Em derrota para o governo, comissão do Senado adia análise de projeto que flexibiliza acesso a armas
Julia Lindner / O Globo
BRASÍLIA — Em derrota ao governo Jair Bolsonaro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou novamente a deliberação sobre o projeto de lei que altera o Estatuto do Desarmamento. A proposta flexibiliza o acesso a armas de fogo a caçadores, colecionadores e atiradores desportivos – os chamados CACs.
Em alteração feita pelo relator, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), foram ampliadas as categorias autorizadas a ter o porte de armas para membros do Congresso, defensores públicos, agentes de segurança, policiais de assembleias legislativas, peritos criminais, agentes de trânsito, auditores e advogados públicos.
As modificações foram questionadas por membros da oposição, que passaram a exigir um novo prazo para a apreciação da matéria, alegando se tratar de um novo parecer. Há duas semanas, a votação da primeira versão do texto também foi adiada para cumprir esse prazo regimental.
Mesmo com atuação em peso de governistas, que estavam empenhados em fazer com que a votação ocorresse ainda hoje, o pedido de vista (mais tempo para análise) foi aprovado pela CCJ por 15 votos a 11. O pleito pelo adiamento foi solicitado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), líder da bancada feminina.
A articulação para acelerar a tramitação contou com a coordenação do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que, conforme mostrou o GLOBO, atua como um líder informal do governo no Congresso. O Palácio do Planalto está sem representante formal no Senado desde o final do ano passado, com a saída de Fernando Bezerra (MDB-PE).
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Os vice-líderes do governo, Carlos Viana (MDB-MG) e Jorginho Mello (PL-SC) também estavam presentes. A todo momento eles se mostravam otimistas com o resultado e defendiam que o assunto fosse decidido no voto.
— Não adianta querer fazer acordo. A ideia é sempre protelar mesmo. Então, já que acabou o acordo, a minha sugestão é que volte a ser o projeto original, com tudo que tem direito, sem as concessões, e vamos para o voto — disse Flávio Bolsonaro.
E acrescentou, sobre o pedido de vista:
— Coloca o recurso da Senadora Eliziane para votar, se for vencedora a senadora Eliziane, será concedida vista; se não for, a gente vai votar o relatório de uma vez por todas. Está sendo adiada há anos essa votação.
— Vamos para o voto. Votamos. Até a questão do pedido de vista, vamos votar. Essa é a decisão. Agora, adiar ainda mais é deixar milhões de brasileiros que confiam neste Parlamento sem uma resposta devida, porque é a nossa função aqui dizer com clareza que eles podem permanecer dentro da lei — reforçou Luiz do Carmo (MDB-GO).
Na ausência do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), quem presidiu a sessão foi o vice, Lucas Barreto (PSD-AP). Ele era favorável à tese dos governistas e defendia que a votação ocorresse ainda nesta quarta-feira.
Conforme mostrou a coluna de Malu Gaspar, Barreto é, ele próprio, um atirador. À equipe da coluna, ele confirmou ter 3 espingardas e um rifle. Nas duas ocasiões em que ele disputou o governo do Amapá, circulou na internet um vídeo gravado em 2007 em que aparece em um safári na África, abatendo antílopes e exibindo as munições utilizadas.
Governo Bolsonaro ignora Ato pela Terra e aprova tramitação do PL 191
Cristina Ávila / Amazônia Real
Brasília (DF) – O rolo compressor do governo Bolsonaro passou por cima da opinião pública e aprovou, nesta quarta-feira (9), que o Projeto de Lei 191, que liberará a mineração em terras indígenas, passe a tramitar em regime de urgência no Congresso. O presidente da Câmara, o agropecuarista Arthur Lira (Progressistas-AL), costurou as condições para a votação do requerimento do deputado federal Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo, enquanto o cantor Caetano Veloso, acompanhado de dezenas de artistas e lideranças da sociedade civil, liderava o Ato pela Terra no gramado da Esplanada dos Ministérios. Em votação chamada de “covarde” por parlamentares da oposição, a Câmara Federal aprovou, às 21h46, a urgência da tramitação do PL 191 poucos minutos após o encerramento do ato. O 1º vice-presidente Marcelo Ramos (PSD-AM) anunciou a aprovação do requerimento por 279 votos favoráveis, 180 contra e 3 abstenções.
Em visita ao Congresso, Caetano Veloso discursou e pediu ao Poder Legislativo “responsabilidade de impedir mudanças legislativas irreversíveis” contra os projetos de lei que mudam a política ambiental no Brasil. “O desmatamento na Amazônia saiu do controle. A violência contra indígenas e outros povos tradicionais aumentou. (…) Uma série de projetos de lei ora em pauta no Congresso Nacional podem tornar a situação ainda mais grave. Se aprovadas, podem permitir o desmatamento, o garimpo em terras indígenas e desproteger a floresta contra a grilagem”, alertou Caetano Veloso, que afirma ter sido escolhido como porta-voz do ato por ser o organizador mais velho.
O Ato pela Terra começou pontualmente às 15 horas, quando representantes de movimentos sociais de negros e negras, quilombolas, indígenas e centrais sindicais começaram a subir no carro de som, que serviu de palco. Mas minutos antes já circulava no Legislativo a notícia de que o líder do governo havia conseguido as assinaturas necessárias para votar o requerimento de urgência para o PL 191/2020.
Cerca de 30 minutos depois de Caetano subir ao palco, e enquanto ele ainda cantava, terminava a reunião de líderes na Câmara com a perspectiva de que o PL 191 fosse votado ainda na quarta-feira. No plenário, Arthur Lira anunciou a criação de um grupo de trabalho por 30 dias com a composição de 20 parlamentares, 13 da base de governo e 7 da oposição. Antes da aprovação do requerimento de urgência, o líder de governo garantia que o atual texto do PL 191 será “descartado” e o GT ficará encarregado de elaborar uma nova versão para a lei. De acordo com Lira, a proposta de um novo texto será analisada em abril, conforme acordo entre líderes da base do governo e da oposição, mas já nesta sexta-feira (11) será formada a composição do GT.
A decisão da presidência da Câmara revoltou o público e artistas, que participavam do Ato pela Terra, e também os parlamentares da oposição, que não se contiveram. Ainda durante a sessão deliberativa para o Programa Nacional para Pessoas com Câncer de Mama (PL 4171/21), tema amplamente defendido pelos congressistas, os deputados federais iniciaram as críticas.
“Objetivamente a liberação vai levar à tomada das terras dos povos originários, e isso é uma guerra que já acontece todos os dias. A votação da urgência hoje é inoportuna e vai parecer provocação a esse grande ato de hoje”, disse Alice Portugal (PC do B-BA). Sua colega da oposição, Erika Kokay (PT-DF), acrescentou: “Nenhuma guerra pode servir para que se destrua a Constituição ou os direitos dos povos originários. Numa guerra temos que proteger a população. O que se faz aqui? Foi publicado um estudo que a maior parte das minas de potássio não está em terras indígenas. Então não me venham com mentiras. Esse projeto é uma violência contra a Constituição e os povos indígenas.”
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“Espetáculo de cinismo”
O presidente Jair Bolsonaro (PL) apelou para a guerra da Rússia contra a Ucrânia como forma de acelerar a tramitação do PL 191, de autoria do próprio Executivo. No falacioso argumento, o Brasil enfrentará dificuldades se não permitir a mineração em terras indígenas, uma vez que se refere à presença do mineral no rio Madeira. O País importa da Rússia cerca de 20% do potássio necessário para a fabricação de fertilizantes. Porém, a maior parte não se encontra nas terras indígenas.
“É um espetáculo de cinismo votar esse projeto dos fertilizantes (PL 191). É fazer coisa inconstitucional para garantir fertilizantes por causa da crise russa. O Brasil tem potássio para cem anos, mas só 10% estão em terras demarcadas. O que eles querem é invadir as terras indígenas. O agronegócio troglodita quer avançar sobre as terras indígenas”, disse Ivan Valente (PSol-SP).
A deputada indígena Joenia Wapichana (Rede-RR) também criticou o rolo compressor do governo Bolsonaro, lembrando que as principais minas de potássio estão localizadas em São Paulo e em Minas Gerais, e não na Amazônia. “O mercado financeiro já se manifestou que está até contra o PL 191, porque vai bloquear recursos para o País. É ele (o PL 191) quem vai resolver o problema dos fertilizantes? Não. Ele vai levar a morte. Não é às custas de vidas indígenas que vamos resolver essa situação”, protestou.
Do lado do governo, deputados usaram o mesmo argumento do presidente Bolsonaro para defender a urgência do PL 191, isto é, que a guerra da Rússia contra a Ucrânia prejudicará o fornecimento de fertilizantes. Mas quem deixou claro o particular interesse do governo foi o líder Ricardo Barros: “Mineração em terra indígena estava na plataforma de governo do candidato Bolsonaro”. Procurando se colocar como um legalista (“posso assegurar que estamos apenas com 30 anos de atraso regulamentando a Constituição brasileira”), o líder governista garantiu que considera “horrorosas as cenas de rios da Amazônia que são explorados por garimpeiros ilegais”, deixando claro que o objetivo é abrir espaço para a exploração de grandes mineradoras na Amazônia.
Mobilização civil
Milhares de pessoas participaram do ato na Esplanada dos Ministérios. Em clima festivo, mas também combativo, os artistas faziam suas apresentações e passavam alguns recados do sentido do evento em Brasília. “Até a última gota de sangue eu vou lutar por um país decente”, protestou o cantor Emicida, antes de iniciar sua apresentação, já na noite de quarta. Artistas como Baco Exu do Blues, Criolo, Lázaro Ramos, Nando Reis, Leona Cavalli e Christiane Torloni também participaram. Muitos puxaram um “Fora Bolsonaro”, como a cantora Daniela Mercury e as atrizes Cissa Guimarães e Zezé Polessa. O Ato pela Terra foi idealizado por Caetano Veloso e pela esposa, Paula Lavigne, que convidaram os artistas e as organizações sociais para o protesto.
Por volta das 21h20, já perto do fim do ato, Caetano Veloso cantou a música Um Índio, ao lado de lideranças indígenas como Célia Xabriaba e Txai Suruí. Sonia Guajarara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), sintetizou o sentido da manifestação: “Estão virando as costas para o nosso Ato pela Terra, estão virando as costas para a vida, para o meio ambiente. Mas estamos aqui com Caetano e todos os artistas que tiveram coragem para juntos dizer que vamos continuar lutando, que vamos continuar na resistência, porque nós somos a luta, nós somos os povos originários, e estamos aqui que nossa luta é pela vida”, disse Em seguida, Caetano cantou a música Terra.
De tarde, o cantor já havia cantado essa música no fim de um encontro com o presidente da Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Momentos antes, ele e um grupo de mais de 20 artistas se reuniu no gabinete da ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia e contou com a presença dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.
Pacote de destruição
Pela manhã, o pacote de maldades expressas em leis anti-ambientais que tramitam no Legislativo entrou na pauta de debates da Comissão de Meio Ambiente do Senado. Aproveitando da manifestação que ocorreria de tarde, a comissão recebeu convidados como a indígena Txai Suruí e as atrizes e ativistas ambientais Leticia Sabatella e Maria Paula.
A audiência pública foi provocada pelo senador Fabiano Contarato (PT/SP), que Bolsonaro deseja acabar com o Ministério do Meio Ambiente ainda antes de assumir o mandato. “Não conseguiu na lei, mas está acabando na prática. Acabou com a Secretaria de Mudanças Climáticas, com o plano de combate ao desmatamento e queimadas nos biomas, com o departamento de educação ambiental, criminaliza as organizações sociais, boicota a participação da sociedade nas decisões sobre políticas públicas, já autorizou a liberação de 1.200 agrotóxicos. Uma tragédia anunciada”.
“Não podemos continuar apenas reativos. Precisamos ser proativos”, exclamou o senador petista, citando os principais projetos de lei considerados “genocidas” que tramitam no Congresso, como o PL 2159/2021, que flexibiliza o licenciamento ambiental, o PL 2633/2020 e o PL 510/2021, que incentivam a grilagem de áreas públicas, e o PL 6.299/2022, mais conhecido como “PL do Veneno” e que revoga a atual Lei de Agrotóxicos. “O governo arma grileiros e incentiva a usurpação de terras.” Contarato ainda citou o marco temporal (PL 490/2007), defendido por ruralistas que pretende espoliar terras indígenas para o agronegócio, estabelecendo a data da promulgação da Constituição como limite ao direito de ocupação.
“Vivemos uma guerra”
A audiência pública no Senado teve a participação de Txai Suruí, ativista que foi destaque na COP26 em Glasgow no ano passado e por isso se transformou em alvo de mensagens de ódios e ameaças de bolsonaristas. “Vivemos uma guerra. Quando serão retirados os 20 mil garimpeiros que estão no território Yanomami, as 6 mil cabeças de gado que estão na terra Uru-Eu-Wau-Wau e os garimpeiros que estão na minha terra, Sete de Setembro, em Rondônia?”, questionou. Ela enfatizou as contaminações por mercúrio na exploração de garimpos no país e as ameaças de morte enfrentadas pelos povos que resistem na manutenção de seus direitos constitucionais. “Esses projetos que tramitam no Congresso têm como objetivo beneficiar os criminosos ambientais.”
A síntese dos projetos que podem levar à destruição da Amazônia e de outros biomas que tramitam no Legislativo foi refletida na voz de um dos ambientalistas mais atuantes do país, João Paulo Capobianco, vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade e ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente. Usando números do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), ele denunciou à Comissão de Meio Ambiente a destruição da Amazônia, que já chega a nível de risco irreversível, impulsionado pelo governo Bolsonaro.
Capobianco enfatizou que quase 30% dos imóveis registrados no Cadastro Rural Ambiental (CAR) são ilegais e usados como ferramenta para a grilagem de terras públicas. O cadastro foi criado em 2012 para garantir a conservação de reservas legais e áreas de proteção ambiental e faz parte do Código Florestal. Tem informações em tempo real por meio de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ele afirmou que até abril de 2021 apenas 2% dos polígonos de desmatamento identificados pelo Deter (o Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real) nos biomas brasileiros e 5% da área total desmatada e identificada entre 2019 e 2021 haviam sido embargados ou foram autuados pelo Ibama.
*Cristina Ávila fez comunicação na PUCRS e iniciou o jornalismo em pequenos diários de Porto Velho, em Rondônia, onde foi atraída por coberturas sobre meio ambiente, questões indígenas e movimentos sociais. Por mais de duas décadas trabalhou em redações de jornais, especialmente no Correio Braziliense. Em Brasília, entre 2009 e 2015 trabalhou no Ministério do Meio Ambiente, responsável por assuntos como mudanças climáticas e políticas públicas relacionadas a desmatamento. Nesse período teve oportunidade de prestar algumas consultorias ao PNUD. Atualmente atua na imprensa alternativa.
Fonte: Amazônia Real
https://amazoniareal.com.br/bolsonaro-ignora-ato-pela-terra/
Juristas discutem alterações na Lei do Impeachment; veja o que pode mudar
Adriana Ferraz e Gustavo Queiroz / O Estado de S.Paulo
Desde que assumiu o Palácio do Planalto, em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro já foi alvo de 143 pedidos de impeachment. Mais de 1,5 mil pessoas e 500 entidades subscreveram o conjunto de requerimentos, o que, segundo juristas, revela a necessidade de se rever as condições estabelecidas hoje para o afastamento de presidentes da República. E por um motivo principal: é preciso deixar claro qual o papel do presidente da Câmara dos Deputados no processo. Em três anos, só sete pedidos foram analisados e descartados.
Vigente desde 1950, a atual lei é, desde meados de fevereiro, objeto de uma comissão de estudos formada por juristas e criada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com o objetivo de atualizá-la. O grupo tem 11 integrantes e é comandado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi ele quem presidiu a sessão que determinou o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Bolsonaro sai da mira e se livra de novos pedidos de impeachment em janeiro
Ao instituir a comissão, Pacheco afirmou que a revisão deve ser completa. “Os problemas da lei já foram apontados em diversas ocasiões pela doutrina e jurisprudência como fonte de instabilidade institucional, demandando sua completa revisão”, disse. Mas há divergências. As classes jurídica e política concordam que é preciso rever aspectos da lei, mas não sua totalidade.
Redator do “superpedido” de impeachment de Bolsonaro apresentado em junho do ano passado, o advogado Mauro Menezes defende uma mudança “cirúrgica”, que abarque apenas os temas mais relevantes. “Não estamos num momento constituinte. Temos de tentar melhorar a lei diante de situações que geram perplexidade, quando o sistema é bloqueado, por exemplo”, afirmou Menezes, que é ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência.
O advogado sustenta que deve ser mantido o poder nas mãos do presidente da Câmara, como já define a lei. “Mas o texto pode ser mais explícito ao mostrar que o ato de recebimento da denúncia deve atender a um paradigma formal. Tem de haver um prazo, no mínimo, para que ele se manifeste”, disse. “Hoje, os pedidos são engavetados simplesmente, sem uma avaliação prévia.”
Plenário
A jurista e ex-procuradora da República Deborah Duprat observou que a Constituição de 1988 mantém as condições da Lei do Impeachment e que cabe ao plenário da Câmara decidir sobre a admissibilidade da acusação recebida. “A Constituição não reserva nenhum papel ao presidente da Câmara. Ela diz que quem faz essa análise é o plenário, não uma figura singular. É absurdo imaginar que tenha tantas denúncias, inclusive vindas de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI da Covid) contra o presidente da República, e isso possa se concentrar em uma única pessoa. É uma disfuncionalidade.”
O que se perpetuou como regra – a decisão exclusiva de o presidente da Câmara decidir sobre os pedidos de impeachment – é resultado da interpretação do regimento interno da Casa, que paralisa o processo enquanto o responsável não se manifesta. Desde 2019, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ) recebeu 97 pedidos de impeachment de Bolsonaro, e o atual, Arthur Lira (Progressistas-AL), outros 77 (veja infográfico). Nenhum deles foi aceito.
Para o professor associado da Faculdade de Direito da USP Rafael Mafei, autor do livro Como remover um presidente, a prioridade deve ser acabar com os superpoderes do presidente da Câmara. “É preciso colocar regras no papel para que haja alguma possibilidade de que uma minoria minimamente qualificada exija uma manifestação do presidente. Me parece um contrassenso que, para combater uma autoridade potencialmente abusiva, você dependa de uma outra que possa abusar de seus próprios poderes”, afirmou.
Mafei disse que o segundo ponto mais importante a ser debatido se refere à estrutura dos recursos dentro do Legislativo. Segundo o professor, a lei deve trazer, em detalhes, se é possível recorrer em caso de arquivamento do pedido e quem poderia fazer isso.
Ex-ministro da Justiça e advogado de Dilma durante o processo que culminou em seu afastamento, José Eduardo Cardozo concordou que é preciso delimitar melhor os prazos de recursos. “Discricionariedade é sempre um perigo”, disse Cardozo.
Para ele, “vaga uma incerteza” em torno do impeachment que não se coaduna com a dimensão e a relevância do processo. “Tem um constitucionalista estadunidense (Richard A. Posner), que diz que o impeachment é um terremoto político. Essa expressão é importante para verificar que tem que ser tratado com solenidade, com rigor, com precisão. É necessária uma lei que recomponha esse instituto no lugar devido.”
A Constituição de 1988 “abraçou” a Lei do Impeachment, mas pouco procurou adequá-la aos novos parâmetros. Por isso, alguns pontos precisaram ser elucidados posteriormente pelo Supremo. Cardozo citou, por exemplo, a questão da inelegibilidade.
No entendimento do Supremo, a perda dos direitos políticos em caso de afastamento não é automática. Foi o que ocorreu com Dilma, que sofreu o impeachment, mas não foi considerada inelegível. Já Fernando Collor de Mello, em 1992, teve os direitos políticos cassados mesmo tendo renunciado. “Essa revisão da lei pode precisar esse ponto.”
Crimes
Há uma série de outros pontos que carecem de revisão, segundo analistas ouvidos pelo Estadão. Há quem defenda uma ampliação do rol de crimes hoje considerados de responsabilidade e, portanto, passíveis de serem analisados em um processo de afastamento. O doutor em Direito Constitucional Lucas Paulino disse que é preciso preparar uma estrutura legal capaz de impedir arroubos antidemocráticos.
“O presidente pode, por exemplo, disseminar fake news contra o Poder Judiciário? Será que não vale a pena criminalizar esse tipo de conduta de forma mais explícita? Hoje, essa prática pode até ser enquadrada no dispositivo que fala sobre proceder de modo incompatível com o decoro. Mas esse dispositivo é muito genérico”, afirmou.
Paulino acredita que a comissão deve aproveitar a oportunidade para prever novas condutas de posturas de presidentes da República que ameacem a democracia, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, a imprensa e a sociedade civil. “O impeachment tem uma vocação de ser um instrumento de reação de democracia militante. Isso quer dizer que é um instrumento de direito constitucional disciplinar para punir o presidente que ameaça a Constituição, a democracia e o estado de direito.”
Ex-juíza do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, Ana Blasi levantou outra questão: como reduzir o uso político do impeachment. Segundo a advogada, crimes de responsabilidade deveriam se basear em um rol que fosse taxativo, e não exemplificativo.
Estados
Ana defendeu a vice-governadora de Santa Catarina, Daniela Reinehr (PL), nos dois processos de impeachment movidos contra o governador Carlos Moisés (sem partido), em 2020 e 2021. Ambas as tentativas não obtiveram sucesso em Santa Catarina, mas, após décadas de intervalo, o Brasil afastou oficialmente um governador, no ano passado: Wilson Witzel (PSC), eleito em 2018 para comandar o Rio. Ele foi o segundo a sofrer impeachment no País – Muniz Falcão, de Alagoas, perdeu o mandato em 1957 em ação que foi marcada por um tiroteio dentro da Assembleia Legislativa do Estado.
Witzel caiu por desvios na utilização de recursos públicos durante a pandemia de covid-19. Denúncia semelhante também ameaçou a permanência do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e colocou sob pressão quem exercia o cargo de prefeito, como Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio, e Nelson Marchezan (PSDB), em Porto Alegre.
Outros casos
A revisão da lei, agora, pode abarcar mudanças também em relação a governadores e prefeitos, assim como ministros do Supremo. Entre 2021 e 2022, um total de 25 pedidos contra magistrados da Corte foram apresentados ao presidente do Senado – neste caso, é dele o poder de abrir ou não o processo. Com exceção do pedido feito pelo presidente Jair Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes, negado por Pacheco em agosto do ano passado, nenhum outro foi analisado.
A utilização mais frequente do instrumento, desde de o início da pandemia, expôs a necessidade de se definir melhor os sujeitos ativos no processo, segundo a ex-juíza Ana Blasi, “a fim de se evitar que um vice ou um ministro sejam arrastados para uma denúncia sem nunca terem praticado um ato de responsabilidade ou assumido o cargo em questão”.
Em ano de eleições, Ana questionou ainda se um chefe do Executivo reeleito pode ser julgado por atos cometidos em sua primeira gestão no cargo. “A reeleição foi trazida depois da Constituição e a Lei do Impeachment não deixa claro se aqueles atos praticados no primeiro mandato teriam consequências no segundo.”
‘Problema não está na lei, está no sistema’, afirma Arthur Lira
Alvo de questionamentos por não colocar em análise nenhum dos 77 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro protocolados em sua gestão na Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) afirmou ao Estadão que “o problema não está na lei, está no sistema”. Para o deputado, o que define se um processo de impeachment caminha é sempre a política e não falhas na legislação.
“Como (os ex-presidentes) Lula e Fernando Henrique Cardoso, o Bolsonaro tem sustentação no Congresso”, disse Lira. “Quando não há conjugação de fatores políticos e sociais não há impeachment.”
Na avaliação do deputado, a criação da comissão pelo Senado é “inadequada”. Ele também se diz contra a criação de um prazo para o presidente da Câmara avaliar as denúncias. “Você pode entrar com um pedido, teu vizinho pode entrar com outro, qualquer um no Brasil pode entrar com um pedido de impeachment. A Câmara vai ficar fazendo só isso o tempo todo.”
Lira diz que vai propor a retomada da discussão sobre o semipresidencialismo, modelo que defende. “Com isso, essa questão do impeachment perde até o efeito. Fica uma coisa obsoleta.
Principais pontos que devem ser reavaliados
- Rol de crimes: A lista de crimes de responsabilidade que incidem sobre o presidente da República precisa ser mais específica, na avaliação de alguns juristas, e não exemplificativa, o que abre brecha para diferentes interpretações.
- Dolo: Também se discute a criação de divisões na tipificação do ato criminoso, como ocorreu na nova Lei de Improbidade. Nesse caso, o dolo poderia ser interpretado como “eventual”, ou seja, sem intenção, o que resultaria em uma sanção mais branda.
- Admissibilidade: É quase consenso que a decisão sobre aceitar ou não um pedido de impeachment não pode caber apenas ao presidente da Câmara dos Deputados e que deve haver um prazo para uma resposta sobre a sua admissibilidade.
- Recursos: Juristas concordam que a lei precisa detalhar melhor quais as possibilidades de recurso contra decisões de arquivamento de uma denúncia ou de pedidos feitos pela defesa já no andamento do processo. A intenção é retirar os superpoderes concentrados nos presidentes da Câmara e do Senado.
- Direitos políticos: Não está claro que a cassação dos direitos políticos deve ser um ato automático em caso de afastamento. É por isso que tanto Fernando Collor como Dilma Rousseff foram julgados especificamente sobre esse ponto pelo Senado e em função de uma decisão do Supremo. Juristas discutem se a lei pode determinar uma regra.
- Supremo: Assim como ocorre na Câmara no caso de pedido de impeachment contra o presidente da República, cabe exclusivamente ao presidente do Senado resolver sobre a admissibilidade de ações contra um ministro do STF. Há quem defenda que a reforma da lei amplie o leque de responsáveis neste caso e estipule prazos.
- Reeleição: Dúvidas sobre a continuidade dos crimes em um segundo mandato também podem ser debatidas pela comissão na revisão da lei.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,juristas-mudancas-lei-do-impeachment,70004003706
Orçamento secreto: Sistema pode manter sob sigilo autor de emendas de relator
Julia Lindner e Patrik Camporez / O Globo
BRASÍLIA — A Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso definiu nesta quarta-feira que não será obrigatório divulgar todos os nomes dos parlamentares beneficiados com emendas de relator, que deram origem ao escândalo do orçamento secreto. Caberá aos deputados e senadores decidirem se informam ou não se são os autores da destinação da verba para os seus estados.
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Pelo sistema adotado, será possível que as indicações de recursos fiquem registradas sob responsabilidade do relator-geral do Orçamento do respectivo ano ou de outras entidades, e não necessariamente em nome dos parlamentares.
Além dos congressistas, o novo sistema também permitirá o registro de pleitos feitos por governadores, instituições privadas e cidadãos comuns. No fim do ano passado, o Congresso aprovou projeto de resolução que instituiu as novas regras.
Em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu mais transparência no processo, deputados e senadores definiram nesta quarta-feira que será adotado um sistema eletrônico para o recebimento das indicações de despesas feitas pelo relator-geral do Orçamento em 2022, classificadas como RP9. Até então, não havia controle dos autores dos pedidos.
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— Aquelas emendas que serão atendidas de entidade, ou seja, de ente, município A, B ou C... Se a proposta for atendida, vai constar 'atendida pelo relator'. E lá vai gerar um número também do parlamentar que indicou, mas no desejo da pessoa que queira indicar. No desejo da pessoa que queira indicar. Esse campo não tem incidência obrigatória — explicou o relator-geral do Orçamento deste ano, Hugo Leal (PSD-RJ).
Leal explicou que as solicitações serão atendidas individualmente e cada uma delas irá gerar o respectivo número no sistema, referente ao autor do pedido. Haverá, ainda, um status para os pleitos, dividido entre rejeitadas, acolhidas e indicadas (quando vai para indicação de um ministério).
O novo sistema está acessível a deputados e senadores na próxima semana. Também será possível acessá-lo, a partir de abril, por qualquer pessoa cadastrada no e-Gov, aplicativo do governo federal.
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A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) criticou o fato de que será facultado aos parlamentares a inclusão dos apoiamentos às indicações ao relator-geral.
— Isso tem de ser obrigatório, não tem que ser facultativo, põe quem quer. Isso, para mim, mostra que o orçamento está capturado por forças estranhas. Mostra que não há transparência. Estamos falando de dinheiro público e tem que ter transparência de cada centavo. Continua parecendo um eterno balcão de negócios. Acho que tem que ser obrigatório, sim. Estamos falando de emenda parlamentar. É um campo obrigatório — declarou.
Em reposta, Leal afirmou que há um "critério parlamentar" para as indicações, assim como o governo possui seus próprios critérios para a destinação de recursos pelos ministérios.
— Temos um critério aqui, é um critério do Parlamento. Como o governo define os critérios dele? O critério é qual, é político? Aqui também tem um critério, o critério é político, e obviamente ele vai guardar as proporcionalidades, as diferenças regionais, sociais, porque aqui têm todos os segmentos da sociedade.
Em seguida, ele acrescentou:
— Talvez, é essa transparência que faltou em 2021, 2020, que seja, estamos aqui fazendo a avaliação disso, seja essa oportunidade que teremos agora. E os dados mostrarão que essas emendas chegarão onde devem chegar e serão executadas onde devem ser executadas. Por isso acho que é um aprendizado.
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O senador Marcelo Castro (MDB-PI), vice-líder do MDB no Senado, demostrou preocupação com o fato de as emendas de relator-geral dos orçamentos de 2020 e 2021 não terem sido divulgadas. Por meio de um Ato Conjunto, as mesas da Câmara e do Senado se comprometeram a dar publicidade às chamadas emendas RP-9 dos dois últimos anos.
Em novembro de 2021, uma decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu as emendas de relator-geral e solicitou que o Congresso e o Governo Federal tornassem transparente essa modalidade de despesa.
— Até agora, os dados solicitados pelo STF não foram apresentados nem pelo poder legislativo, nem pelo poder executivo. Eu temo que, no julgamento do mérito da decisão liminar, a ministra Rosa Weber questione o não cumprimento do que foi acordado, colocando novamente em risco a execução das emendas — disse Castro.
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ESPECIALISTAS CRITICAM DECISÃO
A gerente de projetos da Transparência Brasil e coordenadora do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji, criticou da Comissão.
– Basicamente, é uma solução para ‘inglês ver’. O STF determinou a total transparência e isso que estão fazendo definitivamente não é um cumprimento da decisão. Vão manter a falta de transparência. É um absurdo – diz.
Ainda segundo Marina, a decisão pela continuidade do sigilo impede que o cidadão possa cobrar do parlamentar a boa aplicação dos recursos públicos por ele destinado aos municípios.
– O cidadão e a sociedade civil não conseguem fazer o caminho completo da verba. E tem uma dificuldade de saber quando e como o dinheiro chega na ponta e como ele vai ser usado – completa.
Mestre em Gestão Pública pela Universidade de York, Bruno Brandão, integrante da Transparência Internacional no Brasil, faz coro: –No momento em que o país mais precisaria de transparência para garantir o bom uso dos recursos públicos, para compensar toda tragédia humanitária da Codiv-19, as perdas humanas e econômicas, o Congresso Nacional anda no sentido contrário. Por estabelecer uma opacidade sem precedentes na distribuição do orçamento público federal.
Ato em Brasília une milhares de vozes contra destruição ambiental
Cristiane Noberto e Taísa Medeiros / Correio Braziliense
Artistas e ativistas foram, ontem, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) protestar contra cinco projetos, em tramitação no Parlamento, que modificam leis ambientais e impactam, também, povos indígenas. A mobilização, classificada como "Ato pela Terra contra o pacote da destruição", foi liderada pelo cantor e compositor Caetano Veloso.
A carta-manifesto entregue a políticos alerta para as propostas consideradas nocivas ao meio ambiente. O documento lista os projetos de lei sobre grilagem de terras, licenciamento ambiental, exploração de terras indígenas, agrotóxicos e marco temporal de terras indígenas.
No encontro com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Caetano Veloso foi incisivo: "O país vive, hoje, sua maior encruzilhada ambiental desde a redemocratização. O desmatamento na Amazônia saiu do controle, a violência contra os indígenas e outros povos tradicionais aumentou e as proteções sociais e ambientais, construídas nos últimos 40 anos, vêm sendo solapadas. Nossa credibilidade internacional está arrasada. O prejuízo é de todos nós", enfatizou, no discurso.
O ator Lázaro Ramos reiterou que as consequências ambientais da aprovação desses projetos serão sentidas por toda a população. "Aqui, foi assumido um compromisso de, ao chegar no Senado, se avaliar com qualidade, porque isso é muito sério. Esse é só o começo da conversa", disse. O artista destacou ter fé de que a mobilização surtirá efeito. "Houve palavras e informações muito importantes, e essa sensibilização é feita, também, com informação", ressaltou.
O músico Nando Reis frisou que a presença dos artistas na manifestação é uma forma de pressionar os parlamentares a olharem mais para a sociedade. "É para lembrá-los de que as consequências da aprovação desses projetos serão devastadoras, não somente para a minha classe artística e para a classe política, mas para todos nós do Brasil e do mundo", comentou. "É fundamental que haja dentro do jogo político um freio que impeça essa barbaridade na iminência de acontecer sob responsabilidade dos senhores e senhoras aqui do Senado. O peso dessa desgraça se abaterá sobre vocês, mas será pouco perto do sofrimento desses povos."
Entre os artistas presentes estavam, também, Letícia Sabatella, Maria Gadú, Emicida, Seu Jorge, Mariana Ximenes, Christiane Torloni, Daniela Mercury.
Após ouvir as manifestações, Pacheco prometeu que nenhum projeto capaz de estimular a degradação do meio ambiente será pautado no plenário do Senado sem que seja analisado criteriosamente nas comissões temáticas da Casa. Segundo o parlamentar, "se o Brasil se apartar dessa pauta do meio ambiente, estará fadado ao insucesso econômico".
"Ainda que tenha muito poder, não posso tudo. Antes de tudo, sou um democrata. Eu respeito a maioria, mas tenho as minhas prerrogativas de dar a cadência a cada um desses projetos para que sejam amadurecidos", afirmou. "Devemos reconhecer quantas vezes tivemos projetos demonizados e que, no final, foram grandes propostas legislativas. Devemos achar pontos de convergência, para o bem do Brasil."
Pacheco afirmou que o meio ambiente se tornou preocupação do capitalismo mundial e, hoje, a questão não é mais romantizada pelos países como antes. "E o Brasil, para sua sobrevivência como uma grande economia, tem a obrigação de ter a preocupação com o meio ambiente. Esse discurso, antes poético, tornou-se, de fato, uma preocupação."
Mais cedo, os artistas levaram ao STF outro documento, listando 11 ações pendentes de julgamento sobre o meio ambiente. No texto entregue à vice-presidente da Corte, ministra Rosa Weber, o grupo destacou haver uma guerra socioambiental, especialmente na Amazônia, que tratora a floresta e os povos indígenas, além de outras comunidades. A carta enfatiza o grave risco de irreversibilidade, em especial no processo de degradação da Amazônia.
Os artistas citaram, também, o desmantelamento de órgãos federais e o número de projetos em trâmite no Congresso. De acordo com o grupo, o avanço dessas propostas "levará ao acirramento da guerra socioambiental, com quadros irreversíveis de degradação ambiental e de violações de direitos sociais". Os ministros Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes estavam presentes no encontro.
PLs contestados
PL 510 — grilagem de terras públicas
O projeto modifica o marco temporal para a comprovação da ocupação, que deverá ser feita pelo interessado ao demonstrar “o exercício de ocupação e de exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriores a 25 de maio de 2012”. Atualmente, para regularizar a terra, o ocupante tem de comprovar que está na área (com até 2,5 mil hectares) desde antes de 22 de julho de 2008.
PL 490 — marco temporal das terras indígenas
A proposta muda a demarcação de territórios dos povos originários. Também estabelece o marco temporal, segundo o qual, uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que os índios estavam no local requerido na data da promulgação da Constituição, ou seja, em 5 de outubro de 1988.
PL 191 — mineração em terras indígenas
O texto prevê o garimpo em terras dos povos originários. Autoriza atividades de mineração, agronegócio e de qualquer tipo de obra de infraestrutura dentro das áreas demarcadas.
PL 6.299 — agrotóxicos
O projeto, chamado de PL do Veneno, flexibiliza a entrada de novos agrotóxicos no Brasil. O texto prevê o enfraquecimento da atuação do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama no controle e na autorização dessas substâncias. A prerrogativa passar a ser do Ministério da Agricultura.
PL 2.159 — licenciamento ambiental
Dispensa licença para projetos como obras de saneamento básico e manutenção em estradas e portos. Também repassa a estados a prerrogativa de analisar os empreendimentos que precisam de aval para liberação e cria uma espécie de licença autodeclatória.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4991861-ato-em-brasilia-une-milhares-de-vozes-contra-destruicao-ambiental.html
STF rejeita ação do PDT e mantém Lei da Ficha Limpa sem alterações
Weslley Galzo / O Estado de S. Paulo
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, 9, por 6 votos a favor, rejeitar recurso que afrouxaria as regras de punição para políticos enquadrados na Lei da Ficha Limpa. Ação movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) pedia a alteração de um dos artigos da legislação, para reduzir o prazo de proibição de o condenado poder disputar uma eleição.
Os ministros indeferiram o pedido do PDT sem sequer analisar o mérito das demandas. A decisão do Supremo mantém a Lei da Ficha Limpa nos moldes atuais, ou seja, políticos se tornam inelegíveis por oito anos somente “após o cumprimento da pena”, como diz o texto da legislação. Com base nesta determinação, os condenados ficam com os direitos políticos suspensos durante o tempo de prisão e se tornam inelegíveis ao conquistarem a liberdade. Ou seja, um político condenado a cinco anos de prisão fica com direito suspenso por esse período e não pode se candidatar nos outros oito anos, ficando, portanto, fora da disputa eleitoral por 13 anos.
A ação do PDT questionava especificamente o termo “após o cumprimento da pena”. O partido solicitou ao Supremo que o tempo de eventual prisão fosse contato. Assim, o político condenado a cinco anos de prisão, ficaria esse período com direitos suspensos e mais três anos impedido de disputar uma eleição, somando os oito anos previstos na Lei da Ficha Limpa.
O julgamento foi retomado com dois votos proferidos a favor da admissibilidade do processo. Em setembro do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista (mais tempo para análise) para avaliar o dispositivo, quando o relator da ação, Kassio Nunes Marques, e Luís Roberto Barroso já haviam se posicionado sobre o caso.
Partiu de Moraes a proposta de rejeitar a ação. Em seu voto, o ministro apontou a possibilidade da criação de problemas regimentais como consequência do processo, uma vez que o PDT solicitou a declaração de inconstitucionalidade de um artigo da Lei da Ficha Limpa, que, em julgamento de 2012, foi declarada integralmente constitucional.
“Uma vez decidido, não cabe repetição de ação direta e não cabe ação rescisória”, disse. “Houve discussão, houve julgamento que consta no dispositivo (…) Nós estamos discutindo o que já foi discutido! Não houve mudança da lei”, completou
O magistrado argumentou, ainda, que, a depender do resultado, o Supremo “acabaria com a inelegibilidade”. “A ideia da lei da ficha limpa foi exatamente expurgar da política, por mais tempo que seja possível, criminosos graves”, afirmou. O posicionamento a favor de não reconhecer a validade da ação foi acompanhado por Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.
Divergiram de Moraes os ministros Kassio Nunes Marques, Luís Roberto Barroso, André Mendonça e Gilmar Mendes. Dias Toffoli não estava presente no julgamento. Ao analisar o mérito do pedido do PDT, Nunes Marques e Barroso divergiram entre si em relação ao modo como deveriam ser contabilizados os descontos do período de inelegibilidade.
Antes de Moraes apresentar seu voto pela rejeição da ação, o relator propôs a detração dos oito anos de inelegibilidade do período de cumprimento da pena — ou seja, um candidato condenado a cinco anos de prisão, ficaria somente mais três anos sem poder concorrer.
Ao divergir de Nunes Marques, o ministro Barroso considerou ser necessário analisar também o período entre a decisão do tribunal e o início do cumprimento da pena. Segundo ele, o período aguardado pelo condenado até ser preso deve ser descontado dos oito anos de inelegibilidade. De acordo com esta interpretação, o réu ficaria com os direitos políticos durante a prisão e cumpriria proporcionalmente a inelegibilidade, considerando o tempo já transcorrido desde a condenação
“O que a lei da ficha limpa quis fazer foi acrescentar oito ano, por isso acredito que não deva incorporar”, disse Bareroso. “A lei da ficha limpa foi além da suspensão dos direitos políticos dá mais oito anos de inelegibilidade”, completou. “Nós devemos ser rigorosos, mas não injustos”, finalizou
O presidente do Instituto Nāo Aceito Corrupçāo, o procurador de justiça do Ministério Público de São Paulo, Roberto Livianu, elogiou o posicionamento de Alexandre de Moraes e considerou importante a decisão do Supremo, porque preserva “a segurança jurídica e protege o patrimônio público”. “Na minha avaliação, foi uma vitória importante da sociedade no sentido de proteger a Lei da Ficha Limpa, porque estamos vivendo um processo de desmonte da legislação contra a corrupção. Não existe essa retração proposta pelo PDT na área eleitoral”, disse ao Estadão.
Luiz Carlos Azedo: Lula e Bolsonaro mantêm polarização eleitoral
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua à frente das pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, com 39%, mas o presidente Jair Bolsonaro mantém um lugar garantido no segundo turno, com 31,1%, encurtando sua distância para o petista, segundo o Instituto Paraná Pesquisas. O ex-juiz Sergio Moro refluiu para 7,5% e está em empate técnico com Ciro Gomes, que tem 6,8%, mantendo-se um empate técnico na terceira e na quarta colocações. João Doria (2,2) e Eduardo Leite (1,3%) vêm em quinto e sexto. André Janones marca 0,7%; Simone Tebet, 0,4%; e Alessandro Vieira, 0,1%. Somados, os candidatos que buscam a terceira via não chegam a 20% do eleitorado.
É nesse contexto que Lula se movimenta, ao consolidar a indicação de Geraldo Alckmin como vice, apesar das resistências do PT em São Paulo. Uma ala do partido teme o tucano na vice em razão do impeachment de Dilma Rousseff, por achar que o ex-governador de São Paulo seria uma alternativa para o establishment econômico e o Centrão afastarem Lula eventualmente eleito da Presidência, em caso de crise de governo. Outra, considera Alckmin melhor opção do que o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, porque não atrairia para a campanha de Lula o forte sentimento antipetista de uma parcela significativa do eleitorado paulista. Essa seria a razão do surpreendente desempenho da candidatura do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Lula, porém, não dá ouvidos. Acredita que o tucano é realmente o melhor companheiro de chapa possível, inclusive para garantir o apoio das elites paulistas.
A grande ameaça à presença de Bolsonaro no segundo turno seria o surgimento de uma candidatura forte de terceira via, o que até agora não ocorreu. Moro, que disputa sua base política-ideológica com um discurso focado na bandeira na ética, fez um voo de galinha. A luta contra a corrupção parece que deixou de ser uma prioridade dos eleitores, mais preocupados com desemprego e saúde. Como não houve, até agora, nenhum grande escândalo de corrupção no governo federal, Moro não está tendo facilidade para capturar os eleitores mais conservadores descontentes com o presidente da República. Mesmo o caso das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que envolve diretamente o clã Bolsonaro, saiu do radar eleitoral: o assunto está na geladeira dos tribunais.
De olho na economia
Bolsonaro paga um preço alto por seu negativismo na pandemia e pelo fracasso econômico, além do desmantelamento das políticas públicas, em todas as áreas do governo, principalmente na saúde, na educação e no meio-ambiente. Entretanto, prepara um pacote de medidas na área social com o claro propósito de impactar a população de baixa renda. Os recursos destinados aos novos programas sociais somam R$ 140 bilhões neste ano eleitoral.
O Bolsa Família foi substituído pelo Auxílio Brasil, graças ao parcelamento dos precatórios. Sozinho, representa uma transferência de renda de R$ 89,1 bilhões, muito abaixo dos R$ 353,7 bilhões do Auxílio Emergencial. É uma injeção de recursos de monta nas periferias e pequenas cidades do país. A única coisa que pode neutralizar o impacto eleitoral do programa é a inflação. Na eleição, o carrinho do supermercado será a medida de valor desse novo auxílio. A comparação com o poder de compra durante o governo Lula será até instintiva.
Com a pandemia domada, o emprego em recuperação e essas bondades, o que pode atrapalhar os planos de Bolsonaro são os reflexos da guerra da Ucrânia no Brasil. O comércio exterior brasileiro está acima de meio trilhão de dólares. As exportações superam US$ 100 bilhões, porém com crescente vulnerabilidade. O agronegócio representou 43%. Desse total, mais de 70% das exportações estão representadas por dois produtos de proteína vegetal (soja e milho), 87,7% em valor concentrado no mercado chinês. O mercado asiático absorveu 46,4%, com destaque para a China, que representou 31,3%. Mais de 80% dos fertilizantes são importados da Rússia e de Belarus. A guerra desorganiza as cadeias globais de produção e comércio.
Além disso, o Brasil tem vulnerabilidades estratégicas que passam longe da agenda de Bolsonaro: a falta dos insumos na área da saúde para a fabricação de vacinas (IFA); 60% do consumo doméstico de trigo depende de importação e, desse total, 85% são da Argentina; total dependência de semicondutores e terras raras. O atraso do Brasil na educação, em pesquisa e em desenvolvimento se reflete em todas as áreas produtivas, com exceção do agronegócio, o setor mais atualizado em termos tecnológicos. O problema é que os interesses imediatos dos eleitores também estão ao largo de tudo isso.
Revista online | 'Um tempo para não esquecer' retrata a luta da saúde pública contra a Covid-19
Luiz Antonio Santini / Revista Política Democrática online
Margareth Dalcolmo lança esta semana o livro Um tempo para não esquecer. Enfrentamento da pandemia e o futuro da saúde. Reúne 81 textos de sua autoria. A apresentação é de Nélida Piñon, e o prefácio de Domicio Proença, ambos membros da Academia Brasileira de Letras. O médico cirurgião e escritor J J Camargo, membro titular da Academia Nacional Medicina, e Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, completam a galeria de especialistas de primeira grandeza que contribuíram com seus testemunhos para marcar a importância e oportunidade da obra, a qualidade da abordagem técnica, a profundidade da perspectiva histórico-filosófica e, como se não bastasse, o excepcional tratamento literário.
A obra tem por objeto uma das maiores crises sanitárias vividas nos últimos 100 anos, a pandemia denominada Covid-19, provocada pelo vírus Sars–Cov-2. Foi construída por crônicas, publicadas a cada semana em O Globo, entre 7 de abril de 2020 e 2 de novembro de 2021.
Margareth acompanhou os acontecimentos envolvendo uma doença cuja história natural foi sendo desvelada no curso da própria pandemia, assim como seus mecanismos de disseminação e a própria evolução clínica. O livro constitui, portanto, possibilidade impar para os leitores de seguir, passo a passo, o desenrolar da pandemia, as estratégias empregadas de controle da disseminação da doença, os principais eventos científicos que permitiram o desenvolvimento das vacinas, o aprimoramento dos cuidados médicos tanto no ambiente hospitalar quanto ambulatorial e domiciliar, tudo isso de acordo com os conhecimentos que foram sendo adquiridos pela experiência clinica cotidiana da própria autora e pelo conjunto dos inúmeros artigos científicos, na ordem de milhares, que se publicavam simultaneamente.
Um tempo para não esquecer também registra em detalhes a luta da saúde pública brasileira, sobretudo suportada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para garantir o acesso da população aos recursos, às experiências e aos conhecimentos já adquiridos, enfrentando a brutal resistência por parte do governo federal, que se utilizou de todos os meios possíveis para impedir o êxito das ações necessárias.
Com elegância e grande acurácia científica e linguagem acessível, o livro permite a compreensão de fenômenos complexos no campo da ciência e das pesquisas, tanto básica, quanto clínica. Contribui, assim, para promover certa desmistificação dos conhecimentos mais avançados em biologia, imunologia, epidemiologia e de saúde pública, facilitando a imersão do leitor nesse universo científico complexo, pelas mãos seguras de quem muito conhece o caminho a ser percorrido.
Cada capítulo do livro traz referências a episódios marcantes da história da medicina e das ciências como um todo, o que ajuda o leitor não só a identificar trajetórias e controvérsias sobre temas críticos, mas também se posicionar quanto à inundação de informações, majoritariamente falsas, e reconhecer as verdadeiras.
O livro abarca a evolução da pandemia da Covid-19 no Brasil no período entre abril de 2020 e outubro de 2021, do desenvolvimento científico e tecnológico que correspondeu a ele, das controvérsias legitimas e da guerra de notícias falsas e pressões políticas ilegítimas que emolduraram esses momentos. Mostra os esforços para barrar as inciativas nocivas e privilegiar os melhores tratamentos para os pacientes. Inevitavelmente, mostra também, com transparência, as hesitações, as incertezas, os sucessos e os insucessos vividos e cometidos ao longo desse processo.
A doutora Margareth Dalcolmo é, sem dúvida, a autoridade mais capacitada a cumprir essa tarefa com brilho. De todos seus inúmeros títulos e honrarias, eu destacaria o que melhor a define – ser médica e professora –, atributos essenciais de sua prática e o melhor laurel em seu compromisso hipocrático.
Acrescentando a tudo isso as referências literárias que enriquecem e suavizam o texto, recomendo a leitura deste livro. E, como professor de medicina que sou, torço para que seja usado como leitura obrigatória dos estudantes de medicina, médicos residentes e outros estudantes de carreiras de saúde .
Saiba mais sobre o autor
*Luiz Antonio Santini é médico, professor da UFF de Cirurgia e de Saúde Pública, ex-diretor do INCA e pesquisador associado da Fiocruz.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Hesitação vacinal é negacionismo que pode matar, acredita Margareth Dalcolmo
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Confira o terceiro dia do Seminário Internacional PCB 100 Anos
A passagem da revolução para o reformismo e a opção pela democracia foram resultados da luta contra a ditadura e deram base para a integração do PCB ao sistema político da democracia brasileira embasada na Constituição de 1988. Isso coincidiu com o fim do Comunismo Global, com o fim da URSS.
O início da década de 1990 assiste à metamorfose do PCB em PPS. O mundo parecia viver o coroamento da democracia liberal, que alguns viram como o “fim da História”.
A globalização se impunha de maneira triunfante e imparável, juntamente com as mudanças tecnológicas. Em meio a essas complexas mudanças, a democracia, que era vista como esperança de renovação, foi se mostrando como um problema complexo e de difícil enfrentamento. No alvorecer do século XXI ela passa a ser atacada por todos os lados, colocando em xeque suas perspectivas de dar direção, estabilidade e senso de futuro para um mundo em mudança vertiginosa.
A sedução por “adaptação indiferenciada” alcançou inúmeros partidos da esquerda ocidental. A crítica a essa opção ainda não produziu resultados claros, mas alimenta as perspectivas atuais para uma esquerda democrática, neste que parece ser um novo ciclo histórico, difícil, mas aberto à criação humana.
Para mais informações acesse: https://pcb100anosfap.com.br/
Reduzir emissões de GEE não limitará mais o aquecimento global
Paloma Oliveto / Correio Braziliense
Se o mundo quiser atingir a meta do Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a 1,5ºC até o fim do século, será preciso remover rapidamente o carbono da atmosfera. Um relatório divulgado na quarta-feira (9/3) pela Comissão de Transições Energéticas (CTE), organização não governamental internacional baseada na Inglaterra, sustenta que não bastará reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Paralelo a essa importante ação, o documento ressalta que é urgente retirar de circulação os poluentes que já foram lançados.
Segundo o CTE, a transição energética para modelos limpos, que não dependem da queima de combustíveis fósseis — principal fonte de emissão de CO2 — tem de ser complementada por uma descarbonização profunda para manter vivo o 1,5º C. A estratégia, diz o documento, "pode dar ao mundo uma chance de 50% de limitar o aquecimento global" ao nível mais ambicioso do Acordo de Paris.
O relatório da CTE afirma que todos os setores da economia "podem e devem descarbonizar até meados do século com grandes reduções de emissões na década de 2020". Cortar o uso de carvão pela metade e acabar com 70% do desmatamento até 2030 são prioridades particularmente importantes, diz o documento. Porém, mesmo considerando o caminho mais rápido possível de redução de emissões, o mundo precisará de pelo menos 70 Gt a 220 Gt de remoções de carbono que já está na atmosfera até 2050, para limitar as emissões líquidas cumulativas em um nível compatível com os objetivos climáticos do Acordo de Paris.
As remoções são obtidas de várias formas, e o documento cita que poderão ser alcançadas por meio de uma combinação de soluções climáticas naturais, como reflorestamento e melhor uso do solo; de engenharia, com tecnologias de captura direta do carbono na atmosfera, ou um modelo híbrido. O relatório afirma que as primeiras — recuperação de áreas degradadas e corte no desmatamento — devem dominar nos próximos anos, mas alerta que é preciso um monitoramento rigoroso para garantir uma medição de retirada do CO2 real.
Já as estratégias tecnológicas ainda são muito caras, embora os custos possam ser reduzidos ao longo do tempo. Grandes companhias alicerçadas nos combustíveis fósseis, como a ExxonMobil e a Shell. "Nenhuma solução de redução de carbono pode ser implantada em volumes significativos o suficiente para fornecer as remoções de emissões necessárias, e cada uma envolve custos e riscos diferentes", observa Adair Turner, presidente da Comissão de Transições de Energia. "Portanto, é necessária uma abordagem de portfólio, com soluções desempenhando papéis vitais e complementares", diz. Segundo ele, inicialmente, a maior parte do investimento deve ser focada em reflorestamento e em outras soluções naturais, ao mesmo tempo em que é preciso investir no desenvolvimento de tecnologias. "Nas décadas de 2030 e 2040, é provável que o portfólio mude para soluções híbridas e projetadas à medida que essas tecnologias mais novas sejam aplicadas em escala, reduzindo custos e aumentando sua disponibilidade", diz.
Financiamento
Segundo Turner, um cenário viável sugere que, de quase zero hoje, as remoções podem chegar a 3,5 Gt por ano até 2030, fornecendo cerca de 165 Gt de sequestro cumulativo nos próximos 30 anos. Porém, ele destaca: "As remoções só ocorrerão se alguém pagar por elas. É necessário um aumento maciço do apoio financeiro de governos e empresas para dimensionar as remoções nas próximas décadas". Atualmente, o financiamento é de menos de US$ 10 bilhões por ano, afirma.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2022/03/4991700-reduzir-emissoes-de-gee-nao-e-mais-suficiente-para-limitar-o-aquecimento-global.html
Artigos - Revista Política Democrática Online – Edição 41
Artigos - Revista Política Democrática Online – Edição 41
Manobra permite uso de emendas parlamentares durante campanha
Daniel Weterman / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Uma manobra orçamentária que tem aval do governo Jair Bolsonaro (PL) e apoio no Congresso vai permitir repasses de R$ 3,3 bilhões em emendas parlamentares durante a campanha deste ano. Para driblar a lei eleitoral, que veda a liberação de recursos de emendas ao Orçamento nos três meses que antecedem o dia da votação, o governo pretende irrigar os redutos políticos utilizando as chamadas “transferências especiais”, prática apelidada de “cheque em branco”.
No modelo tradicional de pagamento das emendas, os recursos só saem do caixa do Executivo quando o serviço está concluído. Se uma obra pública fica pronta dentro do período de três meses antes das eleições, o dinheiro não pode ser liberado. Já pelas “transferências especiais”, a verba sai do caixa federal sem necessidade de esperar que a obra seja concluída. Assim, os repasses são feitos a governos estaduais e prefeituras antes dos três meses e ficam disponíveis para pagamento no momento em que as autoridades quiserem, sem a trava da lei eleitoral.
Governo autoriza pagamento recorde de emendas antes da eleição
A legislação proíbe o governo de pagar emendas de 2 de julho, quando começa o período conhecido como “defeso eleitoral”, até 2 de outubro, data do primeiro turno da eleição. A exceção é para obras e serviços em andamento e com cronograma prefixado, além de situações de calamidade.
A estratégia em curso deve garantir um repasse antecipado das transferências especiais para que o gasto ocorra no meio da campanha. Esse tipo de emenda foi pago pela primeira vez em 2020, quando somou R$ 621 milhões. A adesão aumentou para R$ 2 bilhões em 2021 e vai atingir o recorde de R$ 3,3 bilhões neste ano.
Brecha
Um estudo da consultoria de Orçamento da Câmara, preparado a pedido de deputados, enquadra o “cheque em branco orçamentário” na mesma proibição imposta pela lei eleitoral às transferências voluntárias da União, mas aponta uma brecha que só é possível com esse tipo de emenda: o governo pode repassar o recurso antes do período de “defeso”. Prefeitos e governadores, por sua vez, podem deixar o dinheiro no caixa para gastar durante a campanha, conforme a indicação dos parlamentares.
“O procedimento, ao que se percebe, parece contrariar o propósito da regra eleitoral que é o de evitar a utilização eleitoreira de recursos transferidos”, diz o estudo. “Aparentemente, a nova modalidade de transferência aproveita-se de uma brecha na redação da lei eleitoral.” Para os consultores, “a situação tem potencial de afetar a igualdade eleitoral”, aumentando a importância da fiscalização desses recursos.
Parlamentares justificam o uso da transferência especial pela falta de burocracia e o benefício à população. “O recurso chega mais rápido. Se você coloca no ministério para fazer asfalto, vai demorar dois anos para sair. Com a transferência especial, o dinheiro é na conta do município e o prefeito escolhe onde usar. É ótima alternativa”, afirmou o deputado Darci de Matos (PSD-SC), que indicou o valor máximo permitido, R$ 8,8 milhões, em emendas desse modelo para municípios catarinenses. “O entendimento é de que o governo pode pagar emendas até três meses antes da eleição e o município pode tocar as obras. As obras não cessam.”
Indicação
O ano eleitoral provocou pressão pelo pagamento dos recursos antes da campanha, a tempo de a transferência ser usada como propaganda política por quem apadrinhou os repasses. “Precisamos disso no máximo até maio. Tem que dar início às obras. Não adianta o recurso ir para a prefeitura e depois a lei eleitoral proibir”, disse o deputado Mauro Lopes (MDB-MG), que indicou outros R$ 8,8 milhões para municípios mineiros. “O prefeito começa a obra por indicação do parlamentar.”
Especialistas e órgãos de controle, no entanto, veem brecha para corrupção e falta de transparência. O dinheiro não é carimbado para nenhuma área específica e pode ser gasto em qualquer serviço público. A fiscalização cabe às repartições locais, mas a falta de “carimbo” dificulta o rastreio, na opinião de analistas.
Procurados, a Secretaria de Governo e o Ministério da Economia confirmaram que seguirão o mesmo entendimento do Congresso, ou seja, as emendas especiais se encaixam na proibição eleitoral, mas podem ser repassadas com antecedência. Assim, Estados e municípios podem gastar os recursos durante a campanha.
O governo pretende desembolsar a verba em duas rodadas, uma no fim de maio e outra no fim de junho, abastecendo redutos de congressistas antes da eleição. Somando todos os tipos de emendas, os recursos com a digital dos parlamentares somarão R$ 35,6 bilhões em 2022. Como mostrou o Estadão/Broadcast, o governo autorizou um pagamento recorde, de R$ 25 bilhões, antes da eleição. A lei eleitoral é um dos impasses para essas transferências, o que tem motivado a articulação no Congresso para usar brechas na regra.
Para entender:
Como funcionam as modalidades de repasses
- Emenda individual: é uma indicação que cada deputado ou senador tem direito de fazer ao Orçamento, quer ele seja da base ou da oposição. Desde 2015, o governo federal é obrigado a executar essas despesas. Atualmente, cada parlamentar pode indicar até R$ 16 milhões.
- Emenda de bancada: parlamentares também têm direito de fazer indicações em conjunto com a bancada de seus Estados. Cada uma das 27 bancadas pode definir como o governo deve gastar R$ 213 milhões em obras e serviços. O pagamento também é obrigatório.
- Emenda de relator: permite ao relator-geral do Orçamento definir, sem transparência, onde serão alocados bilhões além das emendas individuais e de bancada. É o mecanismo utilizado pelo governo no orçamento secreto.
- Transferência especial (emenda ‘cheque em branco’): mecanismo de transferência das emendas individuais sem que o parlamentar defina como deve ser usado o dinheiro. Assim, prefeituras e governos estaduais têm liberdade para gastar a verba.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,manobra-permite-uso-de-emendas-parlamentares-durante-campanha,70004002597