Fernando Gabeira: Gasolina na fogueira
Fernando Gabeira / O Estado de S. Paulo
Como a maioria das pessoas, eu gostaria de um preço mais baixo nos combustíveis. E, também como a maioria das pessoas, não tenho a fórmula para que isso aconteça.
Essas limitações não impedem de achar estranho que tanto o governo como o Parlamento se ocupem intensamente da questão no final de seus mandatos. A simples pressão do tempo já é uma adversária na busca de uma saída inteligente.
O esforço para baixar o preço da gasolina tem um pouco de voluntarismo. O preço depende do mercado internacional, numa conjuntura política das mais turbulentas. No momento em que a Rússia cerca a Ucrânia, o preço do barril chega aos US$ 90; se as tropas russas cruzarem a fronteira ucraniana, o preço deve saltar para US$ 100. Só nesse movimento todos os esforços internos para reduzir o preço seriam engolfados pela conjuntura. Não é certo que a Rússia invada a Ucrânia. Mas o exemplo serve para mostrar a volatilidade dos preços internacionais.
Uma das propostas para baixar o preço do combustível, como a renúncia fiscal de quase R$ 100 bilhões, foi chamada de emenda kamikaze, em homenagem aos pilotos suicidas japoneses. Ela teve a assinatura do filho de Bolsonaro.
As consequências dessa renúncia se fariam sentir em toda a economia, provavelmente, inclusive, com aumento na taxa de juros, tornando, por exemplo, mais caro e distante o sonho da compra de uma casa própria. Para falar apenas nos efeitos suaves.
Muitos acham que é preciso se libertar dessa conjuntura internacional, sobretudo porque há autossuficiência na produção do petróleo. Mas o simples fato de produzir mais do que consome não resolve o problema. Há as características do petróleo brasileiro que favorecem a exportação para produzir asfalto lá fora. Há problemas para refinar todo o óleo produzido no Brasil. E há questões econômicas que às vezes fazem com que a compra lá fora, para um Estado como o Maranhão, seja mais econômica.
A pergunta mais frequente é esta: por que importar, se somos autossuficientes? Não me lembro de debates neste período parlamentar sobre o tema. A única menção que registrei foi uma proposta de aumentar o imposto de exportação, o que tornaria o óleo brasileiro talvez menos competitivo.
Também seria difícil no Brasil imaginar, por exemplo, políticas públicas destinadas a reduzir o consumo. Em muitos países do mundo já se tem a propriedade compartilhada de um carro, usando-o de acordo com a agenda de cada um dos coproprietários. O estímulo ao uso compartilhado em forma de caronas teve um lampejo no passado, mas foi bombardeado pela pandemia.
Essa linha só funciona com muita sintonia entre governo e sociedade.
Mas há outras que independem disso. Uma delas é o estímulo ao carro elétrico. Sem ele, este ano o crescimento deste tipo de veículo foi superior a 60% no Brasil.
Não vi, também, nenhum debate no sentido de estimular a conversão da indústria automobilista brasileira. Se tivesse acontecido no passado, talvez a Ford se sentisse mais competitiva e não deixasse o País.
Apesar da abertura para o álcool, o Brasil oficial se comporta como se o combustível fóssil fosse a forma natural e eterna com que movemos nossos veículos.
Quando vejo todo este esforço para baixar o preço da gasolina, não é apenas a conjuntura imediata que me faz comparar esse esforço com o mito de Sísifo – levá-la para o alto e ter de subir com ela de novo, incessantemente. Penso, também, no aquecimento global e no esforço econômico gigantesco no trânsito para uma economia de baixo carbono. Por mais recalcitrante que seja o governo, uma política de redução de emissões também é tarefa do Brasil. Ela custa dinheiro. Não faz sentido investir rumo à neutralidade na emissão de carbono e, simultaneamente, gastar dinheiro para emitir mais carbono.
Um governo e uma legislatura praticamente se esgotaram sem que os problemas do futuro próximo sejam equacionados.
A sensação é a de que estamos enxugando gelo e navegando em águas perigosas que oscilam entre renúncias radicais de arrecadação e propostas de subsídios para o uso da gasolina, sem restrições, inclusive para o grande movimento de barcos de passeio nos fins de semana.
Por sua relevância numa economia que gira sobre rodas, é importante considerar o caso do diesel. Mas, ainda assim, essa dependência do transporte rodoviário precisa ser encarada.
Até que o tema das ferrovias não ficou alheio ao governo. Bolsonaro concedeu à iniciativa privada a construção da ferrovia de 537 km que ligará Figueirópolis, no Tocantins, a Ilhéus, na Bahia. Vai se conectar com a Norte-Sul. Percorri um longo trecho da Leste-Oeste e tive a impressão de que vai demorar. Ao menos é um aceno para o futuro num governo mergulhado com o Congresso no pântano do imediatismo.
Não adianta muito, neste momento, falar de futuro. Sobretudo quando ele não tem repercussão eleitoral. Estaremos mais ou menos condenados a conviver com medidas que dão votos, mas também dão muita dor de cabeça para quem for desatar o nó da economia no ano que vem.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,gasolina-na-fogueira,70003981560
César Felício: O risco Telegram
César Felício / Valor Econômico
Para cada seguidor do canal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Telegram, o presidente Jair Bolsonaro tem 20. No caso do ex-governador Ciro Gomes, a proporção é de um para cinquenta. Em relação a Sergio Moro, é de 1 para 200.
Segundo a ferramenta Telegram Analytics, da própria plataforma digital, o canal oficial do atual presidente tem uma audiência diária de 1,2 milhões de acessos em seus cerca de 8 posts por dia. Cada post alcança uma média de 151,6 mil usuários.
O número de usuários do Telegram inscritos no canal de Bolsonaro cresceu de maneira ininterrupta entre maio e outubro do ano passado, e desde então está em um platô. Anteontem, ele tinha precisamente 1.049.509 inscritos. E isso se refere apenas ao seu canal oficial. Ainda existem os da sua legião de adeptos. Um deles, o do blogueiro Allan dos Santos, investigado no inquérito das “fake news” e proscrito em todas as redes sociais que seguem as orientações do Judiciário brasileiro, tem 124 mil seguidores. Lula, Ciro e Moro, somados, alcançam 70 mil.
A engenheira Giulia Tucci, da UFRJ, está elaborando uma tese de doutorado sobre o uso político do Telegram. E uma das suas primeiras constatações é que trata-se da rede mais ocupada pelo bolsonarismo. A título de comparação, no Twitter, por exemplo, a soma do total de seguidores de Lula, Ciro e Moro ultrapassa, ainda que por pouco, o toral dos seguidores do presidente: 7,4 milhões a 7,3 milhões.
Embora tenha um alcance relativamente pequeno, não é possível menosprezar o Telegram. Ele está instalado em 45% dos aparelhos de smartphones do Brasil, segundo a pesquisadora. Equivale a meio WhatsApp.
O presidente e seus seguidores transformaram o Telegram em uma estufa onde cultivam as suas lavouras mais promissoras, primeiro passo para que teorias controversas ganhem asas no imaginário do eleitor comum. Quando o Judiciário e o Congresso Nacional discutem meios de conter ou até mesmo de retirar o Telegram do ar, coloca-se em risco uma ferramenta poderosa na estratégia digital de Bolsonaro, que com certeza vai reagir.
De instrumento de campanha, o Telegram pode se transformar em um dos temas dela. O que não invalida e nem deve ser motivo para intimidar as autoridades preocupadas com a sanidade democrática a fazer o que precisa ser feito. Há conflitos que não podem ser evitados. Como disse ontem o jurista Joaquim Falcão na “live” do Valor, há um risco quando a liberdade de expressão colide com a expressão do direito.
Discute-se a interdição do Telegram pelo fato da rede fundada pelo russo Pavel Durov simplesmente ignorar a Justiça brasileira e sequer ter representantes no Brasil. Mas com o arcabouço jurídico existente atualmente a interdição não será uma operação simples.
O marco civil da internet, em vigor desde 2014, em seu artigo 12, incisos 3 e 4, estipula que plataformas digitais que não cumpram normas estão sujeitas a suspensão e banimento. Entenda-se aqui normas judiciais, o que não é o caso no momento do Telegram, uma vez que a plataforma por ora desprezou iniciativas da Justiça ainda no plano administrativo.
Mas mesmo quando a obrigação judicial vier, há controvérsias. Em um caso que terá repercussão geral quando julgado, o Supremo suspendeu a aplicação deste artigo, enquanto analisa uma decisão judicial de primeira instância de um magistrado de Lagarto (SE), que tentou tirar do ar o WhatsApp no país. O caso está em exame desde 2016. O juiz sergipano queria que o WhatsApp revelasse conversas entre narcotraficantes, e a plataforma digital argumentou que a decisão era impossível de ser cumprida, porque as conversas eram criptografadas.
A questão é enfrentada pelo Supremo no exame de uma ação de descumprimento de preceito fundamental, a 403, relatada por Luiz Edson Fachin, e por uma ação direta de inconstitucionalidade, a 5.527, nas mãos de Rosa Weber. O ministro Alexandre de Moraes, o mesmo que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral nas eleições deste ano e que comanda o inquérito das “fake news”, pediu vista das duas ações.
Para o professor de direito eleitoral Diogo Rais, da Universidade Mackenzie, o voto de Moraes, quando for feito, pode ser o primeiro passo para disciplinar como estes incisos do marco civil da internet poderão ser aplicados.
Em relação à falta de sede no Brasil, o que não é o caso do WhatsApp mas é o do Telegram, a situação é ainda mais complexa no âmbito judicial. Hoje isso não é proibido. “Não existe dispositivo que obrigue empresas de plataforma digital a terem representação no Brasil, a não sere que vendam anúncios”, comenta Rais.
O projeto relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) pode resolver este problema específico. O deputado pretende criar esta exigência. Mas o PL 2.630 tende a demorar a entrar em vigor. Rais lembra que a proposta é bastante complexa, vai muito além de tratar do caso que envolve o Telegram e ainda tem várias etapas do processo legislativo a serem cumpridas. A eleição é daqui a oito meses e a entrada em vigor de uma legislação anti-“fake news” ainda em discussão no Congresso está no plano da incógnita.
Um sinal das dificuldades que a proposta legislativa de coibir “fake news” pode enfrentar para ganhar ritmo célere foi o fato de a Câmara dos Deputados não ter aprovado o requerimento de urgência para a matéria, na sessão de anteontem, como inicialmente se esperava.
A discussão sobre o que fazer com o Telegram esquenta no momento em que o presidente Jair Bolsonaro retoma um enfrentamento - por enquanto restrito ao plano verbal, sem sombra de crise institucional - com os ministros Barroso, Fachin e Moraes.
As críticas de Bolsonaro aos três ministros em sua entrevista anteontem na Jovem Pan ganharam tons freudianos. O presidente enxergou comportamento adolescente nos três e se queixou que Moraes não o atendeu quando Bolsonaro dirigiu a palavra a ele, em um encontro protocolar no Palácio do Planalto, no início do mês, que durou menos de dez minutos. Mas o confronto perde o tom de anedota quando o presidente busca jogar as Forças Armadas contra a Justiça Eleitoral, como fez na semana passada ao mencionar um questionário apresentado pelo Exército ao Supremo, sob promessa de sigilo. Foi um presságio sinistro das tempestades que podem vir pela frente.
*César Felício é editor de Política.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/o-risco-telegram.ghtml
Petrópolis: chuvas de verão extremas refletem mudanças climáticas?
Rafael Barifouse / Da BBC News Brasil
A primeira é de dor e revolta, pelas vidas perdidas por causa dos desastres, mas é bastante comum ouvir também que esses eventos extremos são por causa das mudanças climáticas.
Mas dá pra dizer isso? Ou são as mesmas tempestades de verão de sempre?
A resposta está no meio do caminho, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Isso porque, sim, nessa época do ano, costumam ocorrer chuvas muito fortes.
Mas, ao mesmo tempo, a frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos está aumentando, de acordo com os dados científicos disponíveis.
A meteorologista Josélia Pegorim, da Climatempo, explica que essas tempestades são um resultado de um fenômeno climático conhecido como zona de convergência do Atlântico Sul.
Essas zonas se formam quando a umidade trazida pelos ventos da Amazônia se encontra com uma frente fria que vem do sul.
Isso faz com que as nuvens carregadas fiquem concentradas em uma região até desaguarem em temporais.
"Praticamente todos os anos a gente observa a formação dessas zonas de convergência, com maior ou menor intensidade. Não é nenhuma novidade, não dá pra dizer que é um fenômeno novo que as mudanças climáticas estão provocando", diz Pegorim.
Combinação
A meteorologista faz uma ressalva, no entanto: as zonas de convergência explicam os temporais em Minas, São Paulo e Bahia, mas, no caso de Petrópolis, tratou-se de um evento diferente e excepcional.
"Os outros eventos de chuvas fortes que teve foram chuvas que foram se acumulando em alguns dias, houve vários episódios de chuva intensa. Foram vários eventos de zonas de convergência atuando na mesma região ao longo de semanas. Em Petrópolis, choveu em três horas mais do que a média histórica do mês inteiro", diz Pegorim.
A meteorologista diz que houve na cidade fluminense uma "combinação perfeita" de fatores climáticos.
O ar já estava úmido por causa de uma frente fria que tinha passado. Ventos vindos do oceano trouxeram ainda mais umidade. E o encontro desse ar mais frio com uma massa de ar quente na região serrana favoreceu a formação de nuvens.
Para completar, o relevo montanhoso fez com que os ventos úmidos subissem as encostas das serras e deixassem as nuvens ainda mais carregadas.
Estael Sias, meteorologista da Metsul, concorda que a chuva que atingiu Petrópolis foi incomum por causa da sua intensidade em uma área tão concentrada, mas diz que isso não chega a ser surpreendente.
Sias explica que o encontro entre massas de ar frio e quente costuma ser o gatilho de formação de nuvens com potencial "explosivo".
O relevo dessa área do Rio também contribui para que ocorram chuvas fortes.
"Não precisa ir muito longe, nas últimas décadas, a região serrana teve temporais, deslizamentos e mortes", recorda a meteorologista.
Ela cita especialmente as chuvas de janeiro de 2011, que deixaram mais de 900 mortos em Petrópolis, Nova Friburgo e Teresópolis.
Mas Sias avalia que a ocorrência de uma sequência de chuvas tão intensas em tão pouco tempo, junto com outros eventos climáticos extremos, é um sinal das mudanças climáticas.
"Houve tempestades de areia no ano passado, calor muito forte no sul do país neste ano, cheia no Tocantins, secas intensas. Quando a gente olha tudo isso junto pode considerar um indicativo", diz Sias.
O climatologista Carlos Nobre diz ser raro que as mudanças climáticas provoquem eventos nunca vistos antes.
O mais comum é ver fenômenos extremos como esses cada vez mais intensos e frequentes.
"Basta olhar os relatórios científicos e ver que a frequência das ondas de calor é de três a quatro vezes maior do que há 150 anos, as chuvas intensas que causam desastres ficaram mais frequentes, os incêndios florestais e as secas, batemos recordes de temperatura. Tudo isso está acontecendo por causa do aquecimento global", diz Nobre.
O cientista avalia que o que causa a tragédia não é exatamente a ocorrência das tempestades, mas o fato de muita gente morar em áreas de risco e continuarem a viver ali mesmo depois de desastres como o de 2011, por exemplo.
Hoje, diz Nobre, 5 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco. "Isso não é nada trivial", afirma o climatologista.
"O que a gente vê hoje acontece em meio a um aumento de pouco mais de 1 grau na temperatura do planeta e, mesmo que a gente tenha muito sucesso com as políticas ambientais, ainda vai subir mais, então, a gente precisa colocar em prática políticas para sermos mais resilientes a esses desastres naturais, e a melhor delas é não deixar as pessoas habitarem áreas de risco."
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/geral-60411363
TSE: Barroso se despede com discurso em defesa à democracia e recados a Bolsonaro
Luana Patriolino / Correio Braziliense
O ministro Luís Roberto Barroso se despediu do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta quinta-feira (17/2) com um discurso a favor da democracia e em combate ao discurso de ódio e às fake news. O magistrado disse que, "nos últimos tempos", a democracia e as instituições "passaram por ameaças das quais acreditávamos já haver nos livrado".
No pronunciamento, Barroso afirmou que "não foram apenas exaltações verbais à ditadura e à tortura, mas ações concretas e preocupantes". O ministro citou as manifestações antidemocráticas de 7 de Setembro e a atuação do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra o Judiciário e a desestabilização dos Poderes.
“A democracia e as instituições brasileiras passaram por ameaças nas quais acreditávamos já haver nos livrado. Não foram apenas exaltações verbais à ditadura e a tortura, mas ações concretas e preocupantes”, disse.
Como fatos de preocupação, Barroso citou:
- Comparecimento a manifestação na porta do comando do Exército, na qual se pedia a volta da ditadura militar e o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal;
- Desfile de tanques de guerra na Praça dos Três Poderes com claros propósitos intimidatórios;
- Ordem para que caças sobrevoassem a Praça dos Três Poderes com a finalidade de quebrar as vidraças do Supremo em ameaça a seus integrantes;
- Comparecimento [de Bolsonaro] a manifestação de 7 de setembro com ofensas a ministros do Supremo Tribunal Federal e ameaças de não mais cumprir de não cumprir decisões judiciais;
- Pedido de impeachment de ministro do STF em razão de decisão judicial que desagradava;
- Ameaça de não concessão de emissora que faz jornalismo independente;
- Agressões verbais a jornalismo e veículos de imprensa.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/02/4986086-barroso-se-despede-do-tse-com-defesa-da-democracia-e-recados-a-bolsonaro.html
STF mantém restrições à propaganda eleitoral em jornais e na internet
Marcelo Rocha / Folha de S. Paulo
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter as restrições atualmente impostas à propaganda eleitoral em jornais impressos e na internet.
Parte do pacote de ações em análise na corte e que poderia afetar as eleições de outubro, o tema dividiu o plenário do STF e provocou um longo debate. Iniciado na semana passada, o julgamento foi concluído nesta quinta-feira (17).
Foram 6 votos a 4 contra o abrandamento das regras relativas à publicidade de candidaturas em meios impressos e na internet. Um dos ministros votou para atender ao pedido parcialmente.
A maioria dos ministros entendeu que as limitações em vigor não ferem princípios de isonomia, da livre concorrência, das liberdades de expressão, imprensa e informação. Além disso, frisaram o risco de mudanças nas regras meses antes da eleição.
Alguns dos magistrados afirmaram que a desregulamentação do tema embute o risco de proliferação de plataformas que se apresentam como empresas de comunicação e atuam, na verdade, para agravamento do ambiente de desinformação na internet.
Eles cobraram do Legislativo a aprovação de lei que balize o funcionamento de empresas de serviço de mensagens e de redes sociais no Brasil. Atualmente em análise na Câmara, o PL (projeto de lei) da Fake News se propõe a essa tarefa.
Autora da ADI (ação direta de inconstitucionalidade), a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) argumentou que a restrição à publicidade em veículos impressos é desproporcional, inadequada e não atinge seus objetivos. Afirmou também que as restrições atuais abrem mais espaço para as fake news.
De acordo com a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), a propaganda em meios de comunicação impressos se restringe a dez anúncios por candidato, por veículo e em datas diversas.
A peça publicitária não pode ocupar mais de 1/8 de página de jornal padrão e de 1/4 de página de revista ou tabloide. A divulgação pode ocorrer até a antevéspera das eleições.
Quanto à internet, a lei veda a veiculação de propaganda eleitoral paga, admitindo somente o impulsionamento de conteúdo devidamente identificado. Há impedimento também a que uma empresa qualquer difunda propaganda eleitoral em site próprio, mesmo que gratuitamente.
Para o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, não é possível alterar regras antigas e consolidadas sobre propaganda eleitoral há menos de um ano do pleito.
Medeiros afirmou que as restrições são uma opção legítima do legislador e que qualquer mudança deve ocorrer pela via legislativa.
Relator da ADI, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, opinou pela procedência do pedido por entender que as restrições legais violam os princípios como a livre concorrência e a liberdade de expressão.
Fux afirmou que propaganda eleitoral deve ser regulada de modo a assegurar a igualdade de condições entre os candidatos, mas a legislação atual contém expressiva diferença de tratamento.
Para ele, a vedação da propaganda paga na internet causa um desequilíbrio injustificado entre as diferentes plataformas de comunicação.
O presidente da corte afirmou que o impulsionamento de conteúdo eleitoral remunerado autorizado pela lei beneficia empresas gestoras de redes sociais. Por outro lado, ficam prejudicadas as empresas jornalísticas, proibidas de se financiarem com a propaganda eleitoral na internet.
Em relação aos veículos impressos, Fux entendeu que a existência de novos e variados meios de transmissão de informação pela internet tornou inadequadas as limitações quantitativas, espaciais e temporais aos anúncios nos jornais.
Existem, segundo ele, instrumentos legais eficazes para assegurar a igualdade de chances e combater o abuso do poder econômico no pleito. Citou, como exemplos, o dever de transparência na propaganda eleitoral, o limite de gastos em campanhas e a proibição ao financiamento destas por pessoas jurídicas.
Fux foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia.
Autor de voto pela improcedência do pedido por entender válidas as restrições, o ministro Kassio Nunes Marques afirmou que a propaganda eleitoral "não se presta a alavancar negócios e muito menos a gerar receitas a jornais, revistas ou tabloides".
"Trata-se de uma opção política do legislador sobre onde e como devem ser gastos os recursos provenientes do recurso eleitoral. Não há nisso, penso eu, nenhuma violação à liberdade de expressão", afirmou.
Kassio destacou que apenas o Legislativo pode alterar as restrições legais impostas à propaganda eleitoral questionadas pela ANJ.
Destacou ainda que, embora a Lei das Eleições seja de um período em que a internet não tinha tanta influência na disputa eleitoral, esse fator, por si só, não constitui uma inconstitucionalidade.
Os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes se alinharam ao entendimento de Kassio.
André Mendonça, por sua vez, atendeu em parte o pedido da ANJ, por entender que deve ser admitida a propaganda paga em sites de jornais na internet. No entanto, para ele, limitações para jornais impressos devem prosseguir, dentro de parâmetros a serem estabelecidos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/stf-mantem-restricoes-a-propaganda-eleitoral-em-jornais-e-na-internet.shtml
Religiosos que apoiaram Bolsonaro em 2018 agora indicam afastamento
Daniel Weterman e Felipe Frazão / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Pastores que apoiaram a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, começaram a rever suas posições e a preparar terreno para conversas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa de outubro. Movimentações recentes de líderes evangélicos dão sinais de que Bolsonaro não terá o mesmo engajamento massivo desse segmento para se reeleger.
A tendência de figuras proeminentes de igrejas pentecostais e neopentecostais é a de adotar uma posição mais reservada, diferente da campanha escancarada de quatro anos atrás. Líderes dessas instituições mantêm interlocução com o Planalto, levando demandas por isenções tributárias, perdão de dívidas e maior espaço no governo, mas estão dispostos a negociar com quem for eleito em outubro. Ainda ontem, o Congresso promulgou a emenda constitucional que estende a templos religiosos alugados a isenção de pagamento do IPTU (mais informações nesta página).
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Alckmin ajuda Lula a se aproximar de evangélicos e Bolsonaro convida cúpula das igrejas para café
O pastor José Wellington Bezerra da Costa, líder da Assembleia de Deus do Belém, a mais tradicional dessa denominação, afirmou ter simpatia por Bolsonaro, mas indicou que não pedirá votos para ele neste ano. Além disso, disse estar aberto para um diálogo com o vencedor, mesmo se for Lula. O pastor já foi próximo dos governos do PT, mas apoiou Bolsonaro em 2018.
A reaproximação de Lula com o segmento tem sido promovida em várias frentes e conta com a ajuda do pastor Paulo Marcelo – que faz parte da ramificação liderada por José Wellington – e do ex-governador Geraldo Alckmin, nome cotado para vice na chapa.
A Assembleia de Deus tem 12 milhões de fiéis no Brasil, segundo o IBGE, divididos entre diferentes alas que foram se separando ao longo dos últimos anos. “Nós nunca tivemos problema pessoal. O presidente Lula é uma pessoa nordestina como eu, e a mim não interessa falar mal dele e de nenhum deles. Política é muito mutável, muito dinâmica. Hoje você entende uma coisa e amanhã pode entender outra. Estamos caminhando e pedindo para que Deus dê o melhor para o Brasil”, afirmou José Wellington.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, o pastor admitiu que a Assembleia de Deus faz a intermediação de emendas para três de seus filhos, que são parlamentares. A declaração causou mal-estar entre líderes evangélicos, mas mostrou a prioridade das igrejas em 2022, que é a de aumentar a bancada no Congresso. A Frente Evangélica quer ter pelo menos 30% das vagas na Câmara e no Senado. “Para os meus deputados, faço isso (peço voto). Para presidente, não precisa. Eles têm uma mídia tremenda e dinheiro. Não há necessidade de a igreja se envolver nessa altura”, afirmou José Wellington.
Em dezembro, pesquisa Ipec mostrou empate entre Bolsonaro e Lula nas intenções de votos entre os evangélicos: o petista com 34% e o atual presidente, com 33%.
Desgaste
A atuação de Bolsonaro na pandemia de covid-19 provocou perda de apoio em diferentes segmentos. “Já existe uma migração. Bolsonaro faz uso político da ideia de família tradicional, mas isso se desgastou porque você não tem ações que sejam diferentes de governos anteriores”, disse o reverendo Valdinei Ferreira, da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.
Frequentador do Planalto, o missionário R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, também tem filhos na política. Um deles é o deputado David Soares (DEM-SP), autor de um projeto que perdoou dívidas de igrejas. O missionário é um dos pioneiros entre os pastores televangelistas. A igreja tem programas diários na TV aberta, um canal próprio e mais de 3 mil templos. “Faz tempo que não falo com ele (Bolsonaro). O País está nessa crise da pandemia, fecharam as coisas, o povo ficou desempregado”, disse Soares.
Ex-bolsonarista, o pastor Carlito Paes, da Igreja da Cidade, de São José dos Campos (SP), puxa agora críticas ao governo e ao PT e se aproxima do presidenciável do Podemos, Sérgio Moro. “Quando a política vira religião, a crítica consciente desaparece e cede lugar à alienação”, escreveu Paes.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,religiosos-que-apoiaram-bolsonaro-em-2018-agora-indicam-afastamento,70003982829
Luiz Werneck Vianna: O que ainda nos falta
Luiz Werneck Vianna / Democracia e Novo Reformismo
Em respeito aos fatos seria ocioso dizer que o governo que aí está já acabou, deixando atrás de si um monte de escombros, o culto narcísico do poder pelo poder em personagens liliputianos, embevecidos com o destino imerecido com que foram contemplados, agarrados como ostras às posições a que foram alçados sem merecimento. Personagens como os ministros Queiroga e Paulo Guedes mereceriam ser objeto da ironia de um Machado de Assis que certamente não escapariam de uma de suas páginas com suas empáfias solenes e vazias. Mas, no mundo da política as coisas não caem pela ação da gravidade como as maças de Newton, é preciso uma ação que provoque sua queda, e como tarda entre nós esse movimento o governo que não governa encontra meios para persistir em posições de mando.
Por falta disso, mesmo que sem um propósito claro, salvo o de se perpetuar no poder, o regime Bolsonaro subsiste diante de uma oposição que passivamente se mantém na expectativa de que a maça caia no seu colo como anunciam as previsões eleitorais. Tais previsões são conhecidas por todos, escrutinadas pelos estrategistas bolsonaristas, que conspiram em tempo contínuo para que elas não se realizem, inclusive em movimentos de alto risco como nessa viagem a Moscou em plena crise de alcance mundial pela questão da Ucrânia, em claro movimento dissonante da política dos EEUU, potência hegemônica com a qual sempre nos alinhamos.
A derrota eleitoral em 2022 no segundo turno, se não no primeiro, já faz parte da planilha dos dirigentes bolsonaristas, onde medra a desconfiança com as forças aliadas do Centrão que podem face ao horizonte sombrio que lhes parecem reservar as urnas buscar alternativas de sobrevivência nas hostes da oposição, várias delas treinadas nas artes da convivência com elas. Para o regime Bolsonaro o processo eleitoral é percebido como a crônica de uma morte anunciada, e, nesse sentido, se prepara para tumultuá-lo e impedir sua tramitação efetiva, reiterando as práticas de Donald Trump nas últimas eleições americanas com a invasão do Capitólio. Aqui, seu cavalo de batalha é o da denúncia das urnas eletrônicas, garantia de lisura da competição eleitoral, procurando aliciar para esses fins setores das forças armadas.
Visto dessa perspectiva, a ida a Moscou, nas circunstâncias em que se realizou, perde sua aparência de uma mera visita protocolar, significando uma manobra, certamente arriscada, de mudança da inscrição do país na cena internacional, uma vez que a adesão do Presidente Biden ao tema dos direitos humanos não lhe servir como âncora em iniciativas liberticidas, mais palatável a governos de confissão iliberais e autocráticos como os que agora são objeto de inclinações da sua política externa. Uma vez que a forma rústica de que se reveste o governo Bolsonaro lhe serve para ocultar suas intenções, no caso seu encontro com o presidente Putin dá pistas do seu plano de estado-maior para investir contra o processo eleitoral guarnecido de um anteparo internacional a fim de se defender de reações ao seu intento golpista.
Nesse cenário, em que de um lado se usam de todos os recursos disponíveis a fim de impedir o caminho institucional a partir do qual as forças democráticas venham a impor pelas urnas a derrota do atual governo, de outro, confia-se cegamente que o curso natural das coisas e o simples fluxo do tempo facultará a interrupção do pesadelo que aflige o país. Desatenta ao terreno em que pisam, a oposição se entregou ao fetichismo institucional, e, pior, entregou-se a uma disputa fratricida pelo poder, sob a motivação de preservar suas identidades partidárias numa eventual vitória na sucessão presidencial. Por toda parte, engalfinham-se os postulantes por nacos de poder, como se vivêssemos na plenitude de um regime democrático.
Com base em ressentimentos do passado, particularmente os que se originaram de equívocos de administrações petistas, desconsidera-se a oportunidade aberta pela feliz iniciativa de próceres que imaginaram a imprevista união entre Lula e Alkmin, duas lideranças saídas do campo democrático, e muitos saem à cata de terceiras vias para voltarem de mãos abanando de suas buscas, que, em alguns casos só servem para justificar seus interesses particularistas. Não há nada além de duas vias, a do regime Bolsonaro e a democrática, que cabe alargar com a incorporação sem distinção entre todos os democratas.
Somos herdeiros de uma história que começou tisnada pela mácula do latifúndio e da escravidão, que ainda pesam como chumbo às nossas costas, e com a república experimentamos o fascismo com o Estado Novo de 1937, no regime do AI-5 em 1989, e que, de forma latente, nos ameaça agora e não podemos ignorar os sinais sombrios que eles emitem para nós. Como sempre, o melhor remédio para enfrenta-lo é a união de todos os democratas.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2022/02/luiz-werneck-vianna-o-que-ainda-nos.html
Luiz Carlos Azedo: Tragédias se repetem em escala cada vez maior
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Todo repórter passa por várias editorias bem antes de chegar àquela na qual se encontra profissionalmente, o que é o objetivo de qualquer jornalista. A melhor escola de reportagem de uma redação, porém, é a editoria de Cidade, que cuida do dia a dia dos seus leitores.
Em 1975, após passar pelos jornais O Dia, A Notícia, Última Hora, O Fluminense e A Tribuna, de Niterói, fui trabalhar no Diário de Petrópolis, cujo dono, José Antonio Dias Carneiro, delegara a tarefa de dirigir o jornal ao seu filho, Paulo Antônio Carneiro, então um jovem idealista, alguns anos apenas mais velho do que eu. Fui contratado para fazer reportagens especiais sobre a Cidade Imperial e a Região Serrana do Rio de Janeiro, que estava em pleno processo de fusão. Os jornais diários do interior fluminense lutavam para não desaparecer, diante da força dos concorrentes da antiga Guanabara.
Nessa época, morava em Niterói e estudava Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense (UFF), o que me obrigava a pegar o primeiro ônibus do dia que ligava as duas cidades, para chegar bem cedo à redação e voltar no final da tarde, a tempo de assistir as aulas. Certa vez, o ônibus em que viajava foi assaltado por um bandido armado. Acabou cercado na antiga barreira de fiscalização que havia próximo ao Hotel Quitandinha. Depois de longa e tensa negociação, o assaltante se rendeu. Naquele dia, voltei para a redação para contar a história como testemunha ocular e dormi na Cidade Imperial.
Choveu muito naquela noite. Na manhã seguinte, a notícia havia chegado à redação primeiro do que eu: um leitor telefonou para o jornal e avisou que uma família havia sido soterrada num deslizamento de encosta. Morreram o casal e quatro crianças. Ao fazer a cobertura da tragédia, observei que a casa onde eles moravam fora construída em condições completamente irregulares, a começar pelo loteamento do terreno, um dos primeiros nas encostas íngremes da cidade.
Após o funeral das vítimas, sugeri ao então editor-chefe do jornal a publicação de uma série de reportagens sobre a especulação imobiliária e a ocupação irregular das encostas de Petrópolis. O jornalista Diógenes Dagoberto Costa, meu chefe, era um ex-sargento da Aeronáutica, expulso da caserna após o golpe militar de 1964, por suspeitas de ligações com o antigo PCB. Pautou 10 reportagens.
A 68km do Rio de Janeiro, Petrópolis localiza-se no topo da Serra da Estrela, no conjunto montanhoso da Serra dos Órgãos, com verões úmidos e quentes e invernos secos e relativamente frios, que podem chegar a 2° centígrados. As montanhas concentram a massa de ar quente e úmido, que sobe a 2 mil metros de altitude. O contato com o ar frio dessas altitudes provoca chuvas catastróficas.
Somente após a descoberta de ouro e diamante na região de Minas Gerais, a cidade passou a ser ocupada pelos portugueses. Em 1822, D. Pedro I se encantou com a região e comprou a Fazenda do Córrego Seco, com propósito de construir um palácio. Em 1843, Dom Pedro II decidiu criar um povoado para assentar os primeiros imigrantes alemães e construir o palácio idealizado por seu pai, que ficou pronto quatro anos depois.
Da taipa à alvenaria
Petrópolis nasce projetada pelo major Júlio Frederico Koeler, com um núcleo urbano belíssimo, com ares europeus, bem de acordo com a vontade de um imperador descendente da Casa dos Habsburgo. Dom Pedro II passou 40 verões em Petrópolis, temporadas que, às vezes, duravam cinco meses.
Em 1861, a cidade foi servida pela primeira rodovia macadamizada do Brasil, a Estrada União e Indústria, que ligava o Rio a Juiz de Fora (MG). A Estrada de Ferro Príncipe do Grão Pará (Leopoldina) chegou à cidade em 1883, por iniciativa do Barão de Mauá. Todos os presidentes, de Floriano a Costa e Silva, frequentaram Petrópolis.
A série de reportagens sobre a ocupação das encostas denunciou a especulação imobiliária, a grilagem de terras, a exploração da população mais miserável da cidade. Com ampla repercussão, aumentou o prestígio e a circulação do jornal, mas provocou forte reação do mercado imobiliário e da extrema-direita local, que acusava Paulo Antônio e Diógenes de serem comunistas.
Àquela época, oficiais do antigo Batalhão de Caçadores do Exército monitoravam o Diário. O resultado foi o enquadramento dos dois na Lei de Segurança Nacional (LSN) e a adoção de censura prévia no jornal. O que não sabíamos é que a “Casa Morte”, um aparelho do DOI-Codi do Exército utilizado para torturar e assassinar oposicionistas, estava localizada no município.
Desde então, as tragédias se repetem em Petrópolis, aumentando de escala. O contraste entre o notável conjunto arquitetônico do seu centro histórico e os loteamentos nas encostas tomadas por construções em áreas de risco é gritante. Os “arquitetos” da periferia, ao longo de quase 50 anos, saíram da taipa para a alvenaria, não têm uma cultura de construção civil tecida ao longo dos séculos, como os antigos mestres e artífices de obras europeus que, com trabalho escravo, construíram o centro histórico.
Além disso, as mudanças climáticas provocam eventos mais extremos, com chuvas cada vez mais catastróficas para as encostas da cidade. É uma situação muito mais grave do que a das favelas do Rio de Janeiro, onde há muita contenção de encostas. O saldo parcial de 117 mortos e 116 desaparecidos mostra isso.
Centro que monitora desastres naturais teve menor orçamento da história
Mariana Alvim / Da BBC News Brasil em São Paulo
Em dezembro de 2015, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) entregava ao município de Petrópolis (RJ) uma moderna Estação Total Robotizada (ETR), um equipamento capaz de detectar a movimentação de terra e, assim, ajudar a detectar possíveis deslizamentos nos morros.
Mas, neste fevereiro de 2022, quando fortes chuvas levaram à morte de mais de cem pessoas no município, o equipamento não estava mais em Petrópolis, e sim em Cachoeira Paulista (SP), onde está uma unidade do Cemaden. Em 2017, as nove ETRs que a instituição havia espalhado para municípios piloto no país, incluindo Petrópolis, precisaram ser retiradas para manutenção e nunca mais voltaram, segundo conta o diretor do Cemaden, o físico Osvaldo Moraes.
"Essas estações requerem a calibração em laboratório, mas não tínhamos orçamento para isso. Preferimos retirá-las do campo do que deixá-las lá, depreciando-se. Não tínhamos recurso para fazer esta manutenção, e continuamos sem recurso", relata Moraes.
O Cemaden é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e, segundo dados enviados pelo próprio centro à reportagem, este teve em 2021 o menor orçamento desde sua criação, em 2011. No ano passado, o Cemaden recebeu R$ 17,9 milhões de verbas federais; em 2020, havia recebido R$ 20,9 milhões; e em 2012, R$ 90,7 milhões (o primeiro ano de que se há registro). Estes valores são nominais, ou seja, não incluem as variações inflacionárias.
Para 2022, Moraes diz que há a previsão de uma recomposição deste orçamento, com valor anual total de R$ 23 milhões.
A BBC News Brasil pediu posicionamentos para o MCTI e para o Ministério da Economia sobre os cortes orçamentários para o Cemaden nos anos recentes, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Segundo o diretor do centro, os anos iniciais trouxeram os maiores volumes de verbas; entre 2015 e 2020, os valores ficaram em um mesmo patamar, até a queda em 2021. O Cemaden foi criado em 2011, meses após chuvas, enchentes e deslizamentos deixarem mais de 900 mortos da Região Serrana do Rio de Janeiro, área da qual Petrópolis faz parte.
"Esse orçamento inicial foi muito alto porque se destinava exatamente a uma coisa que o Brasil não tinha antes. Era para fazer a compra e instalação da rede de monitoramento", ressalva Osvaldo Moraes.
Alertas enviados em Petrópolis
Em resumo, a função do Cemaden é, com seus equipamentos, monitorar áreas de risco — não só para enchentes, mas também para seca, entre outros — e emitir alertas para o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), que então encaminha a sinalização para as defesas civis locais.
Segundo reportagem do jornal O Globo de quarta-feira (16/2), o comandante da Defesa Civil em Petrópolis confirmou que recebeu alertas do Cemaden para o município nesta semana e, na terça-feira (15), mensagens de SMS foram enviadas à população.
Entretanto, o diretor Osvaldo Moraes diz que "nem a Nasa (agência espacial americana)" seria capaz de prever tamanho volume de chuvas que ocorreu naquele dia, e nem o local exato dos desastres com precisão: "A gente sabia que iria acontecer na Região Serrana do Rio de Janeiro, mas não se seria em Petrópolis, e sendo em Petrópolis, em qual local."
A meteorologista Camila Frez, que trabalha na defesa civil de um município do Rio, concorda: "Eu estava no monitoramento este dia (terça-feira), tinha sim previsão de chuvas moderadas a fortes, mas foi realmente excepcional. O núcleo de chuvas ficou sobre Petrópolis, foi realmente muito intensa."
Frez explica que uma lei de 2012 estabeleceu que a proteção e a defesa civil são responsabilidade compartilhada entre governo federal, estados e municípios, embora cada um destes tenha suas funções específicas. Por exemplo, a União é responsável por estabelecer normas e critérios na área — como quais são os critérios para se decretar calamidade pública. Ela também, na prática, estrutura sistemas como o próprio Cemaden e a Interface de Divulgação de Alertas Públicos (Idap), que permite o envio de alertas à população através de SMS e TV por assinatura.
Os estados devem ajudar os municípios na elaboração de planos de contingência e mapeamento de áreas de risco, além de articular as ações da União e cidades em seu território. Na outra ponta, os municípios são responsáveis por mapear áreas de risco, realizar simulações com a população e fornecer assistência emergencial.
"Quando a gente pensa que grande parte dos municípios não possui equipes técnicas dentro das defesas civis municipais, o Cemaden ajuda muito, porque eles têm esses especialistas. E muitas vezes (as cidades) não têm investimento para adquirir equipamentos de monitoramento, então o Cemaden ajuda nisso também, porque eles possuem equipamentos hidrológicos, geológicos e meteorológicos", explica a meteorologista, especialista em defesa civil.
Mas o próprio diretor da instituição diz que a cobertura do Cemaden é insuficiente para chegar a todos os municípios brasileiros.
"Nós temos no Brasil mais de 5 mil municípios, e a rede do Cemaden cobre apenas 30% deles. Não temos orçamento para fazer a expansão da rede de monitoramento. Esse é um gargalo", diz Osvaldo Moraes.
Segundo o físico à frente da instituição, o orçamento dos últimos anos tem possibilitado a manutenção da estrutura que já existe — mesmo assim, não da forma ideal.
"Os equipamentos vão degradando com o tempo, a gente não consegue repor aqueles que a gente tem. E temos defasagem tecnológica: há equipamentos mais modernos que poderiam ser adquiridos, para substituir a atual rede."
"Temos uma rede de pluviômetros automáticos que tem 10 anos, e certamente hoje existem outras tecnologias mais modernas que poderiam substituir esses equipamentos, com menor custo de manutenção, maior durabilidade e confiabilidade", aponta.
Os cortes para o Cemaden fazem parte de um contexto de redução orçamentária para o todo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações em 2021.
Holofotes e cifras que desaparecem pouco a pouco
Presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski diz que também há verbas insuficientes, e em alguns casos quase nulas, para a prevenção e gestão de desastres direcionada aos municípios — onde "tudo arrebenta" nessas situações.
"Qualquer fato ou ato sempre acontece em um município, e é onde o cidadão mora. A União está a milhares de quilômetros, o estado está na capital, então logicamente o poder mais próximo a quem o cidadão se dirige, é a prefeitura," aponta Ziulkoski.
"O Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil diz que a União compartilharia responsabilidades, forneceria assistência técnica e financeira. Só que a técnica é para inglês ver, e dinheiro, tem menos ainda."
"O município não tem recurso, então não é feita a prevenção. Isso se repete. Infelizmente, temos que dizer que isso (tragédia como em Petrópolis) vai se repetir", lamenta.
"Não adianta a lei dizer que é o município que tem que mapear áreas de risco. A pessoa não tem onde morar e vai para uma encosta, uma área de risco, e não há recurso para (o município) fornecer habitação em outra região com mais segurança."
O presidente da CNM reclama também que a cada vez que um grande desastre natural acontece, políticos da esfera federal e estadual prometem verbas — que, segundo ele, desaparecem um pouco mais a cada ano.
"A quantidade vai diminuindo até que o resto nunca vem, fica em restos a pagar", aponta Ziulkoski, lembrando do Fundo Especial para Calamidades Públicas (Funcap) que, na prática, "não tem mais nada de recurso".
Um exemplo disso apareceu em um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo no Portal da Transparência, o qual mostrou nesta quarta-feira (16) que apenas 47% do valor previsto (R$ 192,8 milhões de R$ 407,8 milhões) para o programa de prevenção e resposta a desastres do governo estadual do Rio foi de fato empenhado em 2021.
Em nota enviada à BBC News Brasil, o governo estadual do Rio afirmou que "mesmo com diversas restrições financeiras em 2021" investiu "mais de R$ 300 milhões em quase 30 ações relacionadas à prevenção de desastres e emergências na Região Serrana".
"Neste ano de 2022, em apenas dois meses, o governo já empenhou R$ 115 milhões, 1/4 do que foi investido em 2021, com perspectiva de investir quase R$ 1 bilhão na região", completa a nota.
Previsão de mais eventos extremos
A meteorologista Camila Frez diz que embora os governos precisem promover medidas estruturais como impedir a moradia em áreas de risco, medidas não estruturais como a emissão de alertas são também "essenciais".
"Como a gente não consegue eliminar totalmente os riscos, fazer todas as obras (estruturais), são as medidas não estruturais que vão minimizar os riscos de desastres", diz a especialista, destacando a importância da população fazer seus cadastros para receber alertas em suas cidades, enviando uma mensagem de SMS gratuitamente para o número 40199 com o CEP do endereço.
Para Frez, soluções como essas, estruturais ou não estruturais, envolvendo governos e população, serão cada vez mais necessárias.
"Está aumentando o número e a frequência dos desastres naturais. Com o problema das mudanças climáticas, teremos cada vez mais eventos extremos acontecendo — da seca às chuvas intensas."
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60426946
Fachin promete estender mão a Bolsonaro, mas diz que não vai 'tolerar os intolerantes'
José Marques / Folha de S. Paulo
No centro das críticas do presidente Jair Bolsonaro (PL), o futuro presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Edson Fachin, afirma que terá uma postura colaborativa e de diálogo com o mandatário, mas que adotará medidas caso a Justiça Eleitoral seja atacada.
"Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, nós não vamos tolerar os intolerantes. Mas, por agora, eu tenho uma mão estendida e eu espero reciprocidade", afirmou o ministro, em entrevista à Folha.
Fachin assume no próximo dia 22, em substituição a Luís Roberto Barroso, ambos integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal). Em reunião de transição na terça (15), o ministro afirmou que havia riscos de ataques aos sistemas do TSE oriundos da Rússia —onde estava o presidente da República, em viagem.
Em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro disse que a fala de Fachin era lamentável e "fake news". O ministro afirma que entende as falas do presidente como narrativa política e diz que mencionou a Rússia porque é um exemplo real.
O ministro, que é relator da Lava Jato no STF, afirma ainda que a operação não acabou, já que ainda existem inquéritos em andamento, e é resultado de um ganho institucional do Brasil. Segundo ele, excessos e irregularidades estão sendo corrigidos.
O presidente Bolsonaro disse que o discurso do sr. foi fake news e que os ministros do Supremo se comportam como adolescentes. Qual a sua avaliação? Eu diria três coisas. A primeira, que toda pessoa, inclusive o presidente da República, tem o direito legítimo de crítica, e ninguém é imune à crítica. Portanto, o juízo de valor que se faz deve ser acolhido como exercício do dissenso dentro de uma sociedade democrática.
A segunda observação é que o presidente, ao lado das funções estatais, tem atividades políticas. Na atividade política, os fatos sofrem substituição por narrativas. Eu fiz um pronunciamento por escrito, para deixar registrado. O que eu mencionei é que há possibilidade de um ciberataque à Justiça Eleitoral, nomeadamente ao Tribunal Superior Eleitoral, e que a segurança cibernética era um item fundamental.
As milícias digitais se hospedam em diversos países, e mencionei a Rússia como um dos exemplos –eu poderia ter mencionado a Macedônia do Norte. Estou falando de riscos que são reais, mais que potenciais, e que podem advir de atores privados, ou em alguns países com colaboração de atores estatais. E onde há colaboração de atores estatais? Onde a legislação não tem o mínimo de controle democrático e o mínimo de controle dessas milícias digitais. E infelizmente a Rússia é reconhecidamente exemplo de patamares mínimos de regulação.
A terceira observação é que eu tenho um conjunto de fontes. Começam com um relatório do Senado norte-americano sobre as eleições norte-americanas, passam pelas eleições da Alemanha e por relatórios publicados em veículos respeitados de comunicação.
O presidente tem feito seguidas críticas ao Judiciário e, em especial, à Justiça Eleitoral. O sr. se preparou para ser alvo desses ataques? A minha conduta, ao menos nesse momento, é oposta a essa. Eu decidi ir pessoalmente entregar o convite da posse ao presidente. Ele é o chefe do Estado brasileiro, eleito legitimamente por meio do sistema de votação das urnas eletrônicas, diplomado pelo TSE numa sessão em que eu estive presente.
Esse reconhecimento de que ele exerce a chefia do Estado brasileiro me levou a convidá-lo. Também convidei-o para estar aqui no dia 11 de maio, quando nós apresentaremos publicamente o relatório de todo o conjunto de planos de ataque [teste de segurança da Justiça Eleitoral], que começaram em novembro, quando nós abrimos o código-fonte [das urnas]. Nós iremos publicamente prestar contas. Eu também convidei o presidente da República, porque a atividade que a mim me cabe neste momento é de diálogo institucional e republicano com todos os chefes de Poder.
MINISTRO NELSON FACHIN (STF)
A minha proposição nesse momento é colaborativa. Eu fiz um gesto simbólico, de estender a mão ao diálogo, à atividade colaborativa e abrir as portas do Tribunal Superior Eleitoral para que todas as autoridades da República tenham dados e informações e espaços para questionamentos.
Mantido o diálogo respeitoso, mantido o diálogo dentro da normalidade da relação institucional, a minha conduta sempre será colaborativa e dialógica. Eu nem assumi ainda o tribunal. Agora, como presidente do tribunal, se a Justiça Eleitoral for indevidamente atacada, eu não terei dúvida em tomar todas as medidas necessárias para defendê-la. Porque o ataque à Justiça Eleitoral, dependendo da forma e do modo com que ele se faça, e dependendo da sua origem, é um ataque à democracia.
Quem defende intervenção militar, quem defende fechar um Poder ou um tribunal como o Supremo Tribunal Federal e quem discute inexistente fraude em urna eletrônica não está discutindo urna eletrônica, está discutindo a ruína da democracia. Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, nós não vamos tolerar os intolerantes. Mas, por agora, eu tenho uma mão estendida e eu espero reciprocidade.
O presidente sinalizou que iria nesse evento? Ele ouviu com a devida atenção. É a segunda vez que eu o visito. Quando o ministro Barroso tomou posse, eu, como vice-presidente do TSE, estive com ele. Dialoguei outras duas vezes com ele. Assim que ele se elegeu, fez uma visita ao TSE. Eu estava aqui e tivemos um bom diálogo. Na ocasião em que ele foi diplomado também, dialogamos e conversamos sobre reforma política etc, de modo que a minha postura é aberta ao diálogo e compreensiva de críticas. Evidentemente, no limite em que a crítica não se converta num ataque institucional.
Como o sr. recebeu a notícia de que o general [e ex-ministro da Defesa] Fernando Azevedo e Silva não vai ser mais o diretor-geral do TSE em sua gestão? Os motivos de saúde são profundamente compreensíveis. Eu tenho pessoal estima e admiração pelo general Fernando Azevedo e Silva, como aliás tenho relacionamento com integrantes das três Forças [Armadas]. Sou de uma geração que admirou a conduta do general Euler Bentes Monteiro. Ele foi o general que apresentou o que se chamava, à época, pelo então MDB, a anticandidatura, e perdeu a eleição no colégio eleitoral para o general [João] Figueiredo, que se tornou presidente do Brasil.
A presença do general Fernando aqui também tinha este condão de trazer com ele uma perspectiva de um diálogo aberto, próximo, e esse diálogo não vai deixar de existir. O general Fernando acompanhou nosso período de transição, fez publicamente elogios à estrutura do tribunal, à própria segurança das urnas eletrônicas.
[Acabou] Apresentando questões de saúde. Se fossem outras questões, eu me permitiria discutir e contra-argumentar, mas saúde pessoal precisa ter da nossa parte compreensão e votos de melhora.
A saída dele faz o tribunal perder uma ponte importante com as Forças Armadas? Eu tenho outros canais de diálogos abertos com as três Forças e continuarão a gerar bons resultados. O Exército tem um setor de cibersegurança que é merecedor dos nossos maiores elogios.
O sr. deu a decisão que abriu caminho para a anulação dos processos do ex-presidente Lula na Lava Jato e ele se tornou elegível. Preocupa que isso seja usado para atacá-lo, como já fez o presidente Bolsonaro? Isso é uma narrativa, eu me atenho aos fatos. Chegaram ao Supremo mais de 150 inquéritos dos quais eu fui o relator originário. Muitos desses inquéritos foram para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), porque eram de competência do STJ, e para as Justiças dos estados ou para os Tribunais Regionais Federais ou para a Justiça Federal desses tribunais.
O que é que se passou na Lava Jato, antes mesmo de eu assumir a relatoria? Iniciou-se uma discussão, já na relatoria do ministro Teori Zavascki, de saber se a competência da 13ª vara de Curitiba compreendia não apenas os danos diretos à Petrobras, mas também aos seus danos reflexos.
Desde 2015, eu restei vencido nessa discussão. O tribunal foi julgando numerosos casos e eu sempre restei vencido, remetendo os danos reflexos para os respectivos estados.
O ex-presidente Lula foi condenado em primeiro grau, a condenação foi mantida em segundo grau, o recurso chegou ao Superior Tribunal de Justiça e esse recurso não foi apreciado pelo Supremo. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal em momento algum apreciou a questão da culpabilidade ou da procedência ou improcedência da imputação que se fazia ao ex-presidente.
Formada a orientação de que os danos reflexos não eram da competência da 13ª vara, quando chegou ao tribunal o recurso extraordinário [de Lula], houve a interposição de um habeas corpus, onde essa matéria foi suscitada pela primeira vez. E eu tomei uma decisão que imediatamente submeti ao colegiado.
Portanto, foi uma decisão da maioria do STF. No meu gabinete não há liminares que ficam aguardando decurso do tempo por alguma conveniência.
O colegiado, por maioria, entendeu que o tribunal havia firmado orientação neste sentido. No meu voto, faço esse histórico, mostrando como restei vencido nestes julgamentos.
Quando restei vencido na turma e no plenário, pelo princípio da colegialidade, registrei que eu votava vencido, mas adotava a posição da colegialidade. O fato processual é esse. Haverá narrativas das mais diversas ordens, e as narrativas pertencem ao campo da política. A decisão tomada é uma decisão tecnicamente correta e, sobre ela, posso discutir juridicamente.
Apesar da questão técnica, politicamente o sr. também acaba sendo questionado pelos petistas, que dizem que houve injustiça com Lula em não poder se candidatar em 2018... De novo, vamos ao fato, e não à narrativa. Em 2018 foi impetrado um habeas corpus no Supremo. Eu votei contra o habeas corpus do ex-presidente, porque naquele momento o STF, no meu modo de ver corretamente, tinha maioria que sustentava que é constitucional a prisão após o segundo grau, e era o caso do ex-presidente.
Esse entendimento, depois, numa outra composição e por mudança de posição de alguns colegas, foi alterado. Eu continuo com o mesmo ponto de vista. Entendo que é constitucional a execução da pena com prisão do condenado após a condenação em segundo grau que confirma uma sentença de primeiro grau condenatória. Votei assim em inúmeros processos, dentre eles um do ex-presidente. Este é o fato, o mais é debate político.
O sr. disse à Folha que a doença infantil do lava-jatismo estava prestes à acabar, mas não a Lava Jato. Depois disso houve anulação dos processos contra o ex-presidente Lula e vários outros arquivamentos. A Lava Jato acabou? Não. Eu sempre recomendo que se leia os relatórios ao final de cada semestre sobre a Lava Jato. O último relatório que eu produzi revela que mais de R$ 1,2 bilhão em multas foi arrecadado só no meu gabinete. Dos 150 inquéritos no meu gabinete, eu continuo com mais de quatro dezenas de inquéritos ativos.
Os inquéritos demoram para concluir, infelizmente. Não é fácil efetivamente chegar dentro do processo, com ampla defesa e respeito às prerrogativas do acusado e do investigado, a um conjunto de provas. Mas esses inquéritos caminham e, desde que o Ministério Público ofereça a denúncia, eu aprecio. O juiz não investiga e o juiz não denuncia, o juiz julga, e há de ter uma posição equidistante quer da defesa, quer do Ministério Público.
Houve um determinado momento em que o Ministério Público celebrou um número expressivo de colaborações. Foram mais de 120 colaborações premiadas. Quantas foram anuladas ou tornadas ineficazes? 4. Quantas condenações houve na Lava Jato? 174. As do ex-presidente são 4.
Mas houve uma série de anulações de outras condenações em instâncias superiores... Sim, eu não tenho toda a tabulação de todos os tribunais. Mas quando se diz "a Lava Jato acabou", é preciso levar em conta o ganho institucional, até mesmo nos excessos, que as cortes e os tribunais superiores estão apreciando e, quando é o caso, declarando alguma nulidade.
Até 1988, no Brasil, especialmente no período de 1964 a 1985, na ditadura militar, se grassou evidente corrupção. Nós não tínhamos mecanismos de apuração. A influência do poder político e do poder econômico era imensa. Com a Constituição e a redemocratização do país, nós começamos a reconhecer que a resposta do sistema punitivo integrava o Estado democrático de Direito.
O direito penal não é obviamente o caminho da salvação dos males do mundo. Melhor que haja prevenção. Mas quando esses limites são ultrapassados e os ilícitos são previstos como crime, é preciso que o Estado atue e puna.
Por que estou falando que a Lava Jato não acabou, apesar de excessos e irregularidades que estão sendo corrigidos? Porque esse ganho institucional a sociedade brasileira não pode perder. A maioria do povo brasileiro, que é decente, correta e trabalhadora, não pode ver esse ganho ser capturado por uma narrativa incorreta e equivocada.
Há retrocessos em alguns setores? Evidentemente. A sociedade é plural, o exercício do poder político tem avanços e recuo. Há quem, por exemplo, no presente, seja saudosista dos porões da ditadura e elogie torturadores.
RAIO-X
Luiz Edson Fachin, 64
É ministro do STF desde 2015 e é o relator da Operação Lava Jato na corte. Foi indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT). É vice-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), foi eleito para assumir a presidência da corte em 22 de fevereiro. Foi professor titular de direito na UFPR (Universidade Federal do Paraná)
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/fachin-promete-estender-mao-a-bolsonaro-mas-diz-que-nao-vai-tolerar-os-intolerantes.shtml
Na Rússia e Hungria, prevaleceram os interesses políticos de Jair Bolsonaro, não do Brasil
Eliane Cantanhêde / O Estado de S.Paulo
O presidente Jair Bolsonaro apresentou “solidariedade” ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, e chamou de “irmão” o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. São manifestações sem conexão com a diplomacia e os interesses do Brasil e só satisfazem a vontade dele de brincar de líder da extrema direita internacional.
Não faz sentido Bolsonaro dizer que é “solidário” a Putin, que chamou de “amigo” e “pessoa que busca a paz”, quando o russo se une à China e confronta o Ocidente, em particular os EUA, ao ameaçar invadir a Ucrânia. Soa como se o Brasil se posicionasse a favor de Moscou, contra Washington.
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Também é de um voluntarismo quase infantil Bolsonaro se identificar com Orbán e citar um lema integralista, “Deus, pátria e família”, ao qual acrescentou “liberdade”. Que Deus, que pátria, que família e que liberdade?
Até adversários apoiaram a ida à Rússia, lembrando que os dois países têm interesses comuns, assento nos Brics e todos os ex-presidentes, desde Fernando Henrique, foram a Moscou. E o Brasil não poderia ceder à pressão americana para cancelar a viagem.
A mala, porém, volta vazia. Na Rússia, agricultura, fertilizantes e comércio, que seriam centrais, ficaram em segundo plano. Na Hungria, “anunciaram” a venda de dois aviões da Embraer, firmada em 2020. Logo, o foco não é nos resultados, mas nos motivos da ida.
A comitiva enxugou por exigência da Rússia, mas teve os generais Braga Netto (Defesa), Augusto Heleno (GSI), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Laerte Souza Santos (Estado-Maior Conjunto), os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica e o almirante Flávio Rocha (SAE).
Para quê? Os russos são tradicionais fornecedores de equipamentos militares para a América Latina, mas nossas Forças Armadas já executam um ambicioso plano de renovação de equipamentos, definidos, aliás, na era PT. Não é hora de ir às compras. Sobram acordos de cooperação em defesa. Logo com a Rússia...
Também foi Carlos Bolsonaro, o 02, craque num outro tipo de guerra: da internet. A Rússia é especialista em guerra cibernética e integrou o exército de fake news de Donald Trump contra Hillary Clinton. Trump, Putin, Orbán, Bolsonaro... Mistura azeda que está no forno para produzir a nova extrema direita internacional.
De um embaixador: “O objetivo real da viagem foi a cooperação cibernética da Rússia para a campanha digital do presidente. O resto qualquer ministro resolveria”. Quem foi a Moscou não foi o presidente do Brasil, foi Jair Bolsonaro. Que voltou a manipular as Forças Armadas a seu bel-prazer.
*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,na-russia-e-hungria-prevaleceram-os-interesses-politicos-de-jair-bolsonaro-nao-do-brasil,70003982815
Pedro Doria: Russos ameaçam as eleições brasileiras de 2022
Pedro Doria / O Globo
O ministro que assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, Edson Fachin, afirma que já há tentativa de interferência russa no processo eleitoral brasileiro. De Moscou, o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, se incomodou. Mas, quando ele se pôs no caminho para a viagem, não faltou quem temesse justamente isto: que Bolsonaro tivesse, entre as metas não ditas, encomendar ajuda dos hackers a serviço do Kremlin. O histórico de interferência comprovada é imenso.
A primeira vez em que a Rússia de Vladimir Putin se intrometeu em campanhas eleitorais no Ocidente foi em 2014, no referendo escocês que, por 55% a 45%, definiu que o país seguiria como parte do Reino Unido. Os detalhes do que ocorreu não são conhecidos — há suspeitas de que houve financiamento de grupos políticos, assim como uma extensa campanha de desinformação on-line. O governo britânico reconhece oficialmente ter informação. Mas divulgou muito pouco.
Em 2020, um comitê do Parlamento britânico publicou um relatório sobre as atividades russas em pleitos na ilha. Foi uma desancada no governo do premiê Boris Johnson. É que também há comprovação de que agentes de Putin operaram pesado no plebiscito de 2016 que decidiu em favor do Brexit, a saída do Reino da União Europeia. O resultado foi ainda mais apertado — 52% a 48%. Só que, diferentemente do que havia ocorrido no caso escocês, o governo decidiu não investigar. O Partido Conservador, o relatório sugere, teme descobrir que a desinformação bancada por interesses de um país estrangeiro é o que deu ao grupo no poder sua vitória.
A Rússia interfere por inúmeros motivos, todos têm a ver com seus próprios interesses. Não interessa ao governo Putin ter uma democracia eslava na Ucrânia. Em grande parte, seu argumento para o público interno é que democracias são regimes fracos, que mal se adéquam a certas culturas — como a eslava. Nos últimos dez anos, o sistema bancário ucraniano foi atacado, assim como sua infraestrutura energética e todas as eleições. Há movimentos políticos pagos por Moscou, imprensa financiada pelo Kremlin e até movimentos “independentistas” armados. Para não falar de assassinatos. A Ucrânia tenta faz décadas estabilizar sua democracia. Faz isso carregando um peso imenso de que não consegue se livrar.
Putin atua, também, na divisão para enfraquecer seus adversários. A Escócia fora do Reino Unido lhe interessa. O Reino Unido fora da União Europeia lhe interessa. Uma França em confusão política lhe interessa. O fortalecimento de líderes com propensões antidemocráticas. E, claro, entre Donald Trump e Hillary Clinton, com os EUA em convulsão social contínua e um Partido Republicano cindido em dois, Putin não tem dúvida do que prefere.
O Facebook admitiu, embora tenha demorado, que houve pesada compra de publicidade pró-Trump, daquele tipo que radicaliza o eleitor com fake news, paga em dinheiro russo. Além disso, hackers do governo russo invadiram os servidores do Partido Democrata, roubaram e-mails internos e vazaram, pelo Wikileaks, seu conteúdo para forjar um escândalo onde não havia. Com a eleição americana e o plebiscito do Brexit, 2016 se mostrou o ano em que a ciberguerra eleitoral russa mostrou suas garras.
Isso não quer dizer, evidentemente, que a Rússia tenha o poder de determinar os resultados de qualquer pleito. Em sua estratégia, isso é menos importante. Não são poucos os governos que identificaram e denunciaram essas tentativas: França, Espanha, Bulgária, Itália, Holanda, República Checa, Macedônia. A lista é grande.
Bolsonaro não precisa pedir a Putin que interfira nas eleições brasileiras. Ter um presidente brasileiro que não se dá com Washington já lhe interessa de saída.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/russos-ameacam-eleicoes.html