RPD || Charge - Edição 40 (Fevereiro/2022)

* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.

** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro/2022 (40ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.


Câmara aprova texto principal do projeto que legaliza os jogos

Bruno Góes e Julia Lindner / O Globo

BRASÍLIA — Sem pressão do governo, a Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira, por 246 votos a favor e 202 contrários, o texto principal do projeto que legaliza os jogos no Brasil. A iniciativa libera atividades como cassinos, bingos, jogo do bicho e plataformas digitais de apostas — neste último caso, há necessidade de uma etapa posterior, que é a regulamentação do Executivo.

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Deputados ainda precisam analisar os chamados destaques ao texto, que podem alterar alguns pontos. Isso ocorrerá em sessão de logo mais, marcada para 9h. Depois, a proposta segue ao Senado.

Desde segunda-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), articulou para que a pauta, cara aos aliados, fosse votada. Há poucas horas da votação, o relator, Felipe Carreras (PSB-PE), ainda conversava com líderes para adequar o texto a diversas demandas.

O projeto cria um imposto, o Cide-jogo, para recolher 17% da receita bruta dos empresários que serão legalizados. Os recursos serão destinados para áreas como turismo, meio ambiente, cultura, segurança pública e desastres naturais. Já a incidência do Imposto de Renda sobre as Pessoas Físicas ganhadoras de prêmios será de 20% sobre o ganho líquido.

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O relator sugeriu, ainda, que fosse estabelecido um rol específico de “crimes contra o jogo e a aposta” para punir, entre outras coisas, quem frauda o resultado do jogo ou aposta.

No ano passado, quando a tramitação do texto foi acelerada, o presidente Jair Bolsonaro, pressionado por evangélicos, disse que vetaria o projeto. Contudo, integrantes do Palácio do Planalto e o próprio líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), trabalharam pela aprovação.

Na reta final, um dia antes da sessão, Bolsonaro resolveu mandar por Whatsapp pedidos para que aliados barrassem o texto. Em plenário, porém, o governo resolveu "liberar", sem marcar posição contra o texto.

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— O governo libera a sua base, até porque tem partidos que têm entendimentos diferentes, e o presidente da República manterá sua prerrogativa de veto caso o projeto tramite e chegue para sua apreciação — disse o vice-líder do governo Evair de Mello (PP-ES).

A atitude não convenceu parlamentares da base.

—  Será que (o governo) é contra? Eu ouvi de algumas pessoas ligadas ao governo o pedido de apoio. No fundo, eles são favoráveis. Só não querem se expor diante da população — disse Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos.

Ligada à Igreja Universal, a legenda orientou de forma contrária ao texto. Também se posicionaram contra PT, PSC e PSOL. Em plenário, o deputado Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ), presidente da bancada evangélica, tentou liderar a obstrução.


Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputado
Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Foto: Zeca Ribeiro/Agência Câmara
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
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Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputado
 Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Foto: Zeca Ribeiro/Agência Câmara
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
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Ele foi um dos parlamentares que recebeu mensagem do presidente da República. Ainda assim, admitiu que a postura de Bolsonaro era diferente da liderança do governo e do PL, partido pelo qual disputará a reeleição.

Causa incômodo o fato de que o governo está dividido sobre a matéria. Na Esplanada, ministros como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Gilson Machado (Turismo) trabalham a favor do projeto. Já os ministros Anderson Torres (Justiça) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) são contrários.

Em dezembro, Lira fechou um acordo com evangélicos para que a urgência do projeto dos jogos fosse votada, o que permitiu que o assunto fosse levado a plenário. Em contrapartida, houve a aprovação de uma Emenda à Constituição, já promulgada, que isenta templos religiosos alugados do pagamento de impostos.

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Após nova rodada de conversas com líderes partidários durante a tarde, Felipe Carreras alterou trecho que trata da fiscalização dos jogos. Em relatório preliminar, ele havia dado ao Ministério do Turismo a prerrogativa de supervisionar e regular os jogos. Após pressão do PT, atribuição será dada a uma agência reguladora. O órgão a ser criado seria vinculado ao Ministério da Economia.

— A gente vai colocar essa supervisão no Ministério da Economia. Uma agência reguladora dará uma licença para toda atividade em todos os segmentos — disse Carreras.

A agência será responsável por regulamentar práticas para prevenir lavagem de dinheiro e de suspeita de financiamento do terrorismo.

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Outras mudanças também foram feitas de última hora. Houve uma ampliação da quantidade de licenças para a operação de cassinos nos estados do Pará e do Amazonas.

— Os rios poderão ter cassinos em embarcações fluviais no período de 30 dias, para não ser um cassino ancorado. Foi uma novidade — acrescentou Carreras.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/camara-aprova-texto-principal-do-projeto-que-legaliza-os-jogos-25407621


RPD || Autores - Edição 40 (Fevereiro/2022)

Rubens Ricupero é o entrevistado especial da edição 40 da Revista Política Democrática online. É diplomata aposentado e historiador. Embaixador junto à ONU e ao GATT em Genebra, nos Estados Unidos e na Itália. Assessor de Tancredo Neves e José Sarney. Ministro do Meio Ambiente e da Amazônia. Ministro da Fazenda. Secretário-Geral da UNCTAD (Genebra). Professor do Instituto Rio Branco e da UnB. Atualmente é titular da Cátedra José Bonifácio da USP. Autor de vários livros, sua última obra é A diplomacia na construção do Brasil 1750-2016 (Editora Versal, 2017)”.

Arlindo Fernandes de Oliveira é autor do artigo A janela partidária de março e as eleições de outubro. É consultor legislativo do Senado Federal e especialista em direito constitucional e eleitoral.

*Cleomar Almeida é autor da reportagem especial Guerra na Ucrânia é ameaça à luta mundial contra a pandemia da covid-19. É graduado em jornalismo, produziu conteúdo para Folha de S. Paulo, El País, Estadão e Revista Ensino Superior, como colaborador, além de ter sido repórter e colunista do O Popular (Goiânia). Recebeu menção honrosa do 34° Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e venceu prêmios de jornalismo de instituições como TRT, OAB, Detran e UFG. Atualmente, é coordenador de publicações da FAP.

*JCaesar é o autor da Charge da Edição 40 da revista Política Democrática online. É o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.

*Autor do artigo Astrojildo Pereira e os centenários da Semana de Arte Moderna e do PCB, Martin Cezar Feijó é doutor em comunicação pela USP e professor de comunicação comparada na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). É autor, entre outros, de O que é política cultural (1983), Formação política de Astrojildo Pereira (1985) e 1932: a guerra civil paulista (1998, este em parceria com Noé Gertel).Historiador e professor titular-doutor na Facom da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).

*Henrique Brandão é autor do artigo Quem é da folia já fez sua parte. É jornalista e escritor.

Autor do artigo Brasil inicia 2022 com estagnação econômica, Benito Salomão é economista.

*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíca. É autora do artigo Alice, uma documentarista no país de Fidel Castro.

Autor do artigo Ataque dos cães é western sob nova medida, Luiz Gonzaga Marchezan é mestre em Letras (1987), pela UNESP, Doutor em Letras (1994), pela FFLCH-USP, e Livre-docente em Teoria da Literatura (2019), pela UNESP-Ar., à qual se vincula como Professor Associado do Departamento de Linguística, Literatura e Letras Clássicas, do Curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Seus principais interesses de pesquisa e suas publicações situam-se no domínio das relações intersemióticas manifestadas no texto literário, especialmente, no conto contemporâneo e na ficção regionalista nacional.

*Tadeu Chiarelli é autor do artigo Notas sobre o futurismo italiano e o modernismo de São Paulo. É curador e crítico de arte, professor titular no curso de Artes Visuais da USP. Foi diretor da Pinacoteca de São Paulo (2015-17) e do Museu de Arte Contemporânea da USP (2010-14) e curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo (1996-2000). É autor de vários livros sobre História e Crítica da Arte, entre eles “Arte Internacional Brasileira, com textos sobre os principais artistas do movimento modernista e da arte contemporânea produzida no Brasil’.

Kelly Quirino é autora do artigo Novo ano, vidas negras continuam sendo interrompidas pelo racismo. É doutora em Comunicação pela Universidade de Brasilia (UnB), Mestre em Comunicação Midiática e Jornalista Diplomada pela Universidade Estadual Paulista. Pesquisa jornalismo, relações raciais e diversidade.


Ministério Público pressiona Google e Apple sobre app do Telegram em suas lojas

Patrícia Campos Mello / Folha de S. Paulo

Em uma nova frente de pressão sobre o Telegram, o Ministério Público Federal enviou ofício ao Google e à Apple questionando se as lojas de aplicativos das empresas, a Google Play e a App Store, proíbem a disponibilização de aplicativos que, "de modo notório, não cumprem ordens oriundas de órgãos de controle e/ou do Poder Judiciário".

O aplicativo de mensagens Telegram tem ignorado ordens e pedidos de autoridades brasileiras, inclusive do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal), que fazem tentativas de contato sobre demandas envolvendo publicações na rede social.

No ofício enviado, o procurador da República Yuri Corrêa da Luz, procurador regional dos Direitos do Cidadão Adjunto em São Paulo, questiona se as lojas já avaliaram ou adotaram medidas de suspensão ou bloqueio de aplicações que violem as leis.

Ele menciona que, seguindo a legislação brasileira, as plataformas não podem se eximir de responsabilidade pelos possíveis danos causados pelos aplicativos que vendem.

No ofício obtido pela Folha, o procurador pergunta também se as lojas têm regras que "proíbam a disponibilização e a comercialização de aplicações que não se adequem à legislação brasileira, ou que causem potencial dano a interesses coletivos (como à saúde pública, ao meio ambiente, à confiança nas instituições democráticas, a um ambiente informacional saudável etc.)".

O Google e a Apple têm prazo de 15 dias para enviar as informações. Um eventual veto do Telegram nas lojas online do país, porém, não impedem que o público acesse contas no exterior para baixá-lo.

A abordagem de pressionar as lojas de aplicativos se assemelha à estratégia das autoridades na Alemanha em relação ao Telegram, que abriga inúmeros canais de extremistas neonazistas e negacionistas do Holocausto e das vacinas.

No ano passado, autoridades alemãs instaram Apple e Google a deixar de oferecer o aplicativo Telegram para download em suas lojas online. A retirada do Telegram das lojas não atinge os aplicativos já instalados em celulares, mas breca o crescimento e serve de aviso.

Na Alemanha, o Telegram também vinha se recusando a conversar com autoridades, mas mudou recentemente de postura com a sinalização de que medidas mais drásticas poderiam ser adotadas, incluindo o seu banimento do país.

Bloqueou mais de 60 canais usados por radicais em atendimento a um pedido da polícia alemã.

Os ofícios ao Google e à Apple fazem parte de inquérito aberto em novembro para apurar eventuais violações de direitos fundamentais, por parte de provedores de aplicação da internet que operam no Brasil, "imputáveis a suas políticas de enfrentamento a práticas organizadas de desinformação e de violência no mundo digital."

No inquérito, as plataformas foram instadas a esclarecer quais políticas de combate a desinformação estão adotando.


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O Telegram, com cerca de 50 milhões de usuários no Brasil, é visto como uma das principais preocupações para as eleições de 2022 devido à falta de controles na disseminação de fake news e se tornou também alvo de discussão no Congresso e no TSE para possíveis restrições em seu funcionamento no Brasil.

Amplamente usada pela militância bolsonarista, a ferramenta é hoje um dos desafios das autoridades brasileiras engajadas no combate à desinformação eleitoral.

O aplicativo tem grupos de 200 mil integrantes e canais com número ilimitado —o de Bolsonaro tem quase 1,1 milhão de seguidores.

Segundo revelou a Folha, o Telegram conta com representante no Brasil há sete anos para atuar em assunto de seu interesse junto ao órgão do governo federal encarregado do registro de marcas no país, ao mesmo tempo em que ignora chamados da Justiça brasileira e notificações ligadas às eleições.

No ofício, Luz aponta que órgãos de controle no país já impuseram multas substantivas a algumas lojas que comercializaram aplicações consideradas danosas aos consumidores ao longo dos últimos anos, o que colocaria em dúvida a legalidade das reivindicações de isenção de responsabilidade das lojas de aplicativos.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/ministerio-publico-pressiona-google-e-apple-sobre-app-do-telegram-em-suas-lojas.shtml


Associação e deputados bolsonaristas apoiam paralisação dos serviços de segurança em Minas

Gabriel Sabóia / O Globo

RIO — Sete deputados alinhados ao bolsonarismo participam diretamente das decisões dos agentes de segurança pública de Minas Gerais que paralisaram suas atividades. Os parlamentares, que ocupam cadeiras na Assembleia Legislativa de Minas (ALMG) e na Câmara dos Deputados, em Brasília, estiveram na reunião realizada nesta terça-feira no Clube dos Oficiais da PM, na qual policiais civis e militares, bombeiros, agentes socioeducativos e policiais penais decidiram os novos rumos do motim. Ficou acordada, por exemplo, a suspensão das visitas íntimas em penitenciárias mineiras. A medida pode desencadear uma série de atos da população carcerária do estado, que é a segunda maior do país. Os profissionais de segurança pressionam o governador Romeu Zema (Novo) e cobram a recomposição salarial das perdas causadas pela inflação.

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— Ficou decidido que o movimento de paralisação vai agir constitucionalmente, sem parar por completo, já que policiais não podem fazer greve. Mas, orientamos todos a fazer a "operação tartaruga", reduzir o ritmo das ocorrências. Os policiais penais decidiram hoje pelo cancelamento das visitas íntimas e também de familiares. Isso pode gerar o caos. Será que vai haver uma rebelião? O governador precisa dialogar com a categoria — diz o sargento Marco Antônio Bahia, vice-presidente da Aspra (Associação dos Praças Militares e Bombeiros de Minas Gerais).

Na reunião, estiveram presentes os deputados estaduais Sargento Rodrigues (PTB), Coronel Sandro (PSL), Delegada Sheila (PSL) e Heli Grilo (PSL). Os deputados federais Subtenente Gonzaga (PDT), Junio Amaral (PSL) e Léo Motta (PSL) também participaram dos debates sobre a redução de trabalho. Todos eles estiveram na manifestação realizada nesta segunda em Belo Horizonte e se mostraram favoráveis ao motim.

No site da Aspra também é possível ver mostras de alinhamento ao presidente: em uma publicação de maio do ano passado, a Associação se diz "apoiadora do presidente Bolsonaro e favorável ao voto impresso e auditável". Questionado sobre uma possível influência política nas decisões do movimento encabeçado pela Aspra, Bahia nega qualquer relação do alinhamento ideológico com as falas voltadas contra Zema durante os atos.

 — Nesse sentido, de defender a causa dos profissionais de segurança, somos apartidários e independentes, indepente de qualquer manifestação anterior — assegura.

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Um dos parlamentares mineiros mais próximos de Bolsonaro, Junio Amaral diz que os policiais tomarão medidas para reduzir o volume de trabalho e, desta forma, forçar o diálogo da categoria com o governo.

 — Os policiais podem, sim, tomar medidas de extrema legalidade que vão prejudicar o serviço rotineiro. O governo de Minas está mostrando uma indiferença à causa muito grande. A reação da categoria não é por semanas de insucessos nas tratativas. São anos de indiferença e desprestígio à segurança pública — afirma.

Negociação antiga

As forças de segurança reivindicam recomposição salarial para corrigir a perda com a inflação alta. Em 2020, Zema havia feito acordo com os policiais e enviou projeto de lei à Assembléia Legislativa que previa recomposição de 41% para os profissionais, a ser paga em três parcelas. No entanto, depois de aprovado pelo Legislativo, somente a primeira parcela foi paga, após Zema vetar as duas últimas. Agora, os servidores tentam fazer com que o governador cumpra o acordo inicial.

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Em nota, o governo de Minas Gerais informou que reconhece a necessidade de reposição salarial. Segundo o governo, o estado se mantém aberto ao diálogo e em busca de uma solução, “mas com responsabilidade e previsibilidade fiscal”. E condiciona a recomposição dos salários à adesão ao regime de recuperação fiscal. O governo diz ainda que acompanha as manifestações dos servidores e “confia que os integrantes da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros, da Polícia Civil e da Polícia Penal não deixarão os mineiros sem a prestação de serviços essenciais para a garantia da ordem e segurança da sociedade”.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/associacao-deputados-bolsonaristas-apoiam-paralisacao-dos-servicos-de-seguranca-em-minas-25405123


Elio Gaspari: A carta chinesa virou um mico

Elio Gaspari / O Globo

Há meio século, o presidente americano Richard Nixon desembarcou em Pequim, coroando uma espetacular reaproximação com a China. Teve de tudo: uma viagem secreta de Henry Kissinger, seu assistente para assuntos de segurança nacional, e convites a equipes de pingue-pongue.

Nixon foi recebido por Mao Tsé-Tung, o Grande Timoneiro da Revolução Chinesa. A fotografia do encontro correu o mundo. Poucos sabiam que Mao estava chumbado, com dificuldade para falar e respirar. (Na sala ao lado, guardava um respirador portátil mandado por Kissinger.)

Nessa reviravolta diplomática, os Estados Unidos jogaram súditos ao mar e acabaram com o isolamento da China. Meses antes, Deng Xiaoping saíra do ostracismo e havia começado uma lenta, segura e gradual ascensão ao poder, transformando a economia chinesa na segunda potência do mundo. Para os americanos, o jogo seria lógico: acabado o isolamento, e aberta a economia, as liberdades democráticas viriam junto. Em 1989, ao ordenar a repressão às manifestações da Praça da Paz Celestial, Deng mostrou que as coisas não seriam bem assim. De lá para cá, a China cresceu e, com ela, a repressão política. Em 1994, pouco antes de morrer, Nixon duvidou de sua política, coisa rara em políticos, raríssima nele:

— É possível que tenhamos criado um Frankenstein.

Bingo. Aos 50 anos da visita de Nixon a Pequim, vê-se que os presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin juntaram-se contra os Estados Unidos na questão ucraniana. Reiteraram uma amizade “sem limites” e condenaram “uma maior expansão da Otan”. A vitória de Nixon em 1972 ajudou a emparedar a União Soviética. Meio século depois, o Frankenstein chinês alinhou-se com a Rússia. O coringa era um mico.

Em 1972, Richard Nixon fazia uma política externa espetaculosa, com reviravoltas imprevisíveis. Tinha a seu lado Henry Kissinger, um mestre da diplomacia cenográfica. Saía com artistas de cinema nas noites de sexta-feira em Nova York e, horas depois, voava incógnito a Paris, onde se encontrava secretamente com negociadores vietnamitas. (Ficava no apartamento do general Vernon Walters, velho conhecido dos brasileiros, que acompanhou das batalhas na Itália em 1945 à conspiração contra o presidente João Goulart, em 1964.)

Nixon era um sujeito dinâmico, audacioso e antipático. O presidente Joe Biden pode ser simpático, mas nada tem de dinâmico, muito menos de audaz. Seu secretário de Estado, Antony Blinken, é uma flor da burocracia anódina de Washington.

No ano que vem, Henry Kissinger completará seus 100 anos. Sua fama já não é a mesma. Afinal, em 1971 ele pediu aos chineses que lhe dessem “um intervalo decente” para sair do Vietnã e, em 1975, a tropa saiu deixando para trás os aliados. Mesmo assim, sabe do que fala. Há dias ele escreveu um artigo valioso por duas frases:

1) “A demonização de Vladimir Putin não é uma política, é um álibi para sua ausência”;

2) “A Ucrânia não deve entrar na Otan”.

Ele ecoa as palavras de George Kennan, o diplomata que desenhou a política americana em relação à União Soviética:

—Uma expansão da Otan será o maior erro da política americana em todo o período posterior ao fim da Guerra Fria.

Kennan escreveu isso em 1997. Morreria em 2005, aos 101 anos.

Fonte: O Globo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2022/02/a-carta-chinesa-virou-um-mico.shtml


Bernardo Mello Franco: Terceira via dá sinais de desespero pré-eleitoral

Bernardo Mello Franco / O Globo

O fracasso está subindo à cabeça da chamada terceira via. Seus candidatos comem poeira nas pesquisas, mas insistem em se vender como salvadores da pátria. Sem modéstia, sugerem que o país vai acabar se eles não forem ungidos ao poder.

Ontem dois presidenciáveis voltaram a apostar no discurso apocalíptico. Em seminário promovido pelo banco BTG Pactual, João Doria previu uma fuga de empresários caso Lula e Jair Bolsonaro passem ao segundo turno.

“O risco de vocês começarem a pensar em não permanecer no Brasil será enorme. Será que é isso o que a gente quer?”, questionou. Um ouvinte distraído poderia confundi-lo com Mario Amato, o industrial que projetou a debandada de 800 mil empresários se Lula vencesse Fernando Collor em 1989.

Mais cedo, Sergio Moro defendeu uma “união contra os extremos”, desde que não tenha que desistir da própria candidatura. Ele orientou os banqueiros a “tomar cuidado” e disse que o país pode estar a caminho de uma “situação pior”. “Se não for expropriado o BTG...”, gracejou.

Doria e Moro pregaram para convertidos. No auditório de um hotel cinco estrelas de São Paulo, prometeram reformas, austeridade e privatizações. Os dois foram aplaudidos pela plateia de endinheirados. O problema é que ninguém chega ao Planalto com os votos do Leblon e dos Jardins.

Metade do eleitorado brasileiro tem renda familiar de até dois salários mínimos. Em dezembro, 70% desse público se dividiam entre Lula e Bolsonaro. Todos os outros candidatos somavam 18% das intenções de voto no Datafolha. A turma não consegue engrenar porque não sabe o que dizer aos mais pobres. A cartilha liberal pode seduzir viúvas de Paulo Guedes, mas é incapaz de atrair quem está na batalha pela sobrevivência.

O apelo ao terrorismo econômico não é o único sinal de desespero na direita que se desiludiu com Bolsonaro. Nos últimos dias, apóstolos da terceira via tentaram ressuscitar a candidatura de Eduardo Leite. Derrotado nas prévias tucanas, ele viraria casaca e ressurgiria no PSD de Gilberto Kassab. Se o plano se concretizar, já entrará no páreo com a pecha de mau perdedor.


Vera Magalhães: O pior já passou para Bolsonaro?

Vera Magalhães / O Globo

Foi sutil, embora nada trivial, a mudança de rota empreendida no governo e na campanha de Jair Bolsonaro desde o fim do ano passado. Operada de forma engenhosa pelo Centrão, que domou o voluntarismo do presidente e dos filhos, conseguindo até que eles colaborassem com o plano. O resultado parece ser ter estancado a queda livre do capitão. Saber se o pior momento para ele foi definitivamente superado, no entanto, dependerá de alguns fatores.

Os pragmáticos de plantão conseguiram fazer Bolsonaro parar de vociferar todos os dias contra a vacinação de crianças para Covid-19. Ficou evidente, por pesquisas, que a forma desarrazoada com que ele investiu contra a imunização dessa faixa no momento em que a Ômicron avançava, e as famílias estavam aflitas sem poder proteger os pequenos, poderia representar os pregos em seu caixão reeleitoral.

Tirar o presidente (e até Marcelo Queiroga, que seguia cegamente a cartilha do chefe) de cena naquele episódio foi essencial para estancar a sangria.

Mais esse crime do presidente no enfrentamento da pandemia foi então sendo diluído graças a algumas circunstâncias: de fato veio uma onda forte de contaminação pela Ômicron, fazendo com que, por algumas semanas, deixasse de haver distinção entre quem seguiu ou não os protocolos para se proteger do vírus. Depois que “todo mundo pegou” Covid-19, a discussão sobre a responsabilidade de Bolsonaro perdeu ímpeto, para o que a cumplicidade de Augusto Aras arquivando o relatório final da CPI da Covid foi providencial.

De forma inteligente, Ciro Nogueira, Fábio Faria, Rogério Marinho e os novos timoneiros do barco parecem ter feito um acordo providencial com a família: Carluxo pode brincar nas redes, desde que os profissionais tomem conta da comunicação estratégica do governo. E esses ministros passaram a dar rosto e voz ao enfrentamento político do PT e de Lula, o que não vinha sendo feito até então.

Paralelamente a esse movimento na comunicação, o fechamento com o Congresso assegurou o fluxo de recursos rápido e sem controle para as camadas mais necessitadas da população, que os diagnósticos eleitorais mostravam precisar ser conquistadas para que o presidente reagisse nas pesquisas.

Como aprenderam a decodificar Bolsonaro, os profissionais da política parecem ter feito um acordo com ele: nada de falar de vacina de crianças mais, mas liberado para continuar mantendo a massa fanatizada açulada com doses de narrativa sem pé nem cabeça.

Foi o que continuou a ser feito por ele, pelos filhos e pelos repetidores a soldo ou não nas redes sociais em temas como Rússia, riscos das urnas eletrônicas e a agenda mais que batida de Deus, família, armas e fora PT.

A permanência da agenda bolsonarista raiz, de um lado, a dissipação dos horrores cometidos por Bolsonaro deliberada e reiteradamente no curso da emergência sanitária, de outro, e a supervisão de um grupo de sobreviventes de sucessivos governos por cima de tudo de fato estancaram a derrocada.

Bolsonaro apresenta recuperação de até quatro pontos nos dois primeiros meses do ano nas intenções de voto espontâneas de várias pesquisas. Um dado em especial grita: mesmo entre quem acha seu governo ruim e péssimo, é grande o contingente que se declara disposto a votar nele.

Os obstáculos no caminho dessa estratégia são dois: a inflação longe de controle e a rejeição quase impeditiva de Bolsonaro (65% que dizem não votar nele de forma nenhuma). É nessas duas pontas que os profissionais trabalharão.

Não é simples, como evidencia a novela dos combustíveis. Mas, até aqui, todas as dificuldades do governo não vieram da oposição, que parece acreditar, ingenuamente, que Bolsonaro é cachorro morto, mesmo com a caneta e o talão de cheques na mão e gente que não rasga dinheiro no comando.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/o-pior-ja-passou-para-bolsonaro.html


Astrojildo Pereira e os centenários da Semana de Arte Moderna e do PCB

Martin Cezar Feijó / Revista Política Democrática online 

Finalmente, as obras do Astrojildo Pereira serão lançadas neste ano de 2022 pela Editora Boitempo, com apoio da Fundação Astrojildo Pereira. A iniciativa tem tudo a ver principalmente com dois centenários: o da Semana de Arte Moderna e o da fundação do PCB, na ordem cronológica.

Mas o que um evento tem a ver com o outro? Foram contemporâneos, mas quem participou de um nada soube do desenrolar do outro, embora ambos se revelariam históricos. 

Um, na cidade de São Paulo; o outro, em Niterói, Rio de Janeiro.  O único ponto em comum no momento dos acontecimentos, além da proximidade cronológica – fevereiro e março de 1922 -, é que foram obras de grupos pequenos e ousados: 

- o de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, nas dependências do Teatro Municipal, com o apoio de setores dominantes na sociedade paulista, com pequena publicidade através de anúncios e repercussão mesmo que discreta na imprensa local;  

- o de Niterói, no dia 25 de março, foi praticamente secreto, clandestino, entre participantes operários e intelectuais de várias partes do país: Os nove de 22, como tão belamente descritos no livro de Ivan Alves Filho (Brasília, Fundação Astrojildo Pereira, 2021), que teve em Astrojildo Pereira (1890-1965) figura relevante. 

Meu envolvimento com o tema, mais exatamente com Astrojildo Pereira, objeto de pesquisa por vários anos, gerando até um doutorado em Ciências da Comunicação (ECA-USP) e um livro, O Revolucionário Cordial, começou com um texto que li em uma revista quando ainda cursava minha graduação no Departamento de  História na FFLCH-USP: “Temas de Ciências Humanas (São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas, 1978, v.4, p. 41-67), intitulado “Tarefas da inteligência brasileira”, de autoria de Astrojildo Pereira.  

Astrojildo Pereira (1890-1965). Embora nascido em uma pequena cidade serrana do Estado do Rio de Janeiro, Rio Bonito, passou praticamente sua vida adulta na cidade do Rio de Janeiro, onde atuou como militante anarquista nos anos 1910, como um dos principais fundadores do PCB em 1922, e intelectual participante a partir dos anos 1930. Autor de obras fundamentais do período de 1935 a 1965, foi preso quando do golpe militar de 1964, “sob acusação” de ter fundado um partido comunista em 1922. Quando saiu da prisão, afirmou: “Agora prendem fontes históricas!”.  

Morreu aos 74 anos, depois de um movimento intelectual e político por sua libertação, que envolveu até a Academia Brasileira de Letras (ABL), que lhe tinha apreço por sua dedicação durante a vida toda à obra de Machado de Assis, desde a adolescência, quando o visitou na noite que antecedeu sua morte, o que deu origem a uma crônica célebre de Euclides da Cunha: “A Última Visita”, mas cuja identidade do “anônimo juvenil” só seria revelada em 1936, em biografia original de Machado de Assis, escrita por Lúcia Miguel Pereira.  

Quanto à relação entre a Semana de Arte Moderna e a Fundação do PCB, opto por me utilizar de extrato de texto do próprio Astrojildo Pereira, publicado em seu ensaio citado, “Tarefas da Inteligência Brasileira”, e incluído no livro Interpretações (1944), agora finalmente disponível em nova edição em 2022 pela Boitempo, onde finalmente acontecimentos ocorridos há cem anos parecem se encontrar. 

Não sem antes registrar um episódio pouco conhecido, sobre sua relação com poetas modernistas, em particular o poeta Manuel Bandeira, que lhe homenageou em um pequeno livro em sua primeira edição de 1948: Mafuá do Malungo, edição artesanal feita com tiragem de apenas 110 exemplares, numerados na gráfica pessoal de João Cabral de Mello Neto, em Barcelona: 

Bananeiras – Astojildo esbofa-se – 

Plantaia-a às centenas, às mil: 

Musa paradisíaca, a única 

Que dá dinheiro neste Brasil 

Só que essa raridade não consta da edição comercial do livro, publicado em primeira edição pela Livraria São José (1954). É que, entre a publicação da edição artesanal e a publicação do livro, ocorreu um evento fruto da Guerra-Fria que dividiu intelectuais liberais e comunistas em torno das eleições da ABDE (Associação Brasileira de Escritores), na qual Astrojildo se viu envolvido por causa do sectarismo reinante. Mas, mesmo assim, Astrojildo já havia reconhecido algo em comum entre os revolucionários da fundação do PCB e os modernistas a partir de São Paulo, como registraram no texto citado sobre as tarefas mais importantes da inteligência brasileira em torno do ano  1922, agora celebrado em seus centenários: 

“Evoco esses acontecimentos para situar no tempo a Semana de Arte Moderna, que também aconteceu no ano de 1922. Repare-se na importância desta data, que pode muito bem servir para assinalar um divisor de águas em nossa história: foi o ano do primeiro centenário da independência nacional, em cuja comemoração se precedeu um verdadeiro balanço na vida econômica do país; foi o ano em que se deu organização definitiva ao primeiro partido nacional do proletariado brasileiro; foi o ano do primeiro 5 de julho; foi enfim o ano da Semana de Arte Moderna. De toda a evidência, essas coisas não aconteceram simultaneamente por mero acaso: há entre eles um nexo qualquer, determinado por uma série de condições e fatores comuns. E é encarando as coisas assim que podemos ver a Semana de Arte Moderna  como algo de muito semelhante a um 5 de julho artístico e literário, ou seja, como a expressão inicial  - informe e contraditória, mas já com um alcance decisivo – da revolução intelectual  que ia imprimir novo impulso e traçar novos rumos ao desenvolvimento ulterior da inteligência brasileira, acompanhando, passo a passo, em seus movimentos de ação e reação, todo o processo de reajustamento do país às novas condições históricas legadas pela primeira guerra mundial. Seria de todo em todo absurdo enquadrar dentro de qualquer esquema fechado e rígido as manifestações flutuantes da inteligência; mas, feita esta ressalva e vistas as coisas com um senso menos superficial e menos imediato, não será difícil verificar que o melhor de nossa atividade mental (...)  leva a marca de 1922.” 

E, por que não complementar: não só dos últimos 100 anos, mas também nos próximos? 

*Martin Cezar Feijó é doutor em comunicação pela USP e professor de comunicação comparada na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). É autor, entre outros, de O que é política cultural (1983), Formação política de Astrojildo Pereira (1985) e 1932: a guerra civil paulista (1998, este em parceria com Noé Gertel).Historiador e professor titular-doutor na Facom da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro/2022 (40ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Grandes mineradoras têm solicitações para explorar terras indígenas brasileiras

Redação / Folha de S. Paulo

Grandes empresas de mineração buscam se expandir por terras indígenas brasileiras atualmente protegidas na floresta amazônica, impulsionadas por bilhões de dólares de bancos internacionais e empresas de investimento, segundo um relatório publicado nesta terça-feira (22).

Nove mineradoras gigantes, entre elas a brasileira Vale, a britânica Anglo American e a canadense Belo Sun, apresentaram solicitações de autorização para explorar reservas indígenas no Brasil, apesar de atualmente ser ilegal, segundo o relatório da ONG Amazon Watch e da Associação de Povos Indígenas do Brasil (Apib).

O relatório diz que as empresas parecem estar apostando que o presidente Jair Bolsonaro (PL), que pressiona para abrir as terras protegidas para a mineração e a agroindústria, conseguirá fazer com que os projetos apresentados pelo seu governo sejam aprovados, para poder operar em territórios indígenas.

Até novembro, as empresas tinham um total de 225 solicitações de minerações ativas na Agência Nacional de Mineração (ANM), que coincidem em 34 terras indígenas, para uma área total de mais de três vezes o tamanho de Londres, disse o documento.

"Os danos ambientais e as ameaças contra a vida dos povos da floresta pelas atividades mineradoras são brutais e só pioraram sob o governo de Bolsonaro", disse em um comunicado Ana Paula Vargas, diretora do programa para o Brasil da Amazon Watch.

"Com a floresta tropical no ponto de inflexão do colapso ecológico, devemos envolver todos os atores por trás desta indústria."

Os especialistas dizem que preservar as terras indígenas é uma das melhores formas de proteger a maior floresta tropical do planeta, um recurso vital na corrida para conter a mudança climática.

O relatório revela que as mineradoras, entre as quais também estão Glencore, AngloGold Ashanti, Rio Tinto, Potássio do Brasil e Grupo Minsur, receberam um total de 54,1 bilhões de dólares em financiamento de investidores internacionais durante os últimos cinco anos para suas operações no Brasil.

O texto pede aos bancos e empresas financeiras que apoiam essas empresas para se retirarem delas, com o argumento de que muitas também possuem um histórico de violações dos direitos humanos e de destruição ambiental.

Os principais financiadores das nove empresas mineradoras incluem as empresas americanas BlackRock, Capital Group e Vanguard, que investiram 14,8 bilhões de dólares nelas nos últimos cinco anos, segundo o relatório.


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Bancos como o francês Crédit Agricole, os americanos Bank of America e Citigroup e o alemão Commerzbank também são importantes financiadores das empresas, com um total de 2,7 bilhões de dólares em empréstimos e seguros, disse o texto.

Muitas das empresas negaram as acusações.

A Anglo American alegou que tinha "solicitações" herdadas para terras indígenas as quais "retirou total e formalmente há vários anos".

Belo Sun, Minsur do Peru e Potássio do Brasil afirmaram que não têm nenhuma atividade relacionada ao território indígena e defenderam seu desempenho social e ambiental.

E a AngloGold Ashanti informou "que não opera e não tem interesse em operar em Terras Indígenas". Em nota, explicou que "na década de 1990, a produtora de ouro solicitou requerimentos de pesquisa mineral em diversas regiões no país. Três dessas áreas posteriormente foram demarcadas como Terras Indígenas (TIs), o que levou a companhia a desistir das mesmas".

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/02/grandes-mineradoras-tem-solicitacoes-para-explorar-terras-indigenas-brasileiras.shtml


FSP: Flávio Bolsonaro mobilizou Receita contra caso da 'rachadinha'

Ranier Bragon / Folha de S. Paulo

Receita Federal mobilizou por quatro meses uma equipe de cinco servidores para apurar uma acusação feita pelo senador Flávio Bolsonaro de que teria tido seus dados fiscais acessados e repassados de forma ilegal ao Coaf (órgão federal de inteligência financeira), o que deu origem ao caso das "rachadinhas".

Documentos inéditos obtidos pela Folha mostram, pela primeira vez, a ação efetiva da máquina pública federal em decorrência da estratégia de Flávio.

O filho do presidente Jair Bolsonaro e seus advogados buscaram a ajuda de órgãos do governo federal para tentar reunir provas com o intuito de anular as investigações da suspeita de que ele comandou um esquema de desvio de parte do salário de assessores quando era deputado estadual, no Rio de Janeiro.

A Receita jamais confirmou a apuração. A partir de informações internas que indicavam a existência do caso, a Folha apurou o número do processo, 14044.720344/2020-99, e, a partir daí, entrou com um pedido por meio da Lei de Acesso à Informação.

As 181 páginas do processo mostram que, de outubro de 2020 a fevereiro de 2021, a Receita deslocou dois auditores-fiscais e três analistas tributários para fazer a apuração.

Essa investigação foi objeto de requerimento apresentado por Flávio, por intermédio de quatro advogados —Luciana Pires, Renata Alves de Azevedo, Juliana Bierrenbach e Rodrigo Roca—, ao então secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto.

Na petição, datada de 25 de agosto de 2020, o filho do presidente requisitou apuração "com a máxima urgência" para identificação de "nome, CPF, qualificação e unidade de exercício/lotação" de auditores da Receita que, segundo ele, desde 2015 acessaram seus dados fiscais, de sua mulher, Fernanda, e de empresas a eles relacionadas.

A tese era a de que servidores da Receita no Rio de Janeiro haviam vasculhado de forma ilegal os dados de Flávio e de familiares e, a partir daí, repassado informações ao Coaf, órgão responsável pelo relatório de inteligência enviado ao Ministério Público do Rio e que deu origem à investigação das "rachadinhas" contra o filho do presidente e ex-assessores.

Flávio é taxativo no pedido, detalhando não querer acesso a parte dos acessos feitos, "mas a TODAS [escreve em maiúsculas] as pesquisas de seu nome, de sua esposa e de suas empresas, que tenham sido realizadas desde o ano de 2015".

Na petição entregue a Tostes Neto, ele afirma ainda que a suposta violação da qual teria sido vítima representa um "imenso risco à estabilidade das mais diversas instituições do país", entre elas a Presidência da República e a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

"A crise que vem se instalando no país, como consequência dos fatos ora apresentados, tende a crescer, atingindo como alvo não apenas o autor e seus familiares, mas incontáveis cidadãos, em especial, empresários, funcionários públicos e políticos, independente de ideologia e partido político."

O senador diz também que a averiguação deveria ser realizada não necessariamente pela Receita, mas "diretamente pelo Serpro", a empresa estatal que detém os dados do Fisco. Esse pedido específico de apuração via Serpro foi formalmente negado.

Como a Folha mostrou em junho do ano passado, porém, apesar da negativa oficial, a Receita solicitou uma devassa ao Serpro para tentar identificar investigações, entre outros, em dados fiscais de Bolsonaro, de seus três filhos políticos, de suas duas ex-mulheres e da primeira-dama, Michelle.

A pesquisa custou R$ 490,5 mil à Receita, pagos ao Serpro. O valor foi obtido pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação. A defesa de Flávio disse não ter tido acesso ao resultado dessa apuração.

A Polícia Federal também instaurou inquérito para apurar supostos acessos irregulares por parte de auditores da Receita. A apuração foi aberta a partir de um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) que apontou casos do tipo identificados pela própria Receita, um deles envolvendo Flávio.

Em suma, três pontos eram apresentados na petição de Flávio entregue ao então secretário da Receita:

1) a acusação de auditores suspeitos de enriquecimento ilícito de que foram vítimas de devassas ilegais por parte dos órgãos de correição do Fisco do Rio, o que indicaria um modo de operação desses órgãos;

2) a existência de dados do relatório de inteligência do Coaf que só poderiam ter sido repassados pela Receita;

3) e a existência de um "manto da invisibilidade", ou seja, senhas da Receita que não deixariam rastros e tornariam os acessos indetectáveis a apurações internas.

"A Receita Federal do Brasil, por intermédio de sua corregedoria e de sua inteligência, em especial, por intermédio de seus escritórios Escor07 e Espei07, vem, rotineiramente, alimentando informalmente os demais órgãos de controle, com dados sensíveis e sigilosos, para, no momento oportuno, investigar os alvos escolhidos e devassados previamente", afirma Flávio na petição apresentada pelos advogados.

Tecnicamente, o pedido do senador ficou na gaveta de Tostes Neto por dois meses, até que uma reportagem da revista Época relatou que a defesa de Flávio havia se reunido com o presidente Jair Bolsonaro, o diretor-Geral da Abin, Alexandre Ramagem, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, para tratar do caso.

A apuração foi instaurada pela Receita no mesmo dia, 23 de outubro de 2020, por ordem de Tostes Neto. Coube ao coordenador do Grupo Nacional de Investigação da Receita, Luciano Almeida Carinhanha, deslocar os cinco servidores para realizar análise preliminar do caso, em um prazo de 180 dias.

Ela teve como ponto de partida a reportagem. O requerimento de Flávio foi enviado por Tostes Neto aos servidores no mesmo dia 23 e, na prática, embasou toda a apuração dos meses seguintes.

A comissão de servidores foi presidida por Diogo Esteves Rezende, que segundo documentos do processo integrava o Escritório de Corregedoria da 7ª Região Fiscal, exatamente o órgão que era acusado por Flávio de cometer ilegalidades.


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A investigação do Fisco concluiu pela improcedência das três teses do filho do presidente.

Relembrou que a acusação dos auditores-fiscais suspeitos de enriquecimento ilícito não tinha resultado em nenhuma prova de ato ilegal pela corregedoria, apontou que os dados do relatório de inteligência do Coaf não tinha nenhuma informação estranha àquele órgão e disse que "todo e qualquer acesso aos sistemas e bancos de dados fiscais possuem registros de quem efetuou e de quando foi realizado", não existindo, portanto, o alegado "manto da invisibilidade".

"A Receita não possui ou utiliza qualquer tipo de 'senha secreta' ou 'senha invisível. Todo e qualquer acesso aos sistemas e bancos de dados fiscais possuem registros de quem efetuou e de quando foi realizado, independentemente de o servidor estar atuando na Corregedoria ou nos Escritórios de Pesquisa e investigação", afirmou a Cotec (Coordenação-Geral de Tecnologia e Segurança da Informação) do Fisco, durante a investigação.

Por fim, o relatório afirmou que, na análise do histórico de acesso aos dados fiscais de Flávio Bolsonaro, "não foram verificados indícios mínimos de materialidade de possíveis infrações disciplinares que ensejariam a continuidade ou o aprofundamento do feito".

O documento, datado de 25 de fevereiro de 2021, conclui com a afirmação de que "foi possível verificar que nenhuma das alegações contidas (...) [no] requerimento do Senador Flávio Nantes Bolsonaro encontrou aderência à realidade dos fatos apurados, não se vislumbrando, por ora, indícios de eventual autoria e materialidade de possíveis ilícitos administrativos que justificariam a propositura de instauração de procedimento correcional acusatório."

DEFESA DEFENDE PEDIDO, MAS DIZ QUE FISCO INDICOU QUE NÃO FARIA APURAÇÃO

Embora tenha sido procurada desde a manhã de segunda-feira (21), a defesa de Flávio Bolsonaro só se manifestou nesta terça (22), após a publicação da reportagem.

Em nota, as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach afirmam ter recebido com surpresa a notícia de que a Receita Federal havia realizado a apuração, já que o Fisco teria indicado que não a faria.

As advogadas afirmam ainda não ver nenhuma imoralidade ou irregularidade no pedido, já que havia suspeitas de graves irregularidades internas. A Receita não se pronunciou.

Veja a íntegra da nota das advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach:

"A defesa do senador Flávio Bolsonaro recebeu, com surpresa, a notícia de que essa investigação foi realizada mesmo depois de a Receita Federal ter informado que não a faria. Até o momento, a instituição não apenas negou o pedido dos advogados como omitiu a realização de tal procedimento, tanto que o MPF abriu inquérito civil para apurar o motivo da inércia da Receita Federal frente aos indícios apresentados pelos advogados.

Cabe ressaltar que não há nada de ilegal ou imoral na solicitação da defesa. E que, estranho seria se a instituição ignorasse suspeitas de falhas e irregularidades internas e permitisse que essas irregularidades prosperassem.

A defesa lembra ainda que o TCU identificou acesso indevido aos dados do senador Flávio Bolsonaro e de seus familiares, confirmando as suspeitas de que a máquina pública foi usada indevidamente para atacar a reputação do parlamentar."

O senador, seu ex-assessor Fabrício Queiroz e outros servidores foram denunciados pelo Ministério Público do Rio no caso da "rachadinha" em outubro de 2020, mas o caso teve reviravoltas favoráveis ao senador na Justiça e também na Receita Federal.

Ainda em dezembro de 2020, o chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio de Janeiro (Escor07), Christiano, Paes Leme Botelho, alvo de Flávio, foi exonerado.

Em junho de 2020, o Tribunal de Justiça do Rio já havia tirado o caso das "rachadinhas" das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e enviado para a segunda instância.

Flávio obteria uma vitória mais robusta em novembro do ano passado, quando o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou todas as decisões tomadas pela primeira instância da Justiça do Rio de Janeiro. A corte entendeu que Itabaiana não tinha poderes para investigar o filho mais velho do presidente.

Um mês depois, o secretário da Receita para o qual Flávio direcionou o requerimento de investigação foi exonerado. José Barroso Tostes Neto vinha sofrendo pressão de Flávio para nomear uma pessoa de sua preferência na corregedoria do órgão.

Em 1º de fevereiro, o ministro Paulo Guedes (Economia) nomeou como novo corregedor da Receita Federal o auditor-fiscal João José Tafner, simpatizante da família Bolsonaro.

ENTENDA O CASO

6.dez.2018 - Surge o caso da "rachadinha"

25.jun.2020 - TJ tira o caso da primeira instância

  • O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro retirar o processo da "rachadinha" das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Itabaiana, e envia para a segunda instância

25.ago.2020 - Flávio pede investigação especial à Receita

  • Por meio de seus advogados, Flávio encaminha ao então secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, requerimento para que fosse realizada, "com a máxima urgência", a apuração. Ele pedia "nome, CPF, qualificação e unidade de lotação" de auditores da Receita que acessaram dados fiscais de Flávio, de sua mulher, Fernanda, e de empresas a eles relacionadas
  • A tese é de que acessos ilegais por parte de servidores da Receita no Rio de Janeiro alimentaram o relatório do Coaf que originou a investigação das "rachadinhas"
  • Entre os indicativos apresentados nesse sentido, estão alegações de auditores fiscais investigados por enriquecimento ilícito. Eles afirmam que tiveram dados acessados ilegalmente por dois órgãos da Receita Federal no Rio —o Escritório de Corregedoria da 7ª Região Fiscal (Escor07) e o Escritório de Pesquisa e Investigação da 7ª Região Fiscal (Espei07)

23.out.2020 - A Receita instaura a investigação pedida pelo filho do presidente

  • Reportagem da revista Época relata que em agosto a defesa de Flávio havia se reunido com o presidente Jair Bolsonaro, o diretor-Geral da Abin, Alexandre Ramagem, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, para tratar do caso. A tese era da existência de uma quadrilha nos quadros da Receita
  • Tendo como ponto de partida essa reportagem e o requerimento apresentado por Flávio em agosto, o coordenador do Grupo Nacional de Investigação da Receita, Luciano Almeida Carinhanha, desloca cinco servidores para realizar análise preliminar do caso, em um prazo de 180 dias

19.out.2020 - Ministério Público denuncia Flávio

  • O Ministério Público do Rio denuncia Flávio, Queiroz e outros 15 ex-assessores do filho de Bolsonaro (informação é divulgada pelo TJ em 3.nov, na volta das férias do relator). O hoje senador foi acusado de liderar uma organização criminosa para recolher parte do salário de seus ex-funcionários em benefício próprio. Queiroz era apontado como o responsável pelo recolhimento do dinheiro

4.dez.2020 - alvo da defesa de Flávio é demitido da Receita no Rio

  • Alvo da defesa de Flávio, o chefe do Escritório da Corregedoria da Receita Federal no Rio de Janeiro (Escor07), Christiano Paes Leme Botelho, é exonerado

25.fev.2021 - Comissão da Receita conclui não ver indício mínimo nas acusações de Flávio

  • Relatório assinado pelos cinco servidores (dois auditores fiscais e três analistas tributários) diz que "nenhuma das alegações contidas (...) [no] requerimento do senador Flávio Nantes Bolsonaro encontrou aderência à realidade dos fatos apurados, não se vislumbrando, por ora, indícios de eventual autoria e materialidade de possíveis ilícitos administrativos que justificariam a propositura de instauração de procedimento correcional acusatório"

9.nov.2021 - STJ anula provas da rachadinha

7.dez.2021 - Secretário da Receita é exonerado

24.jan.2022 - Folha revela que Receita arquivou pedido de Flávio

1.fev.2022 - Simpatizante dos Bolsonaros é nomeado na Receita

  • O ministro Paulo Guedes (Economia) nomeia como novo corregedor da Receita Federal o auditor-fiscal João José Tafner, simpatizante da família Bolsonaro

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/flavio-bolsonaro-mobilizou-receita-contra-caso-da-rachadinha-mostram-documentos-ineditos.shtml


De olho na reeleição, Bolsonaro prepara pacote de bondades

Ingrid Soares e Raphael Felice / Correio Braziliense

Com a iminente guerra entre Rússia e Ucrânia, que pode impactar o Brasil com a alta de combustíveis, por exemplo, e o consequente aumento da inflação — já em dois dígitos —, o presidente Jair Bolsonaro quer antecipar, para logo depois do carnaval, um pacote de bondades, com o qual pretende criar um clima positivo e turbinar sua campanha à reeleição.

Entre as benesses previstas pelo governo estão liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para quitação de dívidas; linha de crédito de até R$ 100 bilhões para micro e pequenos empresários, com possibilidade de renegociação de débitos em atraso; linha de microcrédito, no valor de até R$ 3 mil, para informais; e ampliação dos subsídios ao programa Casa Verde Amarela para famílias do Norte e do Nordeste com renda mensal de até dois salários mínimos.

No pacote de bondades estão, ainda, isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para taxistas e deficientes; e programa habitacional para profissionais da área de segurança, que deve custar R$ 100 milhões por ano em 2022 e 2023. O chamado Habite Seguro foi aprovado pelo Senado no último dia 16 e deve ser sancionado pelo presidente ainda nesta semana.

Integrantes do governo vêm constantemente enaltecendo as pautas sociais do Executivo. Em coletiva, ontem, no Ministério da Saúde — sobre a vacina 100% brasileira da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) —, o ministro da Cidadania, João Roma, comentou sobre o Auxílio Brasil e o comparou ao programa anterior, o Bolsa Família, cuja marca era fortemente ligada ao PT. "O Auxílio Brasil zerou a fila do antigo Bolsa Família", frisou.

Primeiro vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) ressaltou impactos que uma eventual guerra entre Rússia e Ucrânia podem causar ao Brasil. "Um conflito nessa região fará disparar o preço do petróleo, provocando uma inflação ainda maior em nosso país, que já convive com o descontrole dos preços e uma situação social extremamente grave por falta de decisões eficazes deste governo", criticou.

SAIBA MAIS
Demagogia fiscal

Na avaliação do vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM), as propostas do governo são eleitoreiras, pois, apesar de eficazes a curto prazo, vão prejudicar, justamente, os mais necessitados no futuro. "Nós já experimentamos isso no final do governo Dilma (Rousseff), às vésperas de sua reeleição. Isso é sempre perigoso. Demagogia fiscal sempre cobra a conta muito mais caro no médio e no longo prazos, e a conta sobra sempre para os mais pobres. Não acho esse um bom caminho para enfrentar este momento difícil", ponderou.

Do lado governista, parlamentares defendem a aprovação das pautas sociais, em especial por causa da crise sanitária, como o deputado federal Bibo Nunes (União Brasil-RS), que rechaçou a pecha eleitoreira do pacote de bondades.

"Nós vivemos um momento muito difícil. O momento é de pandemia, e tudo o que pudermos fazer pelo social temos de fazer. Não tem nada de questão demagógica. Tem de ter competência para ver o equilíbrio fiscal e fazer tudo dentro da lei e da norma", sustentou.

Instrumentos

Diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco afirmou que o chefe do Executivo dispõe de dois instrumentos poderosos, que tem demonstrado usar fartamente para uma eventual reeleição: a caneta e o cofre. "Há um grande segmento da sociedade passando por enormes dificuldades e sensível aos benefícios diretos que lhe favoreçam, como a criação do Auxílio Brasil. É possível que a implantação de novos benefícios tenha forte correlação com a popularidade do presidente", afirmou. "Como o presidente compartilha com o Centrão a caneta e a chave do cofre, as medidas são aprovadas com certa facilidade no Congresso, pois os parlamentares também se beneficiam eleitoralmente do pacote de bondades."

Castello Branco apontou, no entanto, o risco de que a ambição eleitoral passe a andar de mãos dadas com a irresponsabilidade fiscal, fato que vai aumentar a desconfiança dos agentes econômicos, agravar a inflação, elevar os juros e manter alto o desemprego.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/02/4987613-de-olho-na-reeleicao-bolsonaro-prepara-pacote-de-bondades-veja-destaques.html