Alon Feuerwerker: O primeiro obstáculo

Alon Feuerwerker / Análise Política

Há três momentos-chave neste processo eleitoral brasileiro: 1) a janela de trocas partidárias e o prazo de filiação, 2) as convenções e 3) a eleição propriamente dita. Pode haver um quarto, o segundo turno. E um requisito fundamental é o candidato chegar com expectativa de poder a cada uma dessas barreiras, para ganhar impulso ou, no mínimo, evitar a lipoaspiração, a cristianização.

Por fortuna ou virtù, ou um pouco das duas, Jair Bolsonaro alcança o primeiro obstáculo transmitindo a sensação de estar se recuperando nas pesquisas. A intensidade dessa recuperação e a própria existência dela podem ser debatidas, mas na política vale a percepção. E a percepção disseminada neste momento é o presidente não ser carta fora do baralho para outubro. Algo decisivo para contrabalançar pressões centrífugas.

E para atrair gente às legendas que apoiam Bolsonaro.

As razões da recuperação – ou da percepção de recuperação – são essencialmente três: 1) uma tendência recente leve, porém contínua, de retomada dos empregos, 2) a estabilização do novo patamar de programas sociais e 3) a normalização da Covid-19. Começando por este ponto, as mortes pelo SARS-CoV-2 ainda se contam em centenas ao dia, mas o clima é de liberou geral. O não-Carnaval deve ter sido o canto de cisne da “cultura do lockdown”.

A regularização das atividades impulsiona a economia e os empregos, tudo turbinado por mais dinheiro no bolso dos pobres que recebem o Auxílio Brasil. Claro que a grande massa do Auxílio Emergencial ficou fora do programa, mas, aparentemente, a expansão do mercado de trabalho vem oferecendo uma “porta de entrada”. A soma de vetores dá um respiro ao presidente da República.

A percepção de competitividade de Bolsonaro no mano a mano com o hoje favorito Luiz Inácio Lula da Silva não chega a ser um problema imediato para este, mas é um problemão para a terceira via, pois esta depende de dois fatores: 1) uma confluência em torno de alguém e 2) a degradação da expectativa de poder do incumbente. Pois seria um raio em céu azul algum “terceirista” tirar Lula da parada.

Vai ser necessário acompanhar como transcorre a janela das trocas partidárias, depois ver que partidos formarão federações, as coligações estáveis por quatro anos e nacionalmente verticalizadas e vinculantes. Daí iremos ao segundo momento crítico, as convenções que definirão candidatos e apoios. Quatro anos atrás esse aspecto de coligações e apoios contou pouco. Será que o fenômeno vai se repetir?

Para tanto, precisaria aparecer um novo outsider. O mais bem ou menos mal posicionado é André Janones, que por enquanto não mostra tração. E o sistema político saiu do estado de ruína de 2018. E há na cadeira no Planalto um presidente candidato à reeleição, com a caneta na mão, e que precisa de tempo de televisão e rádio para mostrar o que fez e por que deve merecer mais quatro anos.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2022/03/o-primeiro-obstaculo.html


Luiz Carlos Azedo: Um único homem poderia impedir a guerra

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Jean Jaurés (1859-1914) foi um dos mais destacados pacifistas de seu tempo. Professor de filosofia em Tolosa, tentou conciliar o idealismo e o marxismo. Era um liberal radical que se tornou socialista, integrando a ala direita do Partido Socialista Francês. Em 1897, com Zola e Clemenceau, liderou a campanha em favor de Alfred Dreyfus, o capitão francês injustamente acusado de espionagem pelo alto comando do Exército francês.

Grande orador, lutou contra o militarismo e sempre defendeu a aproximação entre a França e a Alemanha para garantir a paz na Europa. Foi assassinado no dia da declaração da guerra, 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um nacionalista fanático. Foi o principal líder da II Internacional a defender a paz. Quase todos os demais apoiaram a entrada dos seus países na guerra, a começar pelos dirigentes da poderosa Social-Democracia Alemã, que estava no poder. Com exceção de Vladimir Lênin, que defendeu a paz para derrubar a autocracia czarista e, depois, tomar a Rússia de assalto, na Revolução de Outubro.

A I Guerra Mundial, que durou de 1914 a 1918, foi uma tragédia em todos os sentidos. A fusão do capital financeiro com o capitalismo industrial, na virada para século XX, possibilitou notável expansão territorial das potências europeias em direção à Ásia, África e Oceania. A Inglaterra incorporou aos seus domínios, entre outros países, a Índia e a Austrália. A Alemanha havia se unificado com a Prússia — numa guerra com a França, tomara posse da Alsácia-Lorena, riquíssima em minérios e em franca industrialização. O sentimento de revanche na França era forte e aumentou quando Otto Von Bismarck, grande artífice da unificação alemã, formou a Tríplice Aliança com Áustria-Hungria e Itália.

Ameaçada, a França se aliou ao Império Russo, czarista, em 1894. Temendo a perda de territórios e bloqueios econômicos, a Inglaterra formou com ambos a Tríplice Entente. Na região dos Balcãs, a Rússia estimulava a criação da Grande Sérvia, enquanto a Áustria-Hungria se aproveitava da fragilidade do Império Turco-Otomano para expandir seu pangermanismo. Em 1908, a região da Bósnia-Herzegovina foi anexada pela Áustria-Hungria. A Alemanha pretendia ligar Berlim a Bagdá, por ferrovia, pela península balcânica.

O estopim da guerra foi o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono da Áustria-Hungria, em 28 de janeiro de 1914, em Sarajevo, capital da Bósnia, por um militante da organização terrorista Mão Negra, formada por nacionalistas eslavos. As alianças de Áustria e Sérvia entraram em ação. Ao longo da guerra, o uso de novas armas, como o gás tóxico, e de invenções como o avião e os tanques aumentou a tragédia.

Em 1917, a Rússia se retiraria da guerra arruinada e os bolcheviques tomariam o poder, com apoio de soldados e marinheiros amotinados. Nesse mesmo ano, os Estados Unidos entraram na guerra ao lado da Inglaterra e da França. Em 1918, a Alemanha seria derrotada — o Império Austro-Húngaro se desagregaria no ano seguinte. O Tratado de Versalhes impôs sanções duríssimas à Alemanha, que cedeu territórios e indenizou os vencedores, principalmente a França. Morreram 8 milhões de pessoas, das quais 1,8 milhão só de alemães.

Fim da História

Tudo o que viria a acontecer seria desdobramento da I Guerra, sobretudo a II Guerra. Na Europa, o racha da social-democracia entre socialistas e comunistas, após a derrota do nazifascismo, em 1945, em meio à Guerra Fria, resultaria no “socialismo real” dos países da Cortina de Ferro e no Estado de bem-estar social dos países do Ocidente europeu. O colapso da União Soviética poderia ter resultado numa Casa Comum Europeia, como propunha Mikhail Gorbatchov, mas não foi o que aconteceu. A contínua expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em direção ao leste e os ressentimentos da Rússia, liderada por Vladimir Putin, agora resultaram na brutal invasão à Ucrânia e no ressurgimento da Guerra Fria.

Em 1989, Francis Fukuyama publicou o artigo “O Fim da História?”, na revista The National Interest, segundo o qual a dissolução da URSS e, consequentemente, o fim da Guerra Fria, eram a vitória do ideal da democracia ocidental sobre o mundo. O liberalismo e a democracia seriam os eixos de um “Estado homogêneo universal”. Os conflitos políticos que vinham dos séculos imemoriais não existiriam mais a partir daquele momento. O neoliberalismo conseguira resolver esse problema.

Essa tese está sendo posta à prova na guerra da Ucrânia, a nova marcha da insensatez. Um único homem poderia evitá-la: Putin, se não houvesse invadido o país vizinho; o presidente dos EUA, Joe Biden, se tivesse contido a expansão da Otan; ou o presidente Volodymyr Zelensky, que poderia ter negociado para a Ucrânia entrar na União Europeia e ficar fora da Otan. A pergunta é: como acabar com essa guerra?

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-um-unico-homem-poderia-impedir-a-guerra/

Mudanças climáticas: Estudo apontará possível soluções e políticas públicas

Paloma Oliveto / Correio Braziliense

cenário climático nunca foi pintado com cores tão sombrias. Divulgado na semana passada, o relatório do grupo de trabalho II do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) é o mais assustador até agora, segundo o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres. Se o documento evidencia os impactos negativos do aquecimento global em ecossistemas e, especialmente, na humanidade, o próximo, esperado para abril, vai apontar o que se pode fazer e o que, de fato, o mundo está fazendo para tentar reverter os estragos que vêm se acumulando desde o início da era industrial.

Com o tema da mitigação, o relatório vai mostrar o que se tem feito, em várias frentes, para evitar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Embora o conceito seja simples, colocá-lo em prática não é fácil. As medidas incluem, em especial, a transição do uso de combustíveis fósseis para energias renováveis, acabar com o desmatamento e restaurar sistemas impactados. O principal instrumento para garantir que isso ocorra é o Acordo de Paris, com o qual 195 países se comprometeram em 2015. Porém, mesmo a meta mais ambiciosa — limitar o aquecimento do planeta a 1ºC acima dos níveis pré-industriais até o fim do século — já parece insuficiente, segundo estudos citados pelo IPCC.

Desde o histórico acordo da capital francesa, porém, o monitoramento das emissões mostra resultados decepcionantes. Os últimos sete anos bateram recorde de calor e, em vez de redução, se observou aumento da produção de gases de efeito estufa — em especial, o CO2 e o metano. Este último, que fica mais tempo na atmosfera que o dióxido de carbono, registrou crescimento entre 2020 e 2021, segundo um relatório do Serviço de Monitoramento do Clima da União Europeia, chegando ao dobro do registrado duas décadas antes.

Em novembro, pesquisadores do Projeto Carbono Global divulgaram outro documento mostrando que as emissões de CO2 dos principais setores poluentes — energia e indústria — aumentaram 4,9%, depois de uma queda de 5,4% alcançada em 2020. A redução anterior não parece resultado de políticas de mitigação, mas, provavelmente, está associada ao lockdown devido à pandemia de covid-19, observou o relatório. O Brasil tem apresentado um desempenho ainda mais desfavorável. Enquanto o restante do mundo passou por uma retração das emissões há dois anos, o país registrou uma elevação de 9,5%, puxada, especialmente, pelo aumento do desmatamento.

"O impacto (das emissões) em eventos extremos em muitas partes diferentes do mundo é dramático. Devemos olhar para os eventos recordes de 2021, como a onda de calor no Canadá e as inundações na Alemanha, como um soco na cara para fazer os políticos e o público acordarem para a urgência da emergência climática. Os contínuos aumentos nas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera indicam que as causas subjacentes ainda precisam ser abordadas", critica Rowan Sutton, do Centro Nacional de Ciência Atmosférica da Universidade de Reading, na Inglaterra. União Europeia, Índia e China puxaram para cima as emissões globais da indústria e dos transportes.

Combustíveis fósseis

Um grande desafio em relação a esses dois setores é que ambos são extremamente dependentes de combustíveis fósseis, os grandes vilões do aquecimento global. Por isso, o Acordo de Paris insiste que as ações mitigatórias, necessariamente, incluam a transição do modelo energético. Houve avanços nesse sentido, mas ainda insuficientes, de acordo com o próprio IPCC. Em agosto passado, António Guterres declarou que, diante da informação de que o mundo estará 1,5°C mais quente em 2030, ou seja, 10 anos antes do esperado, era urgente acabar com as usinas de carvão e com os demais combustíveis fósseis.

Na COP26, a conferência climática da ONU, em dezembro, 77 países assinaram um acordo para eliminação gradual do carvão no setor energético. A queima do mineral responde por 37% da produção mundial de energia. Apesar de o compromisso ter sido considerado um avanço, a não adesão dos principais poluidores — China e EUA — e de importantes mercados consumidores — Austrália, Índia e Chile — limita significativamente a ação mitigatória.

Jeffery Kargel, cientista sênior do Instituto de Pesquisa Planetária de Tucson, no Arizona, se diz pessimista em relação a possíveis avanços na eliminação dos combustíveis fósseis. "A situação geopolítica global e a política interna de muitos países podem não responder à necessidade urgente (de corte de emissões)", diz. "O acordo final da COP26 fala em uma 'redução gradual' da produção e uso de carvão, em vez do que previa o texto preliminar anterior, que pedia uma 'eliminação gradual', uma mudança forçada pela Índia. Então, parece que a Índia não vê a mudança climática como uma ameaça existencial", critica. Kargel lembra que, "provavelmente, não há país que esteja sendo mais afetado pelas mudanças climáticas do que a Índia", ressaltando o paradoxo da postura do país.

A versão final do próximo relatório do IPCC foi distribuída no fim do ano para os governos, que puderam sugerir alterações no texto, a serem discutidas em uma plenária, em março. "Nossos cientistas trabalharam incansavelmente para entregar esse relatório por meio de uma avaliação robusta de evidências científicas. O relatório informará os formuladores de políticas em todo o mundo sobre os caminhos para soluções e oportunidades disponíveis para enfrentar as mudanças climáticas", disse Jim Skea, copresidente do Grupo de Trabalho III.

Não prescritivo

O IPCC é o órgão internacional criado para avaliar as evidências científicas relacionadas às mudanças climáticas. Foi instituído em 1988 pela ONU para fornecer aos formuladores de políticas avaliações regulares sobre as alterações do clima, seus impactos e riscos futuros, além de opções de adaptação e mitigação. Embora relevantes para a formulação das políticas, as conclusões do IPCC não são prescritivas: elas não dizem quais ações devem ser tomadas.


Três perguntas para Stela Herschmann, mestre em direito e políticas ambientais pela Duke University, especialista em política climática do Observatório do Clima

 (crédito:  Twitter/Reprodução)

Foto: Twitter/Reprodução

O próximo relatório do IPCC mostrará a tendência de emissões dos países. Pode-se esperar um puxão de orelhas para o Brasil?

O IPCC é um grupo de cientistas, mas o relatório para os tomadores de decisões passa por um debate com os países, tem um componente político na análise. Então, não imagino um puxão de orelha explícito, o Brasil também não deixaria passar uma linguagem nesse sentido. Mas os dados falam por si. Sobre a tendência de emissão dos países, é muito possível que o relatório mostre que o Brasil está na contramão do mundo. Caberá aos tomadores de decisão, aos analistas e à sociedade civil fazer a leitura dos dados e fazer as críticas que, com certeza, não passariam na análise política do IPCC.

O Brasil tem apostado em ações mitigatórias, especialmente em áreas-chave como energia e transporte?

Setores como energia e transporte são realmente chave do ponto de vista do aquecimento global. No mundo, esses dois setores são os principais emissores de efeito estufa, e é preciso promover transformações muito profundas para se conseguir cumprir as metas do Acordo de Paris. Esse não é exatamente o caso do Brasil. As maiores emissões do país estão ligadas a mudanças no uso da terra, que é, basicamente, desmatamento, e muito concentradas na região amazônica e muito aliadas à agropecuária. Juntos, esses dois setores são responsáveis por três quartos das emissões do país. Nos últimos três anos, esse governo conseguiu quebrar todos os recordes de desmatamento e de emissões. Então, a gente tem visto esse aumento, e esses foram os dois setores que puxaram o aumento das emissões nos últimos anos. Mesmo em um contexto de crise, quando o mundo inteiro estava reduzindo por causa da covid, a gente aumentou. Em relação a energia e transporte, também não temos visto boas apostas do Brasil. Por exemplo, no fim do ano, foi aprovada uma lei que renovou o uso de energia do carvão. Temos visto retrocessos nesses setores.

Os líderes mundiais estão prestando atenção nas mensagens do IPCC?

O que a gente viu é que o alarme foi dado. Os cientistas já classificaram esse alarme como código vermelho para a humanidade, não dá para ser mais claro do que isso. Os impactos já são muito fortes, e, mesmo que a gente parasse de emitir, hoje, já temos, por conta das emissões anteriores, impactos que levarão séculos para serem revertidos. Está muito clara a mensagem dos cientistas, inclusive de que o caminho que a humanidade está adotando não é suficiente. Tanto que, no relatório do Grupo I, dos cinco cenários apresentados, em só um a gente passava de 1,5°C e conseguia retornar. O alerta está dado. Os políticos e líderes mundiais estão cada vez mais debatendo esse assunto em fóruns econômicos, em outros locais além da convenção sobre clima da ONU. Mas, claramente, eles ainda não se deram conta da urgência que os cientistas estão sinalizando para conduzir as mudanças que precisam ser feitas.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2022/03/4990094-mudancas-climaticas-estudo-apontara-possivel-solucoes-e-politicas-publicas.html


Troca de partidos? Janela indica definição do jogo das urnas

Taísa Medeiros / Correio Braziliense

Quando a janela partidária se fechar em 1º de abril — depois de ter sido aberta no último dia 3 —, o eleitor terá um quadro um pouco mais claro de como as legendas estarão articuladas para as eleições de outubro. Nem tudo estará ajustado, pois ainda estará sendo jogado o xadrez das federações, cujo prazo foi estendido pelo Tribunal Superior Eleitoral até 31 de maio. Porém já haverá um afunilamento. Isso porque, a legislação eleitoral determina que até 2 de abril aqueles que pretendem disputar o pleito devem deixar o cargo que ocupam seis meses antes.

A união desses fatores promete fortes emoções, com cenas de jogo de cintura, pressões, reclamações, traições e muito cálculo político. Um dos protagonistas dessas movimentações é o PL do presidente Jair Bolsonaro: fontes da legenda estimam que a bancada no Congresso, hoje com 42 deputados e seis senadores, possa chegar, só na Câmara, a 70 integrantes. "Só do PSL sairão mais de 25. Seremos o maior partido brasileiro", prevê, otimista, o deputado federal Bibo Nunes (RS), vice-líder da legenda na Casa.

Para reforçar o PL, há a possibilidade de que 11 ministros deixem os cargos até o dia 2 para prepararem as campanhas legislativas. Pelo menos um confirmou a escolha do partido como destino: o titular do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, que tentará uma cadeira de deputado federal por São Paulo.

Já o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que está sendo empurrado por Bolsonaro para a disputa do governo paulista, também indicou a filiação ao PL — que tem capilaridade e recursos para investir pesadamente numa eleição que interessa diretamente ao Palácio do Planalto. "O Tarcísio vai para um embate forte em São Paulo. Acredito, aliás, que a maioria dos ministros tenha chances de eleição", aposta Nunes.

Vitor Oliveira, cientista político e sócio da Pulso Público, lembra que "o PL tem alguns problemas. É o partido de um candidato à Presidência, ou seja, tem que comprometer recursos com isso. Sobra menos dinheiro para a campanha dos deputados. Para alguns parlamentares, é confortável estar no PL, porque é um partido que permite várias opções", avalia.

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PRI-0603-CALENDARIO.jpg(foto: Lucas Pacifico)

Olho do furacão

Outro partido que também está no olho do furacão da janela partidária é o PSD. Isso porque o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB-RS) surge como possível substituto do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na corrida presidencial. Caso realmente acerte o ingresso na legenda de Gilberto Kassab, tem tudo para reforçá-la com parlamentares tucanos em busca de um novo ninho em que possam ter mais chances de se eleger.

O cientista político Valdir Pucci, porém, crê que Leite permanecerá no PSDB. "Ele tem uma história dentro do partido, concorreu às prévias presidenciais e a saída enfraqueceria o partido. Ele entenderá que será melhor concorrer à reeleição", acredita. Nos bastidores do PSDB, o cálculo é que 10 parlamentares aproveitarão a janela partidária — e devem correr na direção de legendas que compõem o Centrão devido ao apoio que dão ao governo.

No União Brasil, nascido da fusão do PSL e do DEM, se prevê uma diáspora de deputados e senadores, todos de alguma forma ligados a Bolsonaro. O caminho preferencial é a troca por PL, PP e PTB, legendas que compõem o Centrão, que sustenta o governo na Câmara.

As coisas devem se agitar também no Podemos, que irá com Sergio Moro ao Palácio do Planalto. Pelo menos dois deputados, Diego Garcia (PR) e José Medeiros (MT), aliados de Bolsonaro, devem deixar a legenda por incompatibilidade com o ex-juiz da Operação Lava-Jato.

Na esquerda, as movimentações são menos estrondosas. Segundo fontes de PT, PSB, PSol, PDT, PV e Rede, o foco tem sido mais na formação da federação partidária — um complicador, pois poucas são as legendas menores dispostas a ficarem atreladas às maiores até 2024, sendo que há uma disputa municipal no meio em que cidades-chaves são disputadas.

Para Vitor Oliveira, é necessário observar os diferentes impactos que esse período de trocas provocará nas legendas. "A janela é uma tábua de salvação para alguns parlamentares que não querem pagar para ver. No campo da direita, é muito mais uma questão de abrir espaço para candidaturas nos estados, nos municípios e obter recursos eleitorais. Na esquerda, é sobrevivência: nos partidos pequenos, quem sobrou é quem acredita no partido. A federação acaba sendo mais importante", explica. (Colaborou Fabio Grecchi)

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4990732-troca-de-partidos-janela-indica-definicao-do-jogo-das-urnas.html


Paulo Fábio Dantas Neto: Cotas raciais ontem e hoje

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia e Novo Reformismo

A Folha de São Paulo publicou, em sua edição de 26.02.2022, matéria assinada por Fernanda Mena, que tem como título "11 signatários de carta de 2006 contra cotas raciais dizem porque mudaram de posição".  O tema é interessante e a matéria também, pela relevância intelectual e social das fontes que a jornalista entrevista, ou menciona. A ponto de me fazer decidir abordar novamente, nesta coluna, um assunto ligado ao grande tema do racismo, depois de tê-lo feito há duas semanas e três artigos atrás. Nenhuma intenção de prosseguir nessa seara, na qual sou mais um interessado, como cidadão e um curioso, como colunista. Mas é que da guerra na Europa já falei na semana passada, assim como das ligas entre a política baiana e a nacional. Essa última, por sua vez, anda aconselhando recesso aos analistas sazonais mais prudentes, tal sua imersão, no momento, em ações de bastidores ligadas justamente à montagem dessas arquiteturas estaduais. Nada a censurar nisso. Creio que a partir de meados deste mês começaremos a ter material de reflexão mais substantivo e concreto, inclusive porque estará ancorado nessas balizas dos arranjos, digamos, federativos. 

Dada a explicação, antes de tratar da matéria que anunciei acima, vou pedir licença aos leitores para cometer o gesto, normalmente antipático, de me citar. E de fazê-lo de modo longo, o que arrisca juntar, à provável antipatia, um risco de enfado. Como se não bastasse, é citação de texto antigo, de quase duas décadas atrás. Com o risco adicional do anacronismo, consuma-se a imprudência. Mas é meu intuito mostrar aos leitores que ouso tratar do tema a partir de inquietações antigas e não ditadas por sua recorrência atual. Como não posso remetê-los à publicação original (A Tarde, ou Tribuna da Bahia, em algum momento de maio de 2004, em página que também não sei precisar) submeto-os à leitura do texto inteiro, que tenho em arquivo pessoal e que aí vai. O título era “Cotas, democracia e incertezas”:

 Ocorre, no momento, intenso debate, entre professores e outros segmentos da UFBA, acerca de proposta aprovada (a meu ver, em boa hora), pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão, daquela instituição, de reserva de cota para egressos de escolas públicas e, dentro dela, uma subcota para afrodescendentes, medida que terá repercussão sobre os cursos mais elitizados da universidade. Creio ser do interesse público a questão, daí que, não sendo versado no assunto, abordo-o neste espaço, como cidadão. 

Sobriedade é qualidade que se supõe abundante no meio universitário, composto de pessoas habituadas ao manejo da razão. Por isso tenho me visto espantado e perplexo com o clima plebiscitário (alguém já o qualificou assim) que tomou conta, na UFBA, da discussão de tema tão complexo. A julgar pelo teor dramático e o tom quase apocalíptico de muitas intervenções opositoras da medida, o tema está, de fato, polarizando consciências e ferindo-as como navalha na carne, mais até do que a reforma universitária que vem por aí.

Mas até por não estar se pautando por padrão de racionalidade “acadêmica”, o embate acabará ajudando a sepultar o autoengano que se comete quando: 1) se subestima a relevância política da questão das relações raciais no Brasil (e na Bahia); 2) se crê que a universidade é uma redoma, que vive só de conceitos, sem contaminação por preconceitos e paixões que o tema desperta. É pena o grande público não estar acompanhando nosso debate interno, pois poucas vezes nos desnudamos tanto; poucas vezes as por nós bem guardadas fronteiras entre esquerda e direita foram transpostas com tanta fluência. Temos testemunhado ou sido atores de um strip-tease ideológico intramuros, tão “histórico” quanto a decisão do CONSEPE.

Convencido do acerto da medida, ainda pendente de aprovação pelo Conselho Universitário - que se reunirá no próximo dia 17 -, não tenho, contudo, argumento novo a somar aos que foram apresentados. Mas colegas já mostraram, melhor do que eu faria, que políticas reparatórias, dirigidas a afrodescendentes e outros grupos socialmente oprimidos, não excluem atenção ao problema mais amplo do ensino público. Contrapor uma coisa à outra é adiar para as calendas – como é hábito no Brasil – a amortização de imenso passivo social e racial, em termos de igualdade de oportunidades e virar as costas a aspirações de indivíduos concretos, que vivem a discriminação no presente, a quem não é justo pedir que se contentem com a miragem de que seus filhos (quiçá, netos ou tataranetos) terão, enfim, cidadania plena.

Para não ser rebarbativo, só pondero aos colegas que fazem oposição frontal ao projeto que, muitas vezes, a vida nos faz encarar, depois, como conquista, o que antes havíamos julgado nefasto. Para ficar num exemplo, lembro os adjetivos fortes usados, por um sindicalismo que se cria mais combativo que seus antecessores, contra a legislação trabalhista herdada dos tempos de Vargas: “populista”; “pelega”; “autoritária”; fascista, e por aí se ia! Nosso atual presidente da República (em quem enxergo - e não de hoje - equívocos, mas a quem não acuso, é bom dizer, de traição ou capitulação) referia-se à CLT como o AI-5 dos trabalhadores! Pois não é que essa Geni é hoje vista, até com exagero (pra variar), como conquista a defender do apetite voraz do mercado? O mundo gira, ainda bem!

Creio, então, que nos atuais tempos de continuidade e minguadas reformas, devemos e podemos dar, senão aos autores, pelo menos aos sujeitos-alvo dessa iniciativa, o benefício da dúvida e a chance do experimento. Sim, porque é de experimento que, afinal, se trata: um projeto modesto (como assinalou o prof. João Reis), cercado de sábias precauções, sugeridas numa primeira rodada desse debate como, por exemplo, a de não dispensar os beneficiários das cotas do cumprimento, na seleção, do nível de desempenho exigido aos demais vestibulandos e a de fixar prazo limite para a vigência das cotas, frisando, assim, o seu caráter transitório.

Será que o status quo universitário é tão virtuoso e “natural” que não possamos ousar substituir, cuidadosamente, certas pedras do edifício, sem que se escreva nas estrelas que elas sejam, necessariamente, arremessadas contra nós, como bumerangue? Ou estamos diante do temor que acomete o espírito quando se divisa uma esquina e não se vê com certeza o que virá depois de dobrá-la? É humano senti-lo, mas não obrigatória a conduta reativa: a alguns o temor paralisa e vem, como defesa, o que Albert Hirschman chamou de “retórica da intransigência”, idéia que deu título a um livro seu. Mas há os que se movem, de olhos abertos, em meio à inevitável incerteza, maior, aliás, na democracia. A universidade precisa estar entre esses últimos. Não é?

Após aspas e parênteses, com os quais quis dizer (talvez lembrar) “com quem estarão falando” possíveis interessados em conversar sobre o que ousarei escrever a seguir, passo ao que trata a matéria da Folha. Penso que trata de modo um tanto estático (comparação entre duas fotografias, uma de 2006 e outra de agora) um tema que tem enredo de filme. Com isso talvez tenha perdido uma oportunidade de ouvir, das suas qualificadas fontes, considerações sobre o tema ainda mais relevantes do que as que ouviu.

Primeiro ponto é: em 2006 falava-se em cotas para as universidades. Hoje fala-se em cotas para muitas coisas, até para a representação política. Seria interessante saber (eu não sei) se os intelectuais que revisam hoje sua posição de 2006 estendem, ou não, sua atual posição para a extensão que, hoje, a ideia das cotas abrange. Ou se o que revisam é a opinião que tinham, em 2006, de que a proposta de cotas (naquele desenho de incidência setorial mais restrita) estava na contramão da ética republicana e/ou da igualdade política. O amadurecimento da reflexão perante os fatos parece indicar mesmo a revisão da posição então assumida, contrária àquela política pública, a qual se revelou, afinal, democratizante. Mas daí se deduz apoio irrestrito à incidência social bem mais ampla que assume agora a ideia de cotas, com seu alargamento já obtido para muitas outras aplicações? Se também aí sim, a dedução pode avançar ainda mais e valer para o que ainda se deseja alargar, chegando não só à competição política - como já chegou - mas também desenhar a composição das casas legislativas, como antessala das urnas?

Um segundo ponto: há ou não sentido em debater até que limite as cotas valem para além do combate às desigualdades de acesso a oportunidades que o ensino superior e outras esferas fornecem aos cidadãos, protegendo-os de discriminação por raça? As cotas devem ser vistas como algo mais que instrumentos temporários de políticas de promoção de igualdade social e racial para se tornarem um "valor" perene? Se não são valor, mas instrumentos e se como tais não são perenes, mas a continuidade da política se justifica pela persistência dos motivos que a geraram, então quais são os critérios que podem equilibrar, de um lado, a justificativa para essa prorrogação e, de outro, a virtual avaliação de que, se persistem as desigualdades, a política está sendo ineficaz e outros caminhos devem ser buscados para seguir perseguindo esse objetivo? Mais uma vez, não reivindico uma conclusão, nem sequer uma assertiva, mas a legitimidade desse ponto na pauta, a qual surge num filme, não na comparação de fotos.

Por fim, há um terceiro ponto, talvez o mais importante - que um filme revelaria e as fotografias de cada momento, não – que é a modificação do conceito e, com ele, do escopo da política, que se verificou com o tempo. Era antes uma política de promoção de igualdade social e racial, que teria a reparação histórica como um hipotético efeito secundário e a afirmação racial como implicação ainda mais incerta. Com o tempo e o protagonismo dos movimentos identitários, a reparação tornou-se a principal razão de ser da referida política. Com isso operaram-se, dentre outros, dois importantes deslocamentos. Primeiro, como a dívida histórica é imensa e por essa imensidão, impagável, as cotas passam a ser vistas como imposto devido ao passado e não obrigação assumida no âmbito de um pacto social entre atores do presente, a saber, instituições, movimentos e cidadãos.  Segundo deslocamento é, se o credor atemporal é um grupo social oprimido por uma opressão ancestral, o beneficiário imediato será quem ocupar o "lugar de fala" simbólico desse oprimido. Em tradução para o concreto, os movimentos afirmativos dessa identidade. Mudando assim o conceito e a contextualização temporal da desigualdade que a política deve combater, muda também o alvo principal da promoção, que não é mais o cidadão/ individuo negro para ser o grupo social identificado com a raça. Como o grupo social é uma categoria abstrata, começa a requerer representação concreta para que a política saia do papel. Daí o verbo empoderar ter se tornado central no léxico que passou a contingenciar as agora várias políticas de cotas, ou pressões para criá-las.  As "comissões de verificação" de negritude são corolário dessa lógica.

Portanto, não é de coisa simples que se trata quando se retrata posições ou revisão de posições de intelectuais sobre esse assunto. É preciso explicar antes o que se diz quando se fala de política de cotas.  Do meu modesto lugarzinho de fala, certamente situado em fileiras z de qualquer auditório contemporâneo, repetiria a atitude política de 2004, sendo a favor de que haja, sim, políticas de cotas, inclusive raciais, como um dos instrumentos de combate ao racismo. Portanto, opino ao lado de quem quer deter o movimento reacionário que, sem dúvida, se engendra no Congresso para deslegitimar as cotas desde o seu sentido originário, vindo justamente daí o seu caráter de retrocesso.  E concordo que mudanças na legislação pertinente, no atual contexto político, tendem a não dar em coisa que preste, do ponto de vista social. Mas também penso que, diferentemente de 2004, hoje é preciso atualizar a discussão do conceito, do objetivo, dos limites e dos destinatários concretos das políticas de cotas.

Quero dizer com isso que políticas de cotas podem ser sustentáveis, mas não "imexíveis". Passada a hora política destrutiva que estamos vivendo no Brasil, novas experiências legislativas nesse campo serão bem vindas, não necessariamente reacionárias e, muito menos, racistas. Esse tipo de argumento encobre, com um palavreado radical e desagregador, uma atitude que valoriza conquistas ao modo de uma defesa de status quo, ainda que limitado e socialmente periférico.  Ao contrário, o ato de reformar está, também nesse tema e como quase sempre, em posição de sintonia com a ideia de progresso social.

*Cientista político e professor da UFBa.

Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2022/03/paulo-fabio-dantas-neto-cotas-raciais.html


Guerra na Ucrânia confunde direita e esquerda no Brasil em embates ideológicos

Joelmir Tavares / Folha de S. Paulo

guerra na Ucrânia e suas complexidades embaralharam direita e esquerda no Brasil e evidenciaram diferentes visões dentro dos grupos mais amplos que se organizam em torno dos dois principais pré-candidatos à Presidência, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Como a invasão da Rússia ao país vizinho no leste europeu é um conflito que combina em alta voltagem elementos ideológicos, geopolíticos e econômicos, as expectativas de alinhamento imediato ou repúdio claro a um ou outro lado do embate acabaram sendo turvadas por questões locais.

No pano de fundo está, genericamente, o embate entre o líder russo Vladimir Putin e o governo dos Estados Unidos, via Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Com isso, vieram à tona discussões sobre assuntos como União Soviética, Guerra Fria, imperialismo e globalismo.

Os próprios Bolsonaro e Lula receberam pressões em diferentes sentidos, já que interesses variados estão em jogo. Na cacofonia das redes sociais, rótulos usados para carimbar instantaneamente um "bolsonarista" ou "comunista" não resistiram às primeiras horas do confronto, iniciado no dia 24.

O atual presidente, tratado inicialmente como favorável à Rússia por causa de sua controversa visita a Putin uma semana antes da eclosão do confronto, sofreu críticas pela suposta aliança com um mandatário que teria perfil esquerdista, algo de que vozes inclusive na esquerda discordam.

E o ex-presidente, que lidera as pesquisas de intenção de voto para o pleito de outubro, viu setores aliados estimularem uma legitimação da ação de Putin e tomarem partido contra os Estados Unidos, pelo histórico de busca de hegemonia global do país governado pelo democrata Joe Biden.

"É um conflito geopolítico e territorial, e não ideológico", sintetiza a deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ). "Putin não é um homem de esquerda. Não está em jogo uma disputa entre capitalismo e comunismo", segue a correligionária de Lula.

Para a parlamentar, que considera a atuação do governo Bolsonaro no caso desastrosa ("sem autoridade para dar uma contribuição"), não cabe debate sobre um princípio que ela julga elementar: o respeito à soberania nacional e à autodeterminação dos povos.

"A nossa posição [dos comunistas] é a de lutar pela paz e buscar uma solução diplomática. O que entendo como mais urgente é o cessar-fogo e a redução das hostilidades. Sanções [contra a Rússia] não funcionam nem militarmente nem economicamente", segue.

Jandira afirma, no entanto, que "essa guerra não tem um dono só" e que "a responsabilidade da Otan tem que ser considerada". "A Otan não deveria nem existir mais, deveria ter acabado quando acabou a Guerra Fria. O único ponto de consenso é que, se há um país imperialista hoje, são os Estados Unidos."

O tom da deputada lembra o de uma nota da bancada do PT no Senado que antecedeu a posição oficial do partido, de teor mais brando, e acabou excluída e desautorizada. O comunicado, cuja divulgação foi atribuída a erro, criticava a "política de longo prazo dos EUA de agressão à Rússia".

A postura está longe, porém, de ser unanimidade na esquerda, que ao longo dos últimos dias também divergiu sobre uma condenação explícita à ofensiva russa. Líderes do PSB destoaram de nomes do PT, PSOL e PC do B ao repudiarem a invasão sem meias palavras, como mostrou o Painel.

"Não tenho simpatia pela Otan, é um entulho da Guerra Fria, mas é um assunto dos ucranianos", disse o governador Flávio Dino (PSB-MA).

"De um modo geral, a esquerda fica em muita dúvida [sobre condenar a Rússia e ficar indiretamente do lado dos EUA], por causa da nossa formação anti-imperialista, mas é em razão dessa formação que devemos sustentar a autodeterminação dos povos", completou.

O dilema sobre o posicionamento também foi visível na base de Bolsonaro, normalmente ágil na disseminação de "narrativas" (versões dos fatos) uníssonas em defesa do presidente.

O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho e estrategista digital do mandatário, contestou no Twitter o ex-ministro do governo de seu pai e presidenciável do Podemos, Sergio Moro, por comparar a retórica de Bolsonaro no caso com o discurso do polo oposto.

O ex-juiz escreveu que "a posição do presidente no conflito converge com a da oposição na extrema esquerda, que age como se não houvesse um agressor e uma vítima". Perfis bolsonaristas rebateram, lembrando que o Brasil votou na ONU a favor da resolução contra a Rússia pela invasão.

Além de Moro, outros pré-candidatos ao Planalto que compõem a chamada terceira via enxergaram em atitudes dúbias um flanco para atacar ao mesmo tempo os dois favoritos da corrida eleitoral.

Sobre Lula pesam acusações dos presidenciáveis a respeito de afinidade com países favoráveis à Rússia, como Venezuela, Nicarágua e Cuba. O ex-presidente reforçou sua posição contrária à guerra e em defesa da soberania ucraniana, sem, no entanto, deixar de aludir indiretamente aos EUA.

"As grandes potências precisam entender que não queremos ser inimigos de ninguém. [...] É inadmissível que um país se julgue no direito de instalar bases militares em torno de outros países", disse o petista na quinta-feira (3), durante viagem ao México.

"Trilhões de dólares foram gastos em guerras recentes, no Oriente Médio e na Europa, quantia suficiente para eliminar a fome no mundo, [...] no entanto essa quantia foi usada para causar a morte de milhões de pessoas no Iraque, no Afeganistão, na Síria, no Iêmen, no Paquistão."

O empresário Otavio Fakhoury, que é apoiador de Bolsonaro, discípulo do escritor Olavo de Carvalho e presidente estadual do PTB em São Paulo, diz que o embate na Europa contribuiu "para embananar tudo".


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Ele próprio tem lado: diz que prega a soberania da Ucrânia acima de tudo, não isenta a União Europeia com "suas agendas globalistas" e discorda da defesa de parte da direita nacional a Putin sob a justificativa de que ele apoiaria a autoridade do Brasil sobre a Amazônia.

"Tem gente [no campo conservador] achando que é bom defender o Putin. Eu digo que esse suposto respeito dele pela nossa soberania é conversa pra boi dormir. As pessoas não entendem, precisam estudar mais. A Rússia já tem ramificações na região amazônica há pelo menos 50 anos", afirma.

Fakhoury, curiosamente, fica ao lado das alas da esquerda que culpam os EUA pela guerra, mas em uma chave diferente. O bolsonarista ataca especificamente Biden, que "é um fraco", e diz que o conflito "não teria começado" se o líder ainda fosse Donald Trump, que "com aquele jeito duro garantia a paz".

O empresário minimiza as análises iniciais que apontaram como uma das causas das cisões na direita o flerte de grupos locais mais radicalizados com o ideário das direitas ucraniana e russa.

mote de "ucranizar o Brasil", visto entre militantes pró-Bolsonaro nos últimos anos, busca inspiração em movimentos de desobediência civil ocorridos no país europeu, que incluíram em alguns casos ações violentas na intenção de afrontar as instituições e provocar mudanças no poder.

Ao mesmo tempo, há adesão a ações de Putin como a cruzada contra direitos LGBTQIA+ e as políticas hostis a movimentos feministas e identitários, vinculados a uma agenda ocidental e progressista. A defesa dessas pautas coaduna bandeiras que ascenderam sob Trump e Bolsonaro.

"Há duas definições para 'ucranizar': uma é aquela ideia de jogar o político na lata de lixo [referência à imagem de um deputado do país sendo empurrado em uma caçamba durante manifestação em 2014 contra o sistema político] e outra é a de o povo resistir a um Estado opressor", diz Fakhoury.

O dirigente do PTB diz que é favorável a levantes, "mas sem armas. Quando o povo não consegue através da democracia representativa ser ouvido, faz protesto, vai pra rua, busca outros meios".

A deputada federal Carla Zambelli (União Brasil-SP), da tropa de choque de Bolsonaro no Congresso, afirma que "não há constrangimento nenhum" por ver setores da direita com posições díspares da sua, que é a de preservação da soberania da Ucrânia e da solução por vias diplomáticas.

E ressalva: "Quem defende a erosão das soberanias nacionais não é de maneira nenhuma defensor da liberdade e da autonomia dos povos, portanto não pode ser considerado conservador".

"Se algum direitista eventualmente advogar em favor da morte de democracias ou [em favor] de uma ordem global, tenho certeza de que haverá resistência do campo conservador. Nós somos defensores da autodeterminação dos povos, das soberanias nacionais, da democracia, da liberdade."

Zambelli afirma ainda que "os projetos representados pelos blocos [envolvidos na guerra] estão todos eles expostos" e cita em tom de apreensão o avanço de uma "agenda global" avessa à soberania de países. "As pessoas começam a observar que estamos diante de uma nova ordem mundial, até então vista com ares de teoria da conspiração, assim como foi o Foro de São Paulo [integrado pelo PT] lá atrás."

Em outra estocada no presidenciável rival, ela diz que Lula "a todo momento muda de discurso" sobre a ação russa e "é desqualificado do ponto de vista moral e histórico para opinar sobre qualquer questão diplomática", por suas relações com "regimes ditatoriais sanguinários".

Já Bolsonaro, na ótica da aliada do presidente, tem adotado comportamento "que combina muito com a história diplomática do Brasil" e "pensa no interesse nacional, diante das diversas dimensões econômicas e sociais desse conflito".

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/guerra-na-ucrania-confunde-direita-e-esquerda-no-brasil-em-embates-ideologicos.shtml


Urna eletrônica e pessoas | Foto: reprodução/Agência Brasil

'Pai da urna eletrônica' diz que hackers jamais vão conseguir acessá-la

Fabio Serapião e Marcelo Rocha / Folha de S. Paulo

Secretário de Tecnologia do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por 15 anos, o gaúcho Giuseppe Janino, 61, refuta a possibilidade de manipulação dos resultados das eleições e diz garantir que a urna eletrônica é imune a ataques cibernéticos.

"O hacker pode fazer qualquer ataque, por mais violento que seja, conseguir quebrar os firewalls [soluções de segurança] e entrar na rede da Justiça Eleitoral, mas ele nunca vai conseguir entrar na urna eletrônica", afirmou.

Janino deixou o cargo no ano passado, em meio a ataques ferozes ao sistema eleitoral desferidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus seguidores.

Em entrevista à Folha, ele disse que teorias que inundam as redes sociais quanto à vulnerabilidade do equipamento, incluindo aquelas levantadas pelo próprio Bolsonaro, são suspeitas infundadas, sem comprovação fática e já superadas.​

Janino participou do processo de criação e de toda a evolução tecnológica das urnas eletrônicas, o que lhe rendeu nos corredores de TSE o apelido de "pai da urna".

Autor do livro "O Quinto Ninja", referência ao grupo do qual participou ao lado de militares na concepção do equipamento, Janino disse que não se recorda de interesse tão acentuado das Forças Armadas no tema como agora.

Giuseppe Janino, que participou do processo de criação e evolução tecnológica das urnas eletrônicas - Pedro Ladeira-29.mar.18/Folhapress



O que motivou a urna eletrônica? Há 30 anos, nós vivíamos um processo eleitoral convencional, onde se votava em cédulas de papel. Elas eram acondicionadas em urnas de lonas. No final da votação, essas urnas eram abertas. As cédulas eram colocadas sobre mesas. Ali se fazia o escrutínio e eram lançadas as informações em mapas. Ou seja, muita intervenção humana.

E onde há intervenção humana há pelo menos três atributos inerentes: lentidão, erro e fraude. Então, nós tínhamos, portanto, um processo lento, repleto de erros e com muitas fraudes inseridas.

Como a sociedade reagiu na época? Houve desconfiança? Vários desafios foram enfrentados. Lembro que se investiu forte em campanhas. Leva-se urnas para as praças, centros comerciais, igrejas, programas de televisão.

A preocupação era a de que as pessoas não conseguissem transitar para esse novo processo, mas houve adaptação rápida e segmentos da sociedade que estavam à margem no sistema convencional começaram a votar.

Após todo esse processo de aceitação, 25 anos depois ela está sob ataques na questão da segurança. O que mudou para ela ser questionada? Vejo algumas possibilidades. A primeira é de pessoas desinformadas que não viveram o processo convencional. Não conseguem perceber as vantagens dessa mudança. Por outro lado, elas são muito facilmente convencidas do fetiche do papel, que acham que o papel é o que tem de mais seguro. Sendo que é justamente o contrário.

Há outros segmentos com outras intenções. Quando nós mudamos do modelo convencional para o digital, a urna eletrônica incomodou a muitos que se beneficiavam do caos que era. Quanto mais vulnerável, mais lento, mais havia intervenção manual, mais interessava a muitos. Daí, houve uma resistência muito grande.

Entre os questionadores está o presidente Jair Bolsonaro. Há algo que o presidente fala que é preciso se preocupar? Há sempre uma preocupação na questão evolutiva do processo. Não é pelo fato de que a urna entrou no ar em 1996 que a equipe agora está tranquila, segura.

O que foi mostrado ali foram simplesmente casos de 2006 e 2008 totalmente esclarecidos, suspeições infundadas, sem comprovações fáticas, sem evidências, que foram já ultrapassadas, desqualificadas na questão de sua veracidade.

É possível inserir nas urnas algo que as faça ter um padrão? Esses programas são abertos para verificação um ano antes das eleições, para que instituições como os partidos políticos, a OAB, a Polícia Federal, o Ministério Público, são 16 instituições, incluindo universidades, que estão credenciadas a ir ao TSE e fazer análises de todos esses programas.

No final desse período [de um ano], é feito o que se chama de lacração dos sistemas. Esses programas que já foram avaliados passam por um processo matemático. Tudo que tem ali gera, no final, uma espécie de dígito verificador. Se alterar um ponto ou uma vírgula nesse texto, aquele dígito verificador não bate mais.

Como o sr. viu o convite do ministro Luís Roberto Barroso às Forças Armadas para compor a Comissão de Transparência EleitoralAcho muito positivo, é uma possibilidade de se verificar o quanto o sistema está robusto, preparado e resistente a qualquer tipo de ataque.

Em algum outro momento integrantes das Forças Armadas apresentaram questionamentos anteriores nos moldes do que foi feito agora? Dessa forma bastante aprofundada eu não me recordo. Evidentemente, nessa história, recebemos muitas visitas, várias comitivas das Forças Armadas.

É uma oportunidade muito interessante que deve ser utilizada efetivamente para o bem, para que seja compartilhada e que todos possam entender e questionar se algumas das respostas ali não estiverem ao nível de esclarecimento adequado.

O sistema eleitoral é auditável? O que falar para as pessoas que acham que o sistema não é auditável, caso não seja mesmo? Tem um capítulo do meu livro que fala sobre mitos e verdades. E um dos mitos é esse, o de que a urna não é auditável porque não tem voto impresso. Existe uma espécie de fetiche brasileiro em relação ao papel, que só se confia se estiver no papel.

O movimento que nós fizemos há 30 anos foi tirar a informação do papel e da mão do homem. Porque onde há a mão do homem estão lá todos os problemas já mencionados, os erros, a lentidão e as fraudes.

Você começa a ter, então, aquela mesma informação totalmente protegida, com firewalls, assinatura digital, criptografias, rastreabilidade, elementos que só existem no paradigma digital. Se você pegar esse mesmo voto que está todo protegido com todos esses requisitos e colocar no papel, ele perde tudo isso.

Como explicar essa auditoria para o cidadão que está sendo bombardeado com declarações de que o voto não é auditável? Não existe apenas uma forma de se auditar. Existem outras formas, como a verificação dos programas. Estão abertos, podem ser vistos antes, durante e depois das eleições.

Se o cidadão falar que o voto está errado, como ele pode ter a prova de que ele votou e que foi registrada a opção que ele fez? Não existe uma forma direta para identificar no meio dos votos qual foi o meu. Existe o preceito constitucional da garantia do sigilo. Eu não posso ter vinculação do eleitor com o seu voto. Eu sei que meu voto está ali, mas não posso identificá-lo.


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Há que se preocupar com ataques cibernéticos ao sistema eleitoral? Tem o momento de votação que é desligado da internet, mas tem uma hora em que as informações vão para a internet na hora da totalização. Há de se temer esses ataques cibernéticos, alguma possibilidade de influírem no sistema eletrônico de votação? A preocupação com ataques cibernéticos é cotidiana, principalmente no TSE com relação à visibilidade que ele tem no mundo. Nós realizamos a maior eleição digital do planeta. Existem mecanismos robustos que minimizam a possibilidade de intervenção externa.

Se o hacker invade a Nasa, o Pentágono, o FBI, por que não invade a urna eletrônica? Simples: a urna foi projetada para ser um sistema isolado. Não tem nenhum dispositivo de conexão com nenhuma rede externa. É blindada, fechada. Lacrada, inclusive.

O hacker pode fazer qualquer ataque, por mais violento que seja, e conseguir quebrar os firewalls e entrar na rede da Justiça Eleitoral, mas ele nunca vai conseguir entrar na urna eletrônica.

Vamos dizer que houve um bombardeio cibernético, acabam com o centro de dados do TSE e com a rede da Justiça Eleitoral, o voto está preservado dentro da urna eletrônica.

O TSE foi alvo de ataque, motivo de um inquérito da PF, o mesmo vazado pelo presidente. Ali se falava que o invasor teria tido acesso a código-fonte, a um programa. Como explicar que, mesmo com esse acesso, isso não representou um risco de fraude? O hacker entrou na rede da Justiça Eleitoral, deu uma passeada, ficou lá por alguns meses e teve acesso a programas. Esse programa [acessado] não é a urna eletrônica, é o programa que junta programas e os prepara para serem inseridos nela. Ele copiou trechos e publicou na internet dizendo que tinha acesso aos programas. Mesmo que fossem [da urna], esses programas já são abertos, são abertos durante um ano para que todas aquelas entidades tenham acesso a esses dados.

O fato de ele ter tido acesso a esses códigos não quer dizer nada. Ele, inclusive, poderia ter entrado pela porta da frente. Se apresentar ao TSE e dizer que gostaria de fazer a análise dos dados.

Em que ambiente ele chegou para acessar esses dados? Ele chegou na fase de desenvolvimento. Teve acesso ao computador de um determinado desenvolvedor. Ali ele pegou parte do código e fez toda aquela publicidade para ganhar notoriedade. Um computador que estava na rede da Justiça Eleitoral.

Mas, evidentemente, ele não faria nada com aquele pedaço [de programação]. Aquele pedaço não tem nada de oficial, não está lacrado e, mesmo que estivesse lacrado, seria perceptível em qualquer mecanismo de auditoria.

Se tivesse sido inserido algo para criar o suposto padrão mencionado pelo presidente Bolsonaro, isso seria percebido? Poderia ser descoberto já na fase de desenvolvimento. Se houvesse modificação, onde esses programas ficam guardados, existe um controle. Tudo que é modificado, a pessoa que está alterando tem que se identificar. Então, iria aparecer lá uma modificação sem dono e isso não passaria nas outras etapas, seria automaticamente bloqueado pelo sistema que guarda os programas na fase de desenvolvimento.

O que o sr. diria, como um dos pais da urna eletrônica, para políticos, ativistas e para a população em geral que duvidam da segurança das urnas? O antídoto para a suspeição é a informação. É olhar o fato, a história, a realidade. A realidade é que nós temos 25 anos de um processo digital e que até hoje não há um caso de fraude comprovada.

Várias suspeições foram levantadas, todas essas suspeições uma vez levantadas são investigadas por instituições independentes e competentes como o Ministério Público e a Polícia Federal.

RAIO-X

Giuseppe Janino, gaúcho, 61
Formado em matemática, ingressou no TSE em 1996 como analista de sistemas. Integrou a equipe responsável pelo desenvolvimento da urna eletrônica. Ocupou por 15 anos o cargo de secretário de Tecnologia do TSE. É autor do livro "O Quinto Ninja", em que narra sua participação na concepção e evolução do sistema eleitoral eletrônico

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/pai-da-urna-eletronica-diz-que-hackers-jamais-vao-conseguir-acessa-la.shtml


‘É preciso debater um projeto de país, não só de poder', diz Marina Silva

Eduardo Kattah e Gustavo Queiroz / O Estado de S.Paulo

A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) afirmou, em entrevista ao Estadão, que “as forças políticas do campo democrático” precisam “debater um projeto de país, não apenas de poder”. Segundo ela, a decisão do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) de participar da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é pessoal e não reflete um apoio da legenda ao PT.

Marina também cobrou discussões programáticas e disse considerar fundamental que os pré-candidatos à Presidência digam com o que estão se comprometendo num futuro governo. Crítica do que chama de “polarização perversa” entre petistas e bolsonaristas, a ex-ministra comparou o orçamento secreto a um “mensalão institucionalizado”.

Como a sra. avalia o cenário eleitoral deste ano?

Um cenário muito difícil, com várias realidades que se sobrepõem. De uma grave crise sanitária, econômica, social, ambiental, política e de valores. No contexto de uma crise internacional, em que o mundo volta aos tempos da Guerra Fria com repercussões que nem sequer temos condições de avaliar neste momento. Vamos fazer uma eleição na qual temos um verdadeiro desgoverno em que todas as políticas públicas estão sendo soterradas na área de educação, saúde, meio ambiente, direitos humanos e política econômica. Sem falar em graves denúncias de corrupção em que o antigo mensalão foi institucionalizado através do orçamento secreto. É fundamental que as forças políticas do campo democrático estejam dispostas a debater um projeto de país, não apenas de poder. Não é só mudar de governo, é mudar de realidade. É fundamental que os candidatos digam claramente com o que eles estão se comprometendo. Estão se comprometendo em continuar a velha política da polarização e do sequestro do orçamento público pelo Centrão no que eu chamo de mensalão institucionalizado pelo orçamento secreto? 

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A sra. será candidata? A qual cargo?

Estou avaliando como é a melhor contribuição. Eu já fui senadora por 16 anos. Agora, várias pessoas, não só da Rede, têm manifestado desejo de que eu volte para o Parlamento, dizendo que eu poderia sair candidata a deputada federal. Não tenho essa decisão e não é uma decisão fácil.

Como está a negociação para uma federação partidária com o PSOL?

A Rede tem feito essa discussão. Começamos fazendo com vários partidos, no início era uma articulação com Rede, PSB, Cidadania, PDT e PV. Depois tivemos uma reconfiguração na cena política brasileira. Nós estamos agora em um diálogo com o PSOL, já que o Cidadania disse que para eles era mais interessante uma federação com o PSDB. No caso do PT, está fazendo um debate com PSB, PCdoB e PV. É um diálogo (da Rede) de natureza programática, nós somos partidos diferentes, com trajetórias diferentes, mas que têm pontos de contato. 

O senador Randolfe Rodrigues será um dos coordenadores da campanha do ex-presidente Lula. É uma decisão pessoal ou a Rede cogita apoiar o petista?

A Rede tem seu programa e, principalmente no seu estatuto, a ideia do consenso progressivo, que nós trabalhamos para que as coisas não precisem ir o tempo todo para votação. Quando isso não é possível e não fere os princípios do pacto fundante da Rede, a gente costuma liberar aqueles que têm uma posição diferente da maioria. Foi assim que aconteceu durante o processo de impeachment, em que o senador Randolfe Rodrigues sempre teve proximidade com o PT. Com base nisso, Randolfe manifestou uma posição pessoal, porque isso não foi debatido dentro da Rede, que tem uma parte pró-Ciro Gomes (do PDT), outra parte defendendo a candidatura do ex-presidente Lula. Esse é o momento de mais do que as pessoas ficarem declarando apoio. É fundamental que os candidatos digam qual é o seu compromisso. Se continuarmos apoiando a polarização perversa que levou o Brasil para essa guerra de fragmentação de ódio na política, não vamos a lugar nenhum. Não basta derrotar Bolsonaro, é preciso derrotar o bolsonarismo.

Quando a sra. diz que o antigo mensalão foi institucionalizado no orçamento secreto, há uma crítica ao governo passado e ao atual, que hoje representam a polarização da campanha eleitoral. Há chances reais para uma alternativa da chamada terceira via?

Venho trabalhando por uma alternativa. A gente não precisa repetir o passado nem se tornar refém deste presente que está destruindo o nosso futuro. Mas eu tenho a clareza de que neste momento todos devemos defender a democracia. Bolsonaro é um risco para a democracia. É uma pessoa que não contribui para os avanços que a humanidade precisa. Quando eu faço essa menção ao antigo mensalão com o orçamento secreto (...), se tiveram erros no passado, precisam ser reconhecidos. Eu nunca generalizei em relação ao PT. A democracia exige que a gente faça uma mudança na realidade. Não cabe a ideia de uns que se veem como o supremo bem e outros como o supremo mal, isso não leva a lugar nenhum.

Por que partidos com bandeiras do meio ambiente têm dificuldade de crescer no País?

No caso da Rede, somos um partido muito jovem, que passou por uma pressão enorme já no nosso processo de fundação, ao não conseguirmos os registros. Nós tínhamos as assinaturas, mas elas foram invalidadas, para que eu não concorresse em 2014 pela Rede. Aquilo foi uma perda, porque eu tinha 26% das intenções de voto. Foi ali que encontrei com Eduardo (Campos, então presidenciável do PSB, que morreu em acidente aéreo), aconteceu aquela tragédia, e veio toda aquela violência que aconteceu durante o processo das eleições de 2014. E vamos agora enfrentar o desafio da cláusula de barreira, que não é fácil. No Brasil, os partidos que defendem a sustentabilidade, diferentemente do que acontece na Europa, de fato não têm tido desempenho eleitoral que deveria estar em compatibilidade com aquilo que é a sensibilidade das pessoas.

Presidenciáveis como Sérgio Moro, do Podemos, e Lula têm se mobilizado para atrair lideranças evangélicas para as suas pré-campanhas. Como avalia essas tratativas e qual é o peso do voto evangélico na eleição deste ano?

Os evangélicos têm um peso. O erro é essa forma de querer instrumentalizar a fé para a política ou a política para a fé. Todos sabem que sou cristã evangélica da Assembleia de Deus. Fui católica e, por quase 30 anos, fui filiada ao PT e sempre tive uma postura de não fazer essa instrumentalização. Não podemos aprofundar cada vez mais essa forma de fazer com que o debate em torno de propostas para o conjunto da sociedade brasileira seja apenas para esse ou aquele segmento. Os evangélicos têm direitos plenos para a sua cidadania como qualquer cidadão brasileiro, e é assim que eles devem ser tratados com respeito. É um segmento relevante como são relevantes todas as pessoas. Não podemos olhar apenas para a quantidade dos diferentes contingentes.

Colaborou: Daniel Reis

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,e-preciso-debater-um-projeto-de-pais-nao-so-de-poder-diz-marina-silva,70003998725


Planalto terá de explicar presença de Carlos Bolsonaro em comitiva na Rússia

Raphael Felice / Correio Braziliense

O Palácio do Planalto terá que dar explicações sobre a presença do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) na comitiva presidencial que esteve na Rússia em meados de fevereiro. O despacho foi feito pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira (4/3), após pedido da Procuradoria Geral da República (PGR).

O Planalto terá de dar informações gerais que vão desde diárias pagas e a agenda cumprida pelo vereador em uma viagem federal.

Conforme adiantou o Blog do Vicente, o filho 02 de Jair Bolsonaro teria participado de agendas ocultas na Rússia com hackers especializados em disseminação de notícias falsas. Responsável pela campanha do pai, a agenda teria sido preparada pelo assessor especial da Presidência, Tercio Arnaud, também integrante do Gabinete do Ódio.

O envolvimento de Arnaud e Carlos com o gabinete do ódio foi lembrado pelo líder da oposição no Senado Federal, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que é autor do pedido de investigação ao STF âmbito do inquérito das milícias digitais - responsável por investigar grupo de pessoas que se articulam para atacar a democracia e veicular notícias falsas na internet para disseminar desinformação.

Ao entrar com a ação, Randolfe lembrou ainda que os principais ataques cibernéticos são de origem russa. Uma investigação da agência de inteligência CIA, dos EUA, concluiu que a Rússia interveio na eleição presidencial norte-americana de 2016 para ajudar o candidato republicano, Donald Trump, a alcançar a Casa Branca. Em 2019 uma outra investigação comandada pelo senador Republicano Richard Burr confirmou as suspeitas.

Apesar das suspeitas levantadas, a subprocuradora Lindôra Araújo declarou em manifestação preliminar que não há indícios de crime para instauração de inquérito, mas quer ouvir o Palácio do Planalto para um parecer definitivo.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4990511-planalto-tera-de-explicar-presenca-de-carlos-bolsonaro-em-comitiva-na-russia.html


Marcus Pestana: Não há mágicas, dinheiro não caí do céu

Marcus Pestana / Congresso em Foco

A política não é uma ciência. Na democracia, as decisões são compartilhadas, há mecanismos de controle, freios e contrapesos. A complexidade é muito maior. Inúmeras variáveis atuam.

O aprendizado histórico vai conformando o que poderia ser uma “ciência política”, ferramenta que ergue uma série de conceitos, categorias de análise, diretrizes, tipologias e métodos de previsão. Platão, Maquiavel, Rousseau, Tocqueville, Marx, Karl Popper, Gramsci, Bobbio, e tantos outros, tentaram construir uma boa teoria sobre a dinâmica política e seus desdobramentos. Mas o jogo político é sempre surpreendente. Múltiplos vetores atuam e a resultante nem sempre obedece a padrões de racionalidade razoáveis. A demagogia e o populismo fazem parte do jogo democrático.

Uma das questões mais difíceis de lidar na arena política é a percepção dos limites orçamentários do Estado, a noção de conflito distributivo presente nas decisões sobre gastos e impostos, os constrangimentos gerados pela irresponsabilidade fiscal. Há um mito reinante de que o Estado tudo pode. Se assim fosse, tudo ficaria mais fácil. É corrente no meio político a expressão “vontade política” que seria uma varinha mágica que resolveria todos os problemas.

Nenhum governo pode acumular déficits permanentes e aumentar seu endividamento, acreditando que o céu é o limite. Aumentar gastos, impostos e dívida sem sustentabilidade tem consequências conhecidas. O grau de consciência sobre isto varia de país para país. Lendo a autobiografia de Obama, “Uma Terra Prometida”, percebe-se como foram longas e complexas as negociações do governo com o Congresso americano para aprovar o pacote de incentivos para enfrentar a crise de 2008 ou a ampliação de gastos para universalizar a saúde. Aqui, no Brasil, minha vivência indica que a preocupação com a responsabilidade fiscal cresceu desde o Plano Real, mas ainda é frágil. Ainda se acredita, em grande parte, que existam mágicas e que o dinheiro caí do céu.       

O Brasil tem uma situação fiscal crítica. Embora, em 2021, as receitas tenham tido expressivo crescimento real graças à inflação, à recuperação do PIB, à elevação do preço das commodities e à variação do câmbio, o déficit estrutural não foi contornado e será crescente, os juros subiram e as despesas permanentes avançaram.

Mesmo diante deste quadro preocupante, o teto do gasto foi flexibilizado; há pressões estimuladas pelo próprio governo por aumentos salariais; tramita a emenda constitucional que desonera combustíveis e cria subsídios ao diesel para caminhoneiros e para o transporte urbano e amplia o vale gás, com impacto estimado em até 90 bilhões de reais por ano; fala-se na redução do IPI; existem dificuldades para votar a regulamentação do teto remuneratório, travamento das privatizações e expansão das emendas parlamentares. Sem entrar no mérito, porque várias medidas fazem sentido, o problema é que a conta não fecha. Não é possível para um país mergulhado em grave crise fiscal aumentar despesas, cortar impostos e não diminuir o tamanho do Estado.

As eleições presidenciais terão que enfrentar este dilema. À parte a demagogia e o populismo que afloram com vigor redobrado, temos que refazer o pacto fiscal, discutindo com seriedade a reforma tributária e do Estado, a reorganização do gasto público e um novo regime fiscal.   

*Marcus Pestana, Presidente do Conselho Curador ITV – Instituto Teotônio Vilela (PSDB)  

Fonte: Congresso em Foco
https://congressoemfoco.uol.com.br/projeto-bula/coluna/nao-ha-magicas-dinheiro-nao-cai-do-ceu/


Hubert Alquéres: Vladimir, o terrível

Hubert Alquéres / Horizontes Democráticos

Há uma figura histórica na qual Vladimir Putin se espelha: Ivã, o Terrível, fundador do czarado e primeiro autocrata a assumir o poder como o Czar de Todas as Rússias, em 1547. Explosivo, paranoico e implacável, Ivã IV, seu nome oficial, inspirava terror a outros povos e à sua própria corte. A ferro e fogo transformou seu país em um estado multiétnico, com um território de quase um bilhão de hectares. O império russo construído por ele tinha como pilar a concepção de que a pequena Rússia (Ucrânia), a Rússia Branca (Belarus) e a Grande Rússia eram constituídas por um mesmo povo e partes indissolúveis de uma mesma nação.

O Império Russo existiu até a vitória da revolução bolchevique de 1917 e seu conceito continuou praticamente intocável na formulação da União Soviética. O mesmo estado forte concentrado nas mãos de um autocrata, no qual a Rússia era a mais igual entre repúblicas teoricamente iguais, se manteve inalterado até o fim da “Pátria-mãe do socialismo”. Não por acaso, Ivã o Terrível, também era admirado por Josef Stalin.

O fim da União Soviética gerou um mundo unipolar, com a divisão do império bolchevique em quinze países independentes. Foi neste quadro de uma Rússia enfraquecida e sem autoestima que surgiu a figura de Vladimir, o Terrível do terceiro milênio. Sua personalidade tem os mesmos traços de seu ancestral: paranoico e implacável na sua obstinação de reconstruir o antigo Império Russo.

Czar, Ivan, o terrível

Putin surge em uma Rússia nostálgica e sem cultura democrática. Saiu do czarismo para a ditadura do partido único e do regime bolchevique, constituiu-se em um capitalismo de estado autocrático. Uma pesquisa de 2017 apontou Stalin e Putin como as duas personalidades mais admiradas pelos russos.

Na Rússia pós-socialismo real, a “acumulação primitiva” se deu com membros da antiga burocracia partidária e dos serviços de segurança, que se transformaram, da noite para o dia, em capitalistas, ao comprar a preço de banana antigas empresas estatais. O próprio Vladimir Putin vem daí. O núcleo duro de seu governo também está povoado por ex-membros da KGB e de seu sucedâneo, o FSB.

Na guerra da Ucrânia o presidente russo inicialmente camuflou o seu real objetivo estratégico – a reconstrução do Império Russo –  sob o pretexto de se basear em uma reivindicação reconhecida por legítima por muitos especialistas e historiadores. Quando foi à TV para anunciar a sua guerra, reencarnou o espírito de Ivã, o Terrível, ao declarar que a Ucrânia jamais deveria ser um país independente. E ainda criticou Lenin por ter dado o status de república ao país ucraniano.

Vladimir Putin, presidente da Rússia

Como a roda da história não gira para trás, o delírio da reconstrução do antigo Império Russo é impossível. Nem mesmo a “união de todas as Rússias”, que parece ser seu objetivo imediato. O teatro de operações no qual Putin se move não é o mesmo dos primórdios do czarismo. Falta combinar com os russos, ou melhor, com os ucranianos. E mais ainda com o restante do mundo.

Ao ameaçar apertar o botão da arma nuclear, o Ivan do século 21 deu provas de não ter limites na sua paranoia. Pode ser um blefe, mas não se deve subestimar um autocrata calculista e frio. O uso de bombas fragmentárias e de mísseis termobáricos, ambos com imenso poder de destruição, está no seu cardápio de terror.

Se Putin leu o artigo de Kissinger, “Como o conflito da Ucrânia termina”, parece não ter entendido nada. Se meteu numa guerra que não sabe como termina para seu próprio povo e seu país. Cometeu o mesmo erro do Stalin de 1939, na “guerra de inverno”, entre a União Soviética a Finlândia. O ditador soviético pensava que seria um passeio, uma guerra de poucos dias e indolor. Levou três meses e teve de pagar um preço altíssimo em termos de derramamento de sangue do seu próprio povo.

Inegavelmente os russos enfrentam uma resistência dos ucranianos que não estava nos planos. Podem, ao final, até dominar Kiev, mas a estratégia de uma blitzkrieg entrou em colapso. Batalhas urbanas costumam ter um preço altíssimo. Vide Stalingrado e a batalha de Berlim. O soldado russo é excelente quando trata de defender a sua própria pátria. Derrotaram Napoleão e Hitler, mas, certamente, sua determinação não é a mesma numa guerra onde desempenham o papel de agressor.

O autocrata russo já perdeu uma guerra muito maior: a da opinião pública. A reação mundial foi imediata, e as redes sociais e mídias eletrônicas levaram para toda a comunidade planetária, em tempo real, as barbaridades da guerra e os exemplos de patriotismo e coragem dos ucranianos. Putin está absolutamente isolado no concerto das nações. Uma guerra envolve muitos fatores, não só o poderio bélico. Os fatores extra palco de operações pendem desfavoravelmente para o presidente russo, sobretudo as atuais sanções econômicas. O rublo desvalorizou-se e os juros subiram exponencialmente, já como reflexo das represálias ao seu país e que incluem seu isolamento do sistema financeiro global. Já se estima que a economia da Rússia pode encolher de 7% a 10% neste ano.

Putin e a guerra da Ucrânia

A reação internacional incluiu o fechamento do espaço aéreo de diversos países aos aviões russos, um inédito boicote de empresas privadas levou-as a não mais negociar seus produtos na Rússia e o bloqueio de bens de membros do governo e de milionários com patrimônio no exterior. A Assembleia Geral da ONU aprovou resolução concluindo que o país “retire imediata, completa e de forma incondicional todas as suas tropas da Ucrânia” e a OTAN assumiu uma nova dimensão nesta crise.

Mais dia, menos dia, a opinião pública russa se colocará em sintonia com o sentimento mundial. A guerra não é um bom negócio para ninguém. Se o plano de Putin é reconstruir o império czarista, sua estratégia pode levar a abreviar a sua era.

Voltando a Ivã, o Terrível, ele matou o próprio filho em um dos seus surtos paranóicos. Hoje temos Vladimir, o Terrível, que pode matar todos os filhos do mundo se apertar o botão nuclear. Impedi-lo passou a ser uma questão de sobrevivência da humanidade.

Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/vladimir-o-terrivel/


Vagner de Souza Gomes: A "grande política" na corda bamba

Vagner de Souza Gomes / Horizontes Democráticos

O recurso ao uso constante do termo “fascismo” nas análises políticas no Brasil, desde 2013, sugere que o público brasileiro seria um especialista na história política italiana. Portanto, M – O filho do Século de Antonio Scurati (2020), mereceria mais atenção no aguardo da publicação de sua sequência. Todavia, vivemos numa globalização que “pasteurizou” a formação das lideranças em gestores administrativos ao contrário de formuladores de saídas pela via do desejo da convivência nos valores humanos.

Consequentemente, é muito bem-vinda a publicação de A Itália em Disputa: comunistas e democratas-cristãos no longo pós-guerra (1943-1978), do intelectual italiano Giuseppe Vacca, para contribuir nesse processo de educação política da sociedade brasileira que terá seu clímax nas próximas eleições gerais em outubro. Se a “grande massa” da militância faz uso desse conceito como se fosse uma cloroquina verbal de “lacração” nas redes sociais, se espera dos quadros políticos maior aproximação com a realidade a partir do entendimento de como a “grande política” poderia ser conduzida num processo de defesa da República e da democracia.

No livro de Vacca, somos convidados ao cenário da história da política italiana diante do desafio de começar a reconstrução de um país que viveu a luta armada de libertação. Foto: Divulgação

Em análise de conjuntura, para os poucos que ainda se aventuram nessa trilha que se distingue daqueles que analisam números de pesquisas de opinião, sempre é bom lembrar que tudo começou com Maquiavel. No livro de Vacca, somos convidados ao cenário da história da política italiana diante do desafio de começar a reconstrução de um país que viveu a luta armada de libertação no qual comunistas e cristãos se aproximaram naquilo que seria um legado para décadas futuras até que a chamada “república dos partidos” fosse atingida por uma grande crise.

Sabemos muito bem que os homens fazem a história, mas nem sempre a conduzem como desejam. Os capítulos do livro são de uma leveza na exposição das intervenções dos atores políticos e nos presenteiam com análises sobre como é necessária a “renúncia” de determinadas convicções para a condução da “grande política”, com a ética de responsabilidade. Vacca se fundamenta numa pesquisa histórica atualizada em fontes primárias e nas interpretações do mundo acadêmico. Das lições sobre o fascismo acabamos nos ambientando com as lições da “grande política” na corda bamba, visando a reconstrução do país.

Palmiro Togliatti tinha de si um Alcide De Gasperi como ponto de equilíbrio. Foto: Reprodução

Superar o autoritarismo fascista não é uma palavra vazia diante da sua dramaticidade política. Uma tarefa que a história italiana do pós-guerra demonstra não ser uma simples sequência de acontecimentos. Havia análise e formulação. Palmiro Togliatti tinha de si um Alcide De Gasperi como ponto de equilíbrio. Fazer política requeria fazer discursos com bases programáticas para passar uma orientação à massa de militantes naqueles tempos de luta para se alcançar a elaboração da Constituição da República na Itália. Entretanto, a política nacional italiana viveu majoritariamente esses tempos sob a sombra da política internacional da Guerra Fria.

Os iniciadores de uma nova política não estavam, assim, plenamente livres para fazer acontecer seus desejos e escolhas de suas formações políticas nacionais. Todavia, estava se gestando uma tradição política em que a Itália em disputa entre comunistas e democratas-cristãos passava a contribuir para o avanço das transformações, ou seja, para uma “democracia progressiva”. Muito audacioso era o entendimento de que ambos nasceram do berço da luta comum do antifascismo para superar o sectarismo “esquerda versus direita” na política italiana. Aqui se demarca uma instigante provocação ao militante dos “cancelamentos” nas redes sociais, pois ela se faz sem reflexão da história e muito menos sem a produção de conteúdo programático.

Voltemos às lições de Vacca. A maior preocupação dos comunistas italianos não seria estar no governo, mas contribuir para o isolamento das forças mais retrógradas da política nacional. A vinculação entre nação e democracia na formação da República fez com que a hegemonia dos comunistas na esquerda italiana ganhasse mais força no conjunto da sociedade. Nos capítulos do livro, o leitor terá a oportunidade de compreender como uma ação política se faz necessária tendo como base o conhecimento histórico. Nada de simplificações. Os pronunciamentos de Togliatti e De Gasperi certamente surpreenderão a muitos e deixarão outros com certo saudosismo em relação à “morte” dos grandes dirigentes políticos de espírito nacional.

As páginas de A Itália em Disputa são um estímulo para compreender a vocação do estudo da História em permitir caminhos interpretativos em realidades “paralelas”. Assim, repensar a ideia de “centro-esquerda”, seja na Itália ou em nosso país, é instigante pelo fato de se observar sua construção num tempo de situações políticas e disputas eleitorais muitas vezes acirradas. Por isso, o dramático epílogo do livro nos alerta sobre os perigos dos extremismos que nos rodeiam, ainda mais para aqueles que cultivam o sectarismo como se fosse manifestação da “multidão”.

Vacca. Giuseppe. A Itália em Disputa: comunistas e democratas-cristãos no longo pós-guerra (1943-1978) Campinas/Brasília: Editora da Unicamp/FAP, 2021, 303p; tradução de Luiz Sérgio Henriques.

Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/a-grande-politica-na-corda-bamba/