Míriam Leitão: O BC descola do ciclo eleitoral

Míriam Leitão / O Globo

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o BC está “totalmente preparado” para todas as turbulências deste ano eleitoral. Pela avaliação dele, vários preços estão mostrando que “o mercado está menos receoso da passagem de um governo para o outro”, porque “provavelmente um governo que representava um risco de medidas mais extremas está se movendo para o centro”. Campos Neto disse que não estava fazendo análise de candidato, mas avaliando o que indicam os preços do mercado.

A pergunta que eu havia feito era sobre a eventualidade de o ex-presidente Lula, favorito em todas as pesquisas de intenção de voto, ganhar a eleição. Quis saber se esse cenário estava “precificado”, como eles dizem no mercado, ou se haveria turbulência. A resposta integral dele é bem importante.

— O que a gente pode comentar é o que a gente captura dos preços de mercado. E nos preços de mercado o que tem acontecido mais recentemente é uma eliminação de vários preços que mostram o risco da passagem de um governo para outro. Mais recentemente, a gente vê, quando olha esses preços, é que eles atenuaram. Caíram um pouco. Significa que o mercado passou a ser menos receoso da passagem de um governo para outro. Isso é o que a gente pode interpretar. Porque provavelmente um governo que representava um risco de cauda, com medidas mais extremas, está se movimentando para o centro. Essa é a nossa interpretação do que a gente captura de preços de mercado. Lembrando que o Banco Central ganhou a posição de autonomia exatamente para ter independência entre o ciclo político e os ciclos de política monetária. Não cabe fazer comentários sobre o que seria cada candidato. Então na nossa interpretação, olhando os preços de mercado, ele removeu um pouco o risco da passagem de um governo para outro. Mas na nossa interpretação é muito cedo ainda, muitas coisas devem acontecer ainda ao longo do processo eleitoral — disse ele na entrevista que me concedeu ontem na Globonews e que foi ao ar às 23h30.

Roberto Campos Neto ressaltou também que a autonomia do Banco Central foi conquistada no atual governo. Que muitos tentaram, mas não fizeram. Os presidentes ou os ministros da economia não quiseram abrir mão de poder. Ele disse isso quando perguntei se ele pretendia ficar até o fim do mandato:

— Primeiro quero deixar claro que fico até o fim do mandato. Farei tudo que estiver ao meu alcance para isso, exatamente para a gente ter certeza de que solidificou a representatividade que o Banco Central ganhou exatamente para atravessar o ciclo político com autonomia. Isso é bom para este governo e qualquer governo que venha. Segundo, é preciso dizer que a autonomia foi feita por este governo. É importante reconhecer isso. Este governo finalizou esse processo, dando os devidos créditos ao poder legislativo. E nesse processo o governo abre mão de poder.
Na entrevista, lembrei que o ministro Paulo Guedes tem dito que os indicadores fiscais melhoraram, mas o BC falou em aumento do risco fiscal. Melhorou ou piorou, perguntei:

— Essa é a pergunta que está no centro de todos os debates dos economistas. Houve um efeito parcial da inflação no fiscal, mas só parcial. Houve mudanças estruturais que permitiram que as contas melhorassem. Quando nós falamos que piorou é olhando o longo prazo, e o que está afetando o longo prazo é o baixo crescimento.

Perguntei se ele manteria o combate à inflação, mesmo com a economia tão fria, ou se preferia suavizar a curva de juros para atingir seus objetivos só no ano que vem:

— Nossa principal missão é a inflação. Entendemos que a melhor forma de ajudar o crescimento sustentável e estrutural é fazendo com que a inflação fique sob controle.

Ele não quis comentar o aumento do desmatamento, mas disse que hoje a questão climática é importante para as empresas e os fundos de investimento:

— A população anseia por crescimento que seja sustentável e inclusivo.

Sobre a crise da Ucrânia, que levou o petróleo de US$ 64 em novembro para U$ 92 na abertura de ontem, o presidente do Banco Central disse que a tensão está sendo acompanhada de perto. A entrevista na íntegra pode ser conferida no Globoplay, mas o que ficou claro é que o Banco Central usará a autonomia que conquistou para exatamente descolar a política monetária do ciclo eleitoral. Uma grande conquista.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-bc-descola-do-ciclo-eleitoral.html


Evandro Milet: Os nômades digitais misturam trabalho e lazer

Evandro Milet / A Gazeta

Como os acidentes aéreos, as mudanças sociais também não acontecem apenas por uma causa. As mudanças provocadas pela transformação digital da sociedade inteira geram novas possibilidades. Assim se passa com o novo fenômeno dos nômades digitais que acontece por uma série de circunstâncias.

Nômade é alguém que não tem residência fixa, e o que era privilégio de usuários permanentes de motorhomes ou daqueles que não tinham preocupação com dinheiro(ou tinham muito ou não se preocupavam com isso), passou a ser opção de vida para alguns tipos de trabalhadores.

As mudanças no trabalho já vinham acontecendo há uns trinta anos, quando se começou a falar no fim dos empregos como estávamos acostumados. As pessoas, pelo menos para algumas profissões, deixariam de trabalhar por longo tempo em empresas e passariam a trabalhar por projetos, devendo fidelidade mais à própria carreira do que a empresas empregadoras.

De lá para cá aconteceram mudanças digitais significativas que facilitaram esse processo.

Serviços de nuvem permitem que se trabalhe de qualquer lugar, individualmente ou em grupo, sem se preocupar com backups. Notebooks potentes e leves facilitam carregar equipamento. Acesso praticamente universal a redes permite enviar e receber mensagens e arquivos em qualquer lugar. A digitalização de processos desapareceu com a necessidade de papel tramitando em envelopes ao/ao. Cartões de crédito aceitos em qualquer lugar facilitam a vida. O e-commerce permite comprar e receber qualquer coisa em qualquer lugar. Treinamento e educação foram para a rede, inclusive das grandes universidades. Aplicativos universais facilitam hospedagem(Airbnb, etc.) e locomoção(Uber, etc.). Softwares de tradução instantânea permitem comunicação em línguas. Aplicativos como WhatsApp permitem falar de qualquer lugar de graça e as pessoas não perdem mais os vínculos culturais ou familiares quando estão distantes. A promessa do metaverso, com quase um teletransporte, joga as possibilidades ao infinito.

Mas faltavam duas coisas que a pandemia trouxe: a quebra de exigência do trabalho presencial e a aceitação de reuniões virtuais.

Em um primeiro momento, a novidade do home-office e o medo da pandemia incentivaram alguns a se mudar para bairros ou cidades próximas mais tranquilas. Logo se percebeu o crescimento vertiginoso da contratação de trabalhadores fora da sua cidade ou país, ainda mais considerando a grande demanda por desenvolvedores de software, dada toda essa transformação digital mundial. Mas o trabalho em outros locais já se estende para outras profissões à medida que todas digitalizam seus processos.

Todas essas mudanças provocaram outras: quem imagina mais trabalhar de gravata e paletó? No início havia ainda a preocupação com a camisa zoom, não mais. A informalidade venceu.

Trabalhar em qualquer lugar despertou a ideia de viajar por curtos períodos para lugares agradáveis e associar trabalho e turismo. Trabalhar por doze meses para poder viajar nas férias passa a ser coisa do passado. Assim, o turismo se mescla à rotina. O almoço é uma oportunidade para conhecer restaurantes locais, e a preguiça na frente da TV nos fins de semana dá lugar a passeios. Essa tendência é chamada por aí de "bleisure", a junção das palavras business (negócios) e leisure (lazer).

E aí chegamos aos nômades digitais, que radicalizaram e não têm mais residência fixa, pulando de lugar para lugar com sua mochila minimalista e seu notebook.

Os países se adaptam e 24 deles já criaram vistos sob medida para nômades na pandemia. A Estônia foi a primeira, seguida de outros países como Grécia, Costa Rica, Croácia e Islândia. E agora, também o Brasil criou um visto especial para os nômades digitais, afinal normalmente essas pessoas têm uma renda alta e favorecem o turismo. As cidades também entram na vibe e a Prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, lançou o programa Rio Digital Nomads, que dá um selo a hotéis, pousadas e coworkings com infraestrutura e pacotes de longa permanência para turistas que forem à cidade para trabalhar.

É a transformação digital do mundo mudando costumes. Pena que não é para todos.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/nomades-digitais-ao-misturar-trabalho-e-lazer-criam-nova-forma-de-turismo-0222


Eliane Catanhede: Em vez de se unir, os candidatos de centro se multiplicam e se ‘autocristianizam’

Eliane Cantanhêde / O Estado de S.Paulo

A política brasileira, e não é a única, está tão bagunçada que criou a figura da “cristianização consentida” na eleição de 2022. O/a político/a assume a candidatura, faz discurso, viaja e dá entrevista, mas ninguém, nem ele e os comandantes do partido, levam a sério. É só para inglês ver e ganhar tempo.

O candidato “cristianizado” é aquele abandonado pelo próprio partido e pelos correligionários, uma alma penada. A expressão vem de 1950, quando o então PSD jogou fora Cristiano Machado e apoiou o favorito Getúlio Vargas, do PTB.

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Machado foi “cristianizado”, mas os candidatos atuais se “autocristianizam”, oferecendo seus nomes e biografias a suas siglas, enquanto os caciques conversam, ou negociam, o apoio principalmente a Lula, do PT, e a Jair Bolsonaro, do PL.

Quem está sendo “cristianizado”, mas se rebela, é João Doria, do PSDB, que ganhou as prévias apertado, mas ganhou, e tenta evitar uma revoada tucana, sobretudo para Lula. Doria é guerreiro, mas os tucanos estão fazendo picadinho do PSDB – entre Lula, Bolsonaro, Sérgio Moro (Podemos), Simone Tebet (MDB) e até o voto nulo.

Se o partido de centro com mais densidade está assim, imagina o resto. Moro irá até o fim? Ciro Gomes não está sendo ainda “cristianizado”, mas patina, apesar do recall de três candidaturas presidenciais e de ter o melhor marqueteiro. Quantos pedetistas já buscam alternativas?

Simone Tebet é muito elogiada, mas tem como se impor às raposas do MDB? Improvável, se o MDB de Alagoas, Piauí, Ceará, Paraíba, Maranhão e Rio Grande do Norte já está mais para lá do que para cá, ou seja, para Lula. E o do Sul e do Centro-Oeste tem uma queda por Bolsonaro.

Rodrigo Pacheco foi lançado pelo PSD quando Gilberto Kassab já acertava nos bastidores o que admite agora em público: o apoio a Lula. Logo, se deixou “cristianizar”. E é para não ser um novo Cristiano Machado, ou um novo Pacheco, que Eduardo Leite (RS) até libera que trabalhem seu nome, mas sem compromisso.

Outros que se lançam, mas o eleitor nem sabe, são Alessandro Vieira, bom senador do Cidadania, Luiz Felipe d’Avila, cientista político que entrou na vaga de João Amoêdo para ser “cristianizado” pelo Novo, André Janones, do Avante, e Aldo Rebelo, independente.

Sempre há candidato de mentirinha, mas em 2022 a polarização veio cedo demais e os partidos estão infiltrados pelo lulismo, pelo bolsonarismo ou por ambos. A “janela partidária”, de 3/3 a 1.º/4, será um teste. Ou os comandantes garantem uma retirada organizada ou haverá uma debandada: o estouro da boiada e dos próprios partidos.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,em-vez-de-se-unir-os-candidatos-de-centro-se-multiplicam-e-se-autocristianizam,70003979311


Merval Pereira: Faca nos dentes

Merval Pereira / O Globo

Caminhamos para uma campanha eleitoral em que as regras terão de ser impostas na Justiça, seja pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ou mesmo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já que os candidatos não demonstram disposição para a autocontenção, especialmente o presidente Jair Bolsonaro, desesperado com a derrota iminente.

A exibição de um vídeo supostamente inédito, em que Bolsonaro surge falante depois de uma cirurgia gravíssima, nada mais é do que a tentativa de reavivar o atentado que sofreu durante a campanha de 2018, que ajudou a consolidar seu favoritismo desde o primeiro turno.

Desta vez, sem conseguir subir nas pesquisas de opinião, o presidente apela para imagens populistas, pois a última vez em que teve problema de saúde, provocado por um camarão mal digerido, a imagem no leito do hospital ajudou a melhorar sua popularidade.

Jogando com a vitimização, ao mesmo tempo que acena para o que seria o perigo da volta do PT ao governo, Bolsonaro tenta estancar sua sangria para ter chance de superar Lula num eventual segundo turno, na suposição de que os eleitores de Moro no primeiro passarão para seu lado no segundo. Não há nada que indique isso, pois as pesquisas eleitorais mostram que ele perde para todos os candidatos num hipotético segundo turno.

Esse raciocínio torto, que esquece de avaliar as zonas cinzentas do comportamento eleitoral, fez com que Bolsonaro se espantasse com as críticas que recebeu de adversários do petismo, como se todo antipetista fosse bolsonarista. Diante da “escolha de Sofia”, o eleitor poderá anular seu voto, caso o segundo turno confirme a polarização entre Bolsonaro e Lula, ou escolher um dos dois, superando o antipetismo ou o antibolsonarismo diante da ameaça do “mal maior”.

As pesquisas mostram que o antibolsonarismo é maior hoje do que o antipetismo foi na eleição de 2018, pela realidade presente do país, ainda abalado pela tragédia da Covid-19 tão mal gerida pelo governo e terrivelmente usada para fazer política negacionista à custa de centenas de milhares de vidas humanas. Além disso, a situação econômica é dramática, com a previsão de mais um milhão de desempregados durante este ano de 2022, a indicar a impotência de medidas populistas, como o novo Bolsa Família, para alavancar a candidatura à reeleição do presidente.

Restam-lhe essas ameaças vazias, as insinuações nunca confirmadas sobre problemas nas urnas eletrônicas, a busca de uma maneira de contestar, ou até mesmo desistir da eleição, para não perder. Ele procura, com suas reclamações, dar um ar de que está respaldado pelas Forças Armadas, o que é desmentido pelos fatos.

O relatório do representante militar convidado pelo TSE para verificar a segurança das urnas eletrônicas é totalmente técnico, e não há a mínima suspeição de que possa haver interferência no resultado das eleições. Bolsonaro inventa todo dia alguma coisa para se manter em evidência e deixar um clima de ameaça no ar. Mas não tem condições políticas, nem apoio das Forças Armadas, para tentar um golpe com o objetivo de não realizar eleições.

Mantém, dessa maneira, seu grupo unido, dizendo que foi roubado em 2018 e que pode ser roubado novamente este ano, mas não vejo perigo para as eleições, ainda mais agora com a redução de popularidade do presidente. O apoio em torno de 20% não é suficiente para paralisar o país e tentar um golpe. Já tentou, no 7 de setembro do ano passado, quando estava mais forte, e não conseguiu nada.

Essa estratégia demonstra também que a campanha eleitoral seguirá na trilha de rememorar o passado para evitar um futuro desastroso. Como diz o ex-ministro Jacques Wagner, o PT precisará calçar as sandálias da humildade para encarar os ataques que certamente receberá de todos os demais concorrentes, especialmente Moro, Bolsonaro e Ciro. Com métodos distintos, trarão para o presente dos eleitores na propaganda eleitoral as crises de corrupção ocorridas nos governos petistas, especialmente o mensalão e o petrolão. O problema de Bolsonaro é que, quanto mais basear sua campanha no combate à corrupção, mais estará abrindo caminho para Moro e contra si próprio.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/faca-nos-dentes.html


Negros são os mais abordados pela polícia no Rio, diz pesquisa

Júlia Barbon / Folha de S. Paulo

Na rua, na praia, no carro, no transporte público, na moto, no táxi, na festa. Não importa a situação, negros são o grupo mais abordado por policiais na cidade Rio de Janeiro, e também os que mais sofrem abusos ou constrangimentos nessas situações, concluiu uma nova pesquisa.

Pretos e pardos representam 48% da população carioca, mas são 63% das pessoas que dizem já terem sido paradas para revista, aponta o relatório "Elemento Suspeito", lançado nesta terça (15) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes.

Para o levantamento, o Instituto Datafolha falou com 3.500 pessoas em "pontos de fluxo" da capital nos dias 4 a 6 de maio de 2021, das quais 39% afirmaram já terem sido abordadas por agentes. Entre essas, foi escolhida uma amostra de 739 entrevistados, representativa do município.

Depois, para uma etapa qualitativa, os pesquisadores conversaram com grupos formados por jovens moradores de favelas, jovens brancos, entregadores, motoristas de aplicativos, mulheres e policiais militares. Foi a segunda vez que esse estudo foi feito; a primeira havia sido em 2003.

Procurada para comentar os resultados, a Polícia Militar fluminense, responsável pela grande maioria dessas ações, respondeu que "não há qualquer viés racial na sua atuação e sua missão de combater criminosos armados" e que segue protocolos rígidos de atuação.

A pesquisa afirma que, além da cor, o gênero, o local de moradia, a renda e a idade também têm grande influência nas abordagens policiais: 75% dos alvos são homens, 66% vivem em bairros periféricos ou em favelas, 60% ganham até três salários mínimos e 48% têm até 40 anos.

Mostra ainda que quase um quinto dessas pessoas (17%) já foi abordado mais de dez vezes na vida, percentual que dobrou nessas quase duas décadas. O perfil dos "superabordados", ou popularmente chamados de "freios de camburão" e "mestres do enquadro", é ainda mais acentuado.

"Quando entrevistamos jovens negros de favelas a gente percebe. É um 'carma' de uma parte da sociedade. Por outro lado, homens brancos com mais de 40 anos e ganhando mais de dez salários mínimos quase não são parados", diz a socióloga Silvia Ramos, coordenadora das duas pesquisas.

Para exemplificar, o estudo traz algumas falas de jovens que participaram: "Dia que não sou parado, chego em casa e acho até que aconteceu algo estranho", diz um entregador. "Eles tentam imprimir que a gente é o suspeito. A gente acaba até duvidando da própria honestidade", afirma outro.

Os dados remetem ao caso recente do estudante Yago Corrêa, 21, preso no último dia 6 enquanto ia comprar pão de alho na favela do Jacarezinho, na zona norte carioca. Ele foi solto depois de dois dias, quando as câmeras de segurança o mostraram saindo da padaria.

Os locais apontados como mais comuns nas abordagens policiais são em carro próprio ou de outros (63% vivenciaram isso) e a pé na rua ou na praia (55%). Essa última modalidade se intensificou no intervalo de 18 anos, assim como as revistas em motos, enquanto as outras diminuíram ou ficaram estáveis.

A comparação entre os dois levantamentos mostra também que situações violentas ou constrangedoras se tornaram mais comuns nas últimas décadas. Aumentaram as porcentagens de pessoas que viram uma arma apontada para si e sofreram ameaças ou intimidações, além das que passaram por revista corporal.

Por outro lado, diminuíram os relatos de tentativa de extorsão ou agressão física. Em quase todas essas situações de abuso, os negros são os mais atingidos —32% dos pretos e pardos abordados dizem ter tido a arma apontada em sua direção, por exemplo, contra 21% dos brancos.

"Homens e mulheres relataram que, além da revista corporal, policiais às vezes procuram drogas nos cabelos, isto é, nas tranças afro e nos dreads [...]. Quando contam as múltiplas experiências vividas, vários relatam já terem sido tratados com agressões verbais ou desrespeito, e terem tido o celular invadido para verificar galerias de fotos e mensagens com algum conteúdo ligado a facções", diz o relatório.

O estudo chama a atenção para o fato de que, nessas quase duas décadas, surgiu um elemento novo que foi a consciência e o reconhecimento do racismo por negros e brancos. Segundo os dados, 29% citaram diretamente o preconceito como motivo de ser abordado uma ou tantas vezes.

A raça se reflete também em outras experiências dessas pessoas com a polícia: metade dos negros diz já ter presenciado agentes agredindo alguém, ante 38% dos brancos, e quase um terço afirma que já teve sua casa revistada, ante 12%. Aqui, quanto mais escura a cor da pele, mais alto o percentual.

O estudo ressalta os impactos dessas situações na vida e no emocional das pessoas. Todos os jovens ouvidos com mais profundidade, por exemplo, citam que já ouviram recomendações da mãe para não sair sem documento.

"Foi possível perceber que as abordagens têm um efeito prolongado sobre a vida dos sujeitos entrevistados, provocando mudanças no comportamento, na escolha dos trajetos, nos horários de trabalho e de lazer, na forma como se vestem ou utilizam seus cabelos e acessórios", escreve o pesquisador Diego Francisco.

Há um claro descompasso entre como os policiais e os abordados veem as revistas, aponta a pesquisa. Enquanto praças negros da PM definem as abordagens com as palavras "eficiência", "trabalho", "risco" e "essencial", jovens brancos e negros falam em "medo", "corrupção", "raiva" e "ranço".

Todos esses dados repercutem numa má avaliação principalmente da Polícia Militar —45% dos entrevistados pretos, 28% dos pardos e 23% dos brancos deram nota menor que cinco à corporação. No total, apenas 3% consideram a PM nada corrupta, 7%, nada violenta e 17%, nada racista.


Foto: AFP
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Foto: Olivier Doullery / AFP
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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Por último, o levantamento aponta que a grande maioria dos abordados concorda total ou parcialmente que as operações policiais em favelas são necessárias para combater criminosos, mas também que elas deveriam ter cuidado para não matar ou ferir qualquer pessoa (81% e 84%, respectivamente).

Em resposta ao estudo, a Polícia Militar fluminense afirmou que suas ações "são baseadas em protocolos rígidos de atuação e preceitos técnicos de treinamento e orientação. Um dos objetivos exponenciais da PM é a preservação de vidas, sejam elas as da população em geral ou as dos policiais envolvidos nas ações".

A corporação acrescentou ainda que a maioria de seu contingente "vem das classes de base da sociedade, incluindo as comunidades carentes, o que torna os policiais parte do contexto estrutural, histórico e social em que atuam".

Ressalta também que foi uma das primeiras instituições públicas do país a ser comandada por um negro e que hoje mais da metade de seu efetivo de praças e oficiais é composto de afrodescendentes.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/02/negros-sao-os-mais-abordados-pela-policia-no-rio-em-qualquer-situacao-diz-pesquisa.shtml


Fachin diz que países como a Rússia 'têm relutado em sancionar cibercriminosos'

Mariana Muniz / O Globo

BRASÍLIA — Em meio à viagem do presidente Jair Bolsonaro (PL) à Rússia, que se inicia nesta terça-feira, a aproximação durante o ano eleitoral entre o mandatário brasileiro com o presidente russo, Vladimir Putin, é vista com preocupação por parte da cúpula do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo o GLOBO apurou, essa preocupação se dá pela percepção de que o país europeu adota uma postura pouco contundente em relação à segurança cibernética.

Em manifestação encaminhada com exclusividade à reportagem, o ministro Edson Fachin, que assume a presidência do TSE no próximo dia 22, afirma que "segurança cibernética é ponto relevantíssimo". O ministro, que integra o Supremo Tribunal Federal (STF), ainda afirma que a falta de sanções a cibercriminosos é "muito grave".

"A preocupação aumenta quando se vê países, como a Rússia, que têm relutado em sancionar os cibercriminosos que buscam destruir a reputação da justiça eleitoral e aniquilar com a democracia. Isso é muito grave. Buscamos cooperação institucional, inclusive do Presidente da República; esperamos que seja separada a disputa política da defesa das instituições; atacar a confiabilidade das eleições é atacar a própria missão institucional do Tribunal", disse Fachin.

Além de ocorrer em meio às tensões sobre uma possível invasão Rússia à Ucrânia, sob o risco de novos atritos com o bloco de países que integram a Otan, a visita de Bolsonaro a Putin também se dá em um momento em que o TSE avalia, internamente, suspender as atividades do Telegram — um aplicativo russo — durante as eleições de outubro.

A plataforma de mensagens, que não tem representante legal no Brasil, vem sendo contatada desde 2018 pela Corte Eleitoral, sem sucesso. O aplicativo é visto com preocupação pela capacidade de disparos em massa e grupos que permitem a participação de até 200 mil pessoas. Bolsonaro tem grande presença no Telegram, onde mantém um canal com mais de 1 milhão de seguidores.

Para Fachin, "o ano de 2022 definirá o futuro da democracia no Brasil" e, por isso,  é preciso trabalhar com "transparência com as regras do jogo".

"Creio que o nosso principal objetivo é o da transparência com as regras do jogo: um convite à cooperação e à colaboração, sem prejuízo da autoridade própria do Judiciário eleitoral, quando preciso for. Estamos mais que preparados. Há um competente e valoroso quadro de juízes, funcionários e colaboradores da justiça eleitoral. Pedimos a participação e a colaboração de todos. Em reuniões amistosas e convidativas, já fui inclusive até a Presidência da República, do Senado e Câmara.  Recebi pronta acolhida no Parlamento", afirmou ao GLOBO.

A Rússia tem sido reiteradamente acusada de tentar interferir nas eleições de países da Europa e nos Estados Unidos. Em relatório publicado em setembro de 2021, a Comissão Europeia acusou o país de tentar interferir nos processos democráticos europeus poucos dias antes das eleições parlamentares da Alemanha.

"A União Europeia e seus Estados-membros denunciam veementemente essas atividades cibernéticas maliciosas, que todos os envolvidos devem pôr fim imediatamente. Instamos a Federação Russa a aderir às normas de comportamento do Estado responsável no ciberespaço", disse a Comissão Europeia.

Em abril de 2020, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos sancionou um total de 32 grupos e indivíduos russos, incluindo serviços de inteligência, em retaliação ao que foi chamado de "plano deliberado para influenciar as eleições presidenciais" norte-americanas em 2020, espalhando informações falsas sobre Biden durante sua campanha contra o então presidente Donald Trump.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/proximo-presidente-do-tse-fachin-diz-que-paises-como-russia-tem-relutado-em-sancionar-cibercriminosos-25394555


Barroso esclarece 80 dúvidas dos militares sobre urnas eletrônicas

Davi Medeiros / O Estado de S.Paulo

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), informou nesta segunda-feira, 14, que já enviou respostas para as Forças Armadas sobre dúvidas apresentadas sobre as urnas eletrônicas. Segundo o tribunal, foram 80 questões de natureza técnica, “sem qualquer comentário ou juízo de valor sobre segurança ou vulnerabilidades”, para compreender o funcionamento do sistema de votação.

“As questões foram respondidas detalhadamente pela Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE em um documento com 69 páginas e três anexos, somando pouco mais de 700 páginas”, afirma o TSE. A íntegra do documento não foi divulgada por estar sob sigilo a pedido dos autores das perguntas.

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As perguntas foram apresentadas pelas Forças Armadas na Comissão de Transparência das Eleições (CTE) durante o recesso de fim de ano. Como mostrou o Estadão, o Exército fez questionamentos ao TSE sobre o funcionamento e a cadeia de custódia das urnas eletrônicas, para tentar subsidiar com melhorias de segurança. 

As dúvidas foram enviadas por escrito, elaboradas pelo Centro de Defesa Cibernética. Entre elas, há dúvidas como onde ficam armazenadas as urnas antes da distribuição aos locais de votação, que tipo de conectividade elas têm, que pessoas têm acesso, e como e onde é feita a totalização dos votos.

A natureza técnica das questões contradiz o presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo quem as Forças Armadas teriam encontrado “dezenas de vulnerabilidades” no sistema de votação. “Nosso pessoal do Exército, da guerra cibernética, buscou o TSE e começou a levantar possíveis vulnerabilidades. Foram levantadas várias, dezenas de vulnerabilidades. Foi oficiado o TSE para que pudesse responder às Forças Armadas. Passou o prazo e ficou um silêncio”, disse o mandatário em live na última quinta-feira, 10.


TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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Segundo o TSE, as respostas começaram a ser elaboradas após um “breve” intervalo porque as perguntas foram protocoladas próximo ao recesso, “quando os profissionais das áreas técnicas fazem uma pausa”.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,luis-barroso-tse-forcas-armadas-urnas-eletronicas,70003979523


O Senado de cima | Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Senado vira ‘campo minado’ para o governo Bolsonaro

Daniel Weterman / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A menos de oito meses do primeiro turno das eleições, o Senado se transformou em terreno minado para o governo. Com pautas paradas e um conflito cada vez maior entre senadores e o ministro da Economia, Paulo Guedes, o Palácio do Planalto enfrenta problemas para retomar a articulação política na Casa. Das 45 propostas apontadas pelo governo como prioritárias, e encaminhadas ao Congresso na semana passada, 11 tramitam no Senado e estão travadas. 

É o caso, por exemplo, da reforma tributária, do pacote relacionado ao preço de combustíveis e da reforma do Imposto de Renda. Diante do debate sobre o preço dos combustíveis, o Senado apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que foi apelidada por Guedes de “PEC Kamikaze” por promover ampla desoneração, além de subsídios fora das regras fiscais. Aliados do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), decidiram, então, expor o conflito com Guedes e devolveram o apelido de “kamikaze” para a gestão do titular da Economia. 

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A avaliação desse grupo é a de que Guedes faz discurso de ajuste fiscal, mas sempre se rende às ideias do presidente Jair Bolsonaro, que quer abrir o cofre em sua campanha pela reeleição. A pressão do Planalto para que governadores reduzam a cobrança do ICMS, imposto arrecadado pelos Estados, também incomoda o Senado.

“Estou fazendo meu papel pela inércia do ministro da Economia. Ele falou que a proposta é ‘kamikaze’, mas não apresentou uma solução”, disse Carlos Fávaro (PSD-MT), autor da PEC que prevê a redução de impostos incidentes sobre os combustíveis. O senador Alexandre Silveira (PSD-MG), apontado como o “número 2” de Pacheco, foi na mesma linha. “Guedes é tão inábil que constrói instabilidade”, criticou Silveira, que foi convidado para assumir a liderança do governo, mas recusou.

Prejuízo

Desde dezembro, Bolsonaro não tem líder para articular votações no Senado. Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) deixou o cargo após ser derrotado na disputa para ocupar uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU). O senador se sentiu abandonado pelo governo. Depois disso, parlamentares cortejados para o cargo têm resistido a aceitar a função por temer prejuízo político com a queda de popularidade de Bolsonaro.

“É importante que o governo decida o líder no Senado para que possa dialogar com a presidência e as demais lideranças”, disse Pacheco, que, nos próximos dias, deve desistir de lançar a pré-candidatura à sucessão de Bolsonaro.

O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), acumula a função informalmente, com a ajuda do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente, e do colega Carlos Viana (PSD-MG), vice-líder. Mesmo assim, projetos como o da regularização fundiária e o da flexibilização do porte de armas, classificados como prioritários por Bolsonaro, não andaram. “Não tem muito drama, não. É preciso ver os temas que serão discutidos, por causa da característica deste ano, que é eleitoral”, afirmou Gomes. 

Não são poucos os senadores que duvidam do empenho de Bolsonaro e da equipe econômica em promover mudanças tributárias, assim como a reforma do Imposto de Renda e a privatização dos Correios, propostas que constam da portaria publicada pelo governo. “Se o Senado aprovar a reforma tributária, a Câmara aprova. A Câmara é mais reformista que o Senado”, ironizou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR).

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,senado-vira-campo-minado-para-o-governo-bolsonaro,70003979331


Felipe Salto: Teto de gastos 2.0

Felipe Salto / O Estado de S. Paulo

O teto de gastos foi uma inovação importante no arcabouço das chamadas regras fiscais, normas para tutelar as contas públicas. A maior parte dos economistas, hoje, defende algum tipo de controle sobre o gasto, mesmo que seja diferente da versão de 2016, maculada para sempre por três emendas à Constituição em 2021. A ideia de um teto 2.0 pode ajudar neste debate.

Luc Eyraud, Xavier Debrun e coautores publicaram, em 2018, um estudo valioso sobre regras fiscais (Second-generation Fiscal Rules: Balancing Simplicity, Flexibility, and Enforceability). Em geral, eles mostram que essas normas estão correlacionadas com níveis de endividamento e déficits (receitas menos despesas) mais modestos.

Contudo, a “heterogeneidade” entre os países é grande. Muitas vezes, a média engana. Se os braços estão dentro do congelador e as pernas na sauna, a temperatura média do corpo estará razoável. Isso os levou a explorar as condições a garantir regras efetivas e a estudar as especificidades. Destaco uma conclusão do trabalho: as normas precisam estar ancoradas a um objetivo claro, como a sustentabilidade da dívida pública.

O Brasil tem múltiplas regras em vigor. Metas legais para o resultado primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida); teto para os gastos públicos; regra de ouro (é proibido fazer dívida para pagar gastos correntes); limites para a dívida pública (no caso da União, não regulamentado, apesar de reiterado pela Emenda 109, de 2021); limites para a despesa com pessoal; regras de acionamento de medidas de ajuste fiscal baseadas na proporção de gastos obrigatórios; e por aí vai.

Apesar disso, a situação das contas públicas continua ruim. Dívida pública elevada, com investimentos públicos menores a cada ano. Sistema tributário gerador de desigualdades com carga elevada.

Por onde começar? As regras fiscais brasileiras estão mal calibradas, porque falta uma ancoragem a um cenário de dívida pública traçado a partir de estimativas técnicas. Como fixar uma meta de resultado primário de R$ 50 bilhões, R$ 150 bilhões ou R$ 250 bilhões, se não se sabe qual a dívida aceitável, dadas as condições de crescimento econômico, juros e inflação? Como dizer que o gasto só pode crescer pela inflação, sem evidenciar como esse esforço fiscal colaborará para a sustentabilidade ou a redução da dívida em relação ao PIB?

Pessoalmente, parece-me que um caminho interessante passa pela seguinte formulação: a meta de resultado primário deve ser fixada no valor necessário para estabilizar a dívida bruta em relação ao PIB num horizonte de médio prazo. Isso é diferente de simplesmente limitar a dívida. Explico o porquê.

A dívida está na casa de 80% do PIB e deverá encerrar os próximos anos acima disso. Se o PIB voltar a crescer 2,5%, em 2023-2024, com taxas reais de juros de 4% ao ano, seria possível estabilizar uma dívida de 84%, digamos, com um superávit primário de cerca de 1,5% do PIB.

Para isso, então, o déficit de 2022, na casa de 0,7% do PIB, teria de melhorar 2,2 pontos porcentuais do PIB para virar superávit de 1,5%. Isto é, as metas de superávit primário para 2023 e 2024, sob uma hipótese de ajuste linear, deveriam ser de 0,4% e de 1,5% do PIB, partindo de déficit de 0,7% em 2022. Estamos falando, aqui, de um ajuste acumulado, por meio do aumento da receita ou do corte de gasto, em torno de R$ 250 bilhões. Se o objetivo for, em seguida, reduzir a razão dívida/pib, o esforço requerido aumentará.

A regra mais diretamente ligada à sustentabilidade da dívida é a meta de resultado. O teto, por sua vez, está ligado ao tamanho do Estado. Assim, a nova regra de gastos poderia ser definida da seguinte maneira: a despesa estará limitada pelo esforço primário fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias, dadas as projeções de receitas.

Regras fiscais do Brasil estão mal calibradas, pois falta ancoragem a um cenário de dívida traçado a partir de estimativas técnicas

Vamo-nos entender: as receitas estimadas (técnica e independentemente), sob premissas realistas de aumento do PIB, menos a meta de resultado primário – ancorada na sustentabilidade da dívida –, resultariam no nível máximo de gastos autorizado para o ano. Este seria o teto 2.0. Para ter claro, se a meta de primário for igual a R$ 50 bilhões e as receitas forem estimadas em R$ 2 trilhões, o teto de gastos teria de ser de R$ 1,950 trilhão.

Ganhos temporários de receitas não seriam contados no mecanismo acima. Dito de outra maneira, o teto de gastos seria função da meta de resultado primário, a ser calculada com base numa trajetória estimada de dívida e nos objetivos políticos fixados em lei e sinalizados ao mercado e à sociedade.

A vantagem deste novo modelo é a ancoragem das regras, hoje soltas no mar revolto das mudanças constitucionais a toque de caixa. A escolha pela contenção de gastos continuaria viva, como muitos, hoje, entendem necessário, mas condicionada também à capacidade de geração consistente de receitas.

“Food for thought”, como dizem os gringos. Vamos ao diálogo, pois a alternativa é continuar a remendar um sistema virtualmente positivo que, convenhamos, já nem existe mais. Ideias devem ser debatidas e nenhuma será perfeita sem o compromisso em torno da responsabilidade fiscal.

*Diretor-executivo e responsável pela implantação da instituição fiscal independente (IFI).

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,teto-de-gastos-20,70003978979


Luiz Carlos Azedo: Comandantes militares não vão para Moscou com Bolsonaro

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, não viajou, ontem, com o presidente Jair Bolsonaro para Moscou, que vai à Rússia a convite do presidente Vladimir Putin. Era o único comandante das Forças Armadas que estava confirmado na comitiva, que inclui os generais do Palácio do Planalto: o ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, além do secretário de Assuntos estratégicos, almirante Flávio Rocha. Garnier testou positivo para covid-19. O protocolo russo para a visita exige testes ao longo da viagem de toda a comitiva. Bolsonaro se reunirá com Putin amanhã.

Entre os principais assuntos a serem tratados na viagem, a compra de fertilizantes russos por parte do Brasil é o mais importante. O presidente encontra Putin num momento de grande tensão internacional, na qual o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o primeiro-ministro britânico, Boris Jonhson, afirmam que existe uma ameaça de invasão iminente da Ucrânia por tropas russas e prometem duras retaliações, se isso ocorrer.

Embora do ponto de vista geopolítico os interesses e alianças estratégicas da Rússia e do Brasil sejam distintos, principalmente na América do Sul, por causa da cooperação entre Putin e Nicolas Maduro, da Venezuela, há muitas afinidades entre os dois países por causa dos BRICs, que também reúne China, África do Sul e Índia, e do Conselho de Segurança da ONU, do qual o Brasil agora faz parte como membro temporário. Na quinta-feira, Bolsonaro embarcará para Budapeste, capital da Hungria, onde se encontrará com o primeiro-ministro Viktor Orbán, este sim um aliado ideológico de primeira hora de Bolsonaro.

A viagem foi marcada desde novembro pelo chanceler França, que opera uma estratégia para tirar Bolsonaro do isolamento internacional. De certa maneira, o encontro com Putin, emoldurado pela dramatização da crise ucraniana pela mídia internacional, ao mesmo tempo em que põe o presidente brasileiro no centro das atenções mundiais, pode ter consequências diplomáticas negativas.

O trauma das Malvinas

O assunto cabeludo da pauta de Bolsonaro com Putin é a Defesa. A cooperação militar do Brasil com a Rússia é muito limitada historicamente, por causa da aliança com os Estados Unidos. O sistema antiaéreo Pantsir-S1, oferecido pelos russos, já foi rejeitado pelo comandante da Força Aérea, brigadeiro Carlos Almeida Baptista, por incompatibilidade conceitual. O programa de compra de 12 helicópteros de ataque Mi-35M, iniciado em 2012, foi para a geladeira. Entretanto, o Brasil tem outros interesses que poderiam levar à cooperação militar com a Rússia, como o programa do submarino nuclear (Prosub). É aí que desistência do comandante da Marinha, por razões de saúde, pode ter sido providencial.

A Guerra das Malvinas é um trauma geopolítico no Atlântico Sul, controlado pelo Reino Unido. Uma simples carta náutica mostra a hegemonia britânica, controlando o acesso à Antártica e ao Oceano Índico. As ilhas de Ascensão, Santa Helena, Tristão da Cunha, Gouch, Sandwich do Sul, Geórgia do Sul, Orcadas do Sul e Malvinas são britânicas. A ilha de Martim Vaz foi descoberta em 1501 pelo navegador galego João da Nova. No ano seguinte, o navegador português Estêvão da Gama visitou a ilha vizinha, Trindade. Na independência do Brasil, passaram a ser brasileiras. Em 1890, o Reino Unido ocupou Trindade, mas os ingleses abandonaram-na em 1896, depois de um acordo entre os dois países, que contou com mediação portuguesa.

A devolução de Trindade ao Brasil por meios diplomáticos resolveu um grave problema. O mesmo não ocorreu com as Malvinas. O arquipélago foi disputado por espanhóis, franceses e argentinos. O Reino Unido ocupou o arquipélago em 1833. Em abril de 1982, forças argentinas ocuparam o território. Em dois meses, os britânicos recuperaram a ilha. Com a Guerra das Malvinas, reafirmaram sua hegemonia no Atlântico Sul, com apoio dos Estados Unidos. A guerra pôs de cabeça para baixo a Doutrina Monroe e a antiga Doutrina de Segurança Nacional do regime militar. Nasce daí o conceito de Amazônia Azul, da Marinha do Brasil.

Mas como defender a nossa plataforma continental e suas riquezas? Ora, aumentando o poder de dissuasão por meio de um submarino nuclear, concluíram os nossos estrategistas militares. A construção desse submarino preocupa os Estados Unidos e a Inglaterra. Somente é possível porque o Brasil desenvolveu o reator nuclear e a França ajudou na construção do casco, transferindo tecnologia. Mas há um gargalo tecnológico no sistema elétrico. Se quiser, Putin pode ajudar, mas esse tipo de acordo reposicionaria o Brasil em relação à Otan. Os comandantes militares, que não são bestas, caíram fora da comitiva.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-comandantes-militares-nao-vao-para-moscou-com-bolsonaro/

A janela partidária de março e as eleições de outubro

Arlindo Fernandes de Oliveira

As mudanças de filiação partidária que deputados federais e estaduais poderão fazer no próximo mês de março (entre 3 de março e 2 de abril) serão de grande importância para definir as condições de partida dos partidos em face das eleições do dia 2 de outubro.  

Entende-se, no Brasil, a partir da Lei dos Partidos Políticos e de sua leitura pelo Poder Judiciário, que os mandatos obtidos pelo sistema proporcional pertencem ao partido, e que, como regra geral, o parlamentar que altere sua filiação perde o mandato. Mas a Lei admite exceções, como nos casos de perseguição por parte do partido, fusão ou incorporação, e também – este é o ponto que aqui interessa – nos trinta dias que antecedem a data final do prazo de filiação para concorrer ao pleito subsequente. Trata-se do que se convencionou chamar “janela partidária”, admitida para aqueles cujo cargo estará em disputa no pleito de 2022.   

Em face do cenário das eleições presidenciais, e do peso das candidaturas a presidente e a governador sobre os pleitos proporcionais, a chamada janela partidária de 2022 definirá o quadro partidário das eleições, e marcará as condições de partida de cada força no pleito de outubro. Ao lado disso, há processo de fusão em curso, como no caso do União Brasil, fusão do Partido Social Liberal, PSL, com o Democratas, DEM. Sobretudo, existem as negociações sobre a formação das federações partidárias que disputarão as eleições.  

Temos observado no Brasil redução da relativa autonomia das eleições proporcionais em face das grandes candidaturas majoritárias, uma vez que estas, desde 2018, passaram a dominar o cenário das disputas político-eleitorais. Por isso, as mudanças de filiação a ocorrerem na janela partidária de 2022 poderão responder, em boa medida, à definição do deputado quanto a quem apoiará nas eleições para presidente ou para governador, cabendo recordar que as eleições proporcionais ocorrem em turno único, dia 2 de outubro, não em dois turnos, como as de presidente e governador. 

Há grandes partidos sem candidatos relevantes a presidente ou a governador. Esses poderão enfrentar dificuldades para eleger ou reeleger seus deputados federais, dado o foco do eleitor nas disputas majoritárias. E essa circunstância pode também pesar nas escolhas partidárias de alguns parlamentares. 

Por outro lado, também influirão nessas decisões as promessas dos dirigentes de concentar os recursos dos fundos eleitoral e partidário nas campanhas de deputados. federais e estaduais, eximindo-se de lançar candidato majoritário. 


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Outra definição legal importante a incidir sobre o pleito proporcional neste ano de 2022 é a significativa redução do número de candidatos que cada partido ou federação pode lançar: até 2018, esse número era pelo menos o dobro das vagas em disputa, ou, nos estados com até 10 federais, até 250% desse número. Na próxima eleição, com a mudança da lei, o número máximo de candidatos a federal ou estadual de cada formação partidária, ou federação, será igual ao número de vagas em jogo mais uma. Na prática, isso resultará em um número de candidatos a deputado federal, estadual e distrital bastante menor do que em pleitos anteriores. 

Vale recordar que no Brasil todos os pleitos, exceto o de Presidente, ocorrem e se definem nos Estados, que constituem a circunscrição eleitoral nas eleições de governador, senador, deputado federal e deputado estadual. Daí que a realidade local – as disputas localizadas para governador – tende a  impor seu peso relativo junto a esse quadro complexo. 

O próximo mês de março, ou o período desde o dia 3 desse mês até o dia 2 de abril, terá, assim,, tudo para ser um momento decisivo para as eleições de outubro, até porque essa última data constitui também o prazo para filiação partidária e definição de domicílio eleitoral de quem pretende concorrer ao pleito. 

Desse caldeirão de interesses contraditórios, resultará o estado da arte das disputas que definirão a futura composição da Câmara dos Deputados para a legislatura 2023-2026, e a renovação de um terço do plenário do Senado, com a eleição de um Senador por Estado.   

A adesão a um partido político deve ser tão livre e voluntária quanto possível. As restrições à mudança de partido decorrentes do exercício de um mandato eleitoral devem mesmo ser matizadas, para que essa escolha seja feita da forma isenta de pressões ilegítimas. No jogo bruto do mês de março, todos sabem que essa liberdade será condicionada pela pressão dos poderes administrativos do governo de ocasião, para nomear e demitir e para designar recursos públicos de emendas ao Orçamento, inclusive. E, claro, pelo poder econômico. Podem influenciar também, além dos poderes atuais, as expectativas de poder.  

Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor legislativo do Senado Federal e especialista em direito constitucional e eleitoral. 

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro/2022 (40ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Petistas são arrogantes e agem como guardiães da pureza, diz Casagrande

Ranier Bragon / Folha de S. Paulo

Dias após receber a visita de Sergio Moro, pré-candidato do Podemos à Presidência da República, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), 61, afirmou em entrevista à Folha que petistas que o criticaram pelo gesto agem com arrogância e como "guardiães da pureza ideológica".

PT e PSB tentam firmar uma federação que seja a principal base de apoio à candidatura de Lula (PT), um de seus principais adversários políticos de Moro, mas esbarram em divergências em algumas alianças estaduais, entre elas no Espírito Santo.

"Eu tenho 34 anos de PSB. O que me assusta é o autoritarismo de algumas pessoas que reagem de forma arrogante e prepotente devido a uma conversa. É preciso ter humildade, saber que o diálogo faz parte, é base da democracia", afirmou Casagrande.

O governador disse que ainda é cedo para declarar apoio a candidaturas presidenciais, mas que seguirá a decisão que seu partido tomar.

Casagrande diz que recebeu Moro por um gesto de elegância, já que o Podemos faz parte de seu governo, e que, como gestor, tem o dever de conversar com todos —ressalta, inclusive, que só não foi a um evento de Jair Bolsonaro (PL) no estado porque não foi convidado.

"Parece que algumas lideranças são guardiãs da pureza ideológica. Essa polarização, essa forma como estamos na política brasileira, isso está fazendo mal, está tóxico para quem faz política dialogando com quem pensa diferente", acrescentou o governador, que se colocou também contrário às federações.

Ele afirma que a nova regra —que exige atuação conjunta das siglas por ao menos quatro anos— podem se tornar uma "carnificina" entre PT e PSB nas eleições municipais de 2024.

Vou fazer a primeira pergunta sobre essa polêmica... Muito trovão e chuva nenhuma [risos]...

...Qual é a sua posição em relação aos palanques nacionais, vai apoiar Lula ou Moro? Não estou apoiando ninguém, a eleição vai começar ainda. Não sou candidato a nada e o PSB não tomou sua decisão final ainda. O partido ainda não fechou questão em relação à política nacional. Eu vou apoiar e estar junto com a decisão do meu partido. Sempre foi assim.

Agora, no projeto que nós temos aqui no Espírito Santo, se eu vou ser candidato [a reeleição] ou não, se vai ser outra candidatura, se vai ser outro para representar o projeto... há diversos partidos que têm candidatos à Presidência da República.

Tem o PDT do Ciro Gomes, tem o [André] Janones, que é do Avante, tem o Podemos, do Moro. Estamos conversando com o PSDB, que tem o [João] Doria. Cada partido faz campanha com seu candidato à Presidência da República.

O PSB não definiu, mas qual é a posição do sr.? Eu vou debater internamente no partido, não tenho uma posição não. O PSB vai tomar uma decisão e eu vou acompanhar a decisão do partido, na hora certa.

Agora, eu sou contra federação de um modo em geral. É um pedaço do passado que carregaram para o futuro. Se proibiu a coligação [para eleição de vereadores e deputados], não tinha que ter inventado a federação. Os partidos têm que ter a capacidade de se organizar, de eleger deputados estaduais e federais.

Agora, o fato de um eu receber um candidato da República, é mais do que natural. Já recebi Ciro, Eduardo Leite, Doria, Cabo Daciolo, vou receber o Janones, que vem em março aqui. Eu não sou candidato a governador ainda. Eu sou governador do estado e tenho conversar com todas as lideranças do Brasil que queiram conversar.

Eu não fui na agenda do presidente da República [Bolsonaro] porque ele não me convidou. Mas hoje [14] passei a manhã toda e parte da tarde com o ministro do Meio Ambiente [Joaquim Alvaro Pereira Leite].

Minha tarefa como governador é fazer esse debate. E parece que algumas lideranças são guardiãs da pureza ideológica. É preciso que a gente compreenda o que é hoje a política brasileira.

Essa polarização, essa forma como estamos na política brasileira. Isso está fazendo mal, está tóxico para quem faz política dialogando com quem pensa diferente. Meu diálogo é aberto, com todas as forças políticas, independente de eu concordar ou não com as pessoas que venham me visitar.

O sr. citou que já encontrou com Doria, Moro... [interrompe] Jaques Wagner [senador do PT] esteve aqui e eu conversei com ele, na semana retrasada, quando ele veio na filiação do [senador Fabiano] Contarato [ao PT]. Recebi ele no aeroporto ainda, conversei com ele. Então, é natural que a gente dialogue com as pessoas, com as lideranças, com os candidatos.

O sr, já conversou com o ex-presidente Lula? Não, mas na hora que ele vier aqui, se quiser conversar comigo, será uma alegria. Nós apoiamos o presidente Lula em todas as suas eleições. Então, a hora que ele vier, e se quiser dialogar conosco, vamos estar à disposição dele.

O sr. tem alguma inclinação por algum nome ou perfil que o partido deva apoiar nacionalmente? O PSB trabalha só com duas alternativas, é Lula ou Ciro. Está muito mais para a alternativa do Lula hoje, mas trabalha essas duas alternativas. É onde o PSB discute seu projeto nacional.

E o sr. será dissidente nessa posição? Eu tenho 34 anos de PSB. O que me assusta é o autoritarismo de algumas pessoas que reagem de forma arrogante e prepotente devido a uma conversa. É preciso ter humildade, saber que o diálogo faz parte, é base da democracia forte.

Isso é um comportamento muito importante para a gente poder ter instituições fortes no país e saírmos dessa miudeza da política, dessa pobreza da política.

O sr. está se referindo especificamente à fala da Gleisi Hoffmann [ao jornal O Globo, a presidente do PT disse que o encontro azedou a negociação PT e PSB e que não dá para servir a dois senhores]? Não, de todos que falaram nesse formato, que condenaram uma conversa, que condenaram um diálogo.

Pelo que entendi, não há então uma possibilidade de o sr. apoiar Moro na eleição. A minha história é uma história de estar alinhado ao PSB. O PSB não discute a hipótese de presidente Moro. Nem por isso preciso ser deselegante com ele. Até porque o partido dele está comigo aqui no governo, O senador Marcos do Val é meu aliado, o secretário Gilson Daniel, que é presidente do partido aqui no estado, é meu secretário.

Prefeitos e deputados estaduais são meus aliados. Então, o PSB não estará com ele, mas nem por isso tenho que tratá-lo de forma deselegante. É preciso ter maturidade e humildade para compreender isso.

Do ponto de vista do simbolismo político o sr. não considerou um problema, tendo em vista a rivalidade de Moro e PT, um partido aliado, tendo em vista que Moro foi o juiz que condenou Lula? A população vai julgar o Moro agora, na eleição, e a Justiça está dando as decisões nos processos do ex-presidente Lula. Não sou eu que vou ser o árbitro desse assunto, isso está na Justiça, a eleição vai colocar o Moro para ser julgado positivamente ou negativamente de acordo com as decisões que ele tomou.

Não sou que tenho que fazer isso, não sou o árbitro ou juiz de todas as causas do mundo

O que foi tratado na conversa com o ex-juiz? Tratamos de segurança pública, de meio ambiente, de relações internacionais. Falei do Espírito Santo para ele. Ele é candidato a presidente da República, vai debater o Brasil por aí afora. É bom que ele conheça o Espírito Santo. Não é todo mundo que conhece profundamente o Espírito Santo não.

É um estado equilibrado, organizado, que está conquistando posições boas porque tem capacidade de fazer grandes frentes partidárias, de dialogar com quem pensa diferente. O Espírito Santo hoje, modéstia à parte, é um estado organizado, com capacidade de investimento. É bom que todos os candidatos possam vir aqui e a gente possa falar um pouco do Espírito Santo.

O sr. acha que em uma possível federação o PSB ficaria refém do PT? Não sei, vai depender daquele conselho que gerencia a federação [o PT defende que a divisão seja feita com base no tamanho das bancadas na Câmara, o que lhe daria 27 das 50 cadeiras de uma federação com PSB, PC do B e PV]. Eu acho que a federação é meio que você ficar... Você faz uma federação por quatro anos. Vai chegar em 20224, vai ser mais uma guerra.

São dois partidos grandes. Não é um partido pequeno que não vai atingir a cláusula de barreira. Se não quer colocar o PSB como grande, coloca como médio. Mas é um partido médio, que não está sob risco por causa da cláusula de barreira, com um partido grande.

Então, pode fazer a federação agora e chegar em 2024 e ser uma carnificina, uma guerra. É preciso compreender que estrategicamente pode ser bom agora, por algum motivo ou outro, mas pode não ser bom nem para o PT nem para o PSB em um médio prazo.

O sr. recebeu a filiação do senador Fabiano Contarato ao PT com reserva? Não, sem nenhuma reserva, recebi com naturalidade. O Contarato pode ser filiar aonde ele quiser. O PSB fez o convite a ele, o PDT fez o convite a ele, o PT fez, e ele fez a opção pelo PT. Eu liguei para ele e dei os parabéns. Não tem problema nenhum, zero de problema com isso.

Mas ele pode ser um eventual adversário na disputa pelo governo do estado. Pode, mas ele tem total legitimidade para concorrer ao governo.​

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/petistas-sao-arrogantes-e-agem-como-guardiaes-da-pureza-diz-governador-do-psb.shtml