Merval Pereira: O mito da imparcialidade
Merval Pereira / O Globo
A questão da imparcialidade na justiça brasileira, discutida desde que o ex-juiz Sérgio Moro foi considerado “suspeito” no processo que condenou o ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá, ganha novos ares com um trabalho da jurista Bárbara Gomes Lupetti Baptista em número recente da revista Insight Inteligência, baseado em uma pesquisa empírica que realizou no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro há dez anos, que ela comparou com a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Ela não se refere ao caso recente de perseguição a Moro por parte do Tribunal de Constas da União (TCU), mas demonstra que a proximidade do Ministério Público com a magistratura é corriqueira no sistema judiciário brasileiro. Nesse caso atual, essa relação está explicitada na relação do Subprocurador do Ministério Público de Contas Lucas Furtado com o ministro do TCU Bruno Dantas.
Também o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que comandou o julgamento da Segunda Turma que considerou Moro “suspeito”, não está citado, mas é exemplo de juiz que julga segundo critérios próprios de Justiça, colocando seus pontos de vista acima dos regulamentos, como acusa Moro de ter feito. A mudança de voto da ministra Carmem Lucia, determinante para a condenação de Moro, também é referida no trabalho como exemplo da fluidez do conceito de “imparcialidade”.
A jurista ressalta que a maior parte dos casos da Operação Lava Jato no STF foi decidida por maioria, sem consenso, e mais de dois anos após os fatos, demonstrando que “condená-lo à pecha de “parcial”, também explicita a lógica pendular e seletiva desse sistema”. Segundo a jurista, “o contraste dos dados (antigos) e os fatos (novos) permitiu pensar não apenas sobre a fluidez da categoria “imparcialidade”, como também nos paradoxos de nossa cultura jurídica que, entre dogmas e práticas, ilustram que os interlocutores, ao mesmo tempo em que expressam a sua descrença na imparcialidade, (…) por outro lado também reverberam a necessidade de sustenta-la enquanto crença”.
A jurista conversou na pesquisa, para sua tese de doutoramento, com cerca de 80 magistrados, e diz que ouviu diversas vezes frases como “você sabe que imparcialidade é uma coisa que não existe, né ?”, assim como a explicação de que “as pessoas têm que acreditar que ali tem um juiz imparcial”. Essa dicotomia mostra que “mais que existir de fato, a imparcialidade se constitui como crença. E guarda uma ambiguidade: de um lado, manter vivo o seu discurso serve para ocultar sua eventual inexistência, e de outro, produz efeitos para os destinatários do sistema de Justiça”. Se o Judiciário assume que o juiz não consegue ser imparcial, o sistema vai falir. Acaba o sistema.
A jurista Bárbara Gomes Lupetti Baptista diz em diversos momentos que não pretende minimizar a revelação da intimidade e cumplicidade da relação entre o Ministério Público e a magistratura no caso dos processos conduzidos pelo ex-juiz Sérgio Moro, e sua consequência, como a prisão do ex-presidente Lula às vésperas da eleição, mas não o condena nem absolve. Apenas confirma que sua pesquisa empírica demonstra que “ explicitar (ou tratar) como absurda, incomum, inédita ou extraordinária a conduta do juiz que conduziu o processo da Operação Lava Jato é, de um lado, desconsiderar a realidade processual brasileira, e de outro manter viva a crença em um conceito de imparcialidade sem correspondência com a realidade”.
Uma frase que diz ter ouvido muito foi “a minha verdade é a minha justiça”. Outra: “Você não pode julgar com o coração. A sua referência é a lei. Mas só que você tem um coração. O que faz com ele?”. Nessa linha, diz a jurista Bárbara Gomes Lupetti Baptista, a postura de Sérgio Moro, “comprometida por suas convicções pessoais e senso particularizado de justiça no tratamento e na condução da Operação Lava Jato, apontando, inclusive sua relação pessoal com o Ministério Público, não é inédita, nem extraordinária; é recorrente no sistema de justiça”. Segundo ela, muitos juizes brasileiros cuidam de processos, avaliam provas, decidem casos e interpretam fatos e leis a partir de sensos particulares de justiça. “Moro e a Operação Lava Jato são, portanto, a mais pura explicitação da Justiça brasileira”.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/o-mito-da-imparcialidade.html
Bolsonaro fala em 'dificuldades' para renovar concessão da TV Globo, mas decisão cabe ao Congresso
Felipe Frazão e Eduardo Gaye /, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a ameaçar neste sábado, dia 12, a renovação da concessão pública da TV Globo. Segundo o presidente, a emissora carioca poderá “enfrentar dificuldades” para obter a renovação da outorga de serviços de radiodifusão, que vence em 5 de outubro, quando completa o prazo de quinze anos.
"A renovação da concessão da Globo é logo após o primeiro turno das eleições deste ano. E, da minha parte, para todo mundo, você tem que estar em dia. [...] Não vamos perseguir ninguém, nós apenas faremos cumprir a legislação para essas renovações de concessões. Temos informações de que eles vão ter dificuldades", disse o presidente em entrevista ao ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PROS), na Rádio Tupi.
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O presidente retomou, dias depois de alegar que defende a liberdade de imprensa, críticas à Globo e se disse “perseguido” pelo jornalismo do canal. "Eu fui muito mais perseguido que você, Garotinho", acenou o presidente ao radialista da Tupi, agora seu aliado político. "Com todo respeito, eu sou um herói nacional. Sempre disseram que ninguém resiste a dois meses de Globo. Eu estou resistindo."
As declarações de Bolsonaro também ocorrem num contexto de reiteradas críticas à ideia defendida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu virtual adversário nas eleições presidenciais deste ano, de regulação da mídia.
Ao longo do mandato, Bolsonaro deu diversas declarações dúbias, que deixam dúvidas sobre sua intenção de não recomendar a renovação da outorga à empresa da família Marinho. Ele costuma usar essas declarações como forma de mobilizar seus simpatizantes, principalmente nas redes sociais, contra a emissora. Em uma delas, disse que a empresa deveria estar “arrumadinha”, do ponto de vista tributário.
Apesar de sugerir a não renovação do canal aberto da Globo, Bolsonaro não tem o poder de decisão sobre essa e outras concessões. Pela lei em vigor, cabe ao presidente apenas indicar uma posição por meio de decreto, mas a palavra final é do Congresso Nacional.
Além da concessão da TV Globo, também vencem neste ano as concessões para exploração de canais abertos como a Band, TV Cultura e Record TV, em São Paulo. Mas, sobre elas, Bolsonaro nada fala.
As concessões pala exploração dos canais abertos de TV duram quinze anos. A detentora da outorga pede a renovação ao Ministério das Comunicações, que encaminha parecer ao Palácio do Planalto. Fontes do setor afirmam ser improvável uma derrubada, se os requisitos documentais estiverem atendidos, e que a não renovação exigiria motivos graves, como dívidas junto à União.
A Presidência envia sua posição ao Congresso, que delibera pela renovação ou não. O pedido passa por comissões temáticas e pelo plenário, na Câmara e no Senado. A não renovação exige votação nominal do Congresso. Já a cassação de uma outorga tem de ser feita por via judicial, conforme fontes do setor.
As reiteradas ameaças de Bolsonaro contra a Globo causam apreensão do setor de rádio e TV. Isso porque, se o presidente enviar ao Congresso mensagem contrária à renovação, deverá justificar o ato e adotar os mesmos critérios ao analisar o caso das demais emissoras. Um ato casuístico poderia repercutir negativamente, inclusive, em avaliações sobre a liberdade de imprensa no País, o que é analisado na adesão à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Procurada pela reportagem, a TV Globo não respondeu sobre a declaração do presidente, até a conclusão desta edição.
Urnas
Na mesma entrevista ao aliado Garotinho, Bolsonaro repetiu a estratégia de colocar em suspeita a segurança das urnas eletrônicas, sem mostrar evidências. "Temos um sistema eleitoral que não é de confiança de todos nós ainda. A máquina não mente, mas quem opera a máquina é um ser humano", disse.
Na última quinta-feira, em transmissão ao vivo nas redes sociais, Bolsonaro disse que as Forças Armadas identificaram "dezenas de vulnerabilidades" no sistema de votação e cobrou uma resposta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A resposta da Corte veio no dia seguinte, com desmentido. “As declarações que têm sido veiculadas não correspondem aos fatos nem fazem qualquer sentido”, disse o TSE em nota oficial. Conforme o Estadão havia antecipado, os quesitos elaborados por especialistas do Exército em Defesa Cibernética têm caráter técnico sobre o funcionamento do sistema de votação eletrônica.
Por iniciativa da base do governo, o Congresso votou e rejeitou no ano passado uma proposta para adoção do voto impresso. Mesmo derrotado, o presidente ignorou a decisão do Legislativo e continuou sua cruzada lançando suspeitas nunca comprovadas sobre o sistema de urnas eletrônicas.
O tom afável da entrevista revelou mais um ato na aproximação do presidente com outro político que esteve atrás das grades. Bolsonaro já havia ingressado no PL, presidido por Valdemar Costa Neto, um dos condenados no escândalo do mensalão.
Nos últimos dias, Bolsonaro visitou a família Garotinho em Campos dos Goytacazes (RJ), reduto do clã. O prefeito da cidade é Wladimir Garotinho, filho do ex-governador com a ex-governadora Rosinha Matheus. O casal foi preso mais de uma vez e depois solto, por causa de contratos da gestão municipal com empreiteiras. No ano passado, Garotinho foi condenado a 13 anos e 9 meses de prisão por compra de votos, usando recursos da prefeitura de Campos. Ele também foi condenado criminalmente por um esquema de loteamento de cargos em delegacias de polícia, no governo do Estado. /Colaborou Lauriberto Pompeu
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Semana de 22 ainda diz muito sobre a grandeza e a barbárie do Brasil de hoje
José Miguel Wisnik / Folha de S. Paulo
[resumo] Iniciada há cem anos, Semana de Arte Moderna de 22 extrapolou os contornos paulistas para tornar-se marco da vida brasileira no século 20. O embate de suas potências e limitações prefiguraram os impasses da instauração do moderno por aqui, nas artes e na sociedade, o que se manifesta hoje em um Brasil espremido entre a grandeza e a barbárie.
A Semana de Arte Moderna é, hoje, uma pauta cultural e midiática que rememora a eclosão de cenas de modernismo explícito em fevereiro de 1922 no Theatro Municipal de São Paulo. Neste domingo (13), a inauguração da Semana completa cem anos.
A cidade explodia na condição de polo do comércio mundial do café, passando em ritmo acelerado de província à miragem da metrópole ("risco de aeroplano entre Mogi e Paris", diz um verso irônico de Mário de Andrade na "Pauliceia Desvairada").
Nela, o peso tradicional das oligarquias contracenava com a presença de multidões, de imigrantes de variada proveniência e de movimentos operários incipientes mas já organizados, como se viu na greve geral de 1917, cujo impacto paralisou a cidade por vários dias.
A frenética expansão urbana se dava a reboque dos interesses privados, sem projeto que não fosse o da aliança do monopólio dos serviços de transporte, de água, de gás e de luz (controlados pela Light) com a especulação imobiliária. O pai de Oswald de Andrade, por exemplo, ficou mais rico do que já era loteando o bairro de Cerqueira César, enorme extensão entre a avenida Doutor Arnaldo e o largo da Batata.
O escritor, contudo, virará muitas vezes do avesso as marcas dessa origem, com seu "fundamental anarquismo" e suas espetaculares traições de classe, o que faz de sua figura, literariamente transfigurada em "Memórias Sentimentais de João Miramar" (1924) e em "Serafim Ponte Grande" (1933), uma espécie de Brás Cubas não póstumo, ativo e autoparódico, exibindo descaradamente em vida o descaramento de seus pares, com brilho sarcástico e fulminante.
A seu modo, a biografia de Oswald já é ela mesma um índice da história do crescimento anômalo de São Paulo e a perfeita tradução da cidade como "avesso do avesso", condição que ele levou a dimensões insuspeitadas e extraordinariamente fecundas.
A profusão de estilos arquitetônicos importados e misturados dava à paisagem urbana um quê de miscelânea e de pastiche, em um clima de hibridismo polifônico e "arlequinal".
O antropólogo Claude Lévi-Strauss, que foi professor da USP nos seus inícios, nos anos 1930, disse mais tarde que a metrópole dos tristes trópicos ostentava uma vida intelectual novidadeira até o limite da inconsequência mas, no extremo, surpreendente; que ladeava arranha-céus com terrenos baldios e quase selvagens; e que a metamorfose indômita que nela se vivia contribuiu mais, em poucos anos, para a sua própria chegada ao pensamento estruturalista que a longa convivência com as seculares e sedimentadas cidades europeias.
São Paulo era, na verdade, um acontecimento urbano e humano em que se insinuavam alguns aspectos da vida mental das metrópoles industriais, quando a sensibilidade é exposta, em modo de aceleração, à eletricidade dos estímulos, à exaltação e ao trauma.
Porém, tudo isso na periferia do capitalismo ("galicismo a berrar nos desertos da América", outro verso da "Pauliceia") e em atrito com o marasmo dos hábitos arraigados de uma cidade que tinha cerca de 20 mil habitantes em 1872, 60 mil em 1890, quase 600 mil em 1922 e 1 milhão em 1930. A curva demográfica fala por si só do tamanho do empuxo e do quanto o fenômeno paulista era diferente do Rio. São Paulo era uma onda em processo de arrebentação.
Uma cidade que deixava de ser provinciana sem chegar a ser cosmopolita, à força de suas próprias contradições gritantes, que a abismavam entre o passado conservador estreito da província, limitado e ancorado nas suas oligarquias e nos seus hábitos morigerados, e um futuro galopante e irrefreável que se abria concretamente a uma nova complexidade da sociedade e da cultura, na base da fricção e do choque.
"Não era moderna, mas já não tinha mais passado", diz Nicolau Sevcenko em "Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo, Sociedade e Cultura nos Frementes Anos 20". Brotava "como um colossal cogumelo depois da chuva" e como um enigma devorador "para seus próprios habitantes".
Não à toa, o modernismo paulista vocalizou pela primeira vez no Brasil, de maneira programática, com alarde exibicionista e provocador, questões então candentes como a quebra dos tabus estéticos da representação realista da natureza, da linearidade sintática, da poesia metrificada, da consonância tonal em música —rupturas que marcariam a linguagem artística do século 20.
Anunciava com estrépito, embora as obras daquele momento em geral não acompanhassem o tamanho do espalhafato, uma arte não linear, não naturalista, não aprazível e liberadora de novas potências. Na "Pauliceia Desvairada", escrita em 1921 e publicada no ano da Semana, Mário de Andrade praticou e teorizou, como ninguém até então, uma poesia simultaneísta, que ele associou com excepcional agudeza ao harmonismo e ao polifonismo em música.
A Semana poderia perfeitamente ter se resumido a um episódio datado, um arroubo curioso e sintomático em um momento localizado de transformações urbanas, mas acontece que dela participaram três dos maiores artistas brasileiros do século —Mário, Oswald e Villa-Lobos—, cujas obras terão desdobramentos e consequências fundamentais, aprofundando as promessas do movimento com o imponderável de suas criações singulares. Queiram ou não, a Semana foi uma conjugação artística de São Paulo e Rio.
Muita água rolou depois desses primeiros embates, e o arco das questões do movimento modernista ampliou-se, dos anos 1920 aos 1940, abrindo-se às interpretações do Brasil, à pesquisa e ao engajamento social, ao mesmo tempo que se abriam suas rachaduras internas e suas fraturas políticas.
Na conferência de 1942 ("O Movimento Modernista"), pronunciada no Rio, quando avaliava criticamente a Semana 20 anos depois, Mário deixa explícito que foi a oligarquia cafeeira quatrocentona —de corte aristocrático e já decadente, por isso mesmo disponível, na figura do empresário intelectual Paulo Prado— que deu suporte material ao movimento, desejando acertar passo com a modernidade da Segunda Revolução Industrial, por um lado, e confrontando a burguesia do dinheiro pelo dinheiro, por outro (o "burguês burguês", "a digestão bem feita de São Paulo", conforme a "Pauliceia").
Mário esboçava então uma análise das bases de classe do movimento e criticava o alheamento das responsabilidades sociais e políticas que marcou, segundo ele, a "orgia intelectual" dos anos 1920. Muita crítica que se tenta fazer hoje ao modernismo já está feita ali com mais lucidez. Mário, no entanto, a fazia não porque negasse o modernismo, mas porque afirmava em âmbito nacional o seu vetor construtivo, as conquistas da cultura moderna brasileira, "o direito permanente à pesquisa estética", a "atualização da inteligência artística" e a estabilização de suas instituições, sempre penosamente sustentada.
Em outras palavras, o que ele defendia naquele momento eram os pilares daquilo que hoje está sob o ataque atroz do bolsonarismo, com a sua corrosão antimoderna dos valores intelectuais e dos símbolos artísticos acumulados durante esses cem anos e com sua política de desmantelamento das instituições culturais.
Restrita em grande parte, na sua época, aos contornos paulistas, com o tempo a Semana tornou-se uma referência histórica, uma data reverencial e um mito de origem, consolidando-se depois como marco da vida brasileira no século 20.
Profanação do templo da cultura burguesa tradicional sem deixar de ser uma cerimônia de elite, autopublicitária já na origem, como costumavam ser as manifestações da vanguarda artística europeia que ela emulava, sem imitá-las à risca, a Semana recebeu na altura dos seus 50 anos (1972) outras camadas de consagração institucional que incitam, por sua vez, ao desmanche de sua mitologia.
O que resulta na mistura confusa, que temos no ar, hoje, de profanação datada com consagração da profanação e profanação da consagração. Nenhum desses formatos corresponde propriamente a uma reavaliação crítica capaz de identificar as potências e os limites do movimento segundo as perspectivas atuais.
Avaliação crítica não se confunde, por exemplo, com sanha diminuidora pautada pela querela localista, com "petite histoire" dos bastidores e com a manipulação arbitrária do anedotário, tudo baseado em uma visão rasa da literatura que jamais enfrenta as obras. Ruy Castro põe aquelas comemorações oficialescas do cinquentenário da Semana, em tempos de ditadura, na conta de Mário e Oswald, como se isso comprovasse uma vocação originária do movimento modernista para a direita.
Porém, o que havia de apropriação oficial e mumificante do ideário da Semana, em 1972, vinha justamente da articulação de remanescentes ligados às correntes ufanistas do verdamarelismo e da anta, isto é, Menotti del Picchia (que odiava Oswald, visceralmente) e Cassiano Ricardo, ainda vivos àquela altura e vendo na ocasião política uma oportunidade para recuperar o prestígio que a obra deles nunca teve.
Os artistas de oposição, os que não só lutavam contra a ditadura mas estavam fazendo obras seminais para a iluminação crítica e criadora do período, estavam encenando "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade, como Zé Celso no Oficina em 1967, filmando e encenando "Macunaíma", de Mário de Andrade, como Joaquim Pedro de Andrade em 1969 e Antunes Filho em 1978. Ou Julio Bressane, mais tarde, fazendo em "Tabu" (1982) um contraponto entre Oswald e Lamartine Babo.
Exposição revê legado do modernismo na arte contemporânea; conheça obras
Outros intelectuais e pesquisadores difundiam o modernismo dentro dos meios institucionais possíveis e dentro de uma perspectiva crítica resistente e antiautoritária. A exposição internacional promovida pelo Ministério das Relações Exteriores, que Ruy Castro cita como exemplo de franca cooptação, trazia à frente a frase "Toda canção de liberdade vem do cárcere", extraída do "Prefácio interessantíssimo" à "Pauliceia Desvairada".
O movimento modernista só poderia ter irrompido em São Paulo, pelas especificidades locais já apontadas, mas desenvolveu variantes virais poderosas em outros lugares, por contágio e irradiações recíprocas, como se vê nos livros de Manuel Bandeira, Drummond e Murilo Mendes lançados em 1930.
Os penetrantes retratos de Oswald e de Mário traçados por Pedro Nava em "Beira-mar" relembram o momento em que os paulistas chegavam a Belo Horizonte em 1924. O poema de Carlos Drummond de Andrade, "No Meio do Caminho" ("no meio do caminho tinha uma pedra"), que vale por um movimento inteiro em dez versos, sendo já a compactação madura do modernismo, também foi alvo de intensa profanação e consagração cruzadas.
Talvez porque o Brasil, "condenado ao moderno" (segundo a famosa frase de Mário Pedrosa) sem nunca chegar a sê-lo, agarre-se ao fetiche de uma imagem que nunca atinge e nunca supera, do mesmo modo como acontece com a Semana, reivindicada por campos ideológicos opostos, cultuada e apedrejada, sintoma e ídolo polêmico, pauta jornalística que retorna e repete "ad infinitum" as mesmas perguntas.
Quando Mário morreu em 1945, Drummond escreveu uma elegia ("Mário de Andrade desce aos infernos", em "A Rosa do Povo") que é, além de um depoimento afetivo profundo, o reconhecimento de que o poeta da rua Lopes Chaves encarnava a entidade Brasil e tinha se tornado um ponto crucial de ligação entre as muitas dimensões simbólicas do país.
Quem o ler há de ver que a importância nacional de Mário de Andrade não é uma invenção fraudulenta da USP nos anos 1960 e 1970 (como defende Luís Augusto Fischer), mas tinha entrado na corrente sanguínea da cultura desde muito tempo.
As obras dos autores modernistas fortes se irradiaram participando vivamente do caldo de uma cultura brasileira cujo índice inicial ficou sendo retroativamente a Semana. Mito de origem inventado a posteriori, certamente, como todos esses marcos históricos, mas que "colou" como sintoma e como promessa das possibilidades do país no século 20. Acompanhar essa irradiação diz muito mais do que a volta aos "fatos" e fofocas feita na base da marcha a ré apequenante.
De Di Cavalcanti e Anita a Tarsila, Brecheret, Cícero Dias, Portinari, ela ressoa nos artistas visuais que redesenharam a face do país. Sérgio Buarque de Hollanda faz parte disso no campo do pensamento.
'O Rei da Vela'
A obra do carioca Heitor Villa-Lobos, cuja presença em 1922 foi marcante e definidora (Fischer o omite em seu artigo sobre o modernismo nesta "Ilustríssima" para não embaraçar a tese monocórdica do paulistismo estrito do movimento), está profundamente presente em três artistas tão poderosos quanto diferentes: Tom Jobim, Glauber Rocha e Zé Celso; a música popular, o cinema e o teatro; Rio, Bahia e São Paulo.
Villa era o ídolo musical e o modelo de Tom, que dialoga expressamente com ele no disco "Matita Perê" (1973). Mesmo tendo sido o braço musical e pedagógico da política de massas do Estado Novo, com o programa do canto orfeônico, Villa-Lobos foi parar com toda a força no cinema do subdesenvolvimento de Glauber Rocha, irrigando sonoramente "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964) e "Terra em Transe" (1967), inconcebíveis sem ele.
Zé Celso concebeu o estraçalhamento de Penteu nas "Bacantes" de Eurípedes com base no extasiante coro do "Choros n. 10", conhecido como "Rasga o Coração", cujos meandros polifônicos são sustentados por todo o elenco em um verdadeiro"tour de force".
No mesmo movimento, resgata as palavras de Catulo da Paixão Cearense sobre música de Anacleto de Medeiros, que Villa-Lobos tinha tomado como referência na parte coral-sinfônica da obra, e rasga o coração da nossa dor mergulhando-a na "prismatização da luz solar" que vem da música brasileira.
Volto então a Oswald, para esclarecer um ponto crucial e urgente. Ao procurar chocar admiradores mais ingênuos de Oswald e Mário trazendo à tona facetas menos conhecidas dos dois autores em sua juventude, Ruy Castro transcreveu em sua coluna nesta Folha trechos de um artigo racista do jovem Oswald sobre o pugilista negro Jack Johnson.
O texto, que saiu em "O Pirralho" na altura de 1914, cerca de oito anos antes da Semana, é certamente um atestado da origem de classe do escritor e um comprovante dos estereótipos violentos que circulavam livremente entre os pares burgueses, naturalizando a estigmatização do negro e expressando, de quebra, o ressentimento diante de um homem preto e vencedor. O interesse histórico do documento só se completa, no entanto, quando posto em perspectiva.
Em 1937, Oswald foi convidado pela Frente Negra Brasileira a discursar em uma cerimônia de homenagem a Castro Alves, que se realizou no Theatro Municipal. Apenas dois outros brancos, além dele, foram chamados ao palco.
Em seu discurso —feito no tom solene que a circunstância exigia e na dicção de um tribuno das arcadas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que ele também era—, Oswald invoca Zumbi dos Palmares e afirma que os negros "são a vanguarda dos que pedem a justiça social". Concita a uma aliança afro-indígena com os "humilhados dos três continentes", "irmanados pela má alimentação e pela péssima moradia, pela doença e pela falta de escola" —"brancos, amarelos e índios" organizando-se "sob as bandeiras heterogêneas mas unidas da democracia".
Ressalta que cabe aos negros o protagonismo nessa luta, pois são eles que vieram do fundo tenebroso do navio negreiro e que fazem parte da "população mesclada do outro navio de escravos" que é a própria sociedade brasileira, na qual arcam com "as fornalhas do trabalho e os duros serviços da tripulação".
Suas marcas de nobreza, arrancadas "do tronco infame, das cadeias e do chicote", dão à população negra, diz ele, "direitos enormes". Em suma, afirmação da dimensão racial da luta política.
Oswald relata ainda que a Frente Negra Brasileira, "uma das mais belas organizações sociais que tivemos", era perseguida e agredida impunemente pelos "roncos" e "ameaças" dos "camisas-verdes" integralistas que, na ocasião, tomaram metade do teatro, fardados, tentando sabotar o ato.
O discurso, proferido entre vivas e vaias, constitui, segundo Oswald, "uma das maiores alegrias de [sua] vida de lutador". Naquele momento, diz ter se sentido, como nunca antes, em um lugar para além "dos salões futuristas de 22". 1
Toca-me profundamente que a imagem do navio negreiro, no discurso da Frente Negra Brasileira, lembre um trecho de "O Santeiro do Mangue", peça teatral que Oswald escrevia nessa época e que o Teatro Oficina encenou com o nome de "Mistérios Gozozos".
Mário de Andrade
A canção "Coração do Mar", que eu musiquei sobre palavras dele, faz parte dessa peça sobre a zona do mangue no Rio de Janeiro. Elza Soares a escolheu em 2015 para abrir o álbum "A Mulher do Fim do Mundo", desembocando no refrão "É o navio humano quente/ Negreiro do Mangue", que ela fez questão de cantar à capela, ostentando na voz a dor, a nudez e a força das palavras. Palavras às quais Zé Celso tinha já acrescentado, em consonância com o original: "É o navio humano quente/ Guerreiro do Mangue".
Elza não teve qualquer dificuldade para entender imediatamente a dimensão profunda dessas canções oswaldianas, ela que é a expressão total da antropofagia popular tal como Oswald a define, capaz de absorver diferentes estilos e fundi-los com amor e humor, como faz com o "Mambo da Cantareira", interpretado como se fosse uma peça de flamenco ("Elza Soares & João de Aquino"), ou "Fadas", de Luiz Melodia, como se fosse Astor Piazzola ("Do Cóccix até o Pescoço").
Gravou "Flores Horizontais", expressão da voz da mulher prostituída e violentada, também sobre texto de "Mistérios Gozozos", rasgando a voz e o coração, e me contou que seu refrão ("Com Deus me deito/ Com Deus me levanto") era uma oração íntima dos negros pobres no Brasil, que ela rezava com o pai antes de dormir.
Em suma, se você aperta Oswald de um lado, ele cresce de outro. Morreu no ostracismo em 1954, mas foi reconhecido em alto nível pelo grupo da poesia concreta e pelos músicos-poetas tropicalistas por sua poesia, seus manifestos, seus romances (o par "Miramar"/"Serafim") e seus escritos filosóficos tardios, nos quais se combinam de modo próprio Nietzsche, Freud, Marx e o pensamento selvagem.
Haroldo de Campos identificou na sua poesia a radicalidade da linguagem ligada ao "ready made", à visualidade e à síntese. Roberto Schwarz a relacionou com o "potencial materialista e rebelde da obviedade bem escolhida" que "se encontra na poética de Brecht", como já tinha sido lembrado por Haroldo, fazendo uma análise aguda do seu sentido crítico, de seus ambivalentes vínculos com a oligarquia cafeeira, e reconhecendo-a dialeticamente como "um dos momentos altos da literatura brasileira".
Oswald de Andrade
Recentemente, a antropologia de Eduardo Viveiros de Castro destacou a sua intuição surpreendente do perspectivismo ameríndio. Oswald identificou a crise da posição patriarcal no mundo contemporâneo e augurou a utopia de uma vida humana sem finalidade mercantil, à altura do seu destino e "à espera serena" da devoração do planeta pelo imperativo cósmico, sem precipitá-la em nome do lucro e sem abdicar da alegria (como Ailton Krenak).
Oswald é discutível, polêmico, anárquico e incorreto até a medula, mas a crítica não tem como negar-lhe as dimensões da grandeza e da complexidade. O negacionismo de Ruy Castro faz par com o de Lobão, quando este malha Oswald e emula Olavo de Carvalho em seu livro "Manifesto do Nada na Terra do Nunca" (com mais conhecimento de causa, aliás, e mais envolvimento na leitura do texto, mesmo que completamente equivocado, do que as avaliações puramente externas de Ruy).
Para mim, o que há de mais significativo, hoje, sobre o acontecimento em si da Semana de Arte Moderna não está contido nem na cena nem nos bastidores do Municipal, mas no poema final da "Pauliceia Desvairada", de Mário de Andrade, que se chama "As Enfibraturas do Ipiranga".
É um poema longo, meio descalibrado, escrito ainda em 1921, mas que tem o efeito de uma espécie de antevisão alucinada e sintomática, como só a poesia poderia fazer, dizendo nas linhas e nas entrelinhas aquilo que os programas explícitos não dizem. 2
Mário figura a população de São Paulo reunida no vale do Anhangabaú para cantar em coro um grande "oratório profano" com acompanhamento sinfônico. Não se trata de um coro unitário, mas de um campo conflagrado de blocos corais que se enfrentam em uma "grita descompassada", acompanhados de uma orquestra agigantada e caótica.
Entrincheirados nos terraços e janelas do Theatro Municipal estão os artistas acadêmicos, parnasianos e beletristas ("orientalismos convencionais") entoando com voz grandiloquente a marcha fúnebre da conservação universal dos costumes e dos padrões estéticos.
Com os pés no fundo do vale, assumindo a própria desafinação e a falta de ensaios, os modernistas ("juvenilidades auriverdes") deblateram uma espécie de "hino à alegria" tropical que faz pensar em uma parada gay "avant la lettre".
Não porque tematize a questão de gênero, mas porque levanta um clamor erótico no sentido mais amplo da palavra —o de Eros como expressão fusional da existência, afirmando a multiplicidade polimorfa do desejo contra o paredão conservador, refratário às linhas mutáveis da vida.
Nas sacadas elegantes do lado oposto do vale, a burguesia endinheirada ("senectudes tremulinas") exibe sua posição de privilégio apoiando de maneira caricata o bloco conservador.
Postados no viaduto do Chá, trabalhadores ("sandapilários indiferentes") assistem ao entrevero burguês e vaiam tanto os "passadistas" como os "futuristas", mais interessados na ópera (tradição importante para a cultura operária italiana) e nos sucessos da nascente música popular urbana, em que despontava o recente "Pé de Anjo", de Sinhô.
Colocando-se o embate não dentro, mas fora do teatro, a cidade é vista como aquilo que ela passava a ser: palco social explícito, anfiteatro aberto de choques. Comparecem os grupos que participaram, mas também os que não participavam do acontecimento no Municipal, fazendo parte de uma batalha campal de forças comportamentais e artísticas, encenando suas contradições gritantes.
Enquanto ricaços, apresentados como decrépitos, dão as mãos ao moralismo esteticamente reacionário, o poema não esconde que há entre modernistas e trabalhadores, mais que uma distância, uma fratura. A polêmica estética acontece dentro de um arregaço maior que engolfa classes e grupos sociais em reações díspares e autocontraditórias.
A arte erudita da cultura dominante não rege a sociedade de massas. O café com leite das oligarquias não dá mais conta da escala dos novos embates socioculturais. A própria exaltação modernista namora com a autoaniquilação decadentista.
Sob um regime de polifonia acirrada, a batalha ritual passa por um processo de fricção, fritura e fratura, rompendo-se afinal o tecido esgarçado sem que seja vencido o bloco conservador.
Recobertas pelo manto de uma "enorme vaia de assovios, zurros, patadas", as "juvenilidades auriverdes" morrem como sementes no solo do Anhangabaú, augurando-se sua utópica redenção futura em um tempo mais propício.
Mário passava longe, como se vê, de uma previsão eufórica e triunfante sobre o destino do movimento modernista. Trata-se de uma encenação dramática e francamente problemática da instauração do moderno no Brasil, não só do ponto de vista artístico, mas do ponto de vista social e político, enquanto abertura a uma sociedade complexa e desigual cuja crise Mário pensou sanar depois com o resgate da cultura popular e, mais tarde ainda, com uma agônica adesão à arte engajada.
O poema de 1921 é um índice convulsionado da funda dificuldade de mudança que nele se constata e anuncia. Não deixa de nos soar estranhamente atual a presença de uma agressiva e empedernida ação antimoderna acumpliciada com a casta empresarial, como se já assistíssemos, cem anos antes, à dança de Damares com faria limers.
A face luminosa dessa atualidade encontra-se no emblemático show de Emicida no Theatro Municipal de São Paulo em 2020, que costura a matéria documental e artística do filme "AmarElo – É Tudo pra Ontem" (disponível na Netflix). O espetáculo é uma assumida profanação (enquanto ocupação do espaço interdito, tomando-o para usufruto dos excluídos), ao mesmo tempo que uma consagração do espaço público destinado a todos.
Emicida dialoga diretamente com a Semana de Arte Moderna, elege uma epígrafe de Mário de Andrade ("nosso modernista favorito"), homenageia a antropofagia oswaldiana ("só o que é do outro me interessa") e mostra o quanto o Theatro Municipal e o vale do Anhangabaú permaneceram ao longo do tempo como o eixo de referência das pulsações culturais da cidade para os invisibilizados e postos à margem.
Resgatando as enfibraturas históricas da negritude em São Paulo, chama a atenção para o fato de o MNU (Movimento Negro Unificado) ter elegido as escadarias frontais do Municipal como espaço de suas manifestações históricas, em 1978, e como as batalhas de ritmo e poesia do movimento hip-hop escolheram o largo São Bento como seu território, homenageando o escravizado-arquiteto Tebas, construtor de igrejas no século 19.
"AmarElo" resgata, assim, um arco de tempos e espaços contendo múltiplas manifestações políticas e criativas, individuais e coletivas, de modo a construir, a partir das periferias, uma inesperada ponte sobre a fenda, apontando para o Anhangabaú.
Se há algum lugar onde se cumpre o desejo adormecido no sonho convulsionado e inconcluso do poema final da "Pauliceia", para além de si mesmo, não é nas frenéticas comemorações da Semana, mas nesse acontecimento.
A força e a fraqueza do grande arco da cultura moderna no Brasil, que vai dos anos 1920 aos 1960, consiste na aliança entre o erudito e o popular com base na mediação da classe média. Esse arco poderoso incluiu a literatura, as artes visuais, a música de concerto e chegou à MPB e ao cinema novo, apontando para um salto social que a ditadura interrompeu.
Acontecimento decisivo no campo cultural mais recente é a emergência de um sujeito periférico que se encarrega das próprias mediações, a começar do "Sobrevivendo no Inferno", dos Racionais MC’s, em 1997. Emicida leva adiante essa chama. Sabe das diferenças com os modernistas, mas não abre mão da grandeza inspiradora de quem acrescenta mundos ao mundo.
Oswald de Andrade distinguia a alta e a baixa antropofagia. A alta antropofagia reside basicamente na capacidade de "ser outro" ao reconhecer o outro em si (trata-se de uma operação de rigor que não se confunde com a indiferenciação do consumo onívoro nem com o ato de comer e "vomitar" influências).
Já a baixa antropofagia, ele resumiu, no "Manifesto Antropófago", em quatro palavras: inveja, usura, calúnia e assassinato. Não é difícil reconhecer essas forças nefastas no panorama atual, na forma da cultura do ressentimento (inveja), do liberalismo oportunista (usura), das fake news (calúnia) e da necropolítica ostensiva (assassinato).
O assassinato de Moïse Mugenyi Kabagambe é a evidenciação horrenda da baixa antropofagia dada em espetáculo dantesco —a consumação do Brasil como o cu do mundo arreganhado e à mostra. "A mais triste nação/ Na época mais podre/ Compõe-se de [...]/ Grupos de linchadores", diz a canção de Caetano Veloso ("O Cu do Mundo").
Por uma ironia cruel, alegórica e quase surrealista, o quiosque em que Moïse foi morto se chama Tropicália. Tropicália, além de nos remeter a Caetano e a Hélio Oiticica, associa-se a Oswald e, em um passo, estamos de volta ao espectro da Semana de Arte Moderna, na encruzilhada entre o século 20 e o 21.
Trata-se de transformar o horror em totem. Marcar e venerar o lugar de Moïse. Revirar e reexistir. Tornar inadmissível a normalização do inadmissível. Rasgar o coração, banhar a imensidão do nosso penar na prismatização da luz solar.
Em 2022, o Brasil está espremido entre a alta e a baixa antropofagia. Eis a questão.
[1] O discurso foi transcrito por Oswald em sua coluna "Banho de sol", publicada no periódico Meio Dia, em 14/03/1939, com o título "Comemorando Castro Alves". Encontra-se na antologia do jornalismo oswaldiano organizada por Vera Maria Chalmers e publicada com o nome de "Telefonema" (Civilização Brasileira, 1974, p. 56-57). Já a narrativa do ato encontra-se em "Sobre Castro Alves", publicada em 30/03/1944 no Correio da Manhã, e recolhida em edição posterior de "Telefonema", organizada também por Chalmers (Globo, 2007, p. 114-116).
[2] Desenvolvo o argumento em "A República Musical Modernista", publicado em Gênese Andrade, (org,), Modernismos 1922-2022 (Companhia das Letras, 2022, p. 170-195).
*José Miguel Wisnik é professor sênior de literatura brasileira na USP, ensaísta e compositor, é autor, entre outros, dos livros “Maquinação do Mundo” (2018) e “Veneno Remédio” (2008)
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/02/semana-de-22-ainda-diz-muito-sobre-a-grandeza-e-a-barbarie-do-brasil-de-hoje.shtml
Plataformas demoram a reagir a alertas, e fake news seguem em expansão nas redes
Marlen Couto e Lucas Mathias / O Globo
Em meio à pressão para barrar a circulação de notícias falsas, plataformas de redes sociais disponibilizaram ferramentas que permitem aos usuários denunciar as publicações, mas a demora na reação tem permitido que as mensagens sigam no ar, sem avisos sobre o teor enganoso — e ganhando impulso mesmo depois das comunicações. O GLOBO testou os mecanismos criados por Facebook, Instagram e Twitter em 20 postagens com desinformação sobre saúde e política, entre 26 de janeiro e 3 de fevereiro. As redes agiram até as 18h de sexta-feira com rótulos de mensagem enganosa ou remoção de conteúdo em apenas quatro casos — em um deles, após a identificação de que se tratava de uma reportagem.
Entrevista: ‘Bolsonaro facilitou a vida das milícias digitais’, diz Barroso
Os outros 16 posts seguem no ar, sem qualquer alerta. Nesse grupo, sete receberam links para sites de instituições ligadas aos temas citados, como o Ministério da Saúde e a Justiça Eleitoral, e textos reforçando a segurança de vacinas, mas sem afirmar que são conteúdos desinformativos.
Entre as publicações que permanecem online, sem selos de mensagem enganosa, estão conteúdos dos deputados federais Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP) e Filipe Barros (PSL-PR) e do ex-senador Magno Malta. Na maioria das postagens, são lançadas dúvidas sobre a eficácia de vacinas contra o coronavírus — há também associações falsas entre a aplicação do imunizante, mortes e efeitos colaterais.
Em um dos casos, por exemplo, Bia Kicis usa um site americano que se apresenta como conservador para divulgar dados sobre “doenças graves” decorrentes da vacina — cientistas são unânimes em afirmar que a imunização contra a Covid-19 é segura. Já Carla Zambelli afirma que tem “imunidade maior” do que a conferida por vacinas — também há consenso entre pesquisadores de que o meio mais eficaz para conquistar imunidade é receber as doses.
No caso de Filipe Barros, as postagens são relacionadas às urnas eletrônicas. Em quatro delas, três no Twitter e uma no Facebook, há afirmações de que a votação no Brasil não é confiável e de que as urnas eletrônicas não são auditáveis, o que já foi diversas vezes rebatido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Professor de Estudos de Mídia da Universidade da Virginia e de Harvard, nos Estados Unidos, o pesquisador David Nemer avalia que não há transparência e critério claro sobre quais conteúdos devem ou não ser alvo de ações das redes. Ele defende que as plataformas identifiquem e atuem com foco em perfis centrais na cadeia de desinformação:
— Campanhas de desinformação são lideradas por poucas contas. Quando o Donald Trump perdeu a eleição, e houve disseminação sobre fraudes, uma dezena de contas liderava a campanha. Uma vez removidas, a desinformação caiu bastante. Não é preciso remover todas as contas, mas identificar quais são os hubs de desinformação. Isso qualquer rede consegue, mas não acontece porque são contas que geram engajamento, e engajamento é dinheiro para as redes sociais.
Estudo: Facebook teve média de 888 postagens por dia sobre fraude nas urnas eletrônicas em 15 meses
Fundadora e coordenadora do NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ, Rose Marie Santini ressalta que as plataformas têm se esquivado de atuar especialmente contra perfis de “parlamentares, celebridades e famosos”, figuras que movimentam os debates nas redes. A especialista também questiona a demora no tempo de resposta das plataformas e o impacto que isso pode causar, por exemplo, no cenário eleitoral.
— É gravíssimo. Sabemos, por estudos históricos, que o voto é decidido nos últimos dias para a maioria dos eleitores indecisos. Se uma fake news é disseminada dois dias antes da votação, pode alterar o resultado, com esses indecisos. O tempo de resposta é completamente insatisfatório.
Impulso pós-alerta
O Facebook incluiu um selo de mensagem parcialmente enganosa em uma postagem em que Bia Kicis compartilhou um vídeo de um homem que se diz inventor das vacinas de mRNA e afirma que elas não estão funcionando, conteúdo já classificado como falso por serviços de checagem. A postagem foi denunciada pelo GLOBO no dia 26 de janeiro. Após o alerta, a publicação somou mais 7 mil compartilhamentos e 9,1 mil curtidas, além de totalizar 110 mil visualizações de vídeo.
A plataforma também incluiu um selo de mensagem “parcialmente falsa” em um vídeo em que Magno Malta lança dúvidas sobre a segurança de vacinas contra a Covid-19 em crianças. O post foi denunciado pelo GLOBO no dia 1º de fevereiro, mas só recebeu o selo dez dias depois, na sexta-feira, quando o Facebook já sabia que o aviso era parte do teste para a reportagem. Até a denúncia, o vídeo contava com 74 mil visualizações, e ainda somou mais 71 mil depois do aviso, chegando a a 145 mil.
No Instagram, o vídeo teve mais 69,7 mil visualizações após a denúncia, mas não recebeu o mesmo selo de mensagem “parcialmente falsa”. A plataforma incluiu na parte inferior uma mensagem em que afirma que as vacinas passam por vários testes de segurança e eficácia.
Já o Twitter suspendeu a conta da médica infectologista Roberta Lacerda. O GLOBO denunciou no dia 2 de fevereiro uma postagem da conta com um link em que se dizia que a vacina contra a Covid-19 é experimental e ineficaz. No dia seguinte, o perfil não estava mais no ar. O Twitter também incluiu um selo de mensagem enganosa em uma postagem da revista “Oeste” com a afirmação falsa de que, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão de saúde dos Estados Unidos, haveria 12 mil mortes relacionadas a vacinas contra a Covid-19. Em nota, a revista afirmou que a reportagem é fruto de “apuração jornalística”, não configura desinformação e não é enganosa.
"Sem papel de arbitrar”
A Meta, controladora do Facebook e do Instagram, informou que conta com parceiros independentes para a verificação de fatos, mas que não envia conteúdo de políticos eleitos para a revisão, caso da maioria das postagens denunciadas pelo GLOBO. “Não acreditamos que seja nosso papel arbitrar debates políticos e impedir que o discurso de um representante eleito chegue ao seu público e seja alvo de amplo debate e escrutínio”, destacou. A Meta afirmou que não permite “desinformação grave sobre Covid-19 que possa colocar a vida das pessoas em risco”.
O Twitter afirmou em nota que, como informado no anúncio do teste de denúncia de desinformação, feito em janeiro, pode “não avaliar todas as denúncias e não responder a cada uma delas, uma vez que o objetivo do experimento é ajudar a identificar novas narrativas e aprimorar os esforços de enfrentamento à desinformação”.
Integrante da Coalizão Direitos na Rede e representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet (CGI), Bia Barbosa defende uma discussão mais ampla sobre a formulação das regras apresentadas pelas plataformas:
— Trata-se de uma seara que não é só a discussão sobre se as redes estão aplicando as regras ou não, mas sobre quais regras deveriam existir e sobre em que espaços essas políticas e diretrizes da comunidade são definidas, para que isso não seja uma discricionariedade só dessas empresas. Elas já são bastante poderosas em relação à definição do fluxo de conteúdo na rede.
Os deputados Bia Kicis, Filipe Barros e Carla Zambelli não retornaram aos pedidos de posicionamento. O ex-senador Magno Malta não foi encontrado.
Veja algumas das postagens denunciadas
Conteúdo: A deputada compartilhou um vídeo em que um homem que se apresenta como Robert Malone e se diz inventor das vacinas de mRNA a!rma que os imunizantes não estão funcionando e não são completamente seguros
Ação da rede: O Facebook incluiu selo de “informação parcialmente falsa”
Impacto: Quando o GLOBO fez a denúncia, a postagem registrava 4,9 mil compartilhamentos e 6,9 mil curtidas. Em seguida, somou mais 7 mil compartilhamentos e 9,1 mil curtidas, além de totalizar 110 mil visualizações de vídeo
Conteúdo: O ex-senador defende, em um vídeo, que crianças não devem ser vacinadas contra Covid-19 e lança dúvidas sobre a segurança dos imunizantes
Ação da rede: Após contato do GLOBO, o Facebook incluiu selo de mensagem parcialmente falsa dez dias depois da denúncia. Já o Instagram não incluiu selo para o mesmo conteúdo
Impacto: Até a denúncia do GLOBO o vídeo contava com 74 mil visualizações no Facebook. Em seguida, somou mais 71 mil, chegando a 145 mil visualizações. No Instagram, o vídeo teve mais 69,7 mil visualizações após a denúncia
Conteúdo: O deputado compartilhou um vídeo de uma entrevista em que se afirma que as urnas eletrônicas não são auditáveis
Ação da rede: A postagem continuou no ar e não foi incluído selo de desinformação
Impacto: Até a denúncia do GLOBO, o vídeo somava 2,2 mil visualizações no Facebook. Em seguida, chegou a registrar 104 mil
Conteúdo: A postagem diz que, segundo o CDC dos EUA, há 12 mil mortes relacionadas a vacinas contra Covid-19
Ação da rede: A publicação recebeu selo de mensagem enganosa
Impacto: O número de curtidas e compartilhamentos não ficou mais disponível após a ação da rede
Conteúdo: Reproduz vídeo em que se afirma que há 21 mil casos de miocardite nos EUA causados pelas vacinas
Ação da rede: A postagem continuou no ar e não foi incluído selo de desinformação
Impacto: O vídeo teve mais 6 mil visualizações após denúncia do GLOBO
Conteúdo: Deputada compartilhou mensagem que afirma que dados de levantamento na base militar dos EUA registram aumento de condições médicas adversas relacionadas à vacinação contra Covid-19
Ação da rede: A postagem continuou no ar e não foi incluído selo de desinformação
Impacto: A postagem recebeu mais 4 mil curtidas após a denúncia do GLOBO
‘Bolsonaro facilitou a vida das milícias digitais’, diz Barroso
Mariana Muniz / O Globo
BRASÍLIA — Ao longo de um ano e nove meses à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso teve de conviver com ataques do presidente Jair Bolsonaro à confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e com insinuações, menos ou mais explícitas, de que poderia não respeitar uma derrota nas urnas. Para o ministro, as investidas do titular do Planalto contra as urnas eletrônicas revelam “limitações cognitivas e baixa civilidade”, enquanto favorecem a atuação de milícias digitais — uma relação investigada pela Polícia Federal. O ministro afirma que Bolsonaro facilitou a vida desses grupos ao divulgar dados sigilosos do inquérito que apurava um ataque hacker à Corte.
Antes de passar o bastão ao seu colega Edson Fachin no próximo dia 22, Barroso avalia que a suspensão do aplicativo de mensagens Telegram é uma medida viável durante as eleições deste ano. A plataforma, criada por russos e com sede em Dubai, tem ignorado as tentativas de notificação feitas pelo TSE para cooperar no combate à desinformação. Ao GLOBO, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) afirma que “o Brasil não é casa da sogra para ter aplicativos que façam apologia ao nazismo, ao terrorismo, que vendam armas ou que sejam sede de ataques à democracia”.
É realmente viável a possibilidade de o Telegram ser banido do Brasil?
Nenhum ator relevante no processo eleitoral pode atuar no país sem que esteja sujeito à legislação e a determinações da Justiça brasileira. Isso vale para qualquer plataforma. O Brasil não é casa da sogra para ter aplicativos que façam apologia ao nazismo, ao terrorismo, que vendam armas ou que sejam sede de ataques à democracia que a nossa geração lutou tanto para construir. Como já se fez em outras partes do mundo, eu penso que uma plataforma, qualquer que seja, que não queira se submeter às leis brasileiras deva ser simplesmente suspensa. Na minha casa, entra quem eu quero e quem cumpre as minhas regras.
Esse é um papel do TSE?
Eu penso que essa é uma decisão que preferencialmente cabe ao Congresso, onde já há um projeto de lei específico dizendo que, para operarem aqui, as plataformas têm de ter um representante específico e se subordinar à legislação brasileira. É simples assim. Conversei pessoalmente com o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto (das fake news), e enfatizei a importância de que qualquer plataforma que opere no Brasil tenha representação aqui.
Na ausência de uma ação do Congresso, o TSE pode adotar alguma medida em relação ao Telegram?
De modo geral, o Poder Judiciário não age de ofício, sem que haja uma provocação adequada. Acho muito possível que este pedido venha em alguma demanda ou perante o TSE ou o Supremo. Nesse caso, o tribunal não pode deixar de decidi-la por supostamente inexistir uma lei específica. Portanto, teremos que decidir, na forma da Constituição e das leis, se alguém pode operar no Brasil fora da lei.
Como o senhor responde às críticas de que eventual suspensão do aplicativo afetaria a liberdade de expressão?
Liberdade de expressão não é liberdade para vender arma. Não é liberdade para propagar terrorismo, para apologia ao nazismo. Não é ser um espaço para que marginais ataquem a democracia. Portanto, ninguém quer censurar plataforma alguma, mas há manifestações que não são legítimas. É justamente para preservar a democracia que não queremos que estejam aqui livremente plataformas que querem destruir a democracia e a liberdade de expressão.
Na última quinta-feira, Bolsonaro voltou a lançar dúvidas sobre a transparência das eleições e, sem apresentar provas, disse que foram levantadas supostas “vulnerabilidades” do sistema eleitoral. Como lidar com esses novos ataques?
O presidente tinha dado a palavra de que esse assunto estava encerrado. Chegou a elogiar o sistema de votação eletrônico brasileiro. O filme é repetido, com um mau roteiro. Não há nenhuma razão para assistir à reprise. Antes, o presidente dizia que tinha provas de fraude. Intimado a apresentá-las, (ficou claro que) não havia coisa alguma. Essa é uma retórica repetida. É apenas um discurso vazio.
O presidente declarou que as Forças Armadas questionaram o TSE sobre supostas vulnerabilidades no sistema eleitoral. O que ocorreu?
O que há de minimamente verdadeiro: há um representante das Forças Armadas na Comissão de Transparência das Eleições. Em dezembro, ele apresentou uma série de perguntas para entender como funciona o sistema. Elas entraram às vésperas do recesso. Em janeiro, boa parte da área técnica do TSE faz uma pausa, e agora as informações solicitadas estão sendo prestadas e vão ser entregues na semana que vem. Só tem perguntas. Não há nenhum comentário. Não falam de vulnerabilidade. Quando o presidente diz que encontraram vulnerabilidades antes mesmo de receber as respostas às indagações, ele está adiantando, desavisadamente, a estratégia que ele pretende adotar. Para falar a verdade, ele queimou a largada. Ele lança mão dos questionamentos feitos pelo representante das Forças Armadas, quando, na verdade, tudo o que foi feito foram algumas perguntas e, antes de ter recebido as respostas, já disse que tem vulnerabilidades. Ele antecipou a estratégia dele, que é: não importa quais sejam as respostas, eu vou dizer que o sistema eleitoral eletrônico tem vulnerabilidades. Ele não precisa de fatos, a mentira já está pronta.
Na abertura do ano Judiciário no TSE, o senhor disse que o presidente da República vazou a estrutura interna da área de Tecnologia da Informação da Corte. Na prática, Bolsonaro cometeu crime?
Eu não tenho que julgar. Eu me referi ao relatório da delegada que conduz o inquérito e que tem uma opinião que merece ser respeitada. A delegada tem estabilidade. E isso dá o tom do que de fato aconteceu. Ainda na gestão anterior do TSE, houve uma tentativa de invasão (do sistema). Foi instaurado um procedimento sigiloso no TSE, um inquérito sigiloso na Polícia Federal no qual foram requeridas informações sensíveis sobre a arquitetura interna do TSE e esse material foi colocado na rede social do presidente. O presidente facilitou a vida das milícias digitais.
É possível que tenhamos uma das eleições presidenciais mais acirradas desde a redemocratização. O senhor tem algum temor?
O TSE assegurará eleições livres, limpas e seguras. A polarização existe em todo o mundo. E a democracia tem lugar para liberais, para progressistas e para conservadores. Ela só não tem lugar para os que querem destruí-la. Acho que já superamos os ciclos do atraso, e não acho que haja risco de retrocesso, apesar de termos tido alguns maus momentos recentes.
Quais foram?
Comício do presidente na porta do quartel-general do Exército, tanques na Praça dos Três Poderes, a minguada manifestação do 7 de setembro com discursos golpistas de desrespeito a decisões judiciais e ataques a ministros. Tudo isso eu acho que mais revela limitações cognitivas e baixa civilidade do que propriamente um risco real.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/entrevista-bolsonaro-facilitou-vida-das-milicias-digitais-diz-barroso-25392162
Narrativa nazista contamina discurso político no país
Cristiane Noberto e Tainá Andrade / Correio Braziliense
Na última semana, a internet se deparou com influenciadores digitais famosos colaborando com ideias antissemitas disfarçadas de liberdade de expressão. O tema movimentou a pauta política e mobilizou as redes sociais. O Correio ouviu especialistas e parlamentares para desmistificar o assunto e o que pode acontecer com quem colabora com esse tipo de pensamento.
Na segunda-feira (7), o ex-apresentador do Flow Podcast, Bruno Monteiro Aiub, conhecido como Monark, defendeu que não há nada de errado em perseguir judeus. "Eu acho que tinha que ter o partido nazista reconhecido por lei. [...] A questão é: se o cara quiser ser um antijudeu, eu acho que ele tinha o direito de ser." Na ocasião, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) também criticou a criminalização de ideologia nazista na Alemanha. Na terça (8), o comentarista político Adrilles Jorge encerrou sua participação no programa Opinião com um gesto associado a uma saudação nazista. Ambos influenciadores foram desligados dos canais.
Outro episódio foi reportado à delegacia regional de Polícia Civil de Divinópolis (MG), na quinta (10). Enquanto era realizada a Primeira Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial, indivíduos invadiram o debate e projetaram símbolos visuais e textuais nazistas.
As manifestações movimentaram a agenda política. Na quinta, o Senado Federal promoveu sessão solene para homenagear e relembrar as vítimas do holocausto e realizar a cerimônia do Yom HaShoá, conhecido como Dia da Lembrança do Holocausto. Um dia antes, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) enviou à casa um PL para criminalizar condutas associadas à promoção do nazismo e do fascismo. Simone Tebet (MDB-MS) também protocolou o projeto que pretende suprir a ausência da criminalização ao que se refere ao nazismo, por meio da Lei Antirracismo.
Na justificativa, a parlamentar lembrou que países como Bélgica, Alemanha, Itália, Grécia e Áustria, entre outros, criminalizaram a negação do holocausto. "O mote de tais grupos é propagar e alimentar discursos de ódio relacionados à misoginia ou ao antissemitismo, bem como contra negros ou integrantes do grupo LGBTQIAP , entre outros. Por perceber que há uma lacuna legal para o tipo específico do crime, com reclusão de 3 a 6 anos", explicou a senadora.
Procurado pelo Correio, o líder do PL no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), repudiou o tema, mas não se manifestou sobre as ações dos colegas. "Meu maior repúdio e silêncio absoluto sobre esse tema. Por respeito aos judeus e às minorias, o assunto merece toda a minha rejeição. Que a justiça trate daqueles que desconhecem a história", lamentou.
Discurso de ódio
Na avaliação de especialistas, desde que Jair Bolsonaro (PL) assumiu a Presidência da República, cresceu o discurso de ódio no país. Camilo Onoda Caldas, diretor do Instituto Luiz Gama, aponta que o movimento neonazista cresceu 270% nos últimos três anos no mundo.
"Esse tema volta à tona nas redes sociais de dois modos. Primeiro, porque existem, sim, pessoas e grupos que apoiam ou simpatizam com esses ideais em maior ou menor grau. Portanto, se aproveitam de episódios (como os da semana anterior) para trazer à tona essa ideologia. Segundo, porque algumas pessoas, sob o pretexto de defender uma liberdade de expressão ilimitada, algo que não existe em lugar nenhum do mundo, acham que seria justo as pessoas terem o direito de defenderem os ideais nazistas, ou então, acham que seria melhor descriminalizar o nazismo ou os partidos políticos alinhados com essa ideologia", explicou.
A professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Débora Messenberg atribui a força que o discurso de ódio ganha a um programa orquestrado pela extrema direita, que tenta colocar, "no mesmo plano", nazismo e comunismo. Porém, ressalta a especialista, a principal diferença é que o comunismo não propaga a eliminação de um grupo, por isso se torna "uma distorção da realidade para confundir. Quem adere é quem não tem interesse crítico no assunto", concluiu.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/02/4984877-narrativa-nazista-contamina-discurso-politico-no-pais.html
Luiz Carlos Azedo: Encontro de Bolsonaro com Putin é o centro das atenções mundiais
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Como acontece com algumas palavras do nosso vocabulário, a palavra obrigado em russo tem vários significados. “Spassibo” se pronuncia com a tônica na segunda sílaba e o “a” no lugar do “o”: spa-ssí-ba. Sua origem é a expressão “spassi bog”, do eslavo antigo, que significa “Deus o salve”. Entre os internautas russos, foi abreviada para “spassib”; na comunidade LGBT , “passib”. É uma palavra muito usada para agradecer, mas também pode ter outros significados, como em “skaji spasibo”, usado para dizer que uma pessoa é mal-agradecida.
Os russos podem ser rudes na forma de falar obrigado: “Spasibo v karman ne polojich”, isto é, “você não pode colocar obrigado no bolso”. Ou extremamente agradecidos: “Spassibo ogromnoe” é literalmente um “enorme obrigado”. Essa expressão é usada quando alguém realmente fez um favor ou ajudou muito. Prestemos muita atenção, pois, na forma como o presidente Vladimir Putin agradecerá a visita do presidente Jair Bolsonaro, que viaja amanhã para a Rússia.
Bolsonaro está indo para o olho do furacão da conjuntura política mundial. O conflito da Ucrânia exumou a “guerra fria” e corre o risco de virar guerra quente, se Putin realmente decidir invadir a Ucrânia, o que pode ocorrer a qualquer momento, segundo o alarmismo dos serviços de inteligência norte-americano e britânico. Seus dois encontros com Putin — uma reunião bilateral e um almoço entre os dois chefes de Estado — foram marcados antes da escalada do conflito, com foco nas relações comerciais, principalmente a exportação de carne e a compra de fertilizantes. O contexto, porém, mudou completamente, devido à dimensão geopolítica envolvida na relação Brasil-Rússia.
Houve momentos na História do Brasil em que essas relações estiveram no centro da nossa política nacional. O primeiro foi em 1935, quando Luís Carlos Prestes, líder da Aliança Nacional Libertadora (ANL), tentou tomar o poder; o segundo, em 1964, quando o líder comunista articulava a reeleição de João Goulart. A aproximação do presidente brasileiro com o então premiê da União Soviética, Nikita Kruschov, corroborada pela visita do astronauta Yuri Gagárin e a exposição soviética no Rio de Janeiro, serviria como um dos pretextos para o golpe militar.
A Federação Russa não tem um regime comunista, porém, em termos geopolíticos, seus interesses estratégicos são os mesmos da velha Rússia czarista e da antiga União Soviética. Após a derrubada do Muro de Berlim, frustraram-se as aspirações russas de ingressar na União Europeia, enquanto a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pelos Estados Unidos e a Inglaterra, avançou em direção às antigas repúblicas do Leste Europeu.
A contrapartida foi a guinada nacionalista de Putin e sua deriva autoritária, a partir de uma aliança com os militares e a Igreja Ortodoxa, o controle do Judiciário, do setor energético e dos meios de comunicação. Quando assumiu o poder, Putin não tinha uma estratégia clara, encontrou um país em profunda crise econômica, desagregação e em meio ao caos social. Ergueu a bandeira da ordem e, com ela, governa há quase 22 anos. O outro lado dessa moeda é que a Rússia se tornou uma “democracia iliberal”.
Há muito mais convergências políticas e ideológicas entre Bolsonaro e Putin do que as aparências, mas os interesses geopolíticos do Brasil e da Rússia são muito diferentes. Geopolítica é um dos pilares de qualquer política de Estado. A crise da Ucrânia empurra a Rússia para uma aliança militar com a China, porque aquela ex-república soviética pode se transformar numa nova Taiwan.
Passo em falso
Na história da Rússia, a Ucrânia sempre foi um corredor de acesso para os invasores europeus, foi assim com Carlos XII da Suécia, Napoleão Bonaparte (França) e Adolfo Hitler (Alemanha). Da França a Moscou, não existe nenhuma barreira natural que facilite a defesa russa, como a Sibéria e os Montes Urais, a não ser a profundidade do seu território e o inverno. Com a entrada da Ucrânia na Otan, essa vantagem seria anulada, porque a distancia entre Kiev e a capital russa são apenas 860km, percurso que pode ser feito em menos de 11 horas.
A expansão da Otan para a Ucrânia, em contrapartida, é um esforço dos Estados Unidos e da Inglaterra para conter o declínio da hegemonia de uma aliança ameaçada pela transformação da China na grande potência econômica que é hoje. Com o deslocamento do eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico, as necessidades logísticas da Rússia são outro fator de sua aproximação com a China, ainda mais quando o arranjo econômico que a une aos países da Europa central está sendo colocado sob esse forte estresse da crise da Ucrânia.
O que Bolsonaro fará na Rússia? Em termos geopolíticos, o Brasil é um país do Ocidente, historicamente ligado à Europa e aos Estados Unidos, muito embora hoje nosso principal parceiro comercial seja a China. Por razões ideológicas, Bolsonaro tem mais identidade com líderes autoritários, como o ex-presidente Donald Trump, um amigo de Putin, e Viktor Orban, primeiro-ministro da Hungria. Mas será um grande passo em falso se aproximar de Putin quanto à questão ucraniana, ou seja, para além dos nossos mútuos interesses comerciais, no momento em que o eixo da conjuntura é uma ameaça de guerra. Nossa tradição diplomática é a defesa da paz e da solução negociada dos conflitos. Esse é o caminho a seguir.
Transição para baixo carbono tem mais oportunidades no Brasil
Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP
O Brasil talvez seja o único país do mundo onde a transição para o baixo carbono apresenta muito mais oportunidades a menor custo. “País onde a matriz energética pode ser 100% renovável ao menor custo. Temos todas as chances de sermos os primeiros do mundo em biomassa, com uma inserção privilegiada na economia mundial”, diz a obra Sustentabilidade: os desafios do Brasil no Século XXI, que está à venda na internet.
Dedicada exclusivamente ao tema da sustentabilidade, a nova edição temática da revista Política Democrática, editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), será lançada no dia 16 de fevereiro, às 18 horas, durante evento online, com participação dos autores. A transmissão será realizada no portal e nas redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade.
Soluções sinérgicas
“A crise ecológica que a humanidade conhece desde o século passado tem duas faces mais visíveis, a climática e a da biodiversidade, com soluções sinérgicas, pois estão intrinsecamente articuladas”, destaca um trecho da revista temática.
A revista pondera, por outro lado, que essa situação já provoca preocupação em alguns países. “Essa crise, que aos poucos se transforma em uma crise civilizacional, é acompanhada de um crescente amor ao meio ambiente e valorização da natureza, ingrediente já presente nos processos eleitorais dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, como o Brasil”, destaca.
"Precificar carbono"
Na avaliação dos autores, a crise é grave, sobretudo para as populações mais socialmente vulneráveis, e injusta, pois são os ricos os menos afetados e os maiores poluidores. “Sua gravidade é de tal monta que já não se visualiza uma ‘aterrissagem suave’ do mundo dos fósseis”, observa a revista.
“A única solução é precificar o carbono de modo a incentivar investimentos e inovações de baixo carbono. Enganam-se os que pensam que se trata de um problema para as próximas gerações, pois cerca de 2,8 bilhões dos humanos, que atualmente habitam a Terra, estarão vivos em 2100”, diz a obra.
Combate ao aquecimento global, urgência da bioeconomia na Amazônia com redução do desmatamento, a importância da segurança hídrica e a relevância do engajamento da juventude na luta ambiental também estão entre os assuntos discutidos na nova obra da FAP. A publicação é composta por 21 artigos, organizados em nove partes.
Dois dos artigos fogem ao padrão habitual: uma entrevista com o ex-prefeito de Vitória do Espírito Santo, Luciano Rezende, e a transcrição de um debate entre sete ex-ministros do Meio Ambiente do Brasil, promovido por 10 fundações de partidos democráticos brasileiros.
Temas relevantes
Em suas seções, a revista temática aborda temas relevantes ao campo da sustentabilidade, como a mudança climática e o debate em torno da noção da sustentabilidade. Diversos temas desafiantes são tratados com precisão, como da Amazônia, cidade, água e energia. Discute-se, ainda, o gargalo da governança ambiental, a questão da utopia e a da transição.
“Uma das partes mais importantes da revista é sobre o ativismo ambiental dos jovens, o personagem central na superação da crise ecológica. São atores extraordinariamente ativos na COP26, pois cada vez mais sabem que as decisões tomadas nestas reuniões rebaterão sobre suas vidas, sobretudo que, sendo uma geração centenária, estarão presentes em 2100”, dizem os organizadores.
Henrique Brandão: Quem é da folia já fez sua parte
Se estivéssemos em um ano normal, o Brasil e o Rio de Janeiro, em particular, estariam “esquentando os tamborins” para o Carnaval: os barracões da Cidade do Samba a mil, os blocos de rua a pleno vapor, os sambas tocando nas rádios, a Passarela do Samba ganhando os retoques finais. Eu mesmo, fundador e organizador do “Simpatia É Quase Amor”, nesta época estaria percorrendo a região da Saara em busca de novidades para compor minha fantasia.
Mas não é o que está acontecendo. O Carnaval, de novo, teve de ceder diante do recrudescimento da pandemia da Covid. Assim como em 2021, neste ano também não haverá folia nas ruas cariocas e tampouco no Sambódromo. Pelo menos não na data tradicional a que estamos habituados, prevista para ocorrer sempre em torno de 40 dias antes da Páscoa, conforme a tradição católica, consolidada no calendário gregoriano (1573), que rege a vida no Ocidente até hoje.
Foi tudo adiado. O Carnaval dos blocos de rua ficou para o ano que vem. Os desfiles das escolas de samba serão realizados quase dois meses depois da data oficial, no feriado de Tiradentes, em dia 21 de abril.
A data, pelo menos, tem alguma coisa a ver com os desfiles das escolas. Joaquim José da Silva Xavier – o nome de batismo de Tiradentes – talvez seja a personalidade histórica nacional mais abordada em enredos. Vale lembrar que um dos melhores sambas-enredos de todos os tempos, “Exaltação a Tiradentes”, de autoria de Mano Décio da Viola, Estanisláu Silva e Penteado, rendeu o bicampeonato ao Império Serrano, em 1949.
No ano passado, estava todo mundo recolhido em casa, aguardando que a fabricação dos antídotos contra o coronavírus pudesse nos restituir à vida normal. O cancelamento do Carnaval foi recebido como algo necessário, e todo mundo ligado à folia – blocos, bandas, escolas – acatou sem mais delongas a urgência do momento e recuou diante do agravamento da situação.
De lá para cá, num esforço admirável da ciência, que mobilizou mundos e muitos fundos, as vacinas chegaram, e o quadro começou a mudar. Aqui, no Brasil, não mudou tão rapidamente como seria possível, devido ao negacionismo e à política do governo federal na condução do combate à pandemia, responsável por milhares de mortes evitáveis, conforme consta do relatório final da CPI da Covid.
Tudo levava a crer que o Carnaval deste ano seria o da retomada. Iríamos fazer uma festa que valesse por duas, como ocorreu em 1919, o primeiro carnaval depois da Gripe Espanhola – e que também foi o primeiro desfile do “Cordão da Bola Preta”, a mais antiga agremiação do carnaval carioca.
Mas, não. A Ômicron, como foi chamada a nova cepa do vírus, tomou o mundo de forma avassaladora. Em poucos meses, as taxas de contaminação subiram, o otimismo deu lugar à perplexidade, o medo voltou a imperar. A boa notícia é que as taxas de mortalidades não dispararam, graças às vacinas. No entanto, alertaram os cientistas e as entidades científicas, ainda é preciso manter a guarda alta.
Foi nesse contexto que o Carnaval teve de ser adiado. Na folia dos blocos, por suas características – não tem corda, não cobra ingresso, e é aberto a adesões voluntárias de quem quiser participar do cortejo – não há como fazer o controle sanitário (exigir máscara e passaporte vacinal ao folião). Por isso, diante das recomendações de médicos e sanitaristas, os blocos acataram, não sem uma certa dose de frustração, a decisão da Prefeitura de adiar o Carnaval para o ano que vem.
Todos entendemos que a vida está acima de tudo. E o Carnaval, em sua essência, é a celebração da vida. Em sua origem remota, nas festas pagãs do Hemisfério Norte, o Carnaval está ligado ao início da primavera, quando a terra é fertilizada para o plantio de alimentos. A Igreja Católica, após brigar por muito tempo com a “permissividade” das festas pagãs, acabou incorporando-as ao seu calendário.
O adiamento deste ano não veio sem polêmica. Antes mesmo da decisão, as redes sociais já se mobilizavam fortemente pedindo o cancelamento do Carnaval. Os argumentos, e a virulência com que foram proferidos, quase condenavam o “tríduo momesco” como o grande vilão das aglomerações.
O vírus, que até prova em contrário não é folião, não esperou o Carnaval chegar para fazer a festa, levando os gráficos a apontarem para o céu. Isso só aumenta a responsabilidade de todos no combate ao coronavírus.
Quem é da folia já fez sua parte.
*Henrique Brandão é jornalista e escritor.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro/2022 (40ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Temas fiscais expõem divergência entre siglas que articulam federação
Gustavo Queiroz, Mariana Hallal e Levy Teles / O Estado de S.Paulo
O histórico de votação dos parlamentares de partidos que negociam a formação de federações na eleição deste ano indica potenciais dificuldades para a consolidação das “fusões temporárias” entre as legendas. Levantamento do Estadão sobre as principais votações desta legislatura mostra que, apesar de convergirem na orientação a seus quadros nos últimos três anos, a afinidade entre as bancadas de PT e PSB, PSDB e Cidadania e PSDB e MDB diminui em temas de ordem fiscal, monetária e previdenciária.
Em discussão avançada sobre uma federação com o PSB, o PT terá outros desafios além das disputas regionais para celebrar a união. Em pautas governistas como pacote anticrime, autonomia do Banco Central, reforma da Previdência e PEC dos Precatórios, os petistas atuaram em bloco em quase todas elas. Já o partido comandado por Carlos Siqueira teve mais dificuldade de convencer seus membros a votar de forma conjunta.
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O PSDB, que busca um acordo com MDB e Cidadania, votou afinado com seus possíveis parceiros na maioria dos casos. O tema que mais separou os tucanos dos demais partidos foi a PEC dos Precatórios. Enquanto deputados do PSDB formaram maioria para apoiar a proposta do governo, mais da metade das bancadas das outras duas siglas a rechaçaram.
Regras
Criado pelo Congresso no ano passado e regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o modelo da federação oferece às siglas pequenas a chance de escapar da cláusula de barreira, dispositivo que restringe a atuação de um partido que não alcançar determinado porcentual de votos. Entre os exemplos estão PV e PCdoB, que querem se unir ao PT e ao PSB. A cláusula de desempenho tem por objetivo diminuir a fragmentação partidária e aumentar as condições de governabilidade do Executivo.
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, o comportamento dos parlamentares no Congresso é relevante na definição de parcerias. Diferentemente das coligações, as legendas federadas são obrigadas a atuar como um só partido nos próximos quatro anos, mantendo a postura programática. Os líderes não podem concorrer entre si nas disputas majoritárias e precisam driblar resistências internas às orientações partidárias. Parlamentares que divergirem das orientações do colegiado podem sofrer sanções, inclusive expulsão.
Na prática, se divergências persistirem e os partidos insistirem em atuar de forma hegemônica, a federação pode se tornar inviável na próxima legislatura, observou o cientista político José Álvaro Moisés. Segundo ele, o que está em jogo é a disputa de poder interno da união, que terá influência nas votações, na distribuição dos recursos e na escolha dos candidatos. Para Moisés, sem experiências pregressas para conhecer o comportamento dos partidos em uma federação, a forma com que as decisões serão tomadas precisará se basear em um estatuto bem definido, com programa claro e uma postura democrática.
Votações
Um dos primeiros temas pautados pela gestão Bolsonaro, a reforma da Previdência se tornou um desafio para o PSB, que, apesar de fechar questão e obrigar posicionamento contrário de sua bancada, viu 33% dos parlamentares votarem com o governo – no PT, todos disseram “não” à proposta. A desobediência levou o PSB a aplicar punição severa a dez deputados: nove tiveram as atividades suspensas e um foi expulso.
No caminho contrário, em 2019, uma versão “desidratada” do pacote anticrime proposto pelo então ministro e hoje presidenciável do Podemos, Sérgio Moro, teve 408 votos favoráveis e apenas 9 contrários. Dos poucos dissidentes, três eram petistas. Já o PSB foi unânime em votar “sim”.
Quando o governo Bolsonaro resgatou, em 2021, um projeto de lei que daria autonomia ao Banco Central, o Cidadania votou em bloco pela aprovação, enquanto PSDB e MDB não conseguiram garantir fidelidade de todos os seus deputados. Em proporção parecida, uma minoria de ambos os partidos preferiu recusar a proposta. Entre os tucanos, Aécio Neves (MG) foi contra.
Na ocasião, o PSB voltou a rachar. Cerca de 37,9% de sua bancada votou pela aprovação do projeto e 3,4% se abstiveram. No PT, todos os deputados rejeitaram a proposta.
Já na discussão sobre a PEC dos Precatórios, as orientações partidárias congestionaram as negociações. Enquanto a oposição foi fiadora do governo, com votos valiosos do PSB para a aprovação no primeiro turno, MDB e Cidadania foram mais contrários que favoráveis à alteração na política fiscal. O PSDB diferiu dos possíveis aliados e votou majoritariamente a favor.
Embrião para novos partidos
Presidentes de partidos e parlamentares minimizaram o impacto das divergências em votações no Congresso na discussão sobre as federações partidárias. Para eles, há mais pontos em comum do que posições que impeçam a formalização desse novo tipo de aliança.
Para o presidente do Cidadania, Roberto Freire, a federação é uma transição para formação de novos partidos. “Quem imaginar que é apenas uma questão de desempenho está enganado”, disse. Ele defende que diferenças em questões conjunturais são menos importantes que em questões programáticas. “Tem de ter um mínimo de identidade entre os programas partidários. Se tiver programas muito diferentes, não serve.”
Carlos Siqueira, presidente do PSB, também minimiza o impacto das divergências. “Essa proximidade existe, basta ver a atuação no parlamento, não por acaso PSB se alia ao PT desde 1989. Divergências não vão acabar se a federação existir, temos proximidades mas não somos iguais e nem queremos ser”, afirmou.
Já o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG) acredita que a federação está sendo usada de forma errada para resolver problemas de curto prazo. “A federação é uma contradição. O mais difícil é nós declararmos apoio, como o PSB está fazendo, ao ex-presidente Lula”, disse. “Agora eles já têm o apoio declarado. O que a gente leva em troca disso? Nem a federação? Acho que isso está enterrando a concretização da federação, apesar do PSB ter anunciado o apoio ao presidente. Estamos vendendo o peixe muito barato”, afirmou, em alusão aos desafios de negociação entre os dois partidos.
Procuradas, as lideranças de PT, MDB e PSDB não se manifestaram.
O deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS) vê com bons olhos a criação de federações, seja com o PSDB ou com outros partidos, como o recém-formado União Brasil. Para o congressista, a junção das siglas é uma boa estratégia para aumentar as bancadas partidárias e ter mais governabilidade. O líder da bancada do Cidadania no Congresso, Alex Manente (SP), corrobora a ideia. “É possível manter coerência porque a federação é o encontro de partidos que devem ter o mesmo programa estatutário e defendem a mesma linha ideológica”, afirmou.
O especialista em direito eleitoral Alberto Rollo, porém, alerta que as siglas “não estão pensando no dia a dia”. “Os partidos se preocuparam muito em se juntar olhando a eleição e não estão pensando em como vão votar em uma reforma da previdência, administrativa, tributária, imposto de grandes fortunas”, disse.
Por enquanto, conforme mostrou o Estadão, as siglas ainda estão mais preocupadas se os arranjos estaduais vão permitir que a negociação avance.
Municípios
A convergência programática vai obrigar os partidos a levarem os embates para as disputas locais, nos municípios, em 2024. Na última reunião sobre o tema, o PSB chegou a propor ao PT que prefeitos, vice-prefeitos e vereadores tenham a preferência para eventual reeleição em 2024.
Todas as legendas que discutem federações já disputaram prefeituras e isso poderá ser diretamente afetado pela decisão. Dentre os partidos que cogitam uma união, PSDB e MDB foram os que mais concorreram entre si. De 2000 a 2020, houve 3.923 disputas entre as siglas em cidades brasileiras.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,temas-fiscais-expoem-divergencia-entre-siglas-que-articulam-federacao,70003977730
Afinal, a Semana de Arte Moderna de 1922 foi tão importante assim?
Edison Veiga / DW Brasil
Vozes críticas cobram inclusão de mulheres, negros e outras minorias em evento-chave do modernismo brasileiro, realizado 100 anos atrás. Para outros, a própria polêmica já é prova da relevância atual da Semana de 22.
Aqueles dias 13, 15 e 17 de fevereiro, exatos 100 anos atrás, entraram para a história brasileira. No aristocrático Teatro Municipal de São Paulo, artistas e agitadores culturais, cujos nomes se tornariam dos mais relevantes da cultura nacional. promoveram um festival que pretendia apresentar um novo jeito de fazer arte, quebrando padrões e imprimindo um caráter próprio. Era a Semana de Arte Moderna.
Mário de Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Anita Malfatti (1889-1964) e o resto da turma de modernistas paulistas saíram do evento com a sensação de que tudo fora um retumbante sucesso naquele festival de declamações poéticas, esquetes teatrais, exposição de quadros e apresentações musicais. Mas a imprensa da época não deu relevância ao evento.
"Na época, nenhum jornal do Rio e do resto do Brasil tomou conhecimento e, mesmo em São Paulo, o único que lhes deu importância foi o Correio Paulistano, que era o jornal do governo e onde eles escreviam", aponta o jornalista e escritor Ruy Castro. Outros periódicos, como O Estado de S. Paulo, dedicaram poucas linhas ao festival, sem muita reverberação.
No entendimento de alguns dos que se debruçam hoje sobre a Semana de 22, a importância atribuída ao festival, da forma como as gerações atuais aprenderam na escola, é resultado de uma construção posterior. Que teria começado com as conferências dadas por Mário de Andrade em 1942, sido reforçada pelo fato de que muitos dos participantes do evento ocupavam então postos-chave na sociedade – o próprio Andrade tornou-se diretor-fundador do Departamento de Cultura de São Paulo – e, principalmente, arraigada quando acadêmicos da Universidade de São Paulo, como o sociólogo e crítico Antonio Candido (1918-2017), transformaram o modernismo brasileiro em teoria literária.
"A gente precisa ter muito claro quem é que nomeia o quê, quem diz o que é moderno, o que não é moderno, o que é passadista e o que não é. É sempre uma construção momentânea e por alguma narrativa de um grupo", analisa o compositor Livio Tragtenberg, ex-professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e criador da Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo.
Em outras palavras: a Semana de Arte Moderna foi inventada por aquele grupo, há 100 anos. Mas seu papel como marco fundador da cultura brasileira pode ter sido uma invenção posterior – com a decantação histórica e acadêmica dos fatos.
"Grande parte da mitificação da Semana de 22 foi graças ao trabalho de hipervalorização realizado principalmente pelos acadêmicos da USP, pessoas extremamente qualificadas que tiveram muito êxito nessa estratégia de colocar a Semana como o marco zero das artes brasileiras", atesta a jornalista e pesquisadora Marcia Camargos, autora de Semana de 22: Entre vaias e aplausos.
Representatividade questionada
Há ainda críticas que, embora anacrônicas, porque pensadas a partir da ótica contemporânea, sustentam a argumentação de que o que se fez ali não era uma arte representativa do todo da sociedade brasileira.
Nesse sentido, a baixa participação feminina – apenas quatro artistas eram mulheres, dos cerca de 30 que participaram ativamente dos saraus e das apresentações – a ausência de negros e outras minorias, bem como a não inclusão da arte popular que já vinha sendo praticada no país, seriam as principais razões para os que relativizam a importância da Semana de 22.
"E eles não só eram majoritariamente homens, mas alguns – como Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida [1890-1969], Rubens Borba de Moraes [1899-1986], Cândido Mota Filho [1897-1977], Paulo Prado [1869-1943] e outros – orgulhosos de serem descendentes dos bandeirantes", acusa Castro. "O único negro da turma, Mário de Andrade, não se via como negro. E Anita Malfatti, praticamente a única mulher, não abriu a boca naquelas três noites."
Citando o recém-lançado Diário confessional, de Oswald de Andrade, Castro tacha o autor de "antissemita, racista e homofóbico". "Como se vê, a máscara da Semana de 22 está caindo", afirma o jornalista.
"Foi um evento da elite para a elite", aponta a historiadora Maíra Rosin, pesquisadora na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Algo de gente que estava trazendo ideias estrangeiras que não tinham necessariamente uma inovação do ponto de vista artístico, tudo patrocinado e voltado para uma elite que não necessariamente gostou do que viu."
Para Rosin, a "importância do evento tem de ser relativizada com urgência", "porque normalmente, quando se lê a respeito, parece que todo mundo foi, que foi algo de proporções enormes e que causou grande frenesi". "Mas não é verdade: a participação foi pequena, de uma parte da elite. E depois isso virou um verdadeiro fetiche em cima da Semana, como se tivesse sido um evento catártico para o país", objeta a historiadora.
Camargos relativiza a questão: para ela, o fato de o festival ter sido organizado às pressas, "sem uma curadoria séria", explicaria os "pequenos deslizes, como a falta do elemento popular e a questão de gênero". "Isso, a gente debita na conta do improviso, porque foi uma coisa improvisada, pensada do dia para a noite."
Rio x São Paulo
Incomodado com a hegemonia, no imaginário nacional, conquistada pelos modernistas da Semana de 22, Ruy Castro acaba de lançar o livro As vozes da metrópole, em que recupera autores "esquecidos" do Rio de Janeiro de 100 anos atrás. Benjamim Costallat (1897-1961), João do Rio (1881-1921) e Agrippino Grieco (1888-1973) são alguns desses literatos resgatados. Castro vê neles uma postura muito mais inovadora do que a dos que se consolidaram como "modernistas".
"Eles são a prova de que, em 1922, já se escrevia moderno no Brasil, ao contrário do que pregavam os modernistas. Os autores incluídos no meu livro tinham, inclusive, inúmeras preocupações sociais, como racismo, violência contra a mulher, internação psiquiátrica compulsória, condições de vida nas prisões, etc.. Ao contrário dos modernistas, que eram intelectuais de salão, alienados, e só pensavam em estética, tipo combater o soneto e a Academia."
Castro afirma que os modernistas paulistas não buscavam "nenhuma brasilidade", limitando-se a realizar aqui uma releitura do que se fazia na França. Enfim, eles não seriam os "inovadores", como se tornaram conhecidos, pois a inovação modernista já ocorria em outros grupos, anteriormente.
Villa-Lobos x Pixinguinha
Na música, Tragtenberg também censura a ausênca da vibrante cena que já ocorria no Rio de Janeiro. O autor do livro O que se ouviu e o que não se ouviu na Semana de 22 aponta que na então capital do país havia "um desenvolvimento de uma riqueza de misturas e de interações muito anteriores à Semana de 22".
"Já se misturava a música de salão europeia com a música dos negros e a que se fazia nos bares e cafés. Quando a Semana estava acontecendo, Pixinguinha [1897-1973] era presença em Paris, exportava a música feita aqui, antes do [Heitor] Villa-Lobos [(1887-1959), que participou do evento]."
O compositor salienta que "nem passou pela cabeça daqueles que organizaram a Semana considerar a música popular". E, nesse sentido, ficaram de fora, além de Pixinguinha, nomes como Donga (1890-1974) e João da Baiana (1887-1974).
"Para eles [os modernistas], o importante era uma atualização da cena provinciana em relação à Europa. Então apenas a arte erudita, que se escrevia em partitura, estava no radar. Eles não imaginavam chamar aqueles músicos que já tinham expressão importante na cena carioca", contextualiza. "Não era um ranço, mas eles eram de mundos diferentes.
Rosin apresenta ainda um outro argumento para rebater a noção difundida de que o festival realizado no Teatro Municipal "representou a cultura brasileira": "Ninguém sabe como foi, o evento não foi nem fotografado", lembra a historiadora da Unifesp.
A questão indígena
Integrante de um grupo que propõe uma revisita crítica ao modernismo, a antropóloga e escritora Deborah Goldemberg destaca a questão indígena central para avaliar a relevância do movimento. Os povos originários serviram "de matéria-prima para a literatura modernista", frisa ela. "Eram objeto de muita curiosidade, de pesquisa. Seus mitos eram colhidos e publicados, muitas vezes transmutados. Sua estética sempre fascinou a todos."
É o caso de Macunaíma – O herói sem nenhum caráter, obra de Mário de Andrade. Para Goldemberg, é um sério defeito os indígenas terem ficado "num lugar objetificado, como diriam os antropólogos": "Não participaram ativamente dos processos criativos e, muitas vezes, nem mesmo eram informados que sua mitologia ou imagens estavam servindo de matéria-prima."
Andrade soube do mito do povo taurepangue por meio dos relatos do etnologista e explorador alemão Theodor Koch-Grünberg (1872-1924). A antropóloga, no entanto, esperaria dele pesquisa de campo – para uma obra que é declaradamente de ficção e se inspira em fontes múltiplas. "Ele nunca foi visitar os taurepangue ou dialogar com eles. Agora, quase um século depois, os taurepangue nem sabiam que existia o romance de Mário levando no título o nome de sua deidade", cobra Goldemberg.
Em 2018, ela foi a curadora de um evento em São Paulo para marcar os 90 anos do lançamento do livro de Mário de Andrade e tentar retificar o que ela considera uma falha histórica. Na esteira dessa celebração, em Boa Vista o artista macuxi Jaider Esbell (1979-2021) entregou a um representante taurepangue – o neto do informante de Koch-Grünberg, na época – um exemplar de Macunaíma.
"Pela primeira vez, Avelino Taurepang, o neto de Akuli Taurepang, entrou em contato com o mundo da literatura e pôde narrar a sua versão da mitologia, ser ouvido pelo mundo literário paulistano, entender o que tinha acontecido. Ou seja, ali os taurepangues se tornam sujeitos dessa construção, não meros objetos dela", argumenta a antropóloga. "Demorou, né?"
Esse movimento de releitura e reconstrução deu origem ao livro Makunaimã – O mito através do tempo, lançado em 2019, do qual Deborah Goldemberg e nativos taurepangues são coautores.
Desdobramentos contemporâneos
Questões do tipo também aparecem no video-documentário AmarElo, lançado em 2020 pelo rapper Emicida. Ali ele busca uma retratação do papel dos negros no modernismo. "É uma questão legítima", avalia Goldemberg. "Inclusive por Mário [de Andrade] ser negro e não falar muito disso. A questão negra é central para o Brasil."
Relativizando a vertente que desvaloriza o modernismo de cepa paulista – e a Semana de Arte Moderna em particular –, para a jornalista Marcia Camargos a prova de que o evento de fevereiro de 1922 foi, sim, extremamente importante está nos seus desdobramentos: "Os movimentos artísticos que vieram depois acabaram partindo do debate modernista", ressalta ela. E, claro, o fato de as discussões ainda seguirem vivas é efeito dessa relevância.
Como se as cortinas do Teatro Municipal ainda não tivessem se fechado, seja para as vaias, seja para os aplausos, 100 anos depois.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/afinal-a-semana-de-arte-moderna-foi-t%C3%A3o-importante-assim/a-60703070
“Mulheres foram fundamentais na Semana de 22”, analisa Gênese Andrade
João Rodrigues, da equipe da FAP
Anita Malfatti, Patrícia Galvão, a Pagu, Tarsila do Amaral. Essas foram apenas algumas das mulheres que marcaram o modernismo brasileiro antes e depois da Semana de Arte Moderna de 1922, que completa 100 anos neste mês de fevereiro.
Na sequência da série de entrevistas do podcast Rádio FAP, o episódio desta sexta-feira analisa o papel da mulher na Semana de 22. A convidada é a escritora Gênese Andrade, doutora em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Ela também concluiu pós-doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), pesquisadora e tradutora, é a organizadora do livro “Modernismos 1922-2022”, editado pela Companhia das Letras.
Outros detalhes sobre a obra estão disponíveis neste link: www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=14931
O papel das artistas brasileiras na Semana de Arte Moderna, a importância das mulheres para o modernismo brasileiro e os desdobramentos históricos relacionados ao público feminino estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do canal Fábricas de Cultura e Nerdologia.
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