100 anos do PCB: A importância do Partidão para a democracia brasileira
João Rodrigues, da equipe da FAP
Em 25 de março de 2022, o Partido Comunista Brasileira (PCB) completa 100 anos. Símbolo de resistência na ditadura, o Partidão foi determinante para a consolidação da democracia no Brasil. Na sequência da série de entrevistas do podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) sobre o centenário do PCB, o jornalista Francisco Almeida explica como o partido foi fundamental para grandes conquistas da sociedade brasileira.
Um dos grandes nomes da luta democrática no Brasil, Francisco Inácio de Almeida nasceu no interior do Ceará, em novembro de 1939. Almeida ingressou no PCB logo após a vitória da Revolução Cubana. Ao visitar a ilha caribenha, em 1961, conheceu figuras de peso nos embates contra a ditadura de Fulgencio Batista, como Blas Roca e Ernesto Che Guevara. Com a transformação do Partidão em PPS, em 1992, tornou-se o primeiro secretário-geral do partido. Hoje, é um dos principais articuladores do Cidadania 23.
O combate à desigualdade social pelo PCB, a defesa dos negros e dos povos indígenas e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) estão entre os temas do programa. Na abertura, o episódio conta com áudio de Luiz Werneck Vianna, durante o evento on-line “PCB 100 anos - A lição de 1964”, realizado em 2021.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
Mulheres negras são apenas 3% entre líderes nas empresas, diz estudo
Marina Dayrell / O Estado de S.Paulo
Na semana que relembra a luta das mulheres por igualdade de gênero ao redor do mundo, uma pesquisa mostra que ainda há muito caminho a se percorrer no mercado de trabalho, principalmente para as mulheres negras e para aquelas que pertencem a outros grupos de vulnerabilidade, como transexuais, lésbicas, mulheres com deficiência e acima dos 50 anos. Levantamento feito pela consultoria Gestão Kairós, especializada em diversidade, aponta que, entre 900 líderes entrevistados (nível de gerência para cima), apenas 25% são mulheres - e, entre elas, apenas 3% são negras.
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“O estudo nos possibilita refletir sobre como a gente universaliza a questão dos direitos das mulheres pela mulher branca. Quando vemos o nível da liderança, ficamos até felizes em ver que já temos 25% de mulheres, mas quando vemos que as mulheres negras são apenas 3% nós vemos o abismo de direitos que temos que enfrentar no Brasil”, explica Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, à frente da pesquisa.
O censo também foi aplicado entre mais de 23 mil profissionais que não ocupam cargos de liderança. Desse total, 32% são mulheres e o número de mulheres negras até aumenta para 9%, mas ainda é subrepresentado, uma vez que o Brasil é composto por 28% delas. Esse leve aumento pode ser explicado por iniciativas de vagas para negros nas empresas, que, geralmente, focam apenas nos cargos de entrada, como estagiários e trainee.
“Por que, quando vamos fazer contratação, retenção e desenvolvimento em um programa para mulheres, quase a totalidade delas são brancas? Mesmo quando a gente vê que a Lei de Cotas deu um boom no número de mulheres negras nas universidades”, questiona Liliane. A consultora aconselha que as empresas, primeiro, façam um diagnóstico interno, em forma de censo, para mapear o perfil dos profissionais e atuar a partir das informações encontradas.
“Quando as informações encontradas destoam da demografia brasileira, como a organização vai atuar para contratar, reter e desenvolver essas mulheres? Como vão trabalhar a cultura organizacional? Também tem que olhar para a governança. Em um conselho de administração que não tem mulheres, quem dirá mulheres negras, como vamos cascatear esse entendimento por toda a empresa sem parecer que estamos fazendo um diversity washing?”
O termo, que significa "lavagem da diversidade" em português, refere-se a quando uma empresa se diz publicamente a favor da diversidade, mas não passa de uma ação de marketing, sem ações concretas para dentro da organização.
Para Camila Oliveira, coordenadora de Operações na Tenda Atacado, um dos gargalos da inserção da mulher negra no mercado está no desenvolvimento dessas profissionais dentro das organizações e na falta de mecanismos que as impulsione a alcançar cargos de liderança.
“Geralmente, os homens acabam tendo mais experiências profissionais porque já são dadas mais oportunidades a eles desde o início da carreira. Enquanto isso, nós, mulheres negras, em muitos casos, ficamos sem vantagem competitiva, porque até mesmo a nossa conquista ao ensino superior é atrasada”, explica.
A trajetória de Camila na empresa começou há 14 anos, como auxiliar administrativo. Ao longo desse tempo, ela se inscreveu em processos seletivos internos para cargos maiores. Passou por analista e supervisora, até se tornar coordenadora. A sua trajetória a mostrou, na prática, a predominância masculina em cargos de liderança no mercado.
Camila defende que uma boa forma de se incluir mulheres negras é por projetos de inclusão que forneçam bolsas de estudo para funcionários que estão na base da pirâmide empresarial. Nessa faixa se encontram muitos profissionais de grupos em vulnerabilidade social e que podem se beneficiar com mecanismos de desenvolvimento de carreira.
Quanto mais diversidade, menos participação no mercado
Outros grupos em vulnerabilidade, como mulheres transexuais, travestis, lésbicas, com deficiência e acima dos 50 anos, também são subrepresentadas no mercado de trabalho.
Entre as líderes, as lésbicas são menos de 1%. Elas são seguidas pelas bissexuais, que são 1,1% do censo. Para Liliane, além de serem poucas nesses cargos, também é preciso levar em conta que muitas dessas mulheres possuem receio em falar abertamente sobre sua sexualidade no ambiente profissional, mesmo em níveis hierárquicos maiores. No recorte de não-líderes, lésbicas são 1,5% das respondentes e bissexuais também 1,1%.
Em relação às mulheres trans, o levantamento infere que elas sejam 0,3% entre as líderes e 0,1% entre as não-líderes. As mulheres com deficiência também estão subrepresentadas tanto entre líderes quanto não-líderes. Elas são 0,6% e 0,8% respectivamente. Entre não-líderes, ainda que em número reduzido, os homens estão um pouco mais representados, com 1,9%.
Os percentuais estão distantes da sociedade brasileira e mostram também estar aquém dos esforços da Lei de Cotas, que determina uma porcentagem de contratação de pessoas com deficiência pelas empresas, que pode ir de 2% a 5% do total de funcionários, a depender do tamanho da organização. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 8,4% da população brasileira acima de dois anos possui alguma deficiência.
O censo também fez um recorte em relação à idade. Embora o Brasil tenha uma expectativa de vida de 76 anos, o mercado de trabalho não se mostra preparado para reter e absorver os profissionais mais maduros, principalmente as mulheres. Entre as líderes, as que têm acima de 40 anos são 11,4% e o número cai para 2,4% quando se considera as que têm acima de 50 anos. Entre as não-líderes, 7,6% são mulheres acima dos 40 anos e 1,4% acima dos 50 anos.
“São poucos profissionais que conseguem ultrapassar a barreira geracional nas empresas a partir dos 50 anos. Para onde eles vão?”, provoca Liliane.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/sua-carreira,mulheres-negras-lideres-empresas-estudo-gestao-kairos,70004002408
Google diz que PL das Fake News pode facilitar disseminação de notícias falsas
Pedro Grigori / Correio Braziliense
Pela primeira vez, o Google se posicionou contrário ao Projeto de Lei 2630/2020, mais conhecido como PL das Fake News. Nesta sexta-feira (11/3), a empresa publicou uma carta aberta dizendo que a proposta pode ter efeito contrário e facilitar a ação de pessoas que “querem disseminar desinformação”.
De autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a proposta foi aprovada pelo Senado Federal em junho de 2020, e segue em debate na Câmara. Pelo texto ter sofrido diversas alterações, o projeto precisa voltar ao Senado após ser deferido pelos deputados.
Na carta, assinada pelo presidente do Google Brasil, Fábio Coelho, a empresa elenca uma série de consequências negativas que o texto em discussão no Congresso Nacional pode causar. Além de facilitar a divulgação de notícias falsas, a plataforma diz que o projeto de lei pode tornar mais difícil que veículos de comunicação alcancem os leitores e tornará os produtos e serviços do Google menos úteis e seguros para brasileiros e empresas que os usam todos os dias.
Um dos trechos da proposta que o Google chama à atenção é relacionado a obrigatoriedade da divulgação de informações estratégicas das plataformas e redes sociais. De acordo com a empresa, publicar essas informações fornecerá “a agentes mal-intencionados um guia sobre como contornar as proteções dos nossos sistemas, trazendo prejuízos para a qualidade e segurança dos nossos resultados de busca”.
Com o acesso às informações, por exemplo, usuários poderiam burlar os algoritmos que o Google adota para exibir matérias aos usuários, e assim aparecer melhor nas pesquisas. “Com isso, eles poderiam manipular essas informações para conseguir obter uma melhor posição no nosso ranking de pesquisas, prejudicando ao longo do processo aqueles que produzem conteúdo confiável e relevante”, diz trecho do documento.
Remuneração ao jornalismo
O artigo 36 do PL prevê que as plataformas digitais paguem pelo uso de conteúdo jornalístico. Os sites, e até mesmo entidades que representam a imprensa, criticaram o trecho. Entre as principais reclamações está a falta de clareza na proposta, que não estipula, por exemplo, como o pagamento será feito na prática ou o que será considerado “conteúdo jornalístico" — se seria, por exemplo, uma reportagem publicada no site de um jornal, o trecho de uma matéria, uma publicação em um blog e etc.
“As ferramentas de busca poderiam acabar sendo forçadas a remunerar qualquer site que alegue produzir conteúdo jornalístico, apenas por exibir pequenos trechos de conteúdo, com os respectivos links para suas páginas indexadas da web”, pontua o Google.
De acordo com a empresa, a remuneração pode criar uma competição injusta onde grandes grupos de mídia vão levar vantagem, e jornais locais, por exemplo, sairão prejudicados. “Grandes grupos de mídia serão capazes de fechar acordos comerciais mais favoráveis em função da escala da sua produção e do seu poder de negociação, principalmente quando comparados a veículos menores, locais, mais diversos e inovadores”, diz.
Na carta, o Google diz que é favorável a ideia de apoiar e valorizar o jornalismo, e cita iniciativas tomadas nos últimos anos, como o lançamento do Google News, em 2020, que atualmente remunera mais de 60 veículos jornalísticos no Brasil para que eles licenciem e façam curadoria do conteúdo para usuários do buscador.
Em novembro de 2021, nove associações que representam empresas e profissionais de imprensa — entre elas a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) — assinaram um manifesto contra o artigo 36 do PL 2630/2020. Segundo as entidades, o PL demonstra a “falta de maturidade” da discussão no Congresso Nacional e não ajuda na resolução do problema.
“Não há qualquer menção de como tal remuneração funcionará; o que será considerado jornalismo; qual uso ensejará remuneração; quem fará a fiscalização e se haverá acordos individuais com cada veículo ou uma entidade arrecadadora; se haverá qualquer direito dos profissionais do jornalismo”, diz trecho do documento, que pode ser conferido na íntegra no site da Abraji.
Prejuízo na publicidade
Outro ponto polêmico da proposta impede que plataformas usem informações coletadas com consentimento dos usuários para conectar empresas com potenciais consumidores. Esse recurso é usado, por exemplo, quando um usuário pesquisa por vídeos sobre ciclismo no Youtube, e logo depois os anúncios nos sites que ele visita apresentam ofertas de bicicleta.
“Dessa maneira, os anúncios digitais podem gerar menos vendas e as empresas pequenas terão de investir mais para alcançar o mesmo número de clientes, ou seja, ficará mais difícil para elas prosperarem”, informa o Google.
A medida afetará também os veículos de comunicação, que recebem pelos anúncios exibidos nos sites, e serão privados dessas fontes de receita. “A publicidade personalizada é fundamental para o modelo de negócio dos veículos de comunicação, uma vez que gera uma fonte de receita que lhes permite oferecer conteúdo com baixo custo ou mesmo de graça para seus leitores na internet”, diz trecho da carta.
Mais plataformas já se posicionaram
Em 24 de fevereiro deste ano, um grupo formado pelo Facebook, Instagram, Google, Twitter e Mercado Livre divulgou uma carta conjunta sobre como a aprovação do PL 2630/2020 pode "acabar mudando a internet como conhecemos hoje".
Em trecho do documento, as empresas dizem que o atual texto da proposta passou a representar "uma potencial ameaça para a Internet livre, democrática e aberta que conhecemos hoje e que transforma a vida dos brasileiros todos os dias."
O relator da proposta na Câmara, o deputado Orlando Silva (PcdoB-SP), reagiu à carta e disse que os temores das companhias são infundados. De acordo com o parlamentar, as reivindicações são, na verdade, de interesses privados das empresas. "Eles são contra a regulação. Essas instituições multinacionais querem tratar a internet como terra sem lei: só querem regulação privada. Acontece que existe um interesse público em jogo, então cabe sim uma regulação pública. A internet não é uma terra sem lei", declarou o deputado ao site Congresso em Foco.
O Google diz que não se opõe ao objetivo proposta pelo projeto de lei, de combater a desinformação, mas que, da forma como o texto está agora, "ele não vai alcançar essa meta". “Ninguém quer que as notícias falsas se espalhem na web e, como plataforma de tecnologia, investimos continuamente em ferramentas de transparência e em ações para combater a desinformação e trabalhamos de maneira incansável com a sociedade civil, governos e empresas jornalísticas para enfrentar esse desafio juntos. Essa é uma prioridade para nós e estamos determinados a ser parte da solução contra a desinformação”, diz a empresa na carta. Clique aqui para conferir a íntegra da carta do Google.
A aprovação do PL é uma das principais apostas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para diminuir o impacto das fake news nas eleições de outubro deste ano. Mas, para valer neste pleito, o projeto precisa estar publicado no Diário Oficial da União até o dia 2 de julho. Para isso, precisa passar por aprovação na Câmara e no Senado Federal, e depois ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4992160-google-diz-que-pl-das-fake-news-pode-facilitar-disseminacao-de-noticias-falsas.html
Filme destaca luta de psiquiatra por pacientes de manicômios nos anos 1950
João Vitor, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
Com linguagem clássica, o filme Nise: O Coração da Loucura (2016), dirigido por Roberto Berliner, mostra o trabalho da psiquiatra Nise da Silveira para reintegrar pacientes de um hospital à sociedade. “O trabalho dela é possibilitar que aquela pessoa com transtornos socialize com o outro”, avalia o psicanalista Marcell Araújo.
O longa será exibido nesta sexta-feira (11/3), no Cineclube Vladimir Carvalho, gratuitamente, a partir das 14 horas. A unidade funciona no Espaço Arildo Dória da Biblioteca Salomão Malina, que completou 14 anos e é mantida pela Fundação Astrojildo Pereira, sediada em Brasília.
O filme conta a história de uma psiquiatra nos anos 1950. Na época, ela foi isolada por outros médicos por ser contrária aos tratamentos convencionais de esquizofrenia. Ela, então, assume o setor de terapia ocupacional, onde inicia uma nova forma de lidar com os pacientes, pelo amor e pela arte. Por isso, rompe a perspectiva do sistema manicomial daquele período.
CONFIRA O TRAILER OFICIAL
“Antes de Nise chegar, o hospital funcionava como um depósito de pessoas psicóticas”, analisa Araújo, para acrescentar: “Não era um tratamento em si”. Ele ressalta que o contato com o outro ajuda o indivíduo a ter manejo psíquico e orientação.
O psicanalista acredita que o eletrochoque, a lobotomia e o descaso com pacientes não existam mais da forma como foram retratados no filme. “Hoje existe uma proposta em tentar fazer o hospital psiquiátrico não ser um depósito de pessoas. Há um trabalho dinâmico e respeitoso”, observa.
Como exemplo dessa mudança de modelo, ele cita os atuais Centros de Atenção Psicossocial (Caps), uma proposta mais humanizada para o tratamento e reinserção social de pessoas com transtornos mentais. Os Caps foram criados para oferecer atendimento interdisciplinar.
“Estas unidades desenvolvem um trabalho integrado. Não só do médico psiquiátrico, mas também do psicológico, fisioterapêutico e outros métodos e tipos de assistências”, afirma.
No filme, Fernando é personagem que assume relevância. Ele pinta um quadro após envolver-se com outra paciente. “Começa com um rabisco. Depois, ele desenha móveis, objetos e coloca tudo numa tela só. Quando a mãe dele vê a arte, diz que aquilo lembra a casa de sua antiga patroa”, diz. “Nada como o contato com o outro para poder se expressar de forma criativa”.
CENAS DE NISE: O CORAÇÃO DA LOUCURA
Segundo Araújo, a troca de cartas entre Nise e o psicoterapeuta Carl Jung, mostrada no filme, dá segurança e estímulo à terapeuta. Ele acrescenta que a arte pode ser uma manifestação do inconsciente, embora seja um método fortemente contestado, tanto no filme quanto na realidade.
O psicanalista lembra da importância do trabalho de Nise ao mencionar que, em Salvador (BA), foi criado um espaço em sua homenagem, possibilitando a sociabilidade entre os matriculados. "O Espaço Nise da Silveira é não-hospitalar e de terapias em grupo com várias temáticas, de acordo com a situação de cada paciente", explica.
Já o professor de história do cinema e crítico de cinema Ulisses de Freitas Xavier comenta que o longa brasileiro de 2016 é bastante convencional e tem como destaque a interpretação naturalista de Glória Pires. Segundo ele, a atriz exerce um papel de “persona marmórea, persistência e segurança”.
O crítico também ressalta a mensagem de humanismo que a obra cinematográfica, de 1h40 de duração, traz. "A doutora Nise era uma mulher à frente do seu tempo. Ela revolucionou a psiquiatria mesmo estando isolada, sozinha contra um mundo masculino e bruto”, comenta Xavier.
Sobre o Cineclube
O Cineclube Vladimir Carvalho, que leva o nome do cineasta paraibano considerado um dos maiores documentaristas do país, foi reaberto em setembro de 2021, depois de ser fechado ao público em março de 2020, por causa da pandemia da covid-19.
Todas as sextas-feiras, a partir das 14h, tem exibição gratuita de um filme.
Cineclube Vladimir Carvalho
Onde: Espaço Arildo Dória, em cima da Biblioteca Salomão Malina, no Conic, região central de Brasília (DF)
Dia: 11/03/2022
Horário: 14h
Realização: Fundação Astrojildo Pereira, Biblioteca Salomão Malina e Cineclube Vladimir Carvalho
*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
Cineclube é reaberto no centro de Brasília com entrada gratuita
Cineclube Vladimir Carvalho será reaberto com entrada gratuita
Cineclube Vladimir Carvalho indica filmes para comemorar Dia do Nordestino
Cineclube Vladimir Carvalho indica filmes sobre racismo e violência policial
Cineclube Vladimir Carvalho indica filmes sobre isolamento social e epidemias
Brasília volta a ter cineclube de graça com nova programação
Luiz Carlos Azedo: Impacto da guerra chega ao Brasil com aumento de combustíveis
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Os efeitos da guerra da Ucrânia na economia brasileira chegaram muito mais rápido do que se imaginava, com o aumento de 24,93% dos combustíveis anunciado, ontem, pela Petrobras. O reajuste teve impacto imediato na opinião pública e em segmentos que apoiam o presidente Jair Bolsonaro, sobretudo os caminhoneiros, cujos líderes já estão estrilando nas redes sociais. O preço do gás de cozinha leva os ecos da invasão russa para dentro de casa. Guerras sempre foram momentos disruptivos na economia dos países, dessa vez mais ainda, em razão de um mundo globalizado e conectado em redes.
Ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou minimizar os efeitos do reajuste dos combustíveis, a partir de medidas que estão sendo tomadas como a mudança no ICMS aprovada ontem pelo Senado: a criação de uma Conta de Estabilização dos Preços dos combustíveis (CEP). A proposta ainda precisa do aval da Câmara dos Deputados, cujo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), reagiu duramente em relação ao aumento: “Me causou espanto a insensibilidade da Petrobras com os brasileiros — os verdadeiros donos da companhia. O aumento de hoje (ontem) foi um tapa na cara de um país que luta para voltar a crescer”, disse.
As medidas terão impactos inflacionários que podem neutralizar o pacote de bondades que o governo está preparando para melhorar os índices de aprovação de Bolsonaro, principalmente o Auxílio Brasil, no valor de R$ 400, que beneficiará mais de 18 milhões de famílias. O botijão do gás de cozinha de 13kg, por exemplo, será corrigido em 16,06% por quilo, passando para R$ 58,21.
O governo corre contra o tempo. O ministro Paulo Guedes, ao lado do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, anunciou, ontem, que o governo estuda um subsídio específico para o diesel, enquanto durar a guerra da Ucrânia. A Rússia é um dos principais exportadores de petróleo no mundo e, com o bloqueio a ela, o mercado de petróleo sofre um novo choque, mesmo que os Estados Unidos aumentem a produção. A esperança do governo é que os efeitos da isenção do PIS-Cofins sobre o diesel amorteçam o aumento, por enquanto. “Vamos nos mover de acordo com a situação”, disse Guedes. “Se isso se resolve em 30 ou 60 dias, a crise estaria mais ou menos endereçada. Agora, vai que isso se precipita e vira uma escalada? Aí, sim, você começa a pensar em subsídio para o diesel”, declarou.
Cadeias globais
Essa é uma leitura idílica da situação internacional. As sanções econômicas de EUA, Canadá, Inglaterra e União Europeia contra a Rússia terão um impacto muito mais duradouro do que o conflito militar propriamente dito. Uma solução negociada para a paz não significa que essas sanções sejam suspensas. O presidente Vladimir Putin pode até forçar uma rendição da Ucrânia, mas não se livrará facilmente do que ele mesmo chamou de “guerra econômica” com o Ocidente.
Nunca houve medidas tão duras contra a economia de um país. O bloqueio imposto à África do Sul por causa do apartheid não chega nem perto. Àquela ocasião, por causa da lei dos direitos civis aprovada nos EUA, todas as empresas americanas saíram daquele país. É o que está acontecendo agora com a Rússia, mas a escala de reação das grandes corporações é muito mais grave, porque todas as principais marcas de produtos e serviços estão se distanciando dos russos.
Além disso, as restrições impostas aos fluxos financeiros desarticulam completamente a integração da economia russa com as cadeias globais de produção e comércio, afetando também as relações com países que não estão adotando sanções, como o Brasil. É uma situação de isolamento superior ao que havia na época da antiga União Soviética, mesmo na guerra fria. Ninguém sabe direito como a Rússia voltará a conviver com o Ocidente, o que é considerado impossível com Putin no poder.
Pacheco e Eduardo
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), comunicou oficialmente a decisão de não disputar a Presidência da República. A rigor, nunca foi candidato. Sua decisão abriu caminho para que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), aceite o convite do presidente do PSD, Gilberto Kassab, para concorrer à Presidência. Leite estava nos Estados Unidos e deve decidir seu destino até o fim do mês.
Fonte: Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-impacto-da-guerra-chega-ao-brasil-com-aumento-de-combustiveis/
José Serra: Grilagem na Amazônia. É preciso dar um basta
José Serra / O Estado de S. Paulo
Num dos meus últimos artigos, busquei chamar a atenção para os desafios e oportunidades em torno da Amazônia. Nosso mais simbólico bioma, relevante por tantos motivos, passou a estar associado nos últimos anos ao retrocesso brasileiro. Num momento em que governos e sociedades se mobilizam em várias instâncias – como nas Conferências das Partes ou COPS, no âmbito das Nações Unidas – para conter o agravamento do aquecimento global, o Brasil frequenta a imprensa internacional por caminhar na direção contrária: o desmatamento amazônico.
Para que o leitor tenha dimensão do que falo: de agosto de 2020 a julho de 2021, segundo os dados oficiais do Inpe/prodes, 1,32 milhão de hectares de florestas foi derrubado na região amazônica. O equivalente a mais de 5% de todo o território do Estado de São Paulo. Ou seja, mantidos os números, em menos de 20 anos teremos desmatada na Amazônia uma área equivalente a todo o nosso Estado.
Inclusive, o desmatamento amazônico é a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEES) no Brasil. A floresta retira carbono da atmosfera e tem função crítica na regulação do regime de chuvas não apenas da região, afora sua biodiversidade.
Conhecer a dinâmica do desmatamento no bioma é essencial para o desenho de políticas ambientais efetivas. Um diagnóstico incorreto apenas por sorte conduzirá a um tratamento eficaz.
Conforme estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a dinâmica do desmatamento vem passando por mudanças. Se antes a derrubada de vegetação em propriedades e posses rurais era o principal componente de desflorestamento, em anos recentes o principal vetor de desmatamento é a grilagem em terras públicas, em especial no que se denomina de florestas públicas não destinadas (FPNDS). As FPNDS ocupam superfície de 60,7 milhões de hectares do bioma amazônico (14% da área total), o equivalente a quase duas vezes e meia o território do Estado de São Paulo.
A falta de destinação das FPNDS pelos entes responsáveis (Estados e, em especial, União) tem aberto caminho para um processo crônico e crescente de grilagem de terras públicas, seguido por desmatamento. São ilícitos sobrepostos: a apropriação de patrimônio público combina-se com a devastação ambiental. De acordo com dados do Inpe, em 2020 as FPNDS responderam por 32% do desmatamento no bioma; no primeiro trimestre de 2021, por 33%.
Paradoxalmente, o desmatamento de FPNDS tem se apoiado no uso fraudulento de um instrumento criado pelo Código Florestal de 2012: o Cadastro Ambiental Rural (CAR). O CAR é um instrumento cuja finalidade exclusiva é integrar as informações ambientais de imóveis rurais, servindo de base de dados para controle, monitoramento, planejamento econômico-ambiental e combate ao desmatamento. No entanto, o CAR tem sido empregado por grileiros para comprovação de posse ou propriedade de terras públicas, embora não tenha natureza fundiária ou validade legal para isso.
Segundo o Ipam, o registro ilegal no CAR precede a invasão de terras públicas e seu desmatamento, compondo um ciclo: o CAR, ao dar aparência de regularidade à posse ilegal de terras públicas, facilita a obtenção dos recursos financeiros que serão usados no desmatamento, verdadeiro investimento predatório; derrubada a floresta, por vezes em associação com a pecuária extensiva, os grileiros aguardam a próxima rodada de regularização da ocupação ilícita; ao fim, legalizada a invasão, a área torna-se um ativo no mercado fundiário, com o que se estimulam novas rodadas de invasões e desmatamento.
Os números são alarmantes! Até 2020, 18,6 milhões de hectares de FPNDS foram declarados ilegalmente como imóveis particulares no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), ou 30,6% da área total de FPNDS na Amazônia Legal, um aumento de 232% em relação a 2016. Adicionalmente, o Ipam informa que 44% dos cadastros sobrepostos a FPNDS abrangem grandes áreas, o que indica a prática da atividade ilegal por agentes com poder econômico. No período de 2016 a 2020, tanto o desmatamento quanto os focos de incêndio em FPNDS foram mais frequentes nas áreas com registro no CAR.
O problema, pois, requer intervenção da parte de diferentes atores. Antes de tudo, o desmonte do aparato de fiscalização ambiental e fundiária, em especial no âmbito da União (Ibama, Incra, Inpe, ICMBIO etc.), precisa ser revertido. Os projetos de regularização fundiária geral e irrestrita, tão recorrentes nos Legislativos, estimulam a indústria da invasão e do desmatamento, verdadeiros prêmios à grilagem. As FPNDS deveriam ser transformadas em unidades de conservação, terras indígenas ou áreas de uso sustentável dos seus recursos, por meio de concessão florestal ou uso pelas populações tradicionais, vedada sua conversão para usos alternativos e predatórios. O uso fraudulento do CAR deve ser criminalizado, e todos os registros sobrepostos a terras públicas devem ser cancelados.
O Brasil demonstrou, num passado nem tão distante, que sabe fazer política ambiental. Podemos e devemos retomar essa história.
*Senador (PSDB-SP)
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,amazonia-fraudes-e-grilagem-em-terras-publicas,70004003324
Maria Hermínia Tavares: O funeral do PSDB
Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo
A saída de Geraldo Alckmin do PSDB rumo ao PSB e à Vice-Presidência na chapa de Lula pode ser comparada à missa de sétimo dia de um partido que foi uma das vigas mestras do sistema político inaugurado com a democracia, nos longínquos anos 1980. Indistinguível de outras de igual porte, a legenda continuará à disposição dos que ambicionam fazer da política uma profissão.
Na sua origem, o PSDB foi a agremiação centrista de construtores da democracia; de reformadores moderados da economia e das estruturas do Estado; e de inovadores no terreno das políticas sociais. Sustentou com o PT, embora apenas no plano nacional, competição eleitoral centrípeta, que tornou possível a estabilização das regras democráticas e significativo progresso social.
Aproximava-os o compromisso com a democracia; com a garantia das liberdades; e a busca de maior equidade. Distanciavam-se na importância atribuída à moderação fiscal; às atribuições do setor público e dos mercados; e às formas de obter reconhecimento no exterior.
Quando, no poder, o PT conseguiu dominar todo o território do centro à esquerda, o PSDB foi deslizando para a direita, recrutando ali quadros e a maioria do seu eleitorado, ao tempo em que mudavam suas bandeiras e valores. Até 2014 —mas só nas disputas presidenciais— o partido foi o desaguadouro dos votos antipetistas de todos os matizes da direita: ultraliberais ou conservadores; republicanos ou patrimonialistas; democratas ou nostálgicos da ditadura.
Os tucanos começaram a minar seu próprio chão assim que, no dia seguinte à derrota de 2014, Aécio Neves contestou o resultado das urnas —pedra de toque do sistema do qual era um dos fiadores.
O partido continuou a fazê-lo ao aceitar, com malandro entusiasmo, a apropriação da Lava Jato contra seu principal adversário e ao embarcar alegremente na operação —para sempre sujeita a controvérsias— de destituir Dilma Rousseff, dando sustentação ao professor Michel Temer —um substituto com legitimidade contestada e apoio popular zero. A sigla morreu em 2018, quando seus eleitores tradicionais migraram em massa para Jair Bolsonaro, uns a contragosto, outros exultantes por encontrar, enfim, o chefe de suas afinidades.
O PSDB foi a principal vítima da crise política que ajudou a dar à luz e a nutrir, abrindo as portas para o que há de mais primitivo e cruel no país. Deixou órfãos —e a reboque dos ultras— políticos e eleitores que poderiam dar sustentação a uma direita civilizada como as democracias sempre comportam. Mas que nenhum dos candidatos da chamada terceira via parece, por ora, ser capaz de agregar.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2022/03/o-funeral-do-psdb.shtml
Maria Cristina Fernandes: Gás para começar outra vez
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
O almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira chegou à presidência do Conselho de Administração da Petrobras junto com o governo Jair Bolsonaro. O estatuto prevê que seu mandato, de até dois anos, poderia ser renovado três vezes consecutivas.
O almirante poderia, portanto, atravessar o próximo mandato presidencial inteiro, mas deixará o cargo sem que apresente óbices a seu exercício.
Se aprovado pela mesma assembleia, o engenheiro Rodolfo Landim poderá, no limite, manter o cargo até 2030, atravessando os dois próximos mandatos presidenciais.
A escalada dos combustíveis é tão danosa que a troca é associada ao impulso do presidente em meter a mão na política de preços da estatal.
Cálculos independentes já apontam defasagem no preço determinado pela política de paridade internacional, de 25% a 30%. A vontade do presidente já tem sido, de alguma forma, contemplada. Para atendê-lo mais ainda seria preciso enfrentar o câmbio, os projetos de lei que tramitam no Congresso, além do superveniente Vladimir Putin.
O conselho para cuja presidência Landim foi indicado supervisiona a política de preços, mas quem a gere é a direção da empresa. O general Joaquim da Silva e Luna é seu titular desde fevereiro de 2021, quando substituiu Roberto Castello Branco, executivo indicado pelo ministro Paulo Guedes.
Ao longo dos 13 meses de coabitação entre Leal Ferreira e Silva e Luna, almirante e general convergiram. São oficiais que continuaram a se desincumbir de suas funções, como em postos pregressos, o comando da Marinha, no caso do almirante, e o Ministério da Defesa e a presidência de Itaipu, no caso do general. Ambos com pouco domínio sobre a indústria do petróleo mas obedientes às regras estabelecidas e à preservação de seus currículos.
São duas as principais regras de que cuidam, as políticas da empresa, entre as quais a de preços, e aquelas da governança estabelecidas depois da Lava-Jato. Se os combustíveis estão a exigir flexibilidade no mundo inteiro, pela pandemia e, agora, pela guerra, sobre a governança não há fatos da conjuntura a impor mudanças.
Nas três vezes em que Silva e Luna foi convocado ao Congresso em 2021 ficou clara a escalada da investida sobre sua gestão. Mais do que a política de preços, foi o abastecimento das termelétricas pela Petrobras que municiou as audiências públicas.
Por ali desfilaram os defensores das termelétricas. De Uruguaiana a Manaus, passaram pelas dificuldades de empresas em todo o país. Na titularidade das termelétricas cujas agruras foram ali compartilhadas, estão tradicionais empresários do setor, como Carlos Suarez, o S da OAS, ou grupos como o JBS, de Wesley e Joesley Batista, e Eneva, que tem no BTG de André Esteves, seu principal acionista.
Essas agruras se acumulam desde que as termelétricas, planejadas para serem abastecidas por gás abundante e barato, viraram mico - pelo preço e pelas exigências ambientais que movem energias alternativas para as quais o Brasil é vocacionado.
Esses micos têm sido empurrados à Petrobras por todas as gestões do PSDB ao PT, passando - e como - pelo MDB de Michel Temer. Com a Petrobras sob a rédea do departamento de justiça americano, as termelétricas buscaram o velho abrigo da Eletrobras na MP que resultou na privatização do interesse público e socialização de prejuízos privados.
Aos R$ 84 bilhões que foram empurrados goela abaixo do consumidor de energia pela contratação obrigatória de termelétricas em lugares onde não há gás para abastecê-las, planejava-se um acréscimo de R$ 33 bilhões. Este era o valor calculado para a construção de gasodutos que deixaria de ser custeado pelas empresas para onerar o contribuinte.
De um único parlamentar, Elmar Nascimento (União Brasil -BA), Silva e Luna ouviu 14 perguntas. Depois de comandar a Comissão Mista que elaborou o Orçamento de 2021, o parlamentar recebeu a relatoria da MP da Eletrobras, prestígio que só aliados incondicionais do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, podem almejar.
Tal foi o empenho parlamentar na reparação das agruras do setor, que os vigias da moralidade pública acordaram do sono eterno e resolveram barrar o brinde adicional embutido em outra MP.
Foi sob este clima que o Congresso encerrou os trabalhos em 2021. Sem ter como tirar mais da Eletrobras ou do consumidor de energia, restava buscar uma alternativa na boa e velha Petrobras. Seria preciso achar um jeito de compensar os acionistas minoritários e penhorar o majoritário. A trilha sonora já estava pronta - “Começaria tudo outra vez”, de Gonzaguinha.
Os trabalhos mal haviam sido retomados este ano no Congresso quando veio a notícia de que Rodolfo Landim havia sido indicado para presidir o Conselho de Administração da Petrobras. Engenheiro da estatal por 26 anos, Landim, se aprovado pelos acionistas, chegará ao conselho na condição de único, no colegiado, a entender, de fato, do negócio de petróleo e gás.
Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, foi gerente-executivo da unidade de gás natural, presidente da Gaspetro, integrante do Conselho de Administração da TGB, que transporta gás da Bolívia para o Brasil e, finalmente, no governo Dilma Rousseff, chegaria à presidência da BR Distribuidora.
Foi a mesma época em que outros gerentes da empresa ganhariam o estrelato, como Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa. Landim enfrentou, ainda, os lobbies sindicais da estatal.
A experiência acumulada no setor o levou para o grupo de Eike Batista, titular de termelétricas, entre as quais a Termoceará, um dos micos empurrados para a Petrobras, e a Eneva, hoje com o BTG.
Landim move processo contra Eike e é alvo de ação penal por suposta gestão fraudulenta envolvendo recursos do fundo de pensão da Petrobras por parte de sua gestora de investimentos.
Ninguém duvida de que o cartola do Flamengo tem competência técnica para submeter a atual direção da Petrobras a permanente escrutínio. O estatuto confere este poder ao conselho. Tampouco se duvida que, se Bolsonaro perder a reeleição, o sucessor pressionará pela troca de Silva e Luna. Já Landim conhece tudo e a todos.
Sua indicação, a 10 meses do fim do governo, é o gesto até aqui mais ousado do parlamentarismo branco. Ainda que à sua revelia, há uma aposta de seus padrinhos. A de que mesmo que não seja preciso, nem desejável, daria para começar tudo outra vez.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/gas-para-comecar-outra-vez.ghtml
Eugênio Bucci: A guerra mundial contra os fatos
Eugênio Bucci / O Estado de S. Paulo
Vladimir Putin é um tirano bonapartista, típico do século 19. Para ele, a prosperidade só vem com o alargamento dos domínios territoriais. Exibicionista, proclama que seus armamentos são maiores que os dos outros. Aboletado no Executivo, atropela o Legislativo, subjuga o Judiciário e banca o pai forte do povo, passando por cima das mediações da democracia.
Outra faceta do autocrata de Moscou é sua obsessão por idolatrar o passado. O futuro dos sonhos dele é a restauração de uma fantasiosa glória pretérita (a sua “grande Rússia” parece o decalque de um mapa mistificado do século 18). Na verdade, mais do que bonapartista, seu ideário tem marcas de fascismo bruto.
Já se disse que a ambição do presidente russo poderia ser sintetizada no bordão “make Russia great again”. A boutade procede. O sujeito tem ares de um Trump em cenários de KGB, um Trump sem freios nem contrapesos. Aliás, ele faz tudo o que Trump gostaria de fazer e não consegue. Para trazer a conversa um pouco mais aqui para o nosso lado, ele é tudo o que Jair Bolsonaro gostaria de ser e jamais conseguirá ser. O russo parece um destes vilões trilionários de filme de 007, enquanto o presidente brasileiro nunca passou de lobisomem chinfrim de comédia de Mazzaropi. Vai daí que, tolerado pela China, bajulado pela Venezuela e elogiado discretamente por Trump, Putin é secretamente invejado pelo inquilino do Palácio da Alvorada.
Em resumo, quando o assunto é Vladimir Putin, figuras que parecem não ter nada em comum, como Maduro e Bolsonaro, entram num balé sincronizado. Por que será? O que faz vibrar na mesma frequência o trumpismo dos terraplanistas e o confucionismo maoísta do Partido Comunista Chinês? Por que os autocratas de Caracas, que enchem a boca para falar em “guerra anti-imperialista”, ganham eco no Palácio do Planalto, cujos ocupantes discursam em nome de “Deus” e da “família”? Que eixo transcontinental é este, tortuoso e rijo, que alinha corpos terrestres tão díspares?
As respostas para tais perguntas costumam denunciar equívocos nas análises de uns e outros, como se o apoio ao tirano russo decorresse de um defeito da razão ou de equívocos involuntários. Essas respostas têm sentido, claro, mas talvez não sejam a melhor explicação. É mais provável que o eixo libidinal do putinismo não tenha nada que ver com a razão – nada que ver com Otan, com fertilizantes, com petróleo, agronegócio ou geopolítica –, mas com o desejo. Os fãs de Putin, por mais arestas que tenham entre si, cultivam o mesmo ódio apaixonado e selvagem contra o que a civilização nos legou de melhor: o pensamento crítico, a liberdade em feitio de fraternidade e o primado da verdade de fato, também conhecida como verdade factual.
Eis por que estes brucutus que não sabem a diferença entre Crimeia e cremalheira se excitam diante das atrocidades milimetricamente calculadas pelo artífice da invasão armada da Ucrânia, que já matou aproximadamente 500 civis e já provocou a fuga de 2 milhões de pessoas. Putin angaria os fãs que tem – amuados ou ruidosos – não apesar de assassinar inocentes, mas justamente por não ter hesitação em dizimar quem quer que seja. Seu poder de atração não vem de um cálculo estratégico frio, mas do arrojo tanático, do manejo inescrupuloso do terror, da ausência de princípios e da desumanidade.
Agora, o ditador deflagrou uma guerra mundial contra a verdade de fato e contra a imprensa. Na sexta-feira, 4 de março, a Duma (o Parlamento russo), manietada por ele, aprovou uma lei proibindo o uso de palavras como “guerra” ou “invasão” para descrever os ataques russos contra a Ucrânia. Conforme estabelece a nova legislação, a guerra deve ser chamada de “operação militar especial”. Twitter e Facebook foram bloqueados. Os sites da BBC, da Voz da América e da Rádio Free Europe, interditados. O acesso à Deutsche Welle foi limitado. Ameaçadas, agências internacionais suspenderam ou reduziram as atividades no país. A guerra mundial contra a verdade dos fatos faz vítimas no mundo todo.
No lugar dos fatos, entram em cena as mentiras oficiais. Segundo a semântica do Kremlin, a “operação militar especial” foi deflagrada para libertar o povo ucraniano do “neonazismo”, e ninguém pode falar contra. Desde o dia 24 de fevereiro, estima-se que mais de 13 mil pessoas foram presas em protestos contra a guerra. Somente no domingo, dia 6 de março, as autoridades prenderam 4,3 mil manifestantes em Moscou e outras cidades, segundo números da ONG OVD-INFO.
Putin sabe que seu triunfo, cada vez mais incerto, depende de um nível planetário de desinformação industrializada e profunda. Seus apoiadores, velados ou descarados, sabem que estão no mesmo barco: se a verdade factual prevalecer, estão perdidos. Passa por aí a identidade dos estranhos que o admiram e a ele juram “solidariedade”. São “solidários” no repúdio às liberdades e aos direitos, são “solidários” na indústria internacional das fake news. Não é por ignorância que aplaudem o novo senhor da guerra – é por ódio.
*Jornalista, é professor da ECA-USP
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-guerra-mundial-contra-os-fatos,70004003298
Míriam Leitão: A Câmara deu um tapa na cara do país ao aprovar urgência do tema que tem que ser debatido
Míriam Leitão / O Globo
A Câmara deu um tapa na cara do país com a aprovação da urgência do PL 191. Foi exatamente no dia do Ato da Terra. E não pense o leitor que isso é coisa de artista e de ONGs. O projeto de mineração em terra indígena interessa a meia dúzia de mineradoras e aos garimpeiros e eles não estão atrás de potássio, e sim de ouro e outros metais nobres. O risco para o país é gigante.
Tenho conversado com especialistas de diversas áreas, tanto de agricultura, quanto de mineração e de proteção ambiental. Eles são unânimes. Não é necessário invadir Terra Indígena para aumentar a produção de potássio no Brasil. Pelo contrário, as ocorrências não são lá. São predominantemente em Sergipe, Minas, Amazonas, em terras fora das TIs. Na Amazônia inclusive é antieconômica, porque as minas estão em grande profundidade e perto da calha dos grandes rios. A exploração é de alto custo e além disso há riscos de inundação da mina. É por isso que a Petrobras tem há tanto tempo direitos de lavra e não levou os projetos adiante. E por isso que a Vale também não está lá.
Conversei com João Paulo Capobianco da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e ele disse que os empresários do agronegócio, que estão na Coalizão, acham que esse projeto pode provocar ainda mais barreiras aos nossos produtos, porque o desmatamento e a questão indígena são supersensíveis.
Dois terços das reservas brasileiras estão fora da Amazônia. A Agência Nacional de Mineração tem quase 500 processos ativos de exploração de potássio em andamento e fora das Terras Indígenas. Dentro das TIs há uma quantidade ínfima.
Tenho conversado também com especialistas em agricultura, como Eduardo Assad, da Embrapa, e o que eles dizem é que há alternativas para reduzir a demanda por fertilizantes já desenvolvidas pela Embrapa e pelas universidades. O Brasil poderia cortar à metade a demanda por fertilizantes porque é o maior consumidor do mundo.
O governo sabe tudo isso, mas o que está acontecendo é que o presidente Bolsonaro e presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estão mentindo ao país. O problema é real, a falta de fertilizantes a curto prazo é um fato, mas a solução é falsa e ainda é perigosa. Bolsonaro em qualquer crise vende uma falsa solução que tem muitos efeitos colaterais. É a síndrome cloroquina, como tenho dito aqui.
O PL 191 atende a uma minoria de mineradoras, garimpeiros e maus empresários do agronegócio. A voz que se ouviu através de Caetano Veloso e outros artistas é que representa o interesse real do país.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/camara-deu-um-tapa-na-cara-do-pais-ao-aprovar-urgencia-do-tema-que-tem-que-ser-debatido.html
William Waack: “Bênção” e “maldição”
William Waack / O Estado de S.Paulo
O Brasil não é parte em qualquer conflito internacional agudo de cunho geopolítico, religioso, étnico ou mesmo comercial. Não ameaçamos nem somos ameaçados por nossos vizinhos. Não temos querelas ou questões graves com ninguém lá fora. É uma “benção” mas também uma “maldição”.
Ao conforto dessa realidade corresponde uma grande dificuldade da sociedade brasileira de se preocupar com problemas de segurança internacional e defesa nacional. Quando surgem no debate político eleitoral, questões de política externa ou defesa são de curtíssimo prazo e de cunho estritamente partidário-ideológico.
O Brasil já foi descrito como uma grande ilha de costas para o mar, dada nossa condição geográfica (em termos geopolíticos) de relativo isolamento. Nas relações internacionais geografia é destino, mas mesmo esse destino manifesto de potência regional com muitos vizinhos parece pouco nos interessar.
Falta ao Brasil qualquer capacidade relevante de projetar poder além de suas fronteiras. Mesmo a defesa de nossos ativos estratégicos (como o pré-sal, por exemplo) depende de projetos (submarino de propulsão nuclear) que se desenvolvem sem sentido de urgência (nem de emergência).
Fala-se com muito ímpeto sobre a defesa da “soberania da Amazônia” mas o que realmente ameaça essa inigualável riqueza não vem de fora. A maior ameaça à Amazônia é nossa própria incapacidade de fazer valer nossas leis e gerir nossas riquezas.
Mesmo o poder de uma potência regional depende de base industrial, expansão da produtividade e da atividade econômica. A indústria brasileira encolheu nas últimas 2 décadas e a produtividade está estagnada há mais tempo ainda. O agronegócio, no qual o Brasil se tornou um campeão mundial, é visto mais pelos outros (como China e Estados Unidos) como fator do jogo global geopolítico do que por nós mesmos.
A guerra na Ucrânia importa tremendamente não só pelas consequências imediatas na bomba de gasolina e no supermercado. O conflito já transformou profundamente o sistema da ordem internacional que o Brasil já teve uma vez pretensões de alterar e resistir ao que lhe pareciam restrições impostas pelas grandes potências (como acesso a tecnologias bélicas, nucleares e de exploração espacial).
O mundo que terminou agora nasceu na queda do Muro de Berlim a 9 de novembro de 1989. A grande manchete dos principais jornais brasileiros (o Estadão foi exceção) no dia seguinte foi “Silvio Santos não é candidato”. Eram as eleições que terminaram com Collor derrotando Lula.
Parabéns a Lula e Silvio, que continuam (cada um na sua) tão ativos.
*JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bencao-e-maldicao,70004003567
Merval Pereira: Estado laico?
É um absurdo que um presidente da República diga a um grupo religioso que vai levar o país para onde eles quiserem. Fossem de qualquer religião, Bolsonaro não poderia assumir esse compromisso, como fez com os evangélicos. Não estamos num governo teocrático, nem num país que se submete a qualquer religião. É um absurdo duplo: campanha eleitoral e declaração pública de que o governo está à disposição de um grupo religioso em troca de votos. Um retrocesso terrível para o país.
O presidente Bolsonaro usa até mesmo ardis políticos para tentar enganar os evangélicos, quando se apresenta uma situação em que seus interesses pessoais ou políticos colidem com os deles. É o caso do projeto de aprovação do jogo no Brasil. Apesar de afirmar aos evangélicos que vai vetá-lo, o projeto é de interesse de sua família. Seu filho Flavio já esteve nos Estados Unidos para reuniões com grandes financiadores dos jogos de azar.
É um perigo, porque sabidamente, no mundo todo, o jogo é ligado à máfia. E aqui no Brasil a máfia são os milicianos, especialmente no Rio, onde os Bolsonaros fazem política há muitos anos. A ligação entre jogos de azar, milícia, máfias e aprovação no Congresso é uma mistura explosiva. Já está combinada com o presidente da Câmara, Arthur Lira, a derrubada do veto.
Não será a primeira vez. O presidente vetou em setembro de 2020 o perdão da dívida das igrejas a pedido da equipe econômica, mas sugeriu a parlamentares da bancada que derrubassem o veto. Foi o que aconteceu. O artigo que havia sido vetado por Bolsonaro concede às igrejas isenção do pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e das multas por não quitação do tributo.
Na ocasião, o Ministério da Economia, que era contra o perdão da dívida, estimou um impacto nas contas públicas da ordem de R$ 1,4 bilhão. Bolsonaro já havia amenizado, a pedido dos evangélicos, as obrigações fiscais das igrejas. O cadastro do CNPJ passou a ser obrigatório apenas para matrizes, e o piso de arrecadação para que uma igreja seja obrigada a declarar suas movimentações financeiras diárias passou de R$ 1,2 milhão para R$ 4,8 milhões.
Quando anunciou que faria mudanças na área cultural “para preservar os valores cristãos”, Bolsonaro defendeu que o novo presidente da Ancine deveria ser um evangélico que conseguisse “recitar de cor 200 versículos bíblicos, que tivesse os joelhos machucados de tanto ajoelhar e que andasse com a Bíblia debaixo do braço”. Nomeou para o Supremo Tribunal Federal (STF) um ministro “terrivelmente evangélico”, seu ex-ministro da Advocacia-Geral da União, o pastor presbiteriano André Luiz Mendonça.
Rui Barbosa promoveu, desde o governo provisório (Decreto 119-A, de 7/01/1890), a separação de Igreja e Estado e a laicidade do Estado, consagrada na Constituição de 1891 e nas Constituições subsequentes. Como diz o ex-chanceler brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras Celso Lafer, a partir daí implantou-se uma nítida distinção entre as instituições, motivações e autoridades religiosas e as instituições estatais e autoridades políticas, “de tal forma que não haja predomínio de religião sobre a política”.
A laicidade significa que “o Estado se dessolidariza e se afasta de toda e qualquer religião, em função de um muro de separação entre Estado e Igreja, na linha da Primeira Emenda da Constituição norte-americana”. Num Estado laico como Rui Barbosa institucionalizou no Brasil, esclarece Lafer, “as normas religiosas das diversas confissões são conselhos e orientações dirigidas aos fiéis, e não comandos para toda a sociedade”.
Quando ainda se falava na possibilidade de nomeação de um ministro do STF “terrivelmente evangélico”, Lafer destacava que a contribuição de Rui para a consolidação e para a vigência do espaço público e das instituições democráticas em nosso país é da maior atualidade, pois “contém o muito presente risco do indevido transbordamento da religião para o espaço público”.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/estado-laico.html