Vantagem cada vez menor de Lula nas pesquisas frustra clima de ‘já ganhou’
Camila Turtelli e Matheus Lara / O Estado de S. Paulo
As pesquisas de intenção de voto mais recentes, que mostraram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) oscilando para baixo e diminuindo a vantagem sobre Jair Bolsonaro (PL), fizeram lideranças petistas se movimentarem para conter certo “oba-oba” dentro do partido por parte dos que ainda acreditavam numa vitória do petista no primeiro turno. Mesmo entre aliados próximos de Lula, este cenário por ora está descartado. O deputado estadual Emídio de Souza (PT-SP) fez questão de deixar claro há alguns dias em encontro com empresários em São Paulo que o PT já pode ter batido seu teto nas pesquisas. “A disputa será no segundo turno”, afirmou em jantar da Esfera Brasil.
QUEM TE VIU. Apesar da aliança do PT com o Centrão em governos anteriores, lideranças passaram a falar que o partido buscará, com aliados, uma bancada maior no Congresso para depender menos do bloco.
QUEM TE VÊ. Enquanto outras lideranças petistas citam a aliança com o ex-tucano Geraldo Alckmin como a formação de uma frente democrática, Emídio foi direto ao ponto: “Se não (se aliar com Alckmin), você tem um plano, mas não consegue tocar”.
NA ESPERA. O deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (União Brasil-RJ) ainda aguarda uma definição do partido de Valdemar Costa Neto, o PL, para definir seu destino. Apesar de ter sido “convocado” pelo presidente Jair Bolsonaro para concorrer a uma vaga no Senado pelo PL, o partido já tinha um acordo com o senador Romário no Estado.
CLICK. Tereza Cristina, ministra da Agricultura
Ainda com futuro político indefinido, Tereza Cristina anunciou em grupo do antigo DEM sua saída do União Brasil e o ingresso no Progressistas. A ministra tem sido cotada para ser vice na chapa de Jair Bolsonaro.
DILEMA. Parlamentares do PSD estão preocupados que a saída de Rodrigo Pacheco das eleições os coloque em um impasse com Gilberto Kassab. Com Pacheco focado em sua reeleição à presidência do Senado, o esperado é que ele tente aprovar a maior quantidade de matérias possíveis – inclusive as de interesse do governo.
UNIÃO. Por outro lado, a ascensão de uma liderança mais competitiva no PSD torna, na visão dos parlamentares, necessário que o partido esteja unido marcando posição contra as agendas de Bolsonaro.
IDEAL. Pacheco quer usar a reforma tributária como principal bandeira de uma campanha à reeleição na presidência da Casa. Aliados dizem que não há mote melhor: quem aprovou uma proposta como essa em ano eleitoral merece ficar mais tempo no comando.
COLABOROU DANIEL WETERMAN
Bolsonaro está na mira da PF por associar vacina contra covid-19 à Aids
Michelle Portela / Correio Braziliense
A Polícia Federal abriu inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) por divulgar notícia falsa que relaciona a vacina contra a covid-19 ao risco de infecção pelo vírus da Aids. Publicamente desmentidas por autoridades científicas, as declarações do chefe do Executivo foram dadas em transmissão nas redes sociais em 21 de outubro do ano passado.
O início da apuração foi comunicado pela PF ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a abertura do inquérito em 3 de dezembro. Bolsonaro é investigado pelos crimes de epidemia, infração de medida sanitária preventiva e incitação ao crime.
A apuração, aberta em 23 de fevereiro, está sob responsabilidade da delegada Lorena Lima Nascimento, que atua na Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores (Cinq) da PF. Ela pediu a Moraes o compartilhamento de uma investigação sobre o caso que está a cargo da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Cooperação
Na live, Bolsonaro diz que "relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados — quem são os totalmente vacinados? Aqueles depois da segunda dose, 15 dias depois — estão desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) muito mais rápido do que o previsto".
Por isso, entre as primeiras medidas adotadas pela delegada, está a instrução para que a Coordenação-Geral de Cooperação Internacional questione o Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido se o país divulgou essa informação em seus sites oficiais.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4990227-bolsonaro-esta-na-mira-da-pf-por-associar-vacina-contra-covid-19-a-aids.html
Conheça os seis inquéritos abertos para investigar Bolsonaro
O Globo
BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro é alvo de seis inquéritos: cinco no Supremo Tribunal Federal (STF) e um no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em dois deles, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o arquivamento, mas ainda não houve decisão do STF para encerrar as investigações. Veja abaixo os inquéritos ainda abertos.
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Associação entre vacina e Aids
O inquérito que está em estágio mais inicial foi aberto no STF em dezembro do ano passado por ordem do ministro Alexandre de Moraes, mas a investigação na Polícia Federal começou de fato apenas na semana passada, o que foi comunicado oficialmente à Corte somente nesta semana. O objetivo é apurar as declarações de Bolsonaro em "live" realizada em 21 de outubro de 2021, quando ele apontou uma ligação entre a vacinação contra a Covid-19 e o desenvolvimento da Aids, o que não é verdade.
Interferência na PF
O primeiro inquérito aberto contra Bolsonaro foi autorizado pelo então ministro Celso de Mello em abril de 2020 e foi motivado pelas denúncias contra o presidente feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, que estava de saída do governo. Segundo o ex-juiz, Bolsonaro tentou interferir politicamente no trabalho da PF e em inquéritos relacionados a familiares. No início de novembro, após dizer que não deporia pessoalmente, o presidente foi ouvido pela PF, e negou as acusações. Em janeiro, diante da proximidade do fim do prazo para a PF concluir o inquérito, o atual relator, ministro Alexandre de Moraes, prorrogou a investigação pro mais 90 dias.
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Milícias digitais que atacam a democracia
Em agosto do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes determinou a inclusão de Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news, em função dos ataques aos ministros da Corte e disseminação de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas feitos em uma live realizada em junho. A decisão de Moraes foi em resposta a pedido feito pelo TSE e aponta que Bolsonaro tem agido para "tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir" as eleições do próximo ano, utilizando uma estrutura digital de organização criminosa já investigada pelo STF. Em fevereiro de 2022, Moraes compartilhou essas provas com outro inquérito, passando a investigar a relação de Bolsonaro com milícias digitais responsáveis por ataques às instituições democráticas.
Prevaricação no caso Covaxin
No inquérito aberto em julho de 2021 para apurar a suposta prevaricação de Bolsonaro quanto a supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin, a PF concluiu, em janeiro de 2022, que não houve crime. A avaliação foi a de que, mesmo que Bolsonaro tenha incorrido na hipótese de "omissão" ao não informar sobre supostas irregularidades, a conduta "se aproximaria mais de uma ausência do cumprimento de um dever cívico, mas não de um desvio de dever funcional". Em fevereiro, foi a vez da PGR solicitar o arquivamento. A relatora, a ministra Rosa Weber, ainda não analisou o pedido.
As denúncias sobre a Covaxin foram levantadas pelo deputado Luís Miranda (DEM-DF) e o irmão, o servidor Luís Ricardo Miranda. Eles relatam que avisaram Bolsonaro em uma reunião no dia 20 de março sobre suspeitas de irregularidades na compra do imunizante.
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Vazamento de investigação de ataque hacker ao TSE
Em outro inquérito, houve discordâncias entre a PF e a PGR. A PF concluiu que Bolsonaro cometeu crime ao divulgar documentos sigilosos de uma outra investigação sobre um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O objetivo do presidente seria mostrar a vulnerabilidade das urnas eletrônicas, embora a investigação do ataque hacker não tenha encontrado elementos nesse sentido. Já o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu o arquivamento, sob o argumento de que os documentos vazados não estariam em sigilo. Apesar de a PF ter apontado crimes no caso, quem tem a atribuição de apresentar uma denúncia contra os investigados ou pedir arquivamento é a PGR.
Inquérito administrativo no TSE
No TSE, Bolsonaro virou alvo de um inquérito administrativo aberto para apurar possível abuso de poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda antecipada, em relação aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições de 2022. O caso é tocado pelo corregedor-geral do TSE, ministro Mauro Campbell Marques.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/conheca-os-seis-inqueritos-abertos-para-investigar-bolsonaro-25417374
Fundo eleitoral supera orçamento de 99,8% dos municípios
Adriana Ferraz e Weslley Galzo/Brasília / O Estado de S.Paulo
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem manter o fundo eleitoral em R$ 4,9 bilhões. O valor reservado ao financiamento de campanhas nas eleições deste ano é superior ao orçamento de 99,8% dos municípios brasileiros, incluindo nessa conta toda a arrecadação com impostos, além de transferências federais e estaduais para as cidades. Em 2020, segundo dados da Frente Nacional dos Prefeitos, 17 capitais não alcançaram essa mesma receita.
Com o aval dado por nove dos 11 ministros do Supremo, os partidos – que, diferentemente de prefeituras, são entidades privadas – dividirão a verba estipulada pelo Congresso de acordo com as bancadas eleitas para a Câmara dos Deputados em 2018. Desse modo, os maiores beneficiados serão o União Brasil (fusão entre o DEM e o PSL) e o PT.
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Somando-se o fundo eleitoral ao Fundo Partidário, de R$ 1,06 bilhão, somente o União Brasil receberá quase R$ 1 bilhão de recursos públicos ao longo deste ano. O valor equivale, por exemplo, ao orçamento anual de duas capitais brasileiras: Rio Branco (AC) e Macapá (AP). De acordo com a FNP, apenas 95 dos 5.568 municípios brasileiros têm uma receita anual bilionária.
Ao aprovar o montante que custeará as eleições de outubro, a maioria dos ministros considerou que o Congresso não feriu a Constituição ao elevar o valor utilizado nas eleições de 2018 e 2020 – as primeiras realizadas com recursos públicos – nem ao definir uma regra para o cálculo do fundão.
Em julho do ano passado, na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputados e senadores modificaram, via emenda, o texto proposto pelo governo Jair Bolsonaro para definir que o “fundão” fosse equivalente a 25% do orçamento da Justiça Eleitoral em 2021 e 2022. A conta resultou em R$ 5,7 bilhões, valor vetado pelo Palácio do Planalto e reduzido posteriomente durante a votação definitiva do Orçamento deste ano, passando aos atuais R$ 4,9 bilhões.
Para o partido Novo, que entrou com ação no Supremo contra o valor do fundo eleitoral, houve vício de iniciativa na votação da LDO, prejudicando todo o processo seguinte. De acordo com a legenda, a alteração feita por meio de emenda parlamentar no texto original seria inconstitucional.
Somente o relator da ação, André Mendonça, e o ministro Ricardo Lewandowski votaram para reduzir o fundo. Manifestaram-se a favor da manutenção dos R$ 4,9 bilhões Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes e, parcialmente, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber – ambos acompanharam Mendonça ao considerar a existência de vícios na aprovação da LDO, mas divergiram sobre a inconstitucionalidade do Orçamento.
https://arte.estadao.com.br/uva/?id=yr4GL2
‘Desproporcional’
Mendonça apresentou, na primeira sessão de julgamento, um longo voto no qual considerou a cifra “desproporcional”. Como solução, ele propôs que o valor para este ano fosse igual ao fixado para a eleição de 2020 (R$ 2,1 bilhões), corrigido pela taxa do IPCA-E até dezembro de 2021. O valor ficaria em cerca de R$ 2,3 bilhões – ou seja, R$ 200 milhões a mais do que a proposta enviada pelo governo ao Congresso durante a formulação do Orçamento.
A maioria dos ministros, no entanto, considerou que não compete à Corte alterar os valores fixados pelo Congresso. A divergência ao voto do relator foi aberta por Nunes Marques, que disse não ver “extrapolamento” dos limites estipulados na LDO. Para o magistrado, “o financiamento público faz parte de um mecanismo desenhado para possibilitar a pluralidade do debate político”.
O presidente do Supremo, Luiz Fux, embora tenha acompanhado Nunes Marques, apresentou um voto crítico aos valores fixados pelo Legislativo, mas ressaltou que não houve inconstitucionalidade no processo. Ainda segundo Fux, a Corte não tem “capacidade constitucional” para decidir sobre este assunto, que seria de competência exclusiva do Congresso. “O valor é alto, mas inconstitucionalidade aqui não há”, afirmou.
O caso foi tratado por Fux como mais um exemplo de judicialização da política, em que partidos insatisfeitos com decisão do Congresso recorrem ao Supremo. Ele afirmou ainda que este tipo de ação tem gerado problemas institucionais à Suprema Corte. “Cabe a quem votou essa iniciativa pagar o preço social, não nós do Supremo. Nós não votamos”, concluiu.
Poderes
Para Lewandowski, porém, “excessos realizados por Executivo e Legislativo podem, sim, ser corrigidos pelo Judiciário”. Ele foi o único a seguir Mendonça na defesa da redução do valor estipulado por deputados e senadores.
Para o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a ação do Novo foi uma tentativa de “criminalização da política”. Antes do julgamento, Lira encaminhou ao Supremo manifestação em que alega a existência de um movimento do partido para “instrumentalizar o Poder Judiciário como instância de revisão de mérito de decisões políticas legítimas do Poder Legislativo”.
Após a decisão, o Novo afirmou, em nota, que “o fundão bilionário concentra poder em políticos privilegiados e prejudica ainda mais a nossa democracia”. O texto assinado pelo presidente nacional do partido, Eduardo Ribeiro, defende a correção do valor apenas pela inflação. Diz, ainda, que seguirá lutando para que “o dinheiro do cidadão seja respeitado e para que as eleições sejam um momento de fortalecimento da democracia”.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
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Luiz Carlos Azedo: Guerra da Ucrânia torna China ainda mais forte
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O diplomata e estrategista político Henry Kissinger talvez seja o político do Ocidente que melhor conhece a China, onde esteve cerca de 50 vezes. Seu livro Sobre a China é um best-seller até hoje. A proeza dele como diplomata foi conceber e executar a reaproximação entre os Estados Unidos e a China comunista, construindo uma aliança que seria decisiva para o colapso da antiga União Soviética. Seus críticos, porém, questionam a forma subalterna como trata a questão da democracia e dos direitos humanos na China.
A China demorou para aceitar que não era o centro do mundo e que precisaria se integrar a um sistema internacional liderado pelas potências ocidentais. Isso ocorreu na marra, após ser derrotada militarmente pelo Império Britânico. Sem os mesmos recursos, no entanto, os chineses optaram por convidar outros países europeus a estabelecerem postos comerciais no seu território, para provocar e depois manipular a rivalidade entre eles.
O princípio “derrotar os bárbaros próximos com o auxílio dos bárbaros distantes” foi adotado com êxito pela China. Seu paradigma de diplomacia pode ser comparado aos fundamentos do Wei qi, uma espécie de jogo de gamão, no qual os fatores políticos e psicológicos subordinam os princípios puramente militares no “cerco estratégico”.
Kissinger explorou com competência as divergências existentes, desde a morte de Stalin, entre os líderes soviéticos e a liderança chinesa. Mao Tsé Tung recebeu a visita do presidente Richard Nixon. Estados Unidos e China passaram a ser aliados contra a antiga União Soviética. A aliança americana com o regime nacionalista em Taiwan passou à condição subalterna, e o trauma da Guerra da Coreia foi relevado.
Mao, Zhou Enlai e Deng Xiaoping foram interlocutores privilegiados de Kissinger, que também se relacionou com Zhao Zyiang, Jiang Zemin e Qian Quichen, a geração nova de reformadores. Por uma ordem internacional mais estável, num mundo repleto de armas nucleares, a China foi aceita no Conselho de Segurança da ONU.
A guerra de seis semanas da China contra o Vietnã, em 1979, foi um subproduto dessa mudança. Pequim conteve o desejo vietnamita de montar um bloco com Camboja e Laos. Após o massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, em que jovens estudantes pediam abertura política, Xiaoping iniciou um processo de reformas capitalistas que, no curto espaço de 30 anos, elevaram a China ao status de segunda potência econômica do planeta.
No mundo globalizado, o eixo do comércio deslocou-se do Atlântico para o Pacífico. O governo chinês se tornou um dos fiadores da ordem mundial como uma grande potência pacífica. Entretanto, eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, amigo de Vladimir Putin, resolveu escalar uma guerra comercial com a China e se aproximar da Federação Russa.
Guerra fria
Joe Biden assume a Presidência com uma equipe diplomática disposta a restabelecer a hegemonia absoluta dos Estados Unidos na política mundial, a partir da aliança com o Canadá e o Reino Unido, escalando o conflito da Otan com a Federação Russa em torno da Ucrânia. No lugar do mundo multipolar que se esboçava a partir da liderança da Alemanha e da França na União Europeia, ressurge uma guerra fria, que se torna guerra quente com a invasão da Ucrânia e, com a ajuda da agressividade de Putin, arrasta toda a União Europeia para o confronto. O eixo da política internacional deixa de ser o comércio e a cooperação e passa a ser a defesa da democracia e dos valores liberais como narrativa para nova corrida armamentista.
Com a guerra da Ucrânia, a Rússia passa a depender cada vez mais da China. Porém, enquanto Putin joga xadrez e busca a vitória total em termos geopolíticos, Xi Jinping, o líder chinês, segue os princípios do Wei qi e mantém sua estratégia focada na integração às cadeias de produção e de comércio mundial, nas quais os Estados Unidos continuam sendo a força mais importante — estão aí as sanções econômicas contra a Rússia —, mas em declínio.
A China leva vantagem com a guerra da Ucrânia, embora a narrativa do Ocidente quanto à democracia se aplique também ao regime comunista chinês. Com a exclusão da Rússia do sistema Swift, ou seja, do sistema de mensagens interbancárias, por exemplo, os bancos russos se socorreram no sistema de pagamentos interbancários transfronteiriços (Cips), criado pela China em 2015.
Os chineses não apoiam as sanções econômicas e se abstiveram de condenar a agressão russa à Ucrânia na ONU.
O sistema Cips é usado para liquidar créditos e trocas internacionais de yuans na chamada Rota da Seda. Permite que os bancos globais realizem transações internacionais em yuan. Somente no ano passado, o sistema processou cerca de 80 trilhões de yuans (US$ 12,68 trilhões), um aumento de 75% em relação ao ano anterior. Em janeiro, 1.280 instituições financeiras de 103 países e regiões fizeram login no sistema chinês. O yuan pode sair dessa crise como uma moeda internacional.
Regras para retirada de conteúdo e moderação das redes sociais nas eleições
Renata Galf / Folha de S. Paulo
Com exceção dos casos em que há ordem judicial, a decisão sobre a retirada ou não de determinado conteúdo, suspensão ou banimento de contas em mídias sociais é tomada pelas próprias plataformas.
À medida que o fenômeno de desinformação e disseminação de conteúdos nocivos nas redes foi se intensificando, também aumentou a pressão sobre elas, tanto para que melhorassem a moderação quanto para que fossem mais transparentes em relação a quais suas regras e como são aplicadas.
Embora existam pontos em comum entre as principais empresas, há diferenças sobre transparência, tipo de medidas tomadas e nível de detalhamento das regras.
Entenda abaixo os pontos básicos da moderação de conteúdo e as diferenças entre as principais plataformas.
Qual a base para retirada de conteúdos e contas das redes? Mídias sociais e plataformas possuem seus próprios termos de uso, com os quais os usuários precisam concordar para poder utilizar essas aplicações e esses serviços.
Além dos termos de serviço, é comum que existam também políticas de comunidade, onde são especificadas condutas e conteúdos vetados em cada plataforma.
Com base nessas regras, as empresas podem remover conteúdos de caráter proibido, como costuma ser o caso de postagens com discurso de ódio e incitação à violência.
Para um usuário comum, contudo, pode ser bastante complicado estar a par das regras de políticas ou diretrizes para moderação.
Além de as regras públicas serem na maior parte das vezes divididas em diversas páginas nem sempre fica claro qual foi a última vez que elas foram atualizadas.
Apenas parte das empresas informa a data da última atualização das regras e, ainda assim, por vezes não se evidencia quais os pontos alterados.
As plataformas retiram apenas conteúdo ilegal? Não. Há conteúdos que não são ilegais, mas cuja retirada é prevista por parte das plataformas, como em caso de postagens com nudez.
Por outro lado, também há conteúdos que podem ser considerados crimes e que não estão entre as possibilidades de moderação realizada pela plataforma, como os crimes contra a honra. Nesses casos, é preciso acionar o Judiciário para demandar a retirada.
Vale ressaltar que, ao passo que cada país tem suas leis e diferentes limitações à liberdade de expressão, as plataformas em geral possuem regras globais.
Entre os conteúdos vetados, costumam figurar, por exemplo, discurso de ódio e incitação à violência.
Não há uma definição na legislação brasileira do que seja discurso de ódio. Do ponto de vista legal, o conceito no país vem sendo construído mais com base na jurisprudência dos tribunais.
No caso das plataformas, a maioria delas define em suas políticas o que consideram discurso de ódio e quais as punições aplicáveis.
A única possibilidade é a retirada? Não, em alguns casos, em vez da retirada, as punições podem ser diminuição do alcance do material, rotulagem com informações adicionais ou alertas aos demais usuários sobre aquele conteúdo, desmonetização do canal ou perfil, ou, no extremo, a suspensão ou banimento da conta infratora.
Também o comportamento de contas, como no caso de contas consideradas falsas, de spam ou com comportamento inautêntico, figura entre as justificativas para remoção.
Como ocorre a moderação? Em geral, além da análise realizada por moderadores, há também análise automatizada com uso de inteligência artificial. Ela pode ocorrer tanto por iniciativa da própria empresa ou a partir de denúncias realizadas por usuários ou parceiros.
DESINFORMAÇÃO E ELEIÇÕES DE 2022
Veja todas as reportagens da série
- Debate sobre fake news em redes sociais avança para eleições de 2022; entenda
- Bolsonaro copiará Trump com posts de fraude eleitoral? Veja limites e brechas
- Uso eleitoral de WhatsApp e Telegram tem novos desafios para 2022
- Punição de fake news nas eleições esbarra em regras defasadas
- Propostas contra fake news têm embate sobre liberdade, privacidade e punição
Existem regras na lei? Não, a legislação brasileira não obriga tampouco impede as plataformas de moderar conteúdo ou contas. O tema é debatido no Congresso no projeto de lei das fake news, que está tramitando na Câmara no momento.
Quais críticas costumam ser feitas quanto à aplicação das regras? De um lado, as plataformas são criticadas por não retirarem conteúdos questionados, o que se intensificou em meio à pandemia e a postagens sobre fraude eleitoral.
De outro, há reclamações de usuários que consideram a moderação abusiva, eventualmente sem direito a apelação ou sem dados concretos que permitam entender o porquê da punição.
Também há críticas sobre haver uma falta de consistência na aplicação das regras, diante da percepção de que conteúdos semelhantes podem receber tratamentos distintos.
E quais as críticas às regras em si? O fato de as políticas das plataformas serem globais também é apontado por especialistas como um complicador.
Entre as consequências deste modelo, está tanto a existência de regras que não fazem sentido para um determinado país quanto a falta de regras que seriam necessárias a outro.
Outra crítica se refere ao grau de clareza das regras, já que formulações demasiadamente genéricas acabam dando maior margem de interpretação às plataformas e dificultando o entendimento dos usuários sobre o que de fato viola as regras e sobre qual punição podem sofrer.
As plataformas possuem regras sobre desinformação eleitoral? Entre as principais plataformas mundiais, as regras sobre alegações infundadas de fraudes foi impulsionada pelo comportamento do ex-presidente dos EUA Donald Trump.
Há, no entanto, muitas questões em aberto. Desde regras que não necessariamente se aplicam ao Brasil até casos em que não há menção explícita quanto ao procedimento em relação a postagens sobre fraude ou questionamento do resultado.
No caso do YouTube, por exemplo, foi criada uma regra que prevê remoção de vídeos com alegações falsas de que fraudes ou erros ou problemas técnicos generalizados mudaram o resultado de eleições anteriores.
Contudo até o primeiro semestre de 2021 ela era restrita aos Estados Unidos e, até o momento, foi ampliada apenas para a Alemanha.
Já entre as políticas do Facebook sobre o tema, que é parte do rebatizado Meta (que inclui Facebook, Instagram e WhatsApp) não há uma previsão clara do que seria feito em caso de postagens questionando o desfecho ou alegando fraude.
A maioria das possibilidades de remoção se refere a episódios que envolvam incitação ou intenção de violência.
Nas regras do Twitter, há um capítulo que trata de desinformação eleitoral com episódios relacionados a fraude. Entre os casos que passariam por moderação estão informações não verificadas sobre fraude, adulteração de votos, contagem de votos ou certificação dos resultados da eleição. Não está definido, contudo, critérios de análise da gravidade para definir se o conteúdo seria marcado ou removido.
Como mostrou reportagem da Folha, os acordos divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e pelas plataformas de internet para as eleições de 2022 ficam aquém das políticas eleitorais adotadas pelas empresas nos EUA.
REGRAS DE MODERAÇÃO DE CONTEÚDO SOBRE ELEIÇÃO
A Folha reuniu algumas das principais regras de moderação de conteúdo de cada uma das plataformas com ligação direta a temas eleitorais. Parte delas possui tais regras reunidas, em outras estão distribuídas em diferentes seções de suas políticas.
Os dados estão atualizados conforme versões publicadas nos sites das empresas em 24 de fevereiro de 2021.
FACEBOOK E INSTAGRAM
Não há regras claras envolvendo postagens que aleguem fraudes sem comprovação ou que se recusem a aceitar o resultado eleitoral. Muitas das regras envolvem situações envolvendo defesa de violência em diferentes graus.
As regras de moderação incluem também discurso de ódio, que é definido pela plataforma como um ataque direto a pessoas, e não a conceitos e instituições, baseado em características como raça, etnia, nacionalidade, religião, orientação sexual, casta, sexo, gênero, identidade de gênero e doença grave ou deficiência.
As mesmas regras também se aplicam ao Instagram, segundo assessoria da plataforma (que junto com Facebook e WhatsApp compõem a Meta). Os sites das plataformas, porém, não deixam claro que as regras são compartilhadas.
REMOÇÃO
- Falsificação de informações, como datas, locais e horários, bem como de métodos de votação
- Declaração falsa sobre quem pode votar e contabilização dos votos
- Declarações de intenção, incitações, declarações condicionais ou intencionais, ou defendendo a violência devido à votação ou a administração ou resultado de uma eleição
- Declarações de intenção ou apoio, incitações ou declarações condicionais incitando a levar armas a zonas eleitorais ou locais usados para contar votos ou administrar uma eleição
REMOÇÃO, APÓS ANÁLISE DE INFORMAÇÕES ADICIONAIS
- Ameaças contra autoridades eleitorais
- Declarações implícitas de intenção ou apoio sobre levar armamentos a zonas eleitorais
REDUÇÃO DE ALCANCE
- Com exceção dos casos especificados nas regras, notícias falsas em geral não são removidas pelo Facebook, mas têm seu alcance reduzido. Postagens realizadas por políticos e candidatos, contudo, não estão no rol de conteúdos analisados pelas agências de checagem parceiras.
RESTRIÇÃO DE CONTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS
- O Facebook possui uma página que trata de restrição de conta de figuras públicas, caso publiquem conteúdo durante atos de violência ou agitações civis em andamento.
- A plataforma elenca alguns fatores que levará em conta para determinar o período de restrição por incitar ou celebrar eventos violentos ou agitações civis. Entre eles, a gravidade da violação e histórico na plataforma.
Fonte: Regras sobre violência e incitação; Coordenação de danos e divulgação de crime, política de notícias falsas
YOUTUBE
A empresa criou uma página, em 2021, em que reúne exemplos de conteúdos sobre eleições que violam suas regras, podendo ser removidos. A lista não é completa, deixando ampla margem para análise da empresa. A aplicação do item sobre alegações falsas de fraudes é restrito, até o momento, aos Estados Unidos e à Alemanha.
A plataforma também possui regras específicas sobre discurso de ódio.
REMOÇÃO
- Vídeo postado após a certificação dos resultados oficiais para promover alegações falsas de que fraudes, erros ou problemas técnicos generalizados mudaram o resultado de eleições nacionais anteriores
(se aplica a qualquer eleições dos EUA e eleições da Alemanha de 2021) - Vídeo que encoraja outras pessoas a interferir em processos democráticos como obstruir ou interromper procedimentos de votação
- Vídeo com informações incorretas sobre o horário ou local da votação. Ou conteúdo com alegações falsas que podem desestimular a participação
- Vídeo com informações roubadas, que, caso divulgadas, podem interferir nos processos democráticos
REDUÇÃO DE RECOMENDAÇÃO
- A empresa afirma reduzir a recomendação de conteúdos que chegam perto de violar as políticas da plataforma, conteúdo duvidoso ou que possa desinformar os usuários de maneira prejudicial".
INFORMAÇÕES ADICIONAIS NA BUSCA
- A plataforma possui um painel de informações, com checagem de fatos, que pode aparecer no topo da busca, a depender dos termos buscados pelo usuário, mostrando se a pesquisa se refere a algo verdadeiro, falso ou parcialmente verdadeiro, segundo checagem de veículo terceiros.
SUSPENSÃO DE CONTA
- Após violações seguidas, que resultem em três avisos em um prazo de 90 dias, o canal é removido permanentemente. Um único caso de abuso grave também pode resultar na rescisão do canal
Fonte: Políticas contra desinformação em eleições
Nas políticas do Twitter sobre eleições, a empresa afirma que as listas de casos não são restritivas, ou seja, outras situações também podem ser punidas. A plataforma não detalha critérios para remoção ou marcação, diz apenas que a exclusão é para violações graves.
A plataforma também possui uma política contra propagação de ódio.
REMOÇÃO OU MARCAÇÃO
- Alegações enganosas que causem confusão a respeito de procedimentos e métodos das eleições já estabelecidos. Ou sobre as ações de autoridades ou entidades que viabilizam as eleições
- Informações não verificadas sobre fraude eleitoral, adulteração de votos, contagem de votos ou certificação dos resultados da eleição
- Alegações enganosas sobre os resultados ou desfechos de um ato cívico que exigem ou poderiam causar uma interferência na implementação dos resultados de tal ato, como celebrar vitória antes de os resultados da eleição terem sido certificados, incitar condutas ilegais para impedir a implementação prática ou procedimental dos resultados das eleições
- Alegações que induzem ao erro sobre longas filas, problemas com equipamentos ou outros contratempos nos locais de votação
- Informações enganosas relacionadas a votos que não estão sendo contados
GRADAÇÃO DAS MEDIDAS
- Em caso de violações graves, ocorre a exclusão de conteúdo e impedimento temporário de postar. A exclusão de tuíte acontece após duas transgressões.
- Com cinco ou mais transgressões, ocorre a exclusão da conta e suspensão permanente
- Quando o conteúdo viola as regras, mas não é removido, a empresa pode adotar diferentes medidas como aviso no tuíte, desativação de retuítes e curtidas, e redução da visibilidade
Fonte: Política de integridade cívica
TIK TOK
O Tik Tok prevê que é vetado conteúdo que engane os usuários sobre eleições. Também não permite conteúdo que contenha discurso de ódio ou envolva comportamento de ódio. Em sua página de integridade eleitoral, a empresa elenca as diferentes punições possíveis e dá exemplos de aplicação relacionados a eleições. A seguir, estão alguns deles.
REMOÇÃO
- Alegações de fraude eleitoral ou alegações de que seu voto não será contado
- Conteúdo com data falsa para as eleições
- Tentativas de intimidar eleitores
- Supressão de voto
REDUÇÃO DA VIRALIZAÇÃO
- Usuários que fizerem pesquisas ou buscarem hashtags, de termos associados a desinformação sobre fraude eleitoral, são redirecionados para as políticas da plataforma
- A plataforma reduz a recomendação de conteúdos com alegações não verificadas sobre declaração de vitória antes da confirmação oficial do resultado
- Alegações relacionadas a locais de votação no dia das eleições que ainda não tenham sido verificadas
REMOÇÃO DE CONTA
- Contas comprovadamente dedicadas à disseminação de desinformação relacionada a eleições serão banidas
Fonte: Página sobre Integridade eleitoral
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/entenda-regras-para-retirada-de-conteudo-e-moderacao-das-redes-sociais-nas-eleicoes.shtml
Supremo Tribunal Federal mantém Fundão Eleitoral de R$ 4,9 bilhões
Weslley Galzo / O Estado de S. Paulo
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter o Fundo Eleitoral de R$ 4,9 bilhões destinado ao financiamento de campanhas nas eleições deste ano. O julgamento foi encerrado nesta quinta-feira, 3, com placar final de 9 votos a 2 a favor do valor fixado pelo Congresso.
A maioria dos ministros entendeu que o “Fundão Eleitoral” aprovado pelo Congresso em dezembro passado não fere a Constituição, diferentemente do que argumentou o partido Novo na ação apresentada ao Supremo, na qual pedia a suspensão dos valores que devem ser utilizados nas eleições deste ano.
A legenda alegou a existência do chamado “vício de iniciativa” no processo de votação e aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, uma vez que durante a tramitação do texto no Congresso foi incluída uma emenda parlamentar que alterou a proposta de competência exclusiva do Poder Executivo, sendo necessário, portanto, invalidar o processo que culminou nos R$ 4,9 bilhões na Lei Orçamentária Anual (LOA). Em nota emitida após o julgamento no Supremo, o Novo lamentou a decisão e disse que o Fundão bilionário “concentra poder em políticos privilegiados e prejudica ainda mais nossa democracia”.
Somente o relator da ação, André Mendonça, e o ministro Ricardo Lewandowski votaram para alterar o valor do Fundão previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022. Manifestaram-se a favor da manutenção dos R$ 4,9 bilhões os ministros Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Gimar Mendes e, parcialmente, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber — ambos acompanharam Mendonça ao considerarem a existência de vícios na aprovação da LDO, mas divergiram do ponto central, que aponta o valor fixado pela LOA como inconstitucional. Mesmo com estas ponderações, o montante foi mantido.
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Mendonça apresentou na primeira sessão de julgamento um longo voto contra o valor de R$ 4,9 bilhões previsto para a realização das campanhas eleitorais neste ano e chamou de “desproporcional” a cifra prevista. Como solução, ele propôs que o valor para este ano seja igual ao fixado para a eleição de 2020 (R$ 2,1 bilhões), corrigido pela taxa do IPCA-E até dezembro de 2021.
Segundo a calculadora financeira do Banco Central, o valor proposto por Mendonça ficaria em cerca de R$ 2,3 bilhões – ou seja, 200 milhões a mais do que a proposta enviada pelo governo ao Congresso durante a formulação do Orçamento no ano passado.
“Constato que o aumento do Fundo Eleitoral numa ordem de grandeza superior até mesmo 200% em relação às eleições de 2020 possui o condão de afrontar a igualdade de chances entre candidatos, bem como impacta a normalidade do processo eleitoral como um todo, assim como não se encontra suficiente justificada a sua motivação”, disse Mendonça em seu voto.
“Para que esse financiamento esteja em conformidade com os princípios da igualdade e da liberdade torna-se indispensável que os recursos sejam distribuídos mediante critérios objetivos e impessoais, ademais esse mecanismo não pode resultar em uma dependência da agremiação política do ente estatal e vice-versa”, completou em outro momento.
A maioria dos ministros do Supremo considerou, no entanto, que não compete à Corte alterar os valores fixados pelo Congresso. A divergência ao voto do relator foi aberta por Nunes Marques, que disse não ver “extrapolamento dos limites estipulados” na LDO. O magistrado justificou seu posicionamento ao afirmar que não iria se “furtar de privilegiar a escolha do legislador no presente caso, que, em legítima opção política, considerou imperioso reforçar o financiamento público das campanhas eleitorais”.
Para o ministro, “o financiamento público faz parte de um mecanismo desenhado para possibilitar a pluralidade do debate político, de modo a permitir que os mais diversos interesses, por meio dos partidos políticos, possam submeter seus nome ao escrutínio eleitoral”.
“Embora enfrentemos uma crise sanitária e econômica sem precedentes, não se pode perder de horizonte os signos que caracterizam nosso estado democrático de direito, no qual a separação harmônica dos poderes é cláusula inafastável. Ora, o controle das alegada má alocação dos recursos se dará nas urnas, oportunidade em que o financiamento público das campanhas voltará ao debate público”, disse.
Judicialização da política
O presidente do Supremo, Luiz Fux, embora tenha acompanhado Nunes Marques, apresentou um voto crítico aos valores fixados pelo Legislativo para o Fundão Eleitoral. Os recursos da União destinados para gastos com campanhas nas eleições de outubro deste ano atingiram o maior patamar da história, mas o ministro-presidente argumentou que a Corte não tem “capacidade constitucional” para decidir sobre este assunto, que seria de competência exclusiva do Congresso.
“O valor é alto, mas inconstitucionalidade aqui não há”, afirmou o presidente do STF. Para Lewandowski, porém, “excessos realizados pelo Executivo e o Legislativo podem, sim, ser corrigidos pelo judiciário”.
O caso foi tratado por Fux como mais um exemplo de judicialização da política, pois partidos insatisfeitos com a decisão do Congresso recorrem ao Supremo na tentativa de desfazer a decisão da maioria dos parlamentares. O ministro-presidente afirmou ainda que este tipo de ação tem gerado problemas institucionais à Suprema Corte. “Mais uma vez perde-se na arena política e traz o problema para o Supremo Tribunal Federal”, disse.
Na tentativa de blindar a Corte, Fux disse que “cabe a quem votou essa iniciativa pagar o preço social, não nós do Supremo. Nós não votamos”. A declaração foi dada diante do cenário de insatisfação popular em torno deste tema, desde o final do ano passado, após a aprovação dos repasses de R$ 4,9 bilhões ao Fundo Eleitoral.
Para o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a ação do novo tratou-se, na verdade, de uma tentativa de “criminalização da política”. Antes do julgamento, o deputado encaminhou ao Supremo manifestação em que alega a existência de movimento do Novo para “instrumentalizar o Poder Judiciário como instância de revisão de mérito de decisões políticas legítimas do Poder Legislativo”.
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Maria Hermínia Tavares: Putin em pele de vítima
Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo
Ocupando uma tela inteira, o mapa mostra bases de mísseis ao redor do imenso território russo, enquanto Vladimir Putin, com um gesto de abraçar o vazio, descreve a situação de seu país, segundo ele permanentemente ameaçado pelo Ocidente.
A cena é do segundo episódio do documentário em quatro partes "Entrevistas com Putin", do cineasta americano de esquerda Oliver Stone, lançado em 2017 e levado ao ar no Brasil pela TVT (TV dos Trabalhadores).
Ela dá o tom da conversa de quase quatro horas, durante as quais o autocrata vai revelando, com precisão e perfeito controle da imagem que quer projetar, sua versão de uma Rússia altiva, conservadora e vítima da incompreensão, dos compromissos traídos e das ambições das potências ocidentais.
O tom é mais sereno, mas a mensagem é a mesma do discurso da segunda-feira (21/2): querem usar a Ucrânia como trampolim para invadir a Rússia, a fim de "destruir nossos valores tradicionais, impor-nos seus falsos valores que nos destruiriam, destruiriam nosso povo por dentro, atitudes que vêm impondo agressivamente em seus países, atitudes que levam diretamente à degradação e à degeneração, pois são contrários à natureza humana". Em suma, a Rússia é vítima da cobiça dos grandes.
As ideias de Putin sobre os valores e o papel de seu país no mundo têm raízes na direita tradicionalista russa, como observou João Pereira Coutinho na excelente coluna da terça (1º), nesta Folha. Sua ascensão e duas décadas de poder se explicam pelo cataclismo econômico e social que se seguiu ao colapso da União Soviética.
Mas o nacionalismo chauvinista, a vitimização, a paranoia política e a rejeição aos chamados valores ocidentais —respeito aos direitos humanos, à expressão da diversidade de comportamentos e, especialmente, às regras da democracia representativa— formam o repertório compartilhado pelo populismo no mundo.
Interpretada à luz das tradições e conflitos de cada país, é moeda corrente no México de Lopez-Obrador; na Hungria de Viktor Orban; na Venezuela de Nicolás Maduro; na Turquia de Recep Erdogan; na Índia de Narendra Modi --e como foi nos EUA de Donald Trump. Serve ainda para cercear a democracia e, no limite, instituir regimes autoritários nos países em que a extrema direita comanda.
É razoável discutir a oportunidade e as consequências para a paz da expansão da Otan às fronteiras da Rússia. Mas daí a comprar a versão putiniana de que o país é vítima de uma agressão comandada pelos EUA e se defende como pode— equivale a avizinhar os Urais da Sibéria. Uma distância que a esquerda democrática não poderia ignorar.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2022/03/putin-em-pele-de-vitima.shtml
Bruno Boghossian: Advogado de Bolsonaro faz aceno ao TSE, mas presidente mantém guerra na praça
Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo
O partido de Jair Bolsonaro foi buscar nas galerias do Tribunal Superior Eleitoral um coordenador jurídico para a candidatura do presidente. Tarcisio Vieira é um veterano da corte. Foi ministro por sete anos, até maio do ano passado, do órgão que se tornou o foco principal dos movimentos conspiratórios do capitão.
Como juiz, Vieira atuou nas disputas presidenciais de 2014 e 2018 –aquelas que Bolsonaro diz terem sido fraudadas, sem apresentar nenhuma evidência. Como advogado, ele representará um candidato que repete as falsas suspeitas e atira dúvidas sobre mais uma eleição.
O ex-ministro se lançou na função como um equilibrista. Em entrevista à Folha há cerca de duas semanas, ele disse que os questionamentos de Bolsonaro sobre as urnas fazem parte de "um debate legítimo, em termos democráticos". Mas respondeu também que o sistema de votação parece confiável e que os ataques do presidente não contaminam sua atuação jurídica.
Quando era ministro, Vieira destacou que a divulgação de notícias falsas tinha "poder destrutivo" e defendeu ferramentas para reduzir a "desnaturação da boa informação". Na entrevista de fevereiro, ele reconheceu ainda que o TSE tem poderes para restringir o Telegram, ainda que tenha classificado essa possibilidade como uma "medida extrema".
Não é coincidência que o PL tenha encontrado um advogado que pareça estar na contramão dos sonhos golpistas de Bolsonaro. Depois de tantos choques com o TSE, o partido contratou um ex-integrante do tribunal para melhorar a relação com os atuais ministros e tocar uma operação menos conflituosa no dia a dia da corrida eleitoral.
Ainda não se sabe como a campanha conseguirá essa façanha, já que o próprio candidato e seus auxiliares dão repetidas demonstrações de que vão manter os ataques ao sistema de votação. Na melhor das hipóteses, Bolsonaro terá um diplomata falando em seu nome nos salões de Brasília, enquanto a cavalaria mantém uma guerra suja do lado de fora.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2022/03/advogado-de-bolsonaro-faz-aceno-ao-tse-mas-presidente-mantem-guerra-na-praca.shtml
Maria Cristina Fernandes: Pra que serve a guerra
Maria Cristina fernandes / Valor Econômico
Ao final dos oito minutos e 37 segundos que durou sua declaração depois do encontro com o presidente brasileiro, quase o dobro do que falou Jair Bolsonaro, Vladimir Putin encarregou-se de informar ao público sobre o ineditismo da reunião que, naquele momento, se desenrolava entre os chanceleres e os ministros da Defesa dos dois países. A inclusão do ministro Walter Braga Netto e de sua contraparte russa Serguei Choigu na reunião dos chanceleres Carlos França e Serguei Lavrov foi uma tentativa da Rússia de vender armas para o Brasil às vésperas do ataque à Ucrânia.
Não deu em nada, mas expôs a esquizofrenia da política externa de um presidente cuja diplomacia, duas semanas depois, votaria pela condenação da Rússia na Assembleia Geral da ONU, descolando-se dos outros três parceiros do Brics (China, Índia e África do Sul), que se abstiveram.
O que o Brasil ganhou com a exposição pública dessa esquizofrenia? Não se sabe se o vereador Carlos Bolsonaro e sua turma aprenderam alguma coisa em Moscou, mas a viagem está longe de ter sido um desperdício para o bolsonarismo. Tem uma aposta retórica e outra, estratégica - para o front interno de sua disputa, esclareça-se. Ambas arriscadas.
Se, como disse duas vezes em Moscou e repetiria no Carnaval do Guarujá, Bolsonaro foi à Rússia compartilhar com Putin “a crença em Deus e nos valores da família”, a carnificina da guerra tratará de contradizê-lo. Além disso, parece ter resolvido enfrentar sua base olavista, liderada pelo ex-chanceler Ernesto Araújo, mantendo a viagem à Rússia porque achou que pegava mal essa coisa de não conseguir ser levado a sério por ninguém fora do Brasil.
Foi isso que disse no Guarujá: “Fui o último chefe de Estado que foi lá. Pelo espaço que [Putin] deu para mim, somos importantes. Somos bem recebidos em qualquer lugar (...) o Brasil é um exemplo para o mundo”. Um repórter levantou a bola e ele cortou, certo de que destroçaria o presidente francês, Emmanuel Macron e afagaria o autocrata russo a quem chamou de “amigo” incapaz de promover um massacre: “Macron foi recebido sozinho no aeroporto. Para mim teve honras militares. Ele ficou afastado da mesa, apesar de vacinado. Putin ficou sem máscara ao meu lado. Achei uma deferência enorme, carinho mesmo pelos brasileiros”.
Se não colar, ele muda o discurso. Mais consolidada é a parceria de Braga Netto, com quem parece ter escolhido ir adiante em sua jornada de mistificação. Desde a viagem a Moscou, Bolsonaro passou a colocar Braga Netto no mesmo patamar de França como ministros aos quais ele recorre para definir sua política externa.
Se Hamilton Mourão lhe ofereceu a blindagem contra impeachment, o ministro da Defesa promete mais. É um combo de vantagens que precede a eleição de 2018 e ultrapassa a de 2022. Ao retornar da Rússia, onde Braga Netto era a estrela de uma comitiva composta de ministros de origem militar, à exceção do chanceler, Bolsonaro foi à reunião do Alto Comando do Exército.
Encontrou um colegiado ressabiado com a aproximação do Brasil com a Rússia mas tolerante com o azedume do presidente com o Supremo Tribunal Federal. Não apenas compartilhou sua intenção de nomear Braga Netto para a vice como a de fazer do atual comandante do Exército, general Paulo Sérgio Oliveira, o ministro da Defesa. A primeira informação já parecia ser do conhecimento de todos, dada a percepção de que a Defesa tem se dedicado à divulgação das ações da Pasta com especial afinco.
A escolha do general surpreendeu mais. Não apenas porque Bolsonaro chegou a pedir sua cabeça no episódio que resultou na saída do ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, como também porque Paulo Sérgio Oliveira, tem conduzido a tropa à maneira de seu antecessor - sem declarações e rigoroso no controle da politização dos quartéis.
Sua saída neste momento, lembra um general da reserva com franca interlocução naquele colegiado, aproxima a dança das cadeiras no comando do Exército brasileiro com aquele do governo João Goulart. Em dois anos e meio o Exército de Jango foi comandado por quatro generais. Na Nova República, a permanência dos comandantes por quatro anos só foi quebrada no impeachment de Collor. Se a troca se efetivar agora, será o terceiro comandante do Exército no mandato do capitão.
É por esta razão que outro general da reserva, conhecedor dos fatos, teme que a escolha seja feita não para levar o general Paulo Sérgio Oliveira para a Defesa, mas para tirá-lo do comando do Exército. É uma repetição do que aconteceu na Defesa em 2021. A necessidade de abrigar o Centrão na Casa Civil foi a desculpa para colocar o ex-titular da Pasta, Braga Netto, na Defesa quando o que se queria mesmo era desalojar Azevedo e Silva e, em seguida, o general Leal Pujol do comando do Exército.
Para isso, seria preciso que o nome a ser escolhido para o comando do Exército rezasse pela cartilha de Bolsonaro. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, reza, mas não é aceito pelo Alto Comando. Marco Antonio Freire Gomes, comandante de Operações Terrestres e único general da ativa na comitiva de Moscou, passa, até porque o colegiado não aposta que um dos seus se guie pela cartilha do capitão. Mas tem uma vaga no Superior Tribunal Militar prometida, sinecura que lhe garantiria 12 anos de sombra ante a aventura de 9 meses no comando de uma tropa que o capitão quer manipular.
A costura de uma troca no comando do Exército no meio da guerra na Ucrânia dá uma ideia da dramaticidade de seu destino. O atual ministro da Defesa, que foi interventor na segurança pública do Rio em 2018, não é apenas a caixa-preta das relações da polícia militar com as milícias cariocas. Ele era o coordenador do comitê de crise na covid-19.
Nessa condição, participou da reunião em que foi proposta a troca da bula da cloroquina, esteve à frente da negociação com o consórcio da OMS pela Covax facility, que resultou no atraso de recebimento de vacinas pelo Brasil, e das decisões retardadas que resultaram na crise do oxigênio em Manaus. Por isso, foi arrolado pela CPI da Covid no crime de pandemia, previsto no Código Penal. É um dos 68 de uma lista encabeçada pelo presidente da República.
Ao colocar Braga Netto na vice, Bolsonaro busca uma equação para o presente, com um exército sobre o qual possa influenciar, e para o futuro. Quer a cumplicidade das Forças Armadas para evitar que ele e seu vice acabem no xadrez. Arrisca findar num abraço de afogados.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/pra-que-serve-a-guerra.ghtml
Congresso Nacional acelera relógio do apocalipse climático
Conrado Hübner Mendes / Folha de S. Paulo
Três relógios atormentam o mundo: o do apocalipse nuclear (Doomsday Clock), criado para estimar riscos de disparo atômico; o climático (Climate Clock), que calcula o tempo para, sob o atual ritmo de emissões, atingirmos o aumento de 1.5 graus Celsius na temperatura global comparada a níveis pré-industriais; e o relógio da autocratização (o Democalipse), que observa a gradual erosão das democracias.
Simbolizam senso de gravidade e urgência, não exatidão aritmética.
Enquanto escrevo, o relógio do apocalipse nuclear, sequer atualizado depois do ataque russo à Ucrânia, marca 100 segundos para meia-noite, onde nunca esteve; no relógio climático, faltam 10 anos, 1 mês e 20 dias para cruzarmos a linha; o relógio do colapso democrático ninguém ousou traduzir em medida de tempo, mas no Brasil uma roda de conversa entre militares, o centrão e a grande família bolsonarista ajudaria a aferir.
O alarmismo é uma atitude ética, não uma crise neurótica. Se mal comunicado, claro, o alarme pode gerar paralisia. Ou mesmo banalizar a mensagem se não desencadear ação. O alarme falso pode desperdiçar energia num problema menor. O alarme correto, contudo, define prioridades e tenta catalisar ação coordenada.
O antialarmismo não oferece riscos menores. Se o falso alarme pode nos fazer pecar pelo excesso, o que às vezes se justifica pelo princípio jurídico da precaução, o falso antialarme (o "don't look up") pode por tudo a perder.
No tema climático, nada mais alarmista que os últimos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima, o IPCC. Resume as certezas que a comunidade científica mundial produziu sobre o clima e seus efeitos na vida social. Consenso ponderado entre milhares de cientistas, a partir de milhares de pesquisas, não uma eureka individual.
O último relatório, lançado dias atrás, descreve a vulnerabilidade social aos efeitos do aquecimento que já chegou e está crescendo. Os eventos extremos atingem mais intensamente, como se sabia, países e grupos sociais que menos ajudaram a causá-los. E alerta que essa breve "janela de oportunidade para um futuro habitável e sustentável" está se fechando. Nas palavras de Antonio Guterres, Secretário-Geral da ONU, o IPCC desenha um "atlas do sofrimento humano".
O governo Bolsonaro sequer pode ser considerado antialarmista. Às evidências científicas e indicadores recordes de degradação ambiental e humana na Amazônia, responde com negacionismo e delinquência (ao desmantelar fiscalização e anistiar crime organizado).
Aproveita para contrabandear conceitos ao invocar valores da soberania nacional, da propriedade e da liberdade e esconder o domínio de empreendimentos ilegais e perda de controle estatal do território. E ainda mente ao prometer emprego e desenvolvimento por meio de políticas que só fazem multiplicar pobreza, precarização e violência.
O nosso relógio amazônico se aproxima do ponto de não retorno. Nessa hora, o bioma se transforma gradualmente em outra coisa, e perde capacidade de prestar serviços ambientais que geram, por exemplo, água para as cidades e para a agricultura. Chuvas fortes e inundações, de um lado, secas e calor extremo, de outro, vão aumentar.
Tramitam hoje no Congresso Nacional projetos de lei que aceleram nosso relógio. Cinco chamam a atenção: PL 2159, que dispensa licenciamento ambiental prévio; PLs 2633 e 510, que anistiam e incentivam grilagem de terra pública; PL 490, que adota critério do marco temporal para demarcação de terra indígena; PL 6299, que facilita aprovação de agrotóxicos; e PL 191, que libera do garimpo a hidrelétricas em terra indígena.
Os projetos não só terão impacto ambiental como se juntam em amplo pacote legislativo pró-corrupção. O lema desse pacote, como dito em coluna anterior, é reduzir institucionalidade para ampliar o arreglo, ou a política pública no fio do bigode, e assim dilapidar riqueza nacional para produzir lucro oligárquico.
Destruir o ambiente virou, nesse século, sinônimo de empobrecimento. Empobrece e também aquece, ou vice-versa. Não afeta só a vida de bichos e plantas, mas inviabiliza qualquer sentido de progresso e bem-estar humano.
Se seu filho sobreviver ao Brasil, pode não sobreviver ao clima. No que depender do perigo e da radicalidade de eventos climáticos, a vida dele será bem pior que a sua. Se não for rico, nem se fale. Só falta saber o quanto.
Está nas mãos da política, não de cada um sozinho e bem-intencionado. E os destinos dessa política, no que temos para hoje, estão nas mãos de deputados e senadores, a começar por Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Na quarta-feira, dia 9 de março, o "Ato pela Terra" terá Caetano Veloso e outros artistas na frente do Congresso para levar esse aviso.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/conrado-hubner-mendes/2022/03/queimar-riqueza-como-se-nao-houvesse-amanha.shtml
Empresa que não cumprir lei das Fake News pode ter serviço bloqueado
Iander Porcella / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O deputado Orlando Silva (PC do B-SP) tem se esforçado para reduzir a resistência de parlamentares ao projeto de lei para combater fake news no País, relatado por ele na Câmara. A oposição maior vem da base do presidente Jair Bolsonaro (PL). Em entrevista ao Estadão/Broadcast Político, ele ressalta que a legislação será permanente, ou seja, ultrapassará o período do atual governo. "Eu não trabalho para afetar nenhuma empresa, nenhum aplicativo, nenhuma tecnologia, nenhuma liderança política", afirma.
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Uma das principais preocupações dos bolsonaristas, porém, é com o banimento do Telegram, uma possibilidade já aventada pelo ministro Luís Roberto Barroso, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O aplicativo de mensagens não tem sede nem representação fixa no Brasil e se recusa a cooperar com a Justiça Eleitoral para evitar a desinformação nas eleições deste ano.
Na semana passada, o relator se reuniu com o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que será o presidente do TSE durante as eleições de outubro, para tratar do assunto. O magistrado é também relator do inquérito das fake news no Supremo. Orlando Silva evita falar especificamente do Telegram, mas deixa claro que as empresas que não cumprirem a lei das fake news, caso ela entre em vigor, podem ter o serviço bloqueado por decisão judicial colegiada, no caso mais extremo.
Uma das exigências colocadas no texto da proposta é que as plataformas digitais tenham representação no País. "A primeira sanção é advertência, a segunda é multa, a terceira é suspensão do serviço, a quarta é bloqueio do serviço", explica o deputado. Confira os principais trechos da entrevista:
O senhor conversou com o ministro Alexandre de Moraes. O que ele achou do projeto das fake news?
Ele se colocou de acordo com o que foi apresentado na proposta, sobre moderação de conteúdo, o devido processo que deve haver para que o usuário possa contestar uma determinada moderação feita pelas plataformas. Se colocou de acordo com a ideia de termos uma representação das empresas no Brasil, não necessariamente uma sede, como está previsto no texto do Senado. Também com a elevação de 2 milhões para 10 milhões do número mínimo de usuários para empresas às quais se aplicaria essa lei e com o tratamento para as contas de interesse público, que devem seguir os princípios da administração pública. A impressão que eu fiquei foi muito boa da visão que o ministro teve.
O senhor também se reuniu com o Google. O que saiu dessa reunião?
Tenho me reunido sistematicamente com a sociedade civil, com agentes econômicos, agora foi com o Google. Na semana que vem, deve ter uma reunião com a equipe do governo. A fase atual é de escuta, de diálogo. O Google levantou preocupações relativas aos relatórios de transparência, às regras de publicidade e à remuneração de conteúdo jornalístico, trouxe ideias, sugestões. Nós recolhemos todas e vamos seguir estudando, debatendo, ouvindo. É um processo complexo, porque são muitos olhares diferentes.
Em que pé está a articulação com os parlamentares?
Eu me reuni com o presidente Arthur Lira (da Câmara dos Deputados) na primeira semana de fevereiro. Tive reunião com os líderes e com as bancadas. Na primeira semana de março, a gente deve concluir a rodada com todas as bancadas e abrir um diálogo com o Senado, de modo que a gente produza um texto que seja pactuado entre Câmara e Senado.
Qual a previsão de votação do projeto no plenário?
Eu trabalho com a expectativa de votação no plenário da Câmara no mês de março.
Como convencer a base governista a apoiar o projeto? Eles acham que o presidente Bolsonaro será afetado pela lei das fake news?
O meu interlocutor é o deputado Ricardo Barros, é a quem eu me dirijo para colher impressões, sugestões. Eu não trabalho para afetar nenhuma empresa, nenhum aplicativo, nenhuma tecnologia, nenhuma liderança política. Trabalho para que tenhamos um ambiente mais saudável na internet, menos tóxico. Uma das principais críticas que eu recebi foi de ter aceito uma proposta de um deputado da base bolsonarista, o Filipe Barros. Ele propõe estender a imunidade parlamentar material, que é um comando constitucional, ao projeto. A crítica que eu recebi foi a de que eu estaria atendendo a um pleito de um deputado bolsonarista, investigado pelo inquérito das fake news. Eu não olho o CPF do deputado que propõe qualquer coisa. Assim como eu faço isso, imagino que deputados da base bolsonarista vão analisar as propostas, não ficar se prendendo se eu sou da base ou da oposição, até porque eu tenho trabalhado para ser o mais imparcial possível. A lei vai além do período do governo Bolsonaro, a gente quer que ela seja permanente.
Como fica a questão do Telegram? O aplicativo pode ser banido?
Eu não faço debate sobre uma empresa específica. A lei tem que ser neutra do ponto de vista tecnológico e tem que ser imparcial do ponto de vista do interesse de qualquer grupo ou empresa. O que nós prevemos é que os provedores que tenham mais de 10 milhões de usuários no Brasil tenham uma representação. O Senado está propondo que tenha sede no Brasil. Ter sede traz uma série de consequências jurídicas, eu considero que ter uma representação é adequado. Logo, nós esperamos que todas as empresas que têm mais de 10 milhões de usuários no Brasil se instalem no País.
O que ocorre se as empresas não cumprirem essas regras?
A primeira sanção é advertência, a segunda é multa, a terceira é suspensão do serviço, a quarta é bloqueio do serviço. Eu defendo esse rol de sanções que vão ser aplicadas a partir de decisões judiciais, calculando a proporcionalidade que essas sanções devem ter. No caso da suspensão ou do bloqueio, que são sanções muito graves, se exige que sejam deliberadas em órgãos colegiados do Judiciário, ou seja, o juiz singular não pode aplicar uma sanção desse tipo. Eu ficaria neste patamar: todos têm que ter representação, todos têm que cumprir a lei. Se não cumprir a lei, sanções são previstas.
Como se dará a fiscalização?
A decisão de impor sanção é judicial, isso se dá a partir da provocação de alguém que tenha o seu interesse desrespeitado. A Justiça só atua provocada. O texto traz um conceito de autorregulação regulada. Uma lei que versa sobre temas de tecnologia precisa ser mais conceitual, não pode entrar em detalhes, porque aí ela fica obsoleta muito rápido. A ideia é ficar determinado que as plataformas digitais criarão mecanismos de autorregulação, elas próprias fixando regras, código de conduta. Só que essa autorregulação é regulada pelo comando constitucional, em primeiro lugar, pela lei e até por normas infralegais que podem ser editadas pelo Comitê Gestor da Internet (CGI). Temos no Brasil instituições que são responsáveis por fiscalizar o cumprimento da lei, entre elas, o Ministério Público.
Na sua visão, a aprovação do PL pode melhorar o ambiente eleitoral?
Trabalho com uma perspectiva de criar um ambiente na internet menos tóxico, que permita fluir mais o debate, em que a opinião do cidadão brasileiro se forme ancorada em dados objetivos, informações. Não é uma proposta eleitoral, mas acredito que vale para a vida e pode valer para as eleições de 2022.
Algumas organizações, como a Avaaz, defendem uma definição mais clara de fake news no projeto. É difícil delimitar o que é desinformação?
Esse debate que nós fazemos no Brasil é um debate global, e não há no mundo nenhuma definição consolidada de desinformação. Vários dos projetos apensados no que relatamos ensaiam uma definição sobre desinformação, mas nenhuma delas é precisa.
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