas como sigilosas e distribuídas a seis ministros diferentes. Desse modo, nem mesmo os senadores envolvidos na investigação puderam ter acesso aos desdobramentos do processo.

A movimentação dos senadores ocorre na semana em que a entrega do relatório ao procurador-geral da República completou cem dias. A peça foi levada pelos parlamentares ao PGR em 27 de outubro, um dia após a aprovação do relatório na CPI. 

Em nota divulgada na segunda-feira, 8, a Procuradoria-Geral da República negou ter engavetado as investigações sob sua responsabilidade. “Os resultados da CPI seguem o devido processo legal, com o Ministério Público atuando juntamente com cada um dos relatores, ministros do STF, cujas diligências investigativas vêm sendo realizadas, nos termos da lei”, diz a nota.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,haia-tribunal-penal-internacional-tpi-bolsonaro-cpi-covid-relatorio,70003974995


Hussein Kalout: Imagem externa do Brasil é irrecuperável com governo Bolsonaro

Janaína Figueiredo / O Globo

BUENOS AIRES - A viagem do presidente Jair Bolsonaro à Rússia é mais vitrine do que substância, e a esta altura do campeonato a imagem externa do Brasil é irrecuperável sem uma mudança de governo. Em poucas palavras, essa é a visão de Hussein Kalout, pesquisador na universidade Harvard, conselheiro internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e editor-chefe da revista que o influente think tank lança nesta quinta-feira, de publicação trimestral e acesso gratuito. Na opinião de Kalout, o mundo “está aguardando o governo Bolsonaro terminar para retomar uma agenda de grande porte com o Brasil”.

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Qual a leitura que o senhor faz da viagem do presidente Bolsonaro à Rússia?

O governo Bolsonaro se caracteriza pela ausência da diplomacia presidencial. O mandato tem sido caracterizado pelo isolamento do Brasil nas relações internacionais. O isolamento foi uma opção. O Brasil passou a se contrapor ao diálogo coletivo, a atacar o sistema multilateral, a defender diretrizes que contrariam o senso comum, por exemplo, na questão do meio ambiente. Os números provam que existe desmatamento crescente, que houve um desmantelamento dos aparatos de fiscalização, e tudo isso, obviamente, coloca o Brasil numa situação de isolamento. Eu diria que o Brasil se colocou contra o mundo. Essa missão à Rússia não obedece a uma orquestração estratégica, ela busca mostrar que Bolsonaro pode ser recebido pelo presidente de uma grande potência.

A troca de chanceler em março de 2021 não melhorou a imagem do Brasil no mundo?

A substituição do chanceler era fundamental, era necessária para a sobrevivência do Itamaraty como instituição de Estado. Houve uma mudança no ambiente do Itamaraty, mas não da política externa. França é menos estridente, mas, no final, a política externa é a mesma, porque o presidente não mudou. A instituição deixou de ser exposta e ridicularizada, mas a substância é a mesma.

Visitar Putin será, basicamente, uma vitrine?

A conjuntura é satisfatória para ambos (Bolsonaro e Putin). O presidente russo mostra que recebe líderes estrangeiros e que não está isolado, que dialoga com países relevantes no sistema internacional para além das potências europeias, e Bolsonaro mostra que é capaz de exercer diplomacia presidencial. O convite foi feito em 2019 e a aceitação veio em um momento em que o presidente (brasileiro) precisa mostrar que é capaz de ser recebido por alguém do peso de Putin. Objetivamente, a agenda está muito aquém do que pressupõe uma relação da estatura de Brasil e Rússia. Em essência, Bolsonaro está indo para expandir o mercado de exportação de carne, em troca de insumos que possam servir para a produção agrícola. Mas não há mais do que isso. É mais vitrine do que substância. Serve a ambos para alimentar a narrativa de que podem desenvolver uma relação de cooperação independente do eixo euroamericano.

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O presidente argentino, Alberto Fernández, visitou recentemente Putin.

Sim, mas Fernández, ao contrário de Bolsonaro, não está isolado. A Argentina busca diversificar suas relações e, para a Rússia, as possibilidades de ganho com a Argentina são maiores.

Os Estados Unidos tentaram impedir a viagem de Bolsonaro. A visita pode ter impacto negativo na relação do governo brasileiro com os EUA e os países europeus?

A pressão americana é oriunda de uma preocupação que se vincula a uma possível legitimidade que o Brasil poderia aferir à intenção russa de invadir a Ucrânia. A estratégia americana está voltada para uma diretriz em que um maior isolamento da Rússia, uma maior pressão, tendem a evitar a invasão da Ucrânia. Não vejo possível um cancelamento da viagem do presidente Bolsonaro, porque essa decisão deixaria o Brasil numa situação delicada. Isso demonstraria que o Brasil não é soberano o suficiente para fazer o que foi determinado pelo Palácio do Planalto. Por outro lado, um eventual cancelamento não reavivaria a relação do Brasil com os EUA, nem com os europeus. Todos estão aguardando o governo Bolsonaro terminar para retomar uma agenda de grande porte com o Brasil. As viagens do ex-presidente Lula foram um sinal claríssimo de que existe desejo de dialogar com o Brasil, mas não com Bolsonaro.

O senhor percebe uma grande expectativa de mudança de governo no Brasil…

Tanto os europeus, como os asiáticos, americanos, todos acreditam que o potencial de convergência seria muito maior com um novo governo brasileiro de perfil mais democrático, mais preocupado com o tema das mudanças climáticas.  A reeleição de Bolsonaro é vista como uma continuidade do imobilismo do Brasil. O que se vê de fora é um governo enfraquecido e impopular.

Podemos esperar mais viagens do presidente Bolsonaro na tentativa de recuperar a imagem externa do Brasil?

A imagem do Brasil é irrecuperável com este governo. Não dá para corrigir os rumos no último ano, não é viável. Apresentamos propostas na cúpula de Glasgow e o que vimos depois foi mais desmatamento. Qualquer governo terá mais credibilidade do que o atual. A viagem à Rússia não recuperará a imagem do Brasil, nem modificará percepção de líderes internacionais. Das dez maiores potências do mundo, nossa relação está danificada com oito, incluindo EUA, França, Alemanha e China.

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Como o senhor observa o Brasil na região?

O Brasil sempre foi um elemento estabilizador na região. Um governo com mais credibilidade, mais equilibrado em suas abordagens, tende a alterar a região dando mais estabilidade. Começando pela Venezuela, ainda que não se concorde com as práticas do governo Maduro, que se reconheça o déficit democrático, a coerção ou o uso da violência não são fios condutores da nossa doutrina diplomática, nem de nossos interesses estratégicos na América do Sul. Bolsonaro teve atritos com vários governos, até mesmo governos de direita se distanciaram. Estamos à deriva e imobilizados na América do Sul. Se não se consegue liderar no plano regional, perde-se força gravitacional no mundo. Nossa maior preocupação histórica na América do Sul sempre foi evitar a formação de coalizões antibrasileiras e o Bolsonaro permitiu isso.

O Cebri está lançando uma revista sobre relações internacionais num ano eleitoral no Brasil. Qual é a contribuição que se busca fazer?

A revista não nasce em razão do ano eleitoral, nem da existência de uma política externa errática em relação ao interesse nacional. Ela busca oferecer à comunidade de relações internacionais um veículo para que se faça um debate qualificado sobre os interesses estratégicos do Brasil no mundo. Estamos num momento de encruzilhada. No ano de nosso bicentenário, estamos no fundo do poço em matéria de relações internacionais.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/mundo/a-imagem-externa-do-brasil-irrecuperavel-com-governo-bolsonaro-diz-pesquisador-na-universidade-harvard-25387859


‘Vamos focar na eleição para ampliar ao máximo a bancada evangélica’, diz Sóstenes Cavalcante

Felipe Frazão / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Novo presidente da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) assumiu nesta quarta-feira, dia 9, a presidência da frente pela primeira vez. Ele substituirá o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP). Na entrevista ao Estadão, deputado traçou o diagnóstico de uma bancada amplamente bolsonarista e disse que, se houver aval dos seus pares, não pretende receber outros presidenciáveis que almejam o apoio dos crentes. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Houve um acordo de paz para o senhor assumir a frente evangélica?

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Nunca houve guerra. Existiu na eleição de 2020 um acordo (de revezamento) entre mim e o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP). Ele sempre me garantiu que seria cumprido. O que houve foram agentes externos. Tivemos uma conversa na quinta-feira passada e após a ceia vamos nos reunir e alterar o estatuto da frente parlamentar para mandato de um ano, evitando problemas futuros, e ele me transmite o cargo.

O episódio pode prenunciar opções eleitorais diferentes dos líderes religiosos e suas igrejas?

Temos que diferenciar o que são os deputados e os pastores, a liderança evangélica. Assim que assumir vou apresentar a nova diretoria, convidando os ex-presidentes da frente para serem vice-presidentes. Todas as decisões serão tomadas consultado a diretoria e a bancada. São 115 deputados e 13 senadores. Não posso dizer se vai haver racha antes de consultar meus pares. Mas sinto que 90% dos deputados da frente evangélica querem apoiar a reeleição do presidente Bolsonaro. Temos duas deputadas do PT, Benedita da Silva (RJ) e Rejane Dias (PI), elas têm todo nosso carinho, e lógico que elas vão apoiar o candidato do partido delas. Fora elas, desconheço quem queira apoiar outro candidato. Com relação à liderança evangélica, entendo que a penetração do presidente é tão forte que por mais que uma liderança ou outra, denominacional, seja do tamanho que for, queira apoiar outra candidatura, ela terá problema com seus liderados. Mesmo com o desgaste da dificuldade econômica, na minha visão ele tem 70% de qualquer igreja.

A carta de princípios cristãos lançada por Sérgio Moro, pré-candidato do Podemos, conseguiu sensibilizar os evangélicos?

Moro foi mal orientado. Ele precisa melhorar a assessoria se quiser se aproximar dos evangélicos. Se é pra fazer um documento aliviando o conservadorismo é melhor não fazer. Ele foi bem em vários pontos, mas deu uma derrapada. Quando acendeu uma vela dizendo que “apoia a família tradicional”, não precisava colocar “mas respeita opções sexuais”. O complemento daquele parágrafo comprometeu tudo. Por causa desse parágrafo, ele continuou enfraquecido. Acho que por causa dos bons serviços como juiz da Lava Jato ainda tem o respeito e consideração de muitos seguidores. Bolsonaro já teve uns 90% de apoio dos evangélicos, mas por causa dos problemas econômicos e outros detalhes diminuiu no seguimento e parte pode estar migrando para Moro, sim, por causa do combate à corrupção. Ele pode, se bem orientado, atrair esses votos.

Moro e seu núcleo evangélico, liderado por um advogado presbiteriano, erraram no tom?

Ele precisa buscar dar uma pitada de pentecostalismo. Precisa de alguns pentecostais no time, para evitar umas deslizadas. Os pentecostais, em especial Assembleia de Deus, são 60% dos evangélicos. A Igreja Presbiteriana é considerada mais progressista do que os pentecostais. Em algum momento o progressismo presbiteriano falou mais alto e aí não tem sintonia com o segmento, na maioria, pentecostal.

Moro se manifestou contra a campanha em templos e cultos. Fato é que a Justiça só pune quando há pedido explícito de voto. A igreja é lugar para candidatos?

A igreja deve receber todas as pessoas, de um cidadão delinquente à autoridade máxima do País. A presença de candidatos sempre existiu. É normal que a igreja ore pela necessidade das pessoas. Não existe na lei o que, forçadamente, o Tribunal Superior Eleitoral tentou criar, a figura do crime de abuso de poder religioso. É mais um abuso de poder do judiciário, do ministro Fachin em especial, inventar um crime eleitoral inexistente em nossa legislação. Lamento. Que eu saiba o poder Legislativo ainda existe.

Lula parece ter recebido esse ‘conselho’ de se aproximar do pentecostalismo, em especial da Assembleia de Deus. Criou um podcast com pastor, se reuniu com o bispo Manoel Ferreira, e o bispo Abner Ferreira reconheceu o “capital político” do ex-presidente. Faz mais sentido essa estratégia?

Eu jamais subestimo a capacidade política do ex-presidente Lula. Entendo que os movimentos dele são assertivos. Ele pode acertar, mas não vai enganar mais o povo evangélico. Ele já se declarou uma jararaca que acertaram o rabo, mas não a cabeça. Os pentecostais entendem que toda serpente nasce para pisarmos na cabeça e matar. O segmento sabe o que foram os 14 anos de governo de PT, a afronta com relação aos valores cristãos. Como Deus é justo, houve o ataque de um vereador do PT à igreja católica em Curitiba. Deveria estar na cadeia. No mínimo, o PT deveria expulsá-lo do partido, se é que é tão simpático aos cristãos, por cometer crime de vilipêndio à igreja católica. Lula não vai conseguir esconder esse DNA do PT na eleição. Nós vamos mostrar aos evangélicos. É um DNA de afronta aos cristãos. Foi assim a partir do segundo governo de Lula e será assim se acontecer uma desgraça de voltar a governar o Brasil.

O senhor fala nessa afronta ao cristianismo, mas, historicamente, o PT surgiu também nas comunidades eclesiais de base, bispos católicos ajudaram na organização do partido.

Todos os evangélicos em algum momento acreditaram em Lula. Todos apoiaram. Acreditavam no esforço da justiça social, uma pauta cristã. Mas só quem enriqueceu no governo Lula foi banqueiro. A corrupção foi assustadora. Essas comunidades de base hoje devem ter vergonha de dizer que o PT nasceu nessas comunidades.

Qual será a prioridade da frente?

Focar na eleição para ampliar a bancada com o máximo de colegas. Somos sub-representados. Somos 30% da população brasileira, e não somos 30% dos deputados, muito menos dos senadores. Precisamos melhorar a fidelização do voto de base das nossas igrejas aos nossos representantes, dar prioridade à reeleição.

Como é essa fidelização?

Elegemos em 2018 somente 105 deputados da bancada. Somos 115 hoje porque dez assumiram ao longo do mandato, são primeiro e segundo suplentes. Se não temos 30% dos votos, é porque os votos estão se evadindo para pessoas que não são evangélicas. Os dados têm que chegar à liderança religiosa tem que chegar aos liderados, aos pastores e aos membros. Quando não fidelizamos e não damos prioridade no voto representativo, elegemos pessoas que não têm os mesmos valores. Estamos tendo evasão de votos no segmento. Não temos 30% da bancada e 10 deputados ficaram de fora da bancada. Os profissionais da política, em especial presidentes dos partidos, já identificaram que o voto evangélico é barato e fidelizado. Eles pegam pessoas de dentro da igreja, mas que não têm o apoio da liderança, para fragmentar voto dentro da igreja e eleger outras pessoas em nominata. Com isso, tiram 2 mil, 3 mil votos de alguém apoiado institucionalmente pelas igrejas, que acabam ficando de fora, em primeira e segunda suplência. Os presidentes de partidos aprenderam a minar o nosso segmento. Isso precisa ser verbalizado para a igreja, para que esses candidatos aventureiros colocados por presidentes de partidos deixem de existir no nosso segmento e a gente tenha candidaturas sólidas apoiadas para elegermos quem de verdade tem apoio institucional. Essa tática sutil de presidentes de partidos têm minado as nossas bases. Acontece muito em partidos pequenos.

O senhor entende, então, que estão usando o segmento evangélico?

Lamentavelmente, o segmento evangélico está sendo usado por caciques da política para entrar e minar nossa base eleitoral. Temos que conscientizar a liderança e a membresia evangélica.

Como explicar que o senhor não está propondo uma espécie de voto de cabresto ou de cajado, com direcionamento pela igreja?

Temos várias candidaturas que representam o segmento e são competitivas. Ninguém faz voto de cabresto em nenhuma igreja. O que queremos é conscientizar que dentro das opções no segmento, das que têm chance e competitividade, o eleitor possa escolher seu candidato. Não existe isso de dizer ‘vote neste ou naquele’. Não podemos deixar minar nossas bases. Temos um elenco de opções, pode haver orientação para os irmãos escolherem dentro do segmento os competitivos. Os sindicatos fazem isso, os empresários fazem, o agronegócio faz isso. A igreja também pode de maneira cidadã cons

Os pré-candidatos estão atrás dos parlamentares evangélicos. A frente vai receber os pré-candidatos a presidente, abrir um diálogo?

A figura institucional de presidente é de amplo diálogo com todo mundo, mas não posso me dar ao luxo de abrir diálogo em ano eleitoral sem antes ouvir meus pares. Se decidirmos o alinhamento a Bolsonaro, institucionalmente, vou me negar a receber, se a bancada delegar autonomia para definir apoio a determinado candidato, que me parece ser Bolsonaro.

O que pretende fazer assim que assumir o cargo?

Quero ter um termômetro da bancada como um todo. Ainda teremos muitos passos, lógico, partidários, convenções. Muita coisa pode mudar. Mas não posso ser infiel à ampla base dos meus colegas, respeitando os casos isolados.

Dá tempo de emplacar alguma pauta da bancada em 2022?

No fim do ano passado votaram requerimento de urgência dos jogos de azar. Fere muito nossos interesses. Caso o presidente da Câmara, Arthur Lira, queira pautar agora, temos que nos articular. Se virarmos 25 votos, enterramos esse projeto de uma vez por todas. Se a gente quiser pautar algo, podem querer oferecer algum tipo de negociação e permuta, o que seria muito ruim em ano eleitoral.

Já houve aceno de pauta de interesse das igrejas?

É natural que, no parlamento, quando querem pautar algo que contraria nossos interesses, peçam para indicarmos algo do nosso interesse. É normal. Mas neste ano não podemos abrir nenhum tipo de concessão, nem pautar nada que interfira em nossos valores, nem pedir que seja pautado nada de nosso interesse.

O senhor vai chamar Eduardo Bolsonaro e Helio Lopes para a cúpula da frente?

Eles são da Igreja Batista, fazem parte da bancada, mas nunca foram ativos. Quero trazê-los para perto de algum cargo da diretoria. Pretendo convidá- los porque entendo que a maioria da bancada tem tendência de apoiar o presidente. Um é filho, e o outro é meio que “adotado”, facilitaria a interlocução com o Bolsonaro.

O pretende continuar no novo partido União Brasil?

Preciso ver a definição de quem vai presidir (o diretório) no Rio. Estou presidente do DEM. O presidente do PSL é o prefeito de Belford Roxo, Waguinho. Ele tem uma ficha corrida na Justiça bastante longa. E eu não sou liderado por quem tem uma ficha corrida do tamanho da dele. Se for presidido por ele, não me submeto. Se fosse eu, e acho que não devo ser, poderia avaliar continuar. Se fosse uma terceira pessoa, precisaria saber quem comandaria, para poder ter uma interlocução.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
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STF decide manter validade das federações partidárias

DW Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (09/02), por dez votos a favor e um contra, manter a validade da lei que permite as federações partidárias nas eleições – junção de partidos para atuar de maneira unificada durante um mandato.

Votaram a favor o relator, Luís Roberto Barroso, e os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, André Mendonça, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. Somente o ministro Nunes Marques foi contrário.

A ação julgada pelo STF foi apresentada pelo PTB, que argumenta que as federações nada mais são do que a reedição das coligações, banidas pelo Congresso em 2017 para as eleições proporcionais. O julgamento havia começado na quinta-feira passada.

A união de partidos em federações foi instituída pelo Congresso Nacional na reforma eleitoral de 2021. Este ano, pela primeira vez, elas poderão fazer parte das eleições. 

A principal diferença entre coligações e federações é o caráter mais permanente das segundas. As alianças firmadas em coligações valem apenas até a eleição, podendo ser desfeitas logo em seguida. Já as federações devem durar até o fim do mandato da candidatura em questão, ou seja, ao menos quatro anos. 

Prazo limite

Por seis votos a quatro, os ministros também decidiram que a data limite para a formação de federações será 31 de maio nas eleições de 2022.

Prevaleceu o voto do relator, Luís Roberto Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro já havia concedido, em dezembro, uma liminar (decisão provisória) validando as federações, contudo reduzindo o prazo para formação de 5 de agosto, conforme aprovado pelo Congresso no ano passado, para 1º de março.

Na ocasião, Barroso argumentou que as federações devem ter o mesmo prazo de formação que os partidos políticos, uma vez que se comportam nas eleições como se fossem siglas únicas. De acordo com o ministro, permitir prazo maior seria conceder "vantagem indevida" no processo eleitoral.

No entanto, após se reunir com líderes partidários, Barroso disse ter se sensibilizado com apelos, tendo em vista se tratar de uma nova regra e da complexidade das negociações. Por isso, propôs que, em 2022, o prazo fosse prolongado até 31 de maio.


Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministra Rosa Weber. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
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Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
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Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
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Ministra Rosa Weber. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
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"Penso que essa extensão de quase dois meses a mais, dá mais prazo e, portanto, maior perspectiva para as negociações, mas minimiza o tratamento desequiparado entre os partidos e as federações", disse Barroso. O voto dele foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.

Já Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski opinaram que não haveria nenhuma inconstitucionalidade no prazo estabelecido pelo Congresso, de 5 de agosto, data que também é o limite para a realização de convenções partidárias que definem candidatos para eleições majoritárias.  

Toffoli argumentou que justo pelo fato das federações se comportarem como partido único nas eleições, seria razoável aguardar as definições sobre as candidaturas. "Para mim é constitucional, razoável e adequada a data posterior das convenções partidárias, mesmo que seja próximo das eleições", defendeu.

A partir do próximo pleito, os ministros decidiram que o prazo para a criação de federações deverá ser de, no máximo, seis meses antes da data da votação em primeiro turno.

Até o momento, há conversações em estágio mais avançado para a formação de apenas uma federação, entre PT, PSB, PCdoB e PV.

Único voto contrário

Nunes Marques foi o único ministro a votar contra a validade das federações. Ele externou que considera toda a legislação que criou as federações partidárias como inconstitucional. Na visão dele, o instituto foi criado como uma burla à emenda constitucional que aboliu as coligações partidárias.

Ele argumentou que as federações mantêm distorções da vontade do eleitor que se buscou eliminar. "Mesmo camuflada, ela [a distorção] não desaparece. Votos confiados a um candidato ou legenda continuam a ter o potencial de eleger candidatos de outros partidos políticos", disse. 

O que são federações partidárias

Desde 2017, as coligações foram extintas nas eleições proporcionais, ou seja, para deputado federal, deputado estadual, deputado distrital e vereador.

No entanto, a legislação continuou a permitir a união de partidos em torno de uma única candidatura nas eleições majoritárias (para os cargos de presidente, senador, governador e prefeito).

Com a criação das federações, os partidos poderão se unir para apoiar qualquer cargo, desde que permaneçam juntos durante todo o mandato em disputa. A federação de partidos vale para eleições majoritárias, bem como para as proporcionais.

De acordo com o TSE, é aconselhável que as federações sejam firmadas entre partidos com afinidades profundas, já que terão que permanecer juntas por ao menos quatro anos.

Direitos e deveres

Em questão de direitos e deveres, as federações se equiparam a partidos políticos. Portanto, devem ter um estatuto próprio, com regras sobre fidelidade partidária e sanções a parlamentares que não cumprirem orientação de votação, por exemplo.

Desta forma, as punições que se aplicam aos partidos políticos também valem para federações. Se algum partido integrante da federação deixar o grupo antes do prazo mínimo de quatro anos estará sujeito a diversas sanções, como por exemplo, a proibição da utilização dos recursos do Fundo Partidário.

Na Câmara dos Deputados e no Senado, as federações funcionarão como um partido, tendo uma bancada própria. Para efeito de proporcionalidade, as federações também deverão ser entendidas como partidos políticos, o que implicará, por exemplo, na distribuição e formação das comissões legislativas.

No entanto, a prestação de contas dos candidatos apoiados por federações devem ser feitas individualmente por cada partido que as compõem.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/stf-decide-manter-validade-das-federa%C3%A7%C3%B5es-partid%C3%A1rias/a-60719977


Cristiano Romero: O genocídio negro

Cristiano Romero / Valor Econômico

Será que, se fosse um branco andando e mexendo na mochila, tinham atirado no meu irmão três vezes?” Foi dessa forma que Fabiana Teófilo reagiu ao assassinato de seu irmão Durval Teófilo Filho, no dia 2 deste mês, em São Gonçalo (RJ), uma das cidades mais violentas do país. Durval tinha 38 anos, era casado e pai de uma menina de seis anos, Letícia, que tinha o hábito de esperar o pai retornar do trabalho.

Antes de trabalhar como repositor de supermercado _ o profissional que reabastece as prateleiras, à medida que estas vão sendo esvaziadas _, Durval foi letrista em plataformas da Petrobras. O pintor letrista é responsável por escrever sinalizações para orientar, por exemplo, a aproximação de barcos e helicópteros às plataformas.

Na noite fatídica, ao chegar perto do portão de entrada de seu condomínio no Colubandê, em São Gonçalo, Durval parou para buscar a chave do portão dentro da mochila. Naquele momento, foi alvejado por três tiros disparados por Aurélio Alves Bezerra, sargento da Marinha. Ele atirou de dentro de seu carro, sob a alegação de que temia ser assaltado. O militar era vizinho da vítima no condomínio.

“É mais um preto morto, e vai ficar por isso mesmo?”, questionou, indignada, Fabiana, a irmã de Teófilo. “Já passei por isso diversas vezes. [A morte de] meu pai foi assim, já tive primos que foi assim, mas, agora, de novo? Agora, não! Vou atrás de onde tiver que ir, entendeu? A justiça tem que ser feita.”

Durval se mudou com a família para o Colubandê, justamente para fugir da comunidade do Capote, um exemplo da violência em forma de guerra-civil que assola os grandes centros urbanos deste país há décadas. E a intensidade está aumentando.

Os dados oficiais de mortes violentas mostram queda no número de casos, segundo o Atlas da Violência. O problema é que a qualidade e, portanto, a credibilidade das informações, repassadas pelas secretarias estaduais de segurança pública, são hoje discutíveis, uma vez que o número de cidadãos mortos de forma violenta, mas sem causa determinada, tem crescido de maneira exponencial. Como essa estatística não entra no cômputo geral de assassinatos, criou-se a falsa impressão de que a violência está diminuindo. Em alguns Estados, o número de casos que não entram na estatística é superior ao de registro de mortes violentas com causa determinada, o que nos remete à famosa frase de Hamlet: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.

No fundo, do jeito que estão, as estatísticas sobre violêdncia mascaram a verdadeira dimensão da tragédia que nos leva a concluir que, no Brasil, viver não é preciso. “Vendo as câmeras, ouvindo a fala do delegado e pelo que os vizinhos estão falando, tenho certeza de que isso aconteceu porque ele é preto. Mesmo eles falando que ele era morador do condomínio, o vizinho não quis saber. Para mim, foi racismo sim”, disse Luziane, a viúva de Durval.

Ora, Durval morreu porque era negro. Quando um negro é visto nas ruas de São Paulo, por exemplo, a primeira reação dos viventes, principalmente, dos que estão devidamente acomodados dentro de seus automóveis, com as janelas e portas travadas, e com o ar condicionado ligado porque ninguém suporta o calor que faz aqui nos trópicos, é achar que se trata de um assaltante. Isso está impregnado no imaginário coletivo de uma sociedade racista desde a sua fundação.

Durval agora é parte de uma estatística macabra que, de tão comum, integra a paisagem de nossa sociedade. Em 2019 (último dado disponmível), e nos anos anteriores, do total de brasileiros que, ao longo daquele ano, saíram de casa para morrer, 77% eram negros. No gráfico, a proporção por Estado. Em Alagoas, apenas 1% dos cidadãos que sucumbiram, vítimas de morte violenta em 2019, não eram negros.

“Pelo menos desde a década de 1980, quando as taxas de homicídios começam a crescer no país, vê-se também crescer os homicídios entre a população negra, especialmente na sua parcela mais jovem. Embora o caráter racial da violência letal tenha demorado a ter presença constante nos estudos mais gerais da violência, as organizações que compõem o movimento negro há décadas tematizam essa questão, nomeando-as de diferentes modos, conforme apontado por Ramos (2021): discriminação racial (1978-1988), violência racial (1989-2006) e genocídio negro (2007-2018). Nesse sentido, a desigualdade racial se perpetua nos indicadores sociais da violência ao longo do tempo e parece não dar sinais de melhora, mesmo quando os números mais gerais melhoram”, diz o último Atlas de Violência.

*Cristiano Romero é diretor-adjunto de redação 

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/coluna/o-genocidio-negro.ghtml


Maria Hermínia Tavares: Diretrizes ambientais de Bolsonaro são delírio ou desfaçatez

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

No domingo (6/2), os leitores desta Folha foram apresentados ao que seria o rascunho de um cartapácio da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, contendo nada menos de 200 diretrizes de ação governamental. Não ficou claro, porém, se foram imaginadas para ser cumpridas nos meses que podem restar a Bolsonaro no Planalto, como plataforma de candidato à reeleição, ou só para não deixar ociosos os comandados do almirante Flavio Rocha, chefe do órgão.

De toda forma, as presumíveis propostas surpreendem pela distância entre o que sugerem e o que tem sido dito e feito —ou, não— pelo governo do ex-capitão. Abrem alas o compromisso expresso com a eliminação do desmatamento ilegal; o fomento à bioeconomia e à floresta em pé; o aumento da capacidade de monitoramento dos biomas e a afirmação da sustentabilidade como eixo do desenvolvimento. Delírio ou desfaçatez —dá no mesmo.

Enquanto isso, estudo recente do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) constata que, entre agosto de 2018 e julho de 2021, as taxas anuais de desmatamento subiram 56,6% em relação aos três anos anteriores. Mais da metade do estrago ocorreu em terras da União —florestas públicas não destinadas e unidades de conservação—, bem assim em terras indígenas. Nada que surpreenda.

De seu ângulo, o Greenpeace estima que 1/3 da devastação da floresta tropical se dá hoje em terras públicas. Para entender o processo, a ONG prescrutou o que vem acontecendo em quatro áreas críticas no entorno da BR-163, na sua porção amazônica. Encontrou o esperado: inegáveis evidências de roubo e venda irregular de áreas que a União deveria proteger.

O aumento do ritmo da derrubada não se deve ao acaso nem ao imponderável. O estudo do Greenpeace, apropriadamente intitulado "Grilagem: uma empreitada conjunta do governo federal e do Congresso", mostra que o rentável mercado da apropriação ilegal de terras viceja sob a maligna negligência do governo e a expectativa de aprovação de alguns dos projetos que tramitam no Parlamento para pavimentar o caminho à regularização da propriedade das terras açambarcadas.

Políticas regulatórias, como as de defesa ambiental, nascem de incentivos às condutas desejadas, de punições daquelas que se quer banir e, sobretudo, da fiscalização da obediência às regras estabelecidas.
Em tempos idos, o país mostrou que sabia fazê-las bem, acumulando um patrimônio institucional reconhecido no exterior. Hoje, ele sangra sob o bolsonarismo instalado no Planalto e representado no Legislativo federal.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2022/02/diretrizes-ambientais-de-bolsonaro-sao-delirio-ou-desfacatez.shtml


Míriam Leitão: Assalto eleitoreiro aos cofres públicos

Míriam Leitão / O Globo

O governo está brincando com fogo perto do tanque de gasolina. A inflação está alta, disseminada e persistente. As projeções dos economistas indicam queda nos próximos meses, mas essas previsões podem mudar porque o cenário está mudando. Há um ano, o mercado previa 3,5% para a inflação de 2021 e deu mais de 10%. O governo patrocina propostas que representam gastos de R$ 50 bilhões a R$ 100 bilhões e prepara novos truques para burlar as regras fiscais. Isso alimenta a inflação futura. As bombas fiscais estão sendo armadas pelo próprio governo Bolsonaro, por desespero diante das pesquisas de intenção de voto que são todas desfavoráveis ao presidente.

IPCA de janeiro desacelerou em relação a dezembro, mas disso já se sabia. O acumulado em 12 meses voltou a subir para 10,38%. Pior, a inflação dos mais pobres foi de 0,67% e o acumulado, 10,60%. Um índice nesse nível é sensível a qualquer nervosismo, a qualquer choque, como dizem os economistas. Cenas explícitas de populismo eleitoreiro e sinais de que o ministro da Economia foi esvaziado são combustíveis para a alta do dólar que alimenta a escalada dos preços.

A inflação está generalizada. Dos nove grupos, oito subiram. O único que não subiu foi por fatores específicos. Caíram os preços do grupo transportes, por causa da gasolina, das passagens aéreas e da diminuição do gás. Houve ainda a redução da conta de luz por causa do bônus para quem cortou o consumo. Mas isso não se repetirá.

A ideia de gastar R$ 100 bilhões eliminando todos os impostos sobre combustíveis e energia e ainda dando um vale-diesel para o caminhoneiro é tão incendiária, do ponto de vista fiscal, que todo mundo entendeu qual é a jogada. Diante dessa, qualquer outra poderá parecer aceitável. Esse é o truque. Mas não há proposta aceitável de subsídio a combustível fóssil, ainda mais quando ele é linear e favorece também o dono do carro de luxo.

A assinatura da proposta kamikaze pelo próprio filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, junto com quatro senadores da base, três deles do PL, já seria o suficiente para mostrar de onde vem a bomba fiscal. Mas há outros indícios do DNA de todas os projetos que arrombam os cofres públicos. A primeira ideia foi formulada dentro da Casa Civil. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, foi claro: “O presidente Bolsonaro disse o seguinte: eu quero zerar os impostos federais dos combustíveis.” Então esse é o autor primeiro das bombas fiscais que estouram sobre o cofre do Tesouro: o presidente da República.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista ao “Estado de S.Paulo”, na terça-feira, disse que faltou apoio ao projeto liberal. O que deveria ter dito é que Bolsonaro sabotou a ideia, até porque ele sempre foi intervencionista. Quando os jornalistas perguntaram a Guedes se ele temia que o presidente abrisse os cofres e aumentasse os gastos descontroladamente, ele respondeu que “sempre houve confiança e respeito entre nós”. A primeira lealdade do ministro da Economia é com Bolsonaro e não com o equilíbrio fiscal. É por isso que ele disse no fim da entrevista que “a gente tem simpatia pela proposta de zerar os tributos do óleo diesel, cujo impacto fiscal deve ser de R$ 17 bi ou R$ 18 bilhões ao ano, o que seria um mal menor”.

Num país com gritantes prioridades, o que o ministro está dizendo é que está disposto a aceitar que o governo subsidie o diesel do caminhoneiro, mas também o das frotas das grandes empresas de logística e dos carros SUV de alto valor. Não faz sentido econômico, social e ambiental nem mesmo esse “mal menor”.

O Banco Central mudou de tom não por acaso. Os riscos fiscais estão aumentando com o colaboracionismo do Ministério da Economia ao assalto populista aos cofres públicos, no meio de uma conjuntura de alta inflação e muita incerteza. Neste momento, as projeções ainda indicam queda da inflação nos próximos meses, mas o risco é a deterioração das expectativas como no ano passado. Se o governo aprovar qualquer uma das propostas de bondades fósseis, os preços vão cair num primeiro momento. Depois, virá o efeito bumerangue, e eles voltarão a subir. É diante desse risco que o país está agora.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/assalto-eleitoreiro-aos-cofres-publicos.html


Arnaldo Niskier: Abaixo o nazismo!

Arnaldo Niskier / O Globo

Parecia improvável que aparecesse no Brasil alguém com a coragem ou a irresponsabilidade de defender o nazismo. Pois é que isso surgiu, na pessoa do podcaster Monark (Bruno Aiub), com o apoio do deputado federal Kim Kataguiri (Podemos-SP).

São dois perturbados que envergonham a vida brasileira. O primeiro deles, ao ser punido com a perda de seus patrocinadores, colocou a culpa na bebida que havia ingerido em excesso. Não tem desculpa, pois seguramente passou do ponto e deve ser punido severamente. Seu arrependimento não traz o perdão. A repulsa a seu gesto é o mínimo que se pode desejar.

Monark foi desligado do Estúdio Flow, que tachou de inadmissíveis seus comentários racistas. Ele mesmo, depois do que fez, considerou os comentários “muito burros”, o que provocou enorme reação. É incrível que essa ocorrência tenha sido confundida com “liberdade de expressão”. Sabendo-se do que foram capazes os nazistas (só de judeus na Europa foram mortas cerca de 6 milhões de pessoas). Esse gesto de agora foi uma total irresponsabilidade.

Bêbado ou não, Monark cometeu crimes. Como disse com muita propriedade o ministro Gilmar Mendes, “qualquer apologia ao nazismo é criminosa, execrável e obscena”. O ministro Alexandre de Moraes afirmou: “A Constituição consagra o binômio liberdade e responsabilidade. O direito fundamental à liberdade de expressão não autoriza a abominável e criminosa apologia ao nazismo”. O ministro Luiz Fux tem uma sólida formação judaica e certamente não concorda com nada disso, o mesmo podendo ser dito pelo ministro Luís Roberto Barroso, cuja mãe é de origem judaica.

A reação a essa estupidez foi nacional e internacional. Monark violou preceitos constitucionais e cometeu crime de apologia ao nazismo. Sua atitude, bem como a solidariedade do deputado Kataguiri, outro absurdo com que não se pode concordar de jeito nenhum, merece uma condenação formal e da maneira mais veemente. Espera-se que a Justiça brasileira reaja com a necessária energia a todos esses fatos lamentáveis.

*Professor, jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/abaixo-o-nazismo.html


Eugênio Bucci: Desesquecer

Eugênio Bucci / O Estado de S. Paulo

Ao final de Mães paralelas, o novo filme de Pedro Almodóvar (que está em cartaz em São Paulo e logo entra em exibição na Netflix), surge na tela uma frase do escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015). Em letras brancas sobre fundo preto, as palavras cumprem a função de resumir a moral da história, como se fossem um post scriptum ou uma espécie de envoi:

“Não há história muda. Por mais que a queimem, que a dilacerem, por mais que mintam, a história humana se nega a calar a boca.”

Parece uma oração. Parece uma profecia. Parece um poema. Parece verdade. Mas será verdade?

Mães paralelas narra os encontros e desencontros de duas mulheres que dão à luz no mesmo dia, na mesma maternidade e ficam hospedadas no mesmo quarto. As duas não se conheciam até despencarem em suas camas emparelhadas. Elas vêm de formações distintas, classes apartadas, universos desconectados. Uma não tem nada a ver com a outra, até que a trama encadeada por Almodóvar começa a embaraçar as duas em laços bem atados, definitivos e belos.

O filme não traz (quase) nenhum toque de comédia. Nesse ponto é diferente dos grandes sucessos do cineasta espanhol. O andamento grave combina algumas notas de romance com uma crítica severa ao esquecimento das atrocidades cometidas pelos fascistas (franquistas) durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). O enredo pesa e comove. As duas mulheres, as tais “mães paralelas”, vivem a experiência da maternidade enquanto descobrem a si mesmas: Ana (Milena Smit) quer se libertar da família burguesa, enquanto Janis (Penélope Cruz), mais velha que a companheira de quarto, está empenhada em encontrar o lugar em que foi sepultado o seu bisavô, executado na Guerra Civil por tropas do franquismo.

A partir daí, as verdades íntimas de cada uma delas se descortinam em paralelo com os fatos históricos que vão sendo exumados. A subjetividade irredutível de Ana e Janis vai ganhando consistência no mesmo ritmo em que os crimes contra a humanidade são dados à luz.

Então, no fecho de tudo, entra em cena o texto de Eduardo Galeano, o célebre autor de As veias abertas da América Latina, de 1971. “A história humana se nega a calar a boca”, ele nos garante. O trecho em questão faz parte de um breve ensaio, “La impunidad de los cazadores de gente”, dentro do livro Patas arriba: la escuela del mundo al revés, de 1998. É bonito ler a mensagem confiante, depois de ver um filme também bonito e confiante. A certeza de que nada ficará esquecido, de que nada ficará impune, vem nos confortar e nos fortalecer. Dá vontade de acreditar. Dá até para chorar.

Mas será que é assim mesmo? Será crível a crença de Almodóvar e Galeano? Existiria um impulso próprio nos acontecimentos passados, um impulso que os impediria de se calar? Será que podemos pensar na história como pensamos sobre o recalcado na psicanálise? O recalcado, segundo os psicanalistas, sempre volta – e volta porque, de um jeito ou de outro, não dá sossego ao sujeito. O que se encontra recalcado sempre conspira para retornar. Só com muito trabalho, imenso trabalho, o sujeito dá conta de manter escondido o que está recalcado. Quando o cidadão se cansa, ou quando se distrai, a coisa irrompe lá do fundo do armário e vem à superfície, como lava de vulcão. Voltando ao filme, será que a história, ou, como diz Galeano, a “história humana”, funciona do mesmo jeito que o recalcado numa pessoa qualquer?

Talvez não. Quando um idioma desaparece (e mais de 200 línguas desapareceram desde 1950, segundo a Unesco, e outras 2. 500 têm sua existência ameaçada), uma história inteira desaparece. Língua morta, história morta. Também os fatos desaparecem. Os atos humanos tendem naturalmente ao esquecimento, a menos que um outro ato humano, como o trabalho dos repórteres ou dos historiadores, venha impedir que eles se percam na escuridão. Enquanto o recalcado exige trabalho psíquico para continuar esquecido, a história exige trabalho investigativo para não ser esquecida. Sem esse trabalho, a verdade factual – a mais frágil das verdades, como ensina Hannah Arendt – sumiria no tempo. Quando entregue à sua própria inércia, a história, sim, se cala. Para termos direito à memória – tema por excelência do filme de Almodóvar –, lutar por isso, temos de investir no trabalho duro para construir as vias de acesso ao passado.

No Brasil, a Comissão Nacional da Verdade teve uma trabalheira federal para descrever objetivamente as graves violações dos direitos humanos cometidas pelos agentes da ditadura militar. O que veio depois? O esquecimento. As recomendações deixadas pela comissão seguem mudas, caladas.

E o que é que não se cala? O fascismo. Dia desses, um rapaz – que dizem ser famoso nas redes sociais – defendeu publicamente a legalização de um partido nazista no nosso País. É o recalcado que retorna, nos braços da ignorância e do esquecimento da história.

A palavra aletheia, em grego, normalmente traduzida como “verdade”, tem o sentido de não esquecimento. O problema é que o humano esquece. Esquece e reincide.

*Jornalista, é professor da ECA-USP
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,desesquecer,70003974385


Luiz Carlos Azedo: Agenda do Centrão é passar a boiada antes de apagar a luz

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O Centrão está com pressa. As coisas não vão bem para o presidente Jair Bolsonaro no Nordeste, reduto dos principais caciques do PP, principalmente o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), que resolveram pôr em pauta no Congresso o que consideram prioridades do governo neste ano eleitoral. É uma agenda para “passar a boiada”, como diria o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, flagrado autorizando a venda de madeira ilegal pelas autoridades dos Estados Unidos. O PP quer apagar a luz e desembarcar do governo, na campanha eleitoral, antes que seja tarde demais.

Na pesquisa Genial/Quaest, divulgada ontem, os números são péssimos para o presidente no Nordeste: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem 61% de intenções de voto no primeiro turno, enquanto Bolsonaro tem 13%. Ciro Gomes vem logo atrás, com 8%. Sergio Moro tem 3%; João Doria e André Janones, 2%; e Simone Tebet, 1%. Mesmo com o Auxílio Brasil, a capacidade de pagar as contas piorou para 64% dos eleitores da região.

O périplo pelo Nordeste programado por Bolsonaro para melhorar sua imagem pode ter sido um tiro no pé. Na terça-feira, em Salgueiro (PE), onde participou de uma jegueada, comentando sua relação com o sogro cearense, revelou um preconceito sem noção em relação aos nordestinos: “Eu sempre me referi com os amigos, né, cabra da peste, pau de arara. Eu me chamo de alemão também, sem problema nenhum. Arataca, cabeçudo, pô, é isso aí, valeu!”

Ontem, inaugurou um novo trecho da transposição do Rio Francisco com tanta pressa que não deu tempo de a água chegar. O secretário de Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte, João Maria Cavalcanti, explicou que o volume de águas liberado na Barragem de São Gonçalo, na Paraíba, ainda levará mais dois dias percorrendo a bacia do Rio Piranhas-Açu. No momento da inauguração, para frustração dos presentes e irritação de Bolsonaro, a água ainda nem havia chegado a São Bento, na Paraíba, que fica a 20 quilômetros do Rio Grande do Norte. O projeto de transposição foi iniciado em 2007, por Lula.

Em Salgueiro, Bolsonaro já havia passado pelo constrangimento de ser cobrado pelo fato de a cidade estar sem água há 18 dias, segundo o vice-prefeito Edilton Carvalho. São ossos de uma pré-campanha onde os políticos nordestinos começam sua migração para Lula. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), desafeto de Arthur Lira, já está defendendo o apoio do seu partido ao petista no primeiro turno, caso a pré-candidatura de Tebet não decole.

É esse tipo de pressão que faz o Centrão priorizar uma agenda maldita no Congresso. Segundo o Diário Oficial da União publicado ontem, o governo quer aprovar no Congresso mudanças no ICMS sobre combustíveis, liberação da posse e porte de armas de fogo, facilitação das licenças ambientais, autorização para mineração nas terras indígenas e nas faixas de fronteira, retaguarda jurídica para homicídios praticados por policiais, integração do ProAgro e do Prêmio Seguro Rural. É uma corrida contra o tempo, que estabelece um claro divisor de águas no Congresso entre os aliados de Bolsonaro e a oposição.

Pandemia

Na vida banal, a pandemia de covid-19 continua fora de controle. Ontem, foram registrados 1.264 óbitos e 178.814 novos casos em 24 horas, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Na terça-feira, 1.189 mortes e 177.027 casos. A escala de propagação da doença está impactando o número absoluto de mortes diárias, embora a variante ômicron seja considerada menos letal. O afrouxamento das medidas de distanciamento social é a principal causa do grande número de infectados. Já o número de mortes tem relação direta com os não-vacinados, a maioria dos que estão intubados nas UTIs. Esse cenário já estava previsto pelos sanitaristas e é resultado da campanha negacionista patrocinada por Bolsonaro e do atraso na vacinação das crianças, provocado pelas manobras do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

Mesmo assim, Bolsonaro continua afirmando que acertou na pandemia. A lógica permanece a mesma: apostar na imunização de rebanho para evitar que a economia seja prejudicada. Não é o que está acontecendo. Num país de dimensões continentais como o Brasil, sem vacinação em massa, é impossível conter a pandemia porque ela se propaga pelo território de forma desigual — e sofre mutações genéticas, como já acontece, inclusive, com o vírus da ômicron.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-agenda-do-centrao-e-passar-a-boiada-antes-de-apagar-a-luzx/

Cientistas produziram quantidade recorde de energia por meio da fusão nuclear

Vilhena Soares / Correio Braziliense

Cientistas britânicos produziram uma quantidade recorde de energia por meio da fusão nuclear, método que copia uma reação química que ocorre no centro do Sol. A façanha é fruto de mais de duas décadas de trabalho, período em que especialistas se dedicam a criar uma forma de gerar energia mais limpa, sem resíduos radioativos e gases nocivos ao meio ambiente. Apesar das vantagens, a tecnologia é controversa. Ambientalistas argumentam que se trata de uma possibilidade de fonte energética incapaz de sanar os danos climáticos que já castigam o planeta.

A equipe do Joint European Torus (JET), o maior reator de fusão do mundo, localizado perto de Oxford, conseguiu gerar 59 megajoules de energia (11 megawatts de potência) em dezembro passado. A quantidade, que é equivalente a cerca de 14 quilos do explosivo TNT, foi obtida durante uma explosão de fusão de cinco segundos. "É a energia necessária para cobrir as necessidades, durante cinco segundos, de 35 mil residências", ilustra, em comunicado, Joe Milnes, diretor de Operações do JET.

O valor obtido é mais do que o dobro do recorde anterior, de 21,7 megajoules, conquistado, em 1997, pelo mesmo grupo. Segundo a Autoridade Britânica de Energia Atômica, os resultados "são a demonstração mais clara, em escala mundial, do potencial da fusão para fornecer energia sustentável". Porém, o tempo de duração da reação é considerado um obstáculo a ser vencido. Para especialistas, trata-se de um período ainda muito curto. "Cinco segundos não é muito, mas é possível trabalhar com esse resultado e, aos poucos, você estende a estabilidade e a queima por muitos minutos, horas ou dias, que é o que precisamos para ter uma usina de fusão de excelência", disse, ao jornal The Guardian, Mark Wenman, pesquisador do Imperial College London que não está envolvido no projeto.

Filipe Tôrres, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e doutorando em engenharia da Universidade de Brasília (UnB), faz uma avaliação parecida. "Esses cinco segundos parecem pouco, mas são uma conquista muito grande, é um recorde a se comemorar, pois pode gerar resultados muito satisfatórios e relevantes no futuro", diz. "Essa reação é tão forte que libera uma energia maior que a de uma bomba nuclear, ou seja, uma eficiência magnífica." O especialista brasileiro aponta que outro desafio a ser superado é transformar essa energia liberada em eletricidade, para que ela possa ser usada de forma cotidiana.

Calor extremo

O JET é um reator em forma redonda, semelhante a uma rosquinha, construído para abrigar plasmas ou gases altamente ionizados que são superaquecidos a uma temperatura acima de 100 milhões de graus Celsius — um ambiente 10 vezes mais quente que o centro do Sol. Com o calor extremo, os núcleos atômicos podem se fundir para formar novos elementos e liberar grandes quantidades de energia. A cooperação internacional em matéria de fusão é extensa, porque, ao contrário da fissão, não pode ser usada como arma. (Veja arte)

A fusão nuclear foi "copiada" pelos cientistas, já que esse processo acontece no núcleo do Sol para "alimentar" a grande estrela, só que em uma temperatura de 10 milhões de graus Celsius, bem menor do que a usada pelos britânicos. Na Terra, o calor precisa ser maior para produzir energia, já que as pressões são mais baixas. "Nós demonstramos que podemos criar uma miniestrela dentro de nossa máquina e mantê-la lá por cinco segundos obtendo um alto desempenho, o que realmente nos leva a um novo patamar", comemora Milnes. "Os experimentos de JET nos colocaram um passo mais perto da energia de fusão."

Ian Fells, professor da Universidade de Newcastle, nos Estados Unidos, classificou os últimos resultados do JET como um "marco importante". "Agora, cabe aos engenheiros traduzir (esses avanços) em eletricidade limpa e mitigar as consequências das mudanças climáticas", declarou em entrevista à Agência France-Presse (AFP) de notícias. A equipe britânica enfatiza que a fusão nuclear pode ser uma fonte inesgotável de energia, pois permite produzir 4 milhões de vezes mais energia do que o carvão, o petróleo ou o gás, com a vantagem de não gerar resíduos nem gases tóxicos que agravam o efeito estufa. "Está claro que devemos fazer mudanças significativas para lidar com os efeitos das mudanças climáticas, e a fusão oferece muito potencial", afirma Ian Chapman, executivo-chefe da Autoridade de Energia Atômica do Reino Unido.

Saldo negativo

As organizações de defesa do meio ambiente, porém, avaliam a lista de vantagens de outra forma. Uma das críticas é que, embora dezenas de reatores de fusão nuclear tenham sido construídos desde a década de 1950, eles seguem consumindo três vezes mais energia do que permitem criar. Especialistas da ONG Greenpeace já definiram a tecnologia como uma "miragem científica" e "um buraco financeiro sem fundo". Outro argumento usado é que a fusão nuclear não resolveria os problemas ambientais de agora, pois seus frutos só poderão ser colhidos daqui a décadas, com a situação do planeta possivelmente bem mais grave do que o cenário atual, como preveem especialistas.

Segundo Tom Burke, ecologista e presidente da Ong Third General Environmentalism (E3g), a fusão nuclear não resolverá urgências ambientais. "É um pequeno passo importante para a ciência, uma tecnologia nuclear muito sofisticada, mas não é algo que irá nos ajudar agora com as mudanças climáticas. Temos um prazo de 50 anos para ver resultados surgirem dessa tecnologia, mas já sabemos que precisamos tornar a nossa energia mais limpa até, no máximo, 2035", disse ao canal americano Sky News.

Na França

Em parceria com os cientistas britânicos, especialistas estão construindo, na França, outro reator de fusão, o Iter, que é mais avançado do que o JET. Também participam do projeto China, União Europeia, Índia, Japão, Coreia do Sul, Rússia e Estados Unidos. Os resultados obtidos pelo JET foram comemorados por Bernard Bigot, que coordena o Iter. Segundo ele, a quantidade recorde de energia gerada se aproxima da “escala industrial" de produção.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2022/02/4983985-cientistas-produziram-quantidade-recorde-de-energia-por-meio-da-fusao-nuclear.html


William Waack: Briga de irmãos

William Waack / O Estado de S. Paulo

Há setores do mercado que vivem no curtíssimo prazo e que pulam de Bolsonaro para Lula e vice-versa com a rapidez com que se especula por resultados imediatos. Os setores com horizontes mais distantes não enxergam diferenças significativas entre os dois líderes das pesquisas.

Mais de um grande fundo já disse isso aos cotistas. O mais recente foi o respeitado Verde, para o qual Lula e Bolsonaro “são irmãos gêmeos, separados no nascimento”. Ambos, diz carta redigida pelo fundo, recorrem ao mesmo “populismo eleitoreiro barato totalmente irresponsável”.

Essa afirmação resultou da análise “técnica” (levando em conta apenas modelos econômicos) dos instrumentos pelos quais o governo Bolsonaro pensa conseguir baixar preços de energia em geral e combustíveis em particular. Conclusão similar ao alerta feito pelo próprio Banco Central, segundo o qual a maneira pela qual o Planalto quer baixar preços e inflação arrisca a produzir o resultado contrário – obrigando o BC a subir mais ainda os juros.

Populismo eleitoreiro não é fenômeno restrito a personagens como Lula e Bolsonaro nem ao sistema político brasileiro. É generalizado mesmo em democracias liberais “estáveis” por toda a Europa. A questão para o Brasil, porém, é muito mais abrangente por causa do consenso amplo na sociedade brasileira de que a prioridade não é combater desigualdade, mas, sim, promover o crescimento dos gastos públicos, dos quais grupos privados e corporativistas extraem renda.

Esse tipo de “escolha” não é racional nem deliberada, e resulta de longo processo histórico e cultural – portanto, político. A composição do Parlamento brasileiro, com suas atuais inéditas prerrogativas de poder, espelha exatamente esse consenso. Uma amorfa massa “central” de deputados e senadores luta apenas por seus interesses paroquiais ou setoriais, acomodando-os à custa dos cofres públicos, sem diferenças ideológicas significativas.

O que mais impressiona quando se olha para o Brasil de uma perspectiva ampla é o longo tempo em que está preso à armadilha de renda média. Situação agravada de forma dramática pelas severas perdas sociais causadas pela pandemia na saúde, educação e renda. Esse “plano geral” – o das verdadeiras questões de fundo – não transparece no atual debate político-partidário.

Que se concentra em quem vai apoiar quem em troca de quê. O Centrão segue a lógica do sistema e tem como prioridade formar bancadas. Muito antes dos fundos sofisticados de investimento já havia demonstrado não ver diferenças significativas entre Lula e Bolsonaro. O resto é briga de irmãos.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,briga-de-irmaos,70003974634