As consequências da posição dúbia do Brasil sobre a guerra na Ucrânia

Thomas Milz / DW Brasil

Enquanto o Ocidente se mostra unido contra a invasão russa na Ucrânia, o posicionamento brasileiro oscila de forma surpreendente. "Existe uma postura bem ambígua, para não dizer esquizofrenia, por parte do governo brasileiro", afirma David Magalhães, professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), à DW.

"No Conselho de Segurança, o governo já se juntou a outros países, num voto que foi bastante duro contra a Rússia." Por outro lado, o governo brasileiro não apoiou a declaração da Organização dos Estados Americanos que criticava a invasão russa.

Quando se olha para as manifestações pessoais de Bolsonaro, o panorama fica ainda mais confuso. "Na própria manifestação pessoal do presidente da República, ele tem se declarado neutro. Mas uma neutralidade que interpreto como sendo sensivelmente inclinada à Russia", diz Magalhães. 

Mas de onde vem essa esquizofrenia? Para o professor da FAAP, existe uma divisão dentro dos grupos bolsonaristas, e ela revela diferentes visões sobre o conflito. "Tem um núcleo que tem se inspirado na extrema direita ucraniana, que ascendeu com as manifestações do Euromaidan. Por outro lado, há grupos que se inspiram no regime do Putin, por se tratar de um regime autocrático, conservador, muito fortemente vinculado à igreja ortodoxa russa e contra direitos de minorias, como a comunidade LGBTQI+ e movimentos feministas."

"É uma base que chamo de um nacionalismo religioso cristão", resume Magalhães. Bolsonaro nunca escondeu sua admiração pela figura de liderança autoritária de Putin, caraterizando o presidente russo como um líder conservador.

Sinuca de bico

Num panorama mais amplo, posicionar-se neste conflito coloca Bolsonaro em uma grande sinuca de bico. Se ele apoiar a Ucrânia, entra na foto com líderes que os bolsonaristas chamam de "globalistas", como Justin Trudeau, Joe Biden, Olaf Scholz ou Emmanuel Macron.

"Por outro lado, há uma certa desconfiança de assumir uma postura abertamente pró-Rússia, pois isso coloca Bolsonaro junto com a esquerda bolivariana, Cuba, Nicarágua e Venezuela, que representa de longe o inimigo número um do bolsonarismo. Isso gera um impasse, ou até uma paralisia em relação a como se posicionar nessa guerra."

Portanto, a neutralidade "esquizofrênica" de Bolsonaro, em certa medida e em partes, é produzido por esse constrangimento que vem de ambos os lados.

Como saída, o Brasil tenta assumir uma postura parecida com a da Índia. O voto do Brasil e o voto da Índia no Conselho de Segurança são muito parecidos, na forma e no conteúdo.

Para os russos, a neutralidade brasileira não traz problemas. "Poderia gerar um problema diplomático e nas relações econômicas com a Rússia se o Brasil se posicionar ou solidarizar com a Ucrânia ou veementemente contra a invasão russa. Aí poderia ter alguma retaliação no campo econômico", disse Magalhães. "Mas essa posição que o Brasil toma não traz prejuízo às relações bilaterais." 

Por outro lado, a inclinação pessoal de Bolsonaro para o lado russo gerará uma reação no Ocidente. "A imagem brasileira, que já não era boa na comunidade internacional, piora. Boa parte das democracias liberais no mundo rejeitam a agressão russa. E o Brasil se isola ainda mais com esse posicionamento bastante ambíguo."

Cena de destruição em Kharkiv após ataque da Rússia. Foto: Reuters

Consequências econômicas

Para o economista João Ricardo Costa Filho, pesquisador na Universidade Nova de Lisboa, a posição de neutralidade não tem um efeito imediato sobre a economia brasileira.

"No curto prazo, o Brasil não tem nenhum tipo de risco, pois ninguém está muito preocupado com a posição do Brasil em relação a este conflito. Mas, dependendo de que lado vai vencer a guerra, a conta pode vir depois. E ela pode vir de diversas formas", avalia.

Para Costa Filho, poderá haver consequências para futuros acordos comerciais ou de investimentos estrangeiros. Isso seria o caso do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que está num limbo já há dois anos. Assim, a posição de neutralidade pode servir de argumento por aqueles agentes que já não estavam muito confortáveis com o acordo.

Na época, o acordo sofreu críticas vindas da União Europeia pela falta de proteção ambiental, principalmente da Amazônia, do lado do governo brasileiro. "Lá na frente, quando a gente precisar fazer andar estas agendas, pode tornar um pouco mais difícil."

Na falta de um acordo com os europeus, o Brasil poderia aumentar seu comércio com os países dos Brics, para contra-balancear? Para Costa Filho, não há muito potencial de crescimento por esse lado. "A China ja é um grande parceiro nosso, e a Rússia vai demorar para se recuperar. Seria difícil o Brasil se apoiar nestas trocas financeiras ou comerciais para sustentar um crescimento de longo prazo." Assim, o conflito trará menos crescimento e mais inflação para o Brasil, avalia Costa Filho.

Para o economista Joelson Sampaio, especialista em Finanças Corporativas e Mercados Financeiros pela Fundação Getúlio Vargas, a neutralidade não impacta no cenário econômico brasileiro a curto prazo. "Mas ficar em cima do muro pode ter impactos não tão imediatos. Seriam impactos diplomáticos-políticos, que depois chegam na economia", disse. O mais concreto seria uma deteriorização das relações comerciais com os Estados Unidos.

Por outro lado, os efeitos econômicos da guerra em si aconteceriam de qualquer forma, tais como aumento dos preços dos commodities e aumento da inflação no Brasil, avalia o especialista. Ao mesmo tempo, o aumento desses preços ajudaria as exportações brasileiras.

"Muitos economistas veem este efeito como um contra-balanceador para reduzir os impactos da guerra no Brasil. Por um lado, temos os desafios via preços, mas por outro lado podemos ter um favorecimento de exportação de commodities importantes para o Brasil, um aumento de volume com preços. E isso trazer resultados positivos para o Brasil."

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/as-consequ%C3%AAncias-da-posi%C3%A7%C3%A3o-d%C3%BAbia-do-brasil-sobre-guerra-na-ucr%C3%A2nia/a-61022747


Polônia acolhe ucranianos com solidariedade sem limites

Magdalena Gwozdz-Pallokat / DW Brasil

Na casa de Ewa Godlewska-Jeneralska, na cidadezinha de Czchow, sul da Polônia, tudo está preparado: as camas feitas, os quartos carinhosamente arrumados. "Não há como não ser assim. A guerra está grassando logo ali, na nossa porta", comenta à DW.

A dona de casa ainda não acolheu nenhum ucraniano em fuga da guerra de Vladimir Putin, mas isso pode acontecer a qualquer hora. Na cidade já há algumas refugiadas com seus filhos, que precisam de tudo, pois chegaram só com uma bolsa. "O que me dói mais é como eles nos agradecem. Às vezes a gente não fez nada, só falou com eles, e ficam incrivelmente gratos. Nós todos choramos todos juntos."

É como se a Polônia tivesse levado uma sacudida: para onde se olhe, há postos de coletas de donativos, anúncios apelando à disposição de acolher refugiados. Na fronteira com a Ucrânia, as placas dos carros particulares são de Varsóvia, Cracóvia, Łódź, Wrocław, todo o país se faz presente.

Já três dias após a invasão das tropas russas, Wojciech Bakun, o prefeito de Przemysl, no extremo sudeste polonês, pedia para que não se enviassem mais artigos de primeira necessidade para a cidade: "No momento, temos absolutamente tudo, em grandes quantidades!"

Nem todos refugiados são iguais

No entanto, não faz tanto tempo que imagens bem diferentes correram o mundo: afegãos, iraquianos, sírios e outros refugiados nos bosques da fronteira polaco-belarussa. Enquanto isso, o ministro da Defesa, Mariusz Blaszczak, afirmava que "a política da porta aberta resultou em atentados na Europa Ocidental".

Desde o começo de 2022, está sendo construída uma cerca na divisa com Belarus. Organizações assistenciais, associações de médicos, cidadãs e cidadãos poloneses, sobretudo das regiões fronteiriças no leste, ajudaram como puderam os migrantes. Mas não havia um movimento de massa, nem o atual entusiasmo humanitário.

Cerca na fronteira polaco-belorussa, em 27/01/2022. Foto: Attila Husejnow/ZUMAPRESS/picture alliance

"Do ponto de vista moral, a presente situação é inequívoca: não ser trata da manipulação de um autocrata que deposita na fronteira polonesa os indivíduos que querem ir para o Ocidente, mas sim do ataque de um Estado a outro", justifica o sociólogo da Universidade de Varsóvia Andrzej Rychard.

Seu colega Przemysław Sadura pesquisa os efeitos da crise migratória na divisa belarussa sobre os habitantes da área e os funcionários da fronteira polonesa. Agora ele está em Przemysl, para pesquisar essa questão na fronteira ucraniana.

"Essas duas crises se espelham", afirma. "O que chama a atenção, entretanto, são as diferenças em sua percepção. Atualmente, todos estão engajados e ajudam os refugiados. É como um carnaval de solidariedade, um reflexo. Mas será que vai durar, quando vemos que se trata de milhões que não têm mais casa para onde voltar, e que vão permanecer na Polônia?"

Do trauma soviético à culpa pela cerca

Seja como for, no momento a Polônia ajuda de forma rápida e eficaz. Se uma grávida da Ucrânia precisa ir ao médico, não há problema: a assistência para os refugiados é a mesma que para os nacionais, e às custas do seguro de saúde estatal.

"Todos os refugiados que cheguem à fronteira polaco-ucraniana serão recebidos pela Polônia", declarou o ministro do Exterior Zbigniew Rau no encontro do Triângulo de Weimar, em 1º de março. Haverá uma estratégia política por trás da solidariedade? Andrzej Rychard nega: "É um daqueles raros momentos em que pensar em termos de valores é mais importante do que a tática política."

Centro de acolhimento para refugiados da Ucrânia em Medyka, Polônia. Foto: Arafatul Islam/DW

Na Polônia, reina harmonia política como há muito não se via. Todos os partidos, da esquerda à direita, conclamam a que se dê assistência os ucranianos em fuga. "Em contrapartida, em 2021 era controvertido sequer ajudar os migrantes na fronteira belarussa. Talvez estivéssemos inconscientemente envergonhados pela construção da cerca, e agora estamos mais em paz com a nossa consciência", especula Sadura.

Antes da invasão pela Rússia, viviam na Polônia cerca de 1 milhão de ucranianas e ucranianos. Praticamente toda família polonesa conhece ucranianos que trabalham no país. A proximidade geográfica e cultural é inegável.

Em pesquisa realizada em 2021 pelo Centro de Estudos sobre o Preconceito da Universidade de Varsóvia, mais de 90% dos consultados disseram aceitar os cidadãos da Ucrânia como colegas e vizinhos. Além de "irmãos eslavos", também o trauma histórico da invasão soviética em 1939, na trilha de Adolf Hitler, gera proximidade emocional.

"O ataque pela Rússia desperta memórias históricas. Tais analogias geram um sentimento de comunidade e motivam", explica o psicólogo e pesquisador de estereótipos Michal Bilewicz, da Universidade de Varsóvia.

Ewa Godlewska-Jeneralska preparou com carinho um canto de sua casa para hospedar os ucranianos necessitados. Foto: privat

Conforto psicológico de poder ajudar

Ainda assim, uma questão ocupa Ewa Godlewska-Jeneralska: "Como pode ser que crianças ucranianas sejam melhores do que as sírias?" É óbvio que em meados de 2021 a situação era menos clara, pois ninguém sabia quem eram, exatamente, os migrantes e por que queriam ir para a Polônia.

A guarda de fronteiras polonesa publicou na época fotos de indivíduos posando diante de atrações turísticas em Minsk; para o ministro do Interior, Mariusz Kaminski, apresentou os migrantes como turistas ou potenciais terroristas. No entanto, famílias com crianças congelaram a céu aberto, sem desencadear nenhuma onda de solidariedade.

A dona de casa de Czchow menciona um outro aspecto, para que uma psicóloga lhe chamou a atenção: "Naquela época, quando os refugiados chegaram à fronteira belarussa, não havia uma ameaça direta para nós. Quando você se sente ameaçado e ao mesmo tempo está indefeso, não dá para aguentar. Mas quando se começa a fazer algo concreto e se ajuda, você sente que ainda tem poder de influenciar algo."

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/pol%C3%B4nia-acolhe-ucranianos-com-solidariedade-sem-limites/a-61021920


Rubens Ricupero: Uma voz de razão

Esquerda Democrática

Um dos brasileiros (infelizmente, não são muitos) capazes de olhar o mundo de modo abrangente, com todas as suas dificuldades e contradições, é o embaixador Ricupero. Olhar o mundo sem viseiras, em suma. Na coluna de Miriam Leitão (O Globo, 24.02.2022), separamos os trechos em que intervém o embaixador.

"Para quem tem uma visão mais ampla, o que está acontecendo é gravíssimo, lembra o início dos piores momentos do século passado e tem uma responsabilidade histórica bem mais complexa do que parece.

— Putin está adotando uma atitude que de fato põe em perigo mortal este mundo que conhecemos e que durou quase 80 anos, em que houve guerras localizadas, mas nunca um dos principais atores assumiu uma posição tão descaradamente contra a ordem estabelecida. Ele está usando métodos que levaram à Primeira e à Segunda Guerras Mundiais e já violou a Carta da ONU —diz Ricupero.

Olhando o passado recente, o embaixador avalia que há culpas do Ocidente também porque aproveitando-se da fraqueza russa após o fim da União Soviética expandiu a Otan além do razoável. Desde 1997, a Aliança Militar incluiu 14 países que haviam sido satélites soviéticos ou membros da própria União Soviética: República Checa, Hungria, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, Bulgária, Romênia, Estônia, Lituânia, Letônia, Albânia, Croácia, Montenegro, Macedônia do Norte.

— Nada justifica o que Putin está fazendo hoje, mas a raiz histórica desse problema envolve responsabilidade do Ocidente — lembra o embaixador.

Para ele, o paralelo que pode ser feito é com o que houve na Alemanha de Hitler:

— Desde que Putin começou a fortalecer seu poder militar, ele fez questão de exibir isso. Invadiu a Geórgia em 2008, anexou a Crimeia em 2014, estimulou os separatistas do leste da Ucrânia, interveio violentamente na guerra civil da Síria. Em todos esses casos, alguns disseram que ele se daria mal, mas ele teve êxito. É um pouco como aquela história do Hitler. No início, tudo o que Hitler fez deu certo. Anexou a Áustria, depois os Sudetos, que eram regiões da Checoslováquia com populações que falavam alemão, um pouco como acontece agora na Ucrânia. No Acordo de Munique as potências cederam os Sudetos na expectativa de que, com isso, ele não invadiria a Checoslováquia. Hitler em seguida invadiu a Checoslováquia. Putin tem tido o mesmo êxito — avalia o embaixador.

Como a Ucrânia não é da Otan, não está protegida pelo artigo quinto do Tratado de Washington que estabelece que todos são solidários, quando um dos países for invadido. Então Putin só não teria invadido se avaliasse que seria muito alto o custo de uma campanha militar e de sanções prolongadas.

Esse foi o cálculo feito no mercado financeiro também. É interesse da Rússia continuar fornecendo matérias-primas e energia para a Europa. A Rússia é grande exportadora de petróleo, gás natural, trigo. O mercado sugere, como hedge, investir em commodities, porque se houver 'disrupção de fornecimento', os preços vão subir.

Quem entende a História sabe que, se houver a escalada de um conflito, não há proteção possível. A Rússia é detentora da maior quantidade de ogivas nucleares no mundo, mas é um país intermediário do ponto de vista econômico e em rápido declínio demográfico.

— O tempo corre contra a Rússia. Esses são os países mais perigosos. Como eram a Áustria-Hungria e a Rússia czarista em 1914. O que Putin fez já abriu um rombo enorme no sistema criado em 1945. Entramos no tempo do imprevisível — explica Ricupero.

O agravante é o fato de que, como diz o embaixador, o traço tradicional da psicologia da política russa é a ideia de que eles estão cercados."

Fonte: Esquerda Democrática
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Ivan Alves Filho: Sobre a invasão da Ucrânia

Ivan Alves Filho / Esquerda Democrática

O mapa político do mundo parece ter retrocedido a 1914. E é preciso recordar aqui o posicionamento dos bolcheviques conduzidos por Vladimir Lenin em relação ao conflito bélico que começou a sacudir a Europa naquela quadra: não à guerra imperialista e total apoio à luta dos povos contra ela. Os mencheviques internacionalistas liderados por Julius Martov também defenderiam essa posição. O povo russo, três anos depois, iniciava um processo revolucionário que abalaria o mundo. Nunca é demais lembrar que a Rússia Soviética declararia unilateralmente a paz.

Essa a herança que precisamos resgatar. Ou seja, a opção pela paz e concórdia entre os povos. Com isso, não deixamos de reconhecer os equívocos que a antiga União Soviética cometeu, sobretudo no período stalinista.

A guerra mundial de 1939-1945 também ensina.

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Sob essa ótica, o que mais impressiona nesse conflito militar iniciado pela Rússia de Putin é o desequilíbrio entre o poderio militar russo e as suas limitações econômicas e também demográficas. Se a Alemanha nazista possuía muita gente para pouco território, a Rússia de Putin tem muito território para pouca gente. Aí mora o perigo, a tentação imperialista. A mescla de identitarismo étnico com terror e manipulação nacionalista tem endereço certo: fascismo.

A própria União Europeia, hoje envolvida no conflito Rússia-Ucrânia, não teve força política suficiente para atrair a Rússia para um projeto comum. As consequências disso poderão ser trágicas. A continuidade da Otan tampouco se justifica. Contudo, deveremos insistir no seguinte ponto: a globalização é um dado da realidade cada vez mais irreversível. O resto é retrocesso.

O povo russo, como em outubro de 1917, precisa tomar novamente seu destino em mãos. O fato de terem ocorrido milhares de prisões na Rússia nestes dias de invasão da Ucrânia já aponta para um início de resistência ao poder do autocrata Putin.

De toda forma, o embate se dá entre a Civilização e a Barbárie. Entre a ampliação da Democracia e dos espacos da Sociedade Civil e o autoritarismo mais brutal. Quem nos alertou para isso, desde o início dos anos 1930, foi o extraordinário dirigente operário búlgaro G. Dimitrov.

Impõe-se uma saída negociada para o conflito, antes que seja tarde. Está nas mãos daquilo que poderíamos denominar por Cidadania mundial a chave das mudanças. Não por acaso, dezenas de países, assim como a própria ONU insistem numa via negociada para a solução do impasse. Somente ditaduras de quinta categoria, como a Venezuela de Maduro e a Nicarágua de Ortega e outras da mesma natureza, parecem apostar numa guerra. Não passarão.

* Ivan Alves Filho é historiador

Fonte: Esquerda Democrática
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Tibério Canuto: Os russofóbicos

Tibério Canuto / Esquerda Democrática

O povo russo tem uma história belíssima e uma cultura maravilhosa e rica: na literatura, nas artes cênicas, na música clássica, no balé. É um povo bravo, que enfrentou e derrotou Napoleão Bonaparte, o rei sueco Carlos XII e Hitler. Não podemos esquecer sua inestimável contribuição para a derrota da horda nazista. Foi ele quem arcou com o fardo mais pesado da segunda guerra mundial – mais de 20 milhões de russos mortos – e quem derrotou Hitler às portas de Moscou, Stalingrado e Berlim. A primeira nave espacial tripulada foi russa, assim como o primeiro homem a ir para o espaço sideral.

Digo isto porque a justa ira contra a guerra de agressão contra a Ucrânia não deve alimentar uma postura russofóbica que vai se disseminando nas redes sociais. Isso é obscurantismo, coisa de xenófobo com sinal trocado ou de pessoas com a mentalidade da guerra fria, quando a Rússia era vista como o “império do mal”. Então vamos banir da literatura Tolstoi e Dostoievski? Não vamos mais ler "Guerra e paz" e "Crime e castigo"? Não vamos ouvir a "Abertura 1812"? Vamos cancelar também o balé Bolshoi?

Minha posição sobre a guerra da Ucrânia é clara. Putin é o agressor e ponto. Mas isto não me leva a deificar a Otan e sua expansão para o Leste europeu, inclusive para antigas repúblicas da União Soviética. Isso se deu a partir da “Doutrina Bush”, no segundo mandato do então presidente dos Estados Unidos. Só ingênuos podem acreditar que essa expansão se deu para levar a democracia e os direitos humanos para o Leste europeu. Deu-se por interesses geopolíticos dos Estados Unidos, por uma visão expansionista e hegemonista dentro de um mundo unipolar.

Se a União Europeia é um arranjo institucional positivo que muito contribuiu para a Europa viver o maior período de paz e sem guerra de sua História, a Aliança Atlântica é um entulho da guerra fria. Afinal, qual "império do mal" justifica sua existência? O mundo padece de um verdadeiro sistema de segurança coletiva, não só da Europa, mas de todos os países e continentes, inclusive com a participação da Rússia e da China. Só assim teremos um mundo realmente pacífico. O fim da unipolaridade não será virtuoso se a sua alternativa for a restauração da bipolaridade, como vai se estruturando num quadro de uma segunda guerra-fria.

* Tibério Canuto é jornalista

Fonte: Esquerda Democrática
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Justiça intima Telegram a informar sobre sua estratégia contra desinformação

Rayssa Motta / O Estado de S. Paulo

A Justiça Federal em São Paulo decidiu intimar o Telegram a explicar sua política de combate à desinformação no Brasil depois que a plataforma ignorou questionamentos feitos pelo Ministério Público Federal (MPF).

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Desde dezembro do ano passado, o MPF tenta notificar o aplicativo em busca de informações. O órgão mobilizou, inclusive, o setor de cooperação internacional. Como não houve resposta, a plataforma foi acionada judicialmente.

Os dados são cobrados em uma investigação sobre a conduta das principais plataformas de redes sociais e aplicativos de mensagens para conter o compartilhamento de conteúdos falsos e radicais. Só o Telegram não respondeu.

A intimação autorizada pela Justiça pode ser usada como prova de que os responsáveis pelo aplicativo tomaram conhecimento do pedido, o que na prática significa que não poderão se eximir nas etapas seguintes do inquérito. Em seu pedido, o MPF indica que se trata de uma ‘tentativa de obtenção de provas documentais’.

A decisão de intimar a plataforma foi tomada pelo juiz Victorio Giuzio Neto, da 24.ª Vara Cível Federal de São Paulo, que autorizou o envio de notificações à sede do Telegram em Dubai, nos Emirados Árabes, e a um escritório em Londres, Inglaterra.

“O fato de o destinatário Telegram FZ LLC não possuir representação estabelecida no Brasil, a despeito de oferecer seus serviços ao público brasileiro, demanda esta utilização da cooperação judicial internacional para formalização da notificação, sob pena de infração à jurisdição e à soberania do Estado em que sediado o destinatário”, diz um trecho da decisão.


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Investigação

O inquérito do Ministério Público Federal foi aberto em novembro do ano passado na esteira das campanhas de desinformação sobre a pandemia da covid-19. O ponto central da investigação é o financiamento de notícias falsas.

Das plataformas, os investigadores querem saber as providências adotadas para combater a produção de conteúdos inverídicos, o disparo de mensagens em massa e o uso de robôs. Outro ponto de interesse são as políticas de moderação de conteúdo e os canais disponibilizados para denúncias.

“Provedores de aplicação detém informações especiais sobre o comportamento de tais atores, estando em posição especial para regular práticas danosas em âmbito digital”, justificou o procurador Yuri Corrêa da Luz ao abrir a investigação.

A disseminação de notícias falsas e a atuação de grupos organizados na internet para promover desinformação e pautas antidemocráticas já são alvo de investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), mas o foco são os responsáveis pela produção e financiamento do conteúdo e não as plataformas digitais.

Justiça Eleitoral

O MPF não é o único órgão brasileiro ignorado pelo Telegram. O aplicativo também não assinou o acordo de cooperação proposto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para minimizar a circulação de fake news nas eleições deste ano.

O comportamento da plataforma acende os debates do chamado  PL das Fake News. Um dos pontos previstos no projeto é que as redes sociais tenham representação no Brasil para poder funcionar no País, impedindo que operem à margem da legislação nacional.

Ao assumir a presidência do TSE, no final do mês passado, o ministro Edson Fachin disse que uma resposta do Congresso para regular a atuação das plataformas  ‘seria extremamente oportuna’, mas adiantou que, caso o projeto não seja votado a tempo das eleições, o Judiciário precisa estar preparado se for acionado.

“Não havendo pronunciamento legislativo, é possível que o Poder Judiciário seja provocado a se manifestar. Nós estamos examinando, até por cautela e precaução, as experiências existentes em outros países”, afirmou em sua primeira entrevista coletiva no comando da Corte Eleitoral.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/justica-federal-intimacao-telegram-desinformacao/


Foto: João da costa Pimenta/Acervo/Estadão

Alberto Aggio: Vivo, Partido Comunista do Brasil (PCB) faria 100 anos

Alberto Aggio / Horizontes Democráticos / Revista Será

O surgimento do Partido Comunista do Brasil (PCB) completa cem anos, em março de 2022.  O partido nasceu sob o influxo da Revolução bolchevique de 1917 e se vinculou a Internacional Comunista (IC) comandada pela URSS. Durante décadas, foi o maior referencial político da esquerda no Brasil. O PCB não nasceu de uma secessão no interior de um Partido Socialista já existente, como em boa parte do Ocidente. Sua gestação advém do deslocamento de algumas lideranças do anarquismo, seduzidas pela onda bolchevique.

O líder comunista Luiz Carlos Prestes foi eleito Senador em 1946

No início, o discurso e a postura do partido guardavam os traços duros da luta operária, central no ideário comunista, fulcro da revolução proletária contra o capitalismo. Depois de alguns anos de tatiantes formulações sobre a realidade brasileira, os conflitos e lutas cívico-militares que marcaram a década de 1920, cujo corolário foi a Revolução de 1930, acabaram por impactar decisivamente a vida do PCB. A adesão de parte dos integrantes do “tenentismo”, dentre eles, o capitão Luiz Carlos Prestes, mudou o perfil da direção partidária bem como a orientação do partido em relação à realidade brasileira, sem abandonar a perspectiva de “revolução global” emanada da IC. É desse momento – outubro de 1935 –, a fracassada tentativa de tomada do poder por meio de uma insurreição armada, conduzida a partir dos quartéis. Depois disso, o PCB viveu a maior parte do tempo na ilegalidade, ascendendo à vida legal entre 1945 e 1947, quando participou da Assembleia Constituinte de 1946, com 15 representantes. Volta à ilegalidade no contexto da “guerra fria” e irá conquistar vida legal em 1985, apenas 7 anos antes do Congresso que oficialmente definiu o fim de sua trajetória. 

O PCB carregou, em toda sua história, uma “dupla alma” (Gildo Marçal Brandão), que entrelaçava a convicção de que fazia parte da revolução comunista mundial e a elaboração de uma estratégia de ação voltada para a transformação da realidade brasileira. A identidade do PCB guarda, portanto, uma dimensão de reprodução doutrinária do ideário comunista e outra dimensão de “tradutibilidade” com vistas à mediação desse ideário frente à realidade brasileira. O PCB participou dos esforços intelectuais que visavam à compreensão da realidade brasileira e foi um dos poucos partidos a oferecer uma leitura específica dessa realidade, com vistas à sua transformação.

Jucelino Kubitschek no ISEB, centro de reflexão do nacional-desenvolvimentista, compartilhado pelo PCB

Nasce desse esforço uma cultura política bastante particular que Raimundo Santos definiu como “pecebismo”: uma tensa convivência entre uma forte adesão à retórica marxista, filtrada pela leitura do que vinha da URSS – primeiro leninista e depois estalinista –, e uma inclinação voltada a formular estratégias políticas para o país, definidas a partir de uma simbiose entre a “questão nacional”, ou seja, a luta contra o imperialismo, e a “questão democrática”, projetada contra a oligarquização e a incivilidade da política brasileira. Pela atenção que dedicava a desvendar a natureza da realidade brasileira e, mesmo na ilegalidade, pela presença de seus dirigentes e militantes na vida política, o que abria espaços de “contaminação” e convergência com outras culturas políticas, o “pecebismo” foi fator civilizador da trajetória do comunismo no Brasil, ou seja, ajudou a civilizar a sua “alma” originária.

Durante o século XX, o Brasil não conheceu o protagonismo de um movimento de caráter abertamente revolucionário que tivesse alcançado êxito, fosse ele conduzido pelo operariado ou por camponeses, ou ainda por uma aliança entre ambos, como se julgava possível pela cartilha da revolução bolchevique. Por outro lado, uma linha política identificada com o “socialismo democrático” nunca assumiu contornos mais amplos, permanecendo eclipsada na maior parte da história política do país. Capitaneada pelo PCB, a esquerda teve na chamada “revolução brasileira”, de caráter nacional e anti-imperialista, seu principal projeto de transformação da realidade brasileira. A noção de “revolução brasileira” guardava a perspectiva de um processo substantivo de transformações voltado para a emancipação da economia nacional, mas simultaneamente concebido como confrontação e antagonismo às elites que mantinham o país numa situação de atraso e de subdesenvolvimento, na linguagem da época. Marcada por diversas ênfases e tendências ideológicas, a “revolução brasileira” era entendida pelo PCB como “processual”, ou seja, essencialmente “etapista” ou gradualista, mas com traços teleológicos que apontavam para a sociedade socialista.

Revolucionários cubanos conquistam o poder pelas armas em janeiro de 1959

Depois da ditadura varguista do Estado Novo (1937-1945), esse projeto foi ganhando, paulatinamente, traços de uma estratégia nacional de desenvolvimento que galvanizou diversos setores sociais e políticos do país, especialmente nacionalistas e trabalhistas, além dos comunistas. No âmbito do PCB, a Declaração de Março de 1958 definiria a estratégia nacional e democrática de desenvolvimento como o núcleo central da “revolução brasileira”. Essa foi, em síntese, a grande orientação política que marcou a história do PCB até o golpe de Estado de 1964.

Era uma estratégia que visava combinar o impulso à revolução, concebida em sua etapa nacional e anti-imperialista, com uma postura política democrática e reformista, mas vivenciada como ação de perfil revolucionário. Mantido o arsenal marxista-leninista como referencial doutrinário na abordagem dessa estratégia, sobrepôs-se um conjunto de ambiguidades de difícil equacionamento. De um lado, a ênfase no primeiro aspecto (impulso à revolução) não deixava de lado a sedução por uma ação política mais radicalizada e, em certo sentido, inclinada à adoção de um “revolucionarismo” que começava a ganhar força mediante o impacto da revolução cubana de 1959; por outro lado, a ênfase no segundo aspecto (a postura democrática e reformista), abria espaço para o partido fortalecer suas ações em direção ao que viria a ficar conhecido como “esquerda positiva” (Gildo Marçal Brandão), voltada para o arranjo político e para os avanços parciais cumulativos. A convivência desses dois polos no interior do PCB não suportaria o golpe de 1964: o “revolucionarismo” iria explodir nas dissensões partidárias que viriam em seguida, das quais a mais expressiva seria a Ação Libertadora Nacional (ANL), liderada por Carlos Marighella; por outro lado, a vertente da “esquerda positiva”, de forma intencional ou não, iria marcar o comportamento do PCB na luta contra a ditadura, tendo como base de sustentação a linha de “frente ampla contra o fascismo”. É como um adendo a ela que emergiria, mais tarde, a influência do “eurocomunismo” dentro do PCB. De toda forma, o sucesso da linha democrática e reformista foi capaz de organizar e mobilizar amplas forças políticas contra a ditadura e, por fim, vencê-la politicamente. Não resta nenhuma dúvida de que este foi o maior êxito político de toda a trajetória histórica do PCB. 

Presidente Garrastazu Medici visita as obras da ponte Rio-Niteroi, em 1973, no auge do “milagre econômico”

Mas essa história tem outras variáveis e complicadores. O golpe de 1964 e o chamado “milagre econômico” promovido pela ditadura entre o fim da década de 1960 e o início da década de 1970 provocariam uma verdadeira “revolução” nas estruturas da sociedade brasileira. Os militares capturaram para si e deram outro significado à ideia de “revolução brasileira”. O que se ambicionava no projeto da “revolução brasileira” acalentado pela esquerda viria a ser redesenhado pelos militares como uma “modernização conservadora”, de carácter autoritário, que alteraria integralmente a fisionomia da sociedade. Assim, a “revolução brasileira” acabou sendo realizada à revelia do PCB e por forças políticas que lhe foram permanentemente antagônicas, invertendo seu sentido original. O resultado foi um crescimento econômico inaudito, mas menos direitos e liberdade, mais desamparo social e mais miséria para as classes subalternas.

Retomar o eixo da “revolução brasileira” implicava reconhecer tudo isso e admitir que aquela profunda mudança colocaria a “questão democrática” no centro da nova linha política do partido para enfrentar a ditadura e pensar mais além. A estratégia de luta do PCB, pela via da democracia, ganharia assim um sentido mais contingente e direto que constrangiria a sua “outra alma” voltada para a realização de uma “revolução comunista” tout court. Combinar essas duas dimensões ficaria cada vez mais difícil, especialmente quando a estratégia de enfrentamento contra a ditadura, com base no aproveitamento do espaço eleitoral, começava a dar frutos, possibilitando avanços à oposição.

As profundas mudanças tecnológicas e o advento da globalização, coincidindo com o progressivo colapso da URSS, acabaram por incentivar a reflexão sobre novas estratégias de desenvolvimento com vistas à superação das crises estruturais da economia e da sociedade brasileira, impulsionando uma reorientação geral, mais aberta, mais moderna, mais liberal-democrática. A opção pela democracia coincide com essas profundas mudanças e passa a colocar em questão tanto a vinculação do PCB com a antiga URSS quanto a validade de manutenção da estratégia nacional-desenvolvimentista, como havia sido postulada desde 1958 e que tinha no Estado um locus fundamental para a promoção das transformações econômicas da sociedade.

Mikhail Gorbachev, o lider reformista da URSS

Resistindo à ditadura sem optar pelo caminho armado, o PCB demonstrou maturidade política e a sua tática de luta democrática começou a ganhar “ares de teoria”, como afirmou Luiz Werneck Vianna. A adoção do tema democrático, com a assimilação da concepção de que a democracia deveria ser vista como um “valor universal” (Carlos Nelson Coutinho) tardou algum tempo para ser assimilada de maneira integral. A diluição do conservadorismo marxista-leninista no conjunto da direção partidária do PCB somente seria efetiva nos Congressos prévios à sua superação orgânica, com o abandono do nome e dos símbolos que acompanharam a trajetória do partido e todo movimento comunista mundial.

Paradoxalmente, o esgotamento do PCB como ator político ocorre quando o país conquista a democracia por meio da política e não das armas: o êxito de sua tática coincide com seus estertores, motivado por variáveis que estavam fora do seu controle, pela inércia na adesão aos últimos anos do poderio soviético e por inúmeros equívocos de condução política interna que provocaram um retardo fatal no seu processo de renovação. Com o fim das circunstâncias que lhe deram vida, tanto as nacionais quanto as internacionais, o PCB encerraria seu ciclo, perdendo suas bases sociais e vendo definhar seus apoios intelectuais, incapaz de evitar que escorresse por entre os dedos sua “grande política” de enfrentamento e superação da ditadura.

Nos últimos anos, o PCB permaneceu buscando sua inspiração nas reformas adotadas por Gorbachev na URSS. Talvez tenha sido um dos partidos comunistas mais gorbachevianos do ciclo de colapso do comunismo mundial. Por isso vocalizou mais uma proposta de “socialismo renovado” do que desafiou os entraves do processo de democratização. O que partidariamente nasce da morte do PCB é tanto um desdobramento especulativo e tardio da situação soviética quanto uma metamorfose do aparelho partidário, não a emergência de uma “nova formação política”. Comparando o fim do Partido Comunista Italiano (PCI) com o fim do PCB observa-se que na Itália há uma reivindicação da história do reformismo dos comunistas italianos – de Togliatti a Berlinguer – como elemento essencial de diálogo e composição com outras forças políticas. Enquanto no PCB o que mais se reivindicou foram os vínculos com as propostas gorbachevianas.

Roberto Freire e Sérgio Arouca, na campanha presidencial de 1989, candidatos do PCB

As reformas de Gorbachev, por fim, fracassaram e com elas o socialismo renovado. Com o colapso da URSS, entre 1989 e 1991, os impulsos dessa retórica externa desapareceriam, cancelando a possibilidade de se manter o antigo esteio internacional. Internamente, o cenário político estava completamente alterado e a competição político-eleitoral passava a ser um elemento central. A essa nova fase correspondia também um novo cenário internacional de crise geral dos paradigmas e de uma mudança inaudita dos mecanismos de produção e reprodução da economia em larga escala: a globalização dos mercados e as necessidades de reinserção nessa nova economia, de padrão tecnológico novíssimo, passaram a dar uma nova direção ao mundo.

Haveria que buscar uma reinvenção da política de esquerda no Brasil e isso acabou se tornando impossível por conta da fragilidade com que o PCB chegou ao final do seu ciclo histórico. Havia sinais claros de uma “ruptura inconclusa”. Imaginou-se que a proposição de uma “nova formação política” pudesse galvanizar novas lideranças políticas, mas isso também iria fracassar. Ultrapassado o projeto nacional-desenvolvimentista bem como o falido “socialismo renovado”, a estranha adoção da noção de “radicalidade democrática” se constituiu numa fórmula “solta no ar” porque representaria um giro de 180 graus na política pecebista, mais afeita a acordos na sociedade política do que ao apoio à emergência de novos sujeitos políticos no terreno da sociedade civil.  A sombra do PCB continuaria assim a atormentar por mais algum tempo a possibilidade de um novo caminho e, gradativamente, ficava claro que as dificuldades que viriam a se impor seriam claramente intransponíveis.

O PCB é parte da história do século XX e morreu com ele. Mas nem tudo que fenece desaparece integralmente. Uma visão da História como “tábula rasa” será sempre voluntarista, quando não reacionária. Lembrar hoje a trajetória do PCB enseja um pensamento intrigante que poderia ser problematizado com o auxílio da linguagem poética: qual voz pode nos desafiar e dizer “ano passado eu morri, mas este ano eu não morro”

(Publicado simultaneamente em Revista Será?, em 04 de março de 2022)

Fonte: Revista Será / Blog Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/vivo-pcb-faria-cem-anos/
https://revistasera.info/2022/03/vivo-pcb-faria-cem-anos/


PIB: Economia brasileira cresce 4,6% em 2021, mas riscos ameaçam recuperação

Thais Carrança / BBC News Brasil

A economia brasileira cresceu 4,6% em 2021 e 0,5% no quarto trimestre, em relação ao terceiro, informou nesta sexta-feira (04/03) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Ambos os resultados representam uma recuperação, após queda de 3,9% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020 e recuos de -0,3% e -0,1%, respectivamente, no segundo e terceiro trimestres de 2021 (o dado do segundo trimestre foi revisado de -0,4% divulgado anteriormente).

No ano passado, os principais destaques positivos da atividade foram o setor de serviços (em alta de 4,7%), impulsionado pelo avanço da vacinação, e a indústria, que cresceu 4,5%, após tombo de 3,4% no primeiro ano da pandemia.

O setor agropecuário registrou queda de 0,2% em 2021, impactado por quebras de safras devido a questões climáticas e problemas na cadeia de produção pecuária.

Na ponta da demanda, os investimentos cresceram impressionantes 17,2% em 2021, sob efeito dos juros baixos no início do ano passado — é preciso lembrar que a Selic começou 2021 em 2%, menor patamar da história.

Apesar do crescimento bem acima dos anos anteriores, economistas avaliam que há pouco a se comemorar com o resultado do PIB em 2021. Isso porque boa parte do crescimento é resultado da comparação com o ano fraco de 2020 e o avanço de 4,6% do PIB brasileiro em 2021 é inferior ao de países vizinhos como Colômbia (10,6%) e Argentina (10,3%).

Para 2022, as perspectivas já eram pouco animadoras, com economistas prevendo PIB estagnado — isto é, com variação zero ou próxima de zero —, devido principalmente ao efeito da forte alta de juros sobre a economia.

Um membro das Forças de Defesa Territoriais guarda um posto de controle, na Praça da Independência, no centro de Kiev
Incerteza com guerra na Ucrânia piora quadro já pouco favorável para este ano

A esse cenário pouco otimista somou-se a guerra na Ucrânia, que traz ao menos quatro riscos adicionais para a atividade esse ano: o de uma piora na inflação devido à alta de preços das commodities; de juros elevados por mais tempo, na tentativa de conter esse aumento da inflação; de continuidade dos gargalos de produção na indústria; além de um aumento da incerteza, que inibe os investimentos das empresas.

Entenda o que aconteceu com o PIB em 2021, como ficou o quarto trimestre e o que vem pela frente em 2022, em meio às incertezas geradas pelo conflito no Leste Europeu.

2021: serviços em destaque, mas pouco a comemorar

Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, destaca o bom desempenho do setor de serviços em 2021, com crescimento de 4,7%, após queda de 4,3% em 2020.

"Aqui a maior influência, a partir da metade do ano, veio da reabertura econômica. Depois de muitas idas e vindas, a campanha de vacinação contra covid-19 ganhou tração ao final do segundo trimestre, permitindo o retorno de uma série de atividades que impulsionaram o setor terciário na segunda metade do ano", observa o analista.

Ele destaca os serviços prestados às famílias, como turismo, hospedagem, bares e restaurantes; além do desempenho sólido dos serviços de informação e comunicação, resultado da dinâmica da pandemia; e transportes, com a retomada da mobilidade.

Restaurante em São Paulo durante a pandemia
Serviços prestados às famílias, como turismo, hospedagem, bares e restaurantes, foram destaque em 2021

Na indústria, que registrou uma alta de 4,5% em 2021, após queda de 3,4% no ano anterior, o quadro é um pouco mais complexo.

Margato observa que boa parte do crescimento registrado no ano passado se deve à base de comparação fraca de 2020. Mas, olhando o resultado a fundo, há desigualdade importantes.

A construção civil registrou uma alta de 9,7% no ano passado, com retomada das obras particularmente no segmento imobiliário residencial. Já a indústria de transformação cresceu 4,5%, após uma queda de 4,4% em 2020, com o crescimento contido por gargalos de produção, com alta de custos e escassez de matéria-prima em setores diversos, como o automotivo.

Com queda de 0,2%, o setor agropecuário foi impactado positivamente pelo crescimento da safra de soja no primeiro trimestre. Mas, ao longo do ano, culturas como milho, café, cana-de-açúcar e algodão tiveram quebras de safras importantes, devido a problemas climáticos.

Grão de soja na Bahia
Crescimento da safra de soja teve impacto positivo no primeiro trimestre

"A leitura que fica de 2021 é que o Brasil está crescendo muito menos do que seus pares", avalia Marcos Ross, economista-chefe do banco Haitong.

"Estamos crescendo 4,6%, até que é bastante para o quadro recente de Brasil, mas é muito menos do que Colômbia e Argentina, que estão crescendo acima de 10%. E tem muito de efeito estatístico no nosso crescimento, devido à base fraca de 2020."

4º trimestre: agro forte, mas calma lá

Se em 2021 o efeito estatístico teve papel importante na alta de 4,6% do PIB, no quarto trimestre não foi diferente.

O grande destaque no crescimento de 0,5% da economia em relação ao terceiro trimestre foi o avanço de 5,8% da agropecuária, mas isso se deve em forte medida a um efeito "rebote", após queda de 7,4% no terceiro trimestre, resultado de uma combinação de seca, geadas e o fim da safra de soja.

Já o setor de serviços teve uma alta mais modesta, de 0,5%, ainda sob impulso do avanço da vacinação, mas com destaque negativo para o comércio, que registrou queda de 2% em relação ao trimestre anterior, sob impacto da perda de renda da população, diante do avanço da inflação.

O "rebote" da agropecuária e a ligeira alta do PIB de serviços compensaram uma queda de 1,2% da indústria, que teve desempenho negativo em quase todos os setores: extrativa (-2,4%), transformação (-2,5%), eletricidade (-0,2%). A exceção foi novamente a construção, com avanço de 1,5%.

2022: com guerra, novos riscos

Ao fim do ano passado, os economistas estavam pessimistas com as perspectivas para o PIB em 2022, prevendo um desempenho muito próximo de zero.

Frentista abastecendo carro
Uma das preocupações é com a piora na inflação devido à alta de preços das commodities, que pode se refletir no preço dos combustíveis

Alguns fatores contribuíam para isso: a fraca herança estatística deixada por 2021 para esse ano (de apenas 0,1%); a forte alta de juros, com a Selic indo de 2% em janeiro do ano passado para 10,75% em fevereiro de 2022, com perspectiva de superar os 12% nos próximos meses; a perspectiva de uma inflação persistente, mesmo diante dos juros altos; e o clima negativo para negócios, devido às incertezas do ano eleitoral.

Nesse começo de ano, porém, a coisa tinha mudado um pouco, e alguns economistas estavam mais otimistas.

Eles estavam olhando para uma série de fatores promissores: a atividade em recuperação no quarto trimestre de 2021, após dois trimestres de queda no PIB; a perspectiva de avanço de concessões e privatizações neste ano; municípios e Estados de caixa cheio após a arrecadação recorde de 2021, que pode se traduzir em investimentos; e a perspectiva de uma série de estímulos à economia por um governo Bolsonaro de olho na reeleição.

Mas então veio a guerra na Ucrânia. O otimismo perdeu força e os economistas agora avaliam que há quatro riscos principais para a atividade nesse ano.

"Ficou para atrás a possibilidade de normalização das cadeias produtivas com esse novo choque da guerra. Esse novo cenário pode pressionar a indústria ainda mais, tanto em custos, como em dificuldade de acesso a matérias-primas", observa Luana Miranda, economista da gestora de recursos GAP Asset.

Outra preocupação agora é com uma piora da inflação, diante da forte alta de commodities como petróleo, gás natural, minerais e alimentos como trigo, milho e soja, que podem ser impactados ainda por uma eventual escassez global de fertilizantes.

Mulher compra tomates na feira no bairro da Liberdade, em São Paulo, em 22 de setembro de 2021
'Inflação mais alta tira poder de compra das famílias', adverte especialista

"Tem um viés altista para a inflação. A parte de combustíveis é uma preocupação: a defasagem dos preços domésticos em relação aos preços internacionais de gasolina chegou em 30%. Isso é muito alto, pois a defasagem costuma rodar em torno de 10%. A Petrobras não deve conseguir segurar essa defasagem por muito tempo sem reajustar os preços", diz Miranda, ponderando que o real valorizado em relação ao dólar ajuda a evitar um quadro ainda pior.

Segundo Margato, da XP, alguns setores da economia brasileira podem se beneficiar dessa alta de preços das commodities, como o agronegócio, que vai vender seus produtos a valores mais altos. Mas o efeito líquido de uma inflação maior é negativo para a economia em geral.

"Inflação mais alta tira poder de compra das famílias", diz Margato, destacando a queda da renda dos brasileiros que persiste há pelo menos seis meses, como resultado da inflação.

Com a carestia persistente, o Banco Central pode optar por manter os juros altos por mais tempo, o terceiro fator de atenção para a atividade.

"Nas nossas contas, a Selic chega a 12,75% em junho. Antes, achávamos que após as eleições de outubro, haveria espaço para o Banco Central começar a cortar a taxa básica de juros, mas a depender da evolução do conflito militar, talvez o Banco Central decida postergar um pouco esse corte. Isso também significa uma atividade doméstica mais fraca adiante", afirma o analista da XP.

Por fim, o último ponto de atenção nesse novo cenário trazido pelo conflito no Leste Europeu é o aumento das incertezas.

"Diante de um quadro de maior percepção de risco, de um quadro econômico mais nublado, isso pode deprimir a confiança dos empresários e postergar decisões de investimentos. Isso impacta o sentimento econômico e pode também atrapalhar a dinâmica da atividade", completa Margato.

Marcos Ross, do Haitong, destaca que tudo vai depender da duração da guerra.

"O Brasil não é uma economia muito aberta, somos historicamente fechados e muito protecionistas. Então não temos uma raiz de crescimento voltada ao comércio exterior", observa.

"Agora, se a alta de preços de commodities persistir ao ponto de impactar a atividade da China, pode haver um efeito de desaceleração econômica mais complicado."

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60617541


Por excesso de dependência, Brasil é pego de calça curta na guerra, como na pandemia

Eliane Cantanhêde / O Estado de S.Paulo

Depois de falar com o russo Vladimir Putin, o francês Emmanuel Macron avisou ao mundo que “o pior está por vir na Ucrânia”. Quem avisa amigo é, e o pior não atinge só a Ucrânia, bombardeada, invadida e ameaçada de extinção, mas também potências e países periféricos. O Brasil não passa ileso.

Os efeitos da guerra em si, e do cerco e das sanções à Rússia, já começam a chegar, não na forma de bombas, tanques e tiros, mas de ameaça ao fornecimento e aos preços de gás, combustível, fertilizantes e trigo. Logo, às famílias, empresas e economia, com mais inflação e juros, menos crescimento e empregos.

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Na pandemia de covid-19, o Brasil foi pego de calças curtas pelo excesso da dependência externa de insumos para vacinas e medicamentos, respiradores e equipamentos hospitalares e até máscaras. Há uma década, produzia 55% dos IFAs (Ingredientes Farmacêuticos Ativos) e, agora, 5%. Ou seja, importa 95%.

Na guerra da Rússia contra a Ucrânia, o Brasil está novamente frágil, pelo excesso de dependência de fertilizantes, apesar de ser um dos três maiores produtores agrícolas do mundo, e também de trigo, um dos dois principais alimentos na mesa dos brasileiros, junto com o arroz.

O País importa 85% dos fertilizantes que consome, 1/3 disso da Rússia e de Belarus. Segundo a ministra Tereza Cristina, o problema será na próxima safra, entre agosto e setembro. E propõe: ampliar os fornecedores, com foco no Canadá; facilitar os processos de importação; a Embrapa ensinar como usar menos fertilizantes.

E o Brasil é autossuficiente e até exporta soja e milho, utilizados para a pecuária, mas é dependente do trigo, único grão de consumo estritamente humano, base para pães, macarrão, bolos e biscoitos. Importa 60% do consumo interno, 85% da Argentina, mas a Rússia é o maior exportador no mundo e a Ucrânia está entre os dez maiores produtores. Os preços internacionais dispararam. Bom para a Argentina, ruim para o Brasil.

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Brasil é dependente do trigo, único grão de consumo estritamente humano, base para pães, macarrão, bolos e biscoitos. Foto: José Luís da Conceição/AE

Ontem, o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), ex-embaixador Rubens Barbosa, pediu a Tereza Cristina atenção a dois planos há anos na gaveta do governo. Um, de 2019, é da própria associação e o outro, de 2020, é da Embrapa – estatal –, prevendo produzir trigo no Cerrado. Custaria R$ 3 milhões e acarretaria uma economia de R$ 450 milhões por ano.

O presidente Jair Bolsonaro, aliás, tem uma saída para os fertilizantes: explorar potássio em reservas indígenas. E ataca: “o Brasil foi em parte inviabilizado no passado com a indústria da demarcação das terras indígenas”. Guerra? Que nada! O problema são os indígenas.

*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,por-excesso-de-dependencia-brasil-e-pego-de-calca-curta-na-guerra-como-na-pandemia,70003997441


Vera Magalhães: Quanto custa a democracia?

Vera Magalhães / O Globo

O Supremo Tribunal Federal encerrou a discussão sobre o valor do fundão eleitoral nesta quinta-feira, ao julgar constitucional a decisão do Congresso que elevou o montante para R$ 4,9 bilhões nas eleições deste ano.

Com isso, depois de três campanhas com gasto inferior ao dos anos anteriores, a eleição de 2022 voltará a um patamar nominalmente igual ao da eleição de 2014, que foi a mais cara da História e custou os mesmos R$ 5 bilhões.

Paulatinamente, os congressistas deram um jeito de recompor o volume de recursos para bancar as próprias eleições, depois de duas eleições municipais e uma nacional de “vacas magras”.

O primeiro pleito depois da decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar inconstitucionais as doações de empresas a candidaturas, o de 2016, foi espartano nos valores oficialmente declarados: R$ 650 milhões, segundo as estimativas do TSE. Um corte de nada menos que 48% em relação ao pleito municipal anterior, em 2012. Àquela altura, o fundão eleitoral ainda não tinha sido criado, e as fontes de recursos eram o fundo partidário e doações de pessoas físicas.

O fundão veio em 2017 como uma reação dos parlamentares à pindaíba. Era de R$ 1,7 bilhão em sua primeira versão, subiu para R$ 2,034 bilhões em 2020, no auge da pandemia, e agora vive sua versão “o céu é o limite”, com a perda dos pudores dos deputados e senadores de legislar em causa própria.

Dado esse histórico, de quem é a “culpa” por um valor que choca quando cotejado com outras rubricas do Orçamento? Do Congresso, em primeiro lugar. Mas também do STF, a despeito dos protestos dos ministros pelas cifras deste ano. Afinal, foi o Judiciário que, por 8 votos a 2, decidiu que a melhor maneira para dar uma resposta às denúncias de corrupção associadas a doações de campanha era proibi-las na Constituição — o que, levado ao pé da letra, tornaria todas as campanhas até ali não apenas potencialmente corruptas, mas inconstitucionais!

Uma vez suprimida a principal fonte de custeio das eleições, finalmente se instituiu o financiamento público pelo qual partidos, principalmente de esquerda, e cientistas políticos sempre haviam clamado.

O que leva à pergunta: trata-se do melhor modelo? É a prioridade do Estado despender R$ 5 bilhões para financiar campanhas que, com esse acréscimo, deverão voltar a ostentar marqueteiros pagos a peso de ouro e lauto material publicitário?

Os que agora se revoltam e recorrem ao STF entendem que não. Mas eis um tema em que não pode vigorar o vácuo. Uma vez que a mais alta Corte decidiu que doações de empresas são ilegais, as eleições, instância maior da democracia, precisam ser custeadas de forma minimamente equânime para candidatos de todos os estratos sociais, sem que a única maneira de fazer com que seus nomes cheguem ao eleitor seja bancando as próprias campanhas.

Certamente, é uma discussão que deveria ter sido feita de forma ampla para que o país decidisse o modelo com que quer custear sua democracia, não com um artifício para dar uma resposta ao clamor suscitado pela Lava-Jato na ocasião.

Mas, como muitos processos no Brasil nos últimos anos, esse também foi açodado, e se usou o expediente de evocar a Constituição para algo que poderia ser resolvido estabelecendo mecanismos de transparência e fiscalização mais modernos e eficazes nas contas de partidos e candidatos.

Agora que uma decisão tão peremptória foi dada, o financiamento público passa a ser a melhor forma de evitar que apenas os muito ricos ou os custeados pelo crime organizado se elejam.

O aspecto francamente imoral do fundão de 2022, portanto, é seu valor. A grande virtude do financiamento público até aqui tinha sido deflacionar as campanhas, terreno fértil para toda sorte de contabilidade criativa. Agora, as Excelências perderam o medo de retomar o cenário anterior, à custa do meu, do seu, do nosso.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/quanto-custa-democracia.html


Reinaldo Azevedo: Putin é um criminoso indesculpável, mas expôs nudez da verdade

Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo

Vladimir Putin violou a Carta das Nações Unidas e o direito internacional. Qualquer que seja o desdobramento de sua ação na Ucrânia, já é o grande derrotado.

Rússia é uma ditadura mitigada. Pós-guerra e sanções, ele só permanecerá no poder com tirania explícita. Cometeu erros, mas contribuiu, apelando a Eça de Queirós, para retirar do tal Ocidente o manto diáfano da fantasia que cobria a nudez forte da verdade.

Potências não podem —ou não deveriam— romper as regras do direito internacional, pretextando ou não a intervenção humanitária. Quantas vezes, no entanto, também os EUA, com ou sem Otan, o fizeram e o farão?

No realismo de um Carl Schmitt (1888-1985), por exemplo, americanos e russos agiram em nome do que importa: a segurança, não os direitos. No plano intelectual, lutemos contra a herança de Thomas Hobbes, resgatando como inspiração moral a Escola Ibérica da Paz, nunca estudada por aqui.

O realismo cru não se ocupa de limitar o poder de Estado, mas de justificá-lo. A segurança como um bem que exclui os direitos abre a vereda para a terra dos mortos.

A parceria entre a Otan e os "primaveristas" da Líbia e da Síria, por exemplo, inventou a quimera do "jihadismo da liberdade", que fez da África um ninhal de terroristas e deu à luz o Estado Islâmico.

A máquina de guerra dos EUA, diga-se, está sempre ocupada em duas coisas: em combater terroristas e em fabricá-los. O vexame no Afeganistão, que Joe Biden tenta agora compensar, é eloquente. A propósito: quem vai um dia recolher as armas distribuídas às milícias ucranianas, às quais poetastros dedicam panegíricos canhestros?

Mais de uma vez os EUA e a Otan mandaram a carta da ONU às favas e atacaram países soberanos. Quantos males pode haver na Pandora aberta de Kosovo?

"Isso justifica Putin?" Não! Mas quem define quando a violação ao direito internacional deve ser punida ou aplaudida? Infelizmente, é o tal "realismo cru".

Quantas crianças a Arábia Saudita, aliada dos EUA, pode matar no Iêmen? Temos de rejeitar o pretexto da segurança como fundamento de invasões. Putin não me seduz. EUA não me enganam. São diferentes, mas se combinam.

Realismo sangrento e triunfo das regras, no entanto, não se plasmam no éter, mas na história.

A expansão da Otan para o Leste europeu pós-dissolução da URSS não era parte do jogo. Não houve proibição explícita, mas um acordo tácito de autocontenção. James Baker, um liberal, queria a Rússia na aliança. Henry Kissinger, oráculo ou monstro do realismo, defendeu uma Ucrânia livre, mas fora do grupo, seguindo o modelo da Finlândia.

Na semana passada, a Otan convidou o país a ser sócio, o que nos remete, a um só tempo, à revolução de 1917 e ao cerco de 872 dias a Leningrado, quando os finlandeses se juntaram a nazistas e fascistas.

A história não tem de oprimir como um pesadelo o cérebro dos vivos. Tem de instruí-los.

"Que países soberanos se juntem com quem quiser", diz o bobalhão. É essa a diretriz que emana de Washington nas suas "zonas de influência? Ignorar que o adversário à frente da Otan é a Rússia corresponde a abandonar os fatos. E Putin segue sendo um criminoso.

No discurso do Estado da União, Biden jactou-se de ter sequestrado parte das reservas russas e anunciou uma caçada aos "magnatas" mundo afora. Afinal, o país dispõe do FCPA (Foreing Corrupt Practices Act), que dá a seu Departamento de Justiça autorização para atuar como polícia do mundo. Em nome da... segurança!

A China apresentou-se como mediadora do conflito. Deve olhar com interesse para uns EUA capazes de tomar títulos de sua dívida comprados por terceiros. Quem tem Taiwan sabe enxergar uma metáfora, embora a comparação seja descabida porque a ilha nunca teve o status de país soberano.

Putin se lascou, mas contribuiu, com sua truculência, para revelar a nudez forte da verdade.

Enquanto não tem de enfrentar para valer a China, os americanos precisam da Rússia — e de Putin, o execrável — para brincar de Guerra Fria.

É o declínio do império americano no seu esplendor. E olhem que nem falei do "Bulava". Como? Você não sabe o que é Bulava? Corra para o Google e para seu livro de orações.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2022/03/putin-e-um-criminoso-indesculpavel-mas-expos-nudez-da-verdade.shtml


PIB cresce 4,6% em 2021, depois do tombo de 2020

Rosana Hessel / Correio Braziliense

Em relação ao patamar pré-pandemia, o PIB ficou apenas 0,52% acima do nível registrado em no quarto trimestre de 2019, mas continua 2,8% abaixo do ponto mais alto da atividade econômica na série histórica, alcançado no primeiro trimestre de 2014, informou o órgão ligado ao Ministério da Economia.

Os números do IBGE mostram que, nos últimos três meses do ano, o PIB avançou 0,5% em relação aos três meses imediatamente anteriores, interrompendo o ciclo de dois trimestres negativos anteriores. Em 2020, por conta da recessão global provocada pela pandemia da covid-19, o PIB brasileiro encolheu 3,9%. Em relação ao quarto trimestre de 2020, o PIB cresceu 1,6%.

O PIB totalizou R$ 8,7 trilhões em 2021, com o PIB per capita somando R$ 40.688,10, um avanço real de 3,9% ante o ano anterior, segundo dados do órgão. A taxa de investimento ficou em 19,2%, acima dos 16,6% observados no ano anterior. Já a taxa de poupança passou de 14,7%, em 2020, para 17,4%, em 2021.

O dado divulgado pelo IBGE ficou em linha com a mediana das estimativas do mercado coletadas no boletim semanal Focus, do Banco Central, que previa alta de 4,5% para o indicador de formação de riquezas do país.

Para este ano, no entanto, a projeção do mercado é de uma desaceleração do ritmo para alta de 0,3%. Contudo, analistas reconhecem que o desempenho do PIB pode recuar 0,5%, como já apontavam as projeções de grandes bancos, como Itaú Unibanco e Credit Suisse, mesmo antes da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Agora, dependendo do período que durar essa guerra, o cenário que está sendo cogitado é o de estagflação — o pior dos mundos na teoria econômica, quando não há crescimento e os preços não param de subir –, especialmente, nesse momento de disparada de alta das commodities e nova perspectiva de desaceleração global por conta da guerra no Leste Europeu deflagrada pela Rússia.

Fonte: Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/pib-cresce-46-em-2021-depois-do-tombo-de-2020/