Luiz Carlos Azedo: Orlando Brito fez a crônica do poder, da glória e da solidão
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Sua filha única, Carolina, cuidou dele até o último momento. Mobilizou a solidariedade dos amigos, acompanhou os cuidados dos médicos, tentou convencer o pai a aceitar a nova situação sem se rebelar contra os tubos e aparelhos que o mantiveram vivo nos hospitais públicos de Brasília. O jornalista Orlando Brito foi sepultado ontem no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul, após 34 dias de muita luta. Depois de duas cirurgias no intestino, em decorrência de um câncer, teve falência múltipla dos órgãos. Morreu íntegro e pobre, como acontece com muitos jornalistas, no Hospital de Taguatinga.
Orlando Péricles Brito de Oliveira nasceu em 1950, em Janaúba, Minas Gerais. Como muitos jornalistas da sua geração, começou a carreira muito jovem: em 1964, aos 14 anos, começou a trabalhar como laboratorista no jornal Última Hora, uma porta de entrada das redações; as outras eram a revisão e o trabalho de office boy. A profissão somente viria a ser regulamentada em outubro de 1969. Fez carreira nos principais veículos do país: O Globo, Jornal do Brasil e revistas Caras e Veja. Ao deixar a revista, criou a agência de notícias Obrito News, organizou seminários, deu aulas, fez conferências e palestras. Andou pelos cafundós do Brasil e pelo mundo afora, mas especializou-se na cobertura política.
Fotografou presidentes, ministros, senadores e deputados. O político que não foi flagrado em plena atividade por Orlando Brito passou batido por Brasília. Contou com seu olhar arguto 50 anos de história política do Brasil, com competência e sensibilidade que, na maioria das vezes, dispensava a legenda. Ele traduzia em imagens muitas vezes aquilo que nós, seus colegas da cobertura de política, não conseguíamos enxergar nem escrever.
Mas não foi só isso, como bom mineiro, seguiu o exemplo de Assis Horta, o grande fotografo de A Cigarra, filho de Diamantina, que registrou a vida banal das pessoas comuns, dando a elas a dignidade e a altivez perpétuas, invisíveis para as elites do começo do século passado. Brito fotografou trabalhadores em greve, protestos de estudantes, a vida dos índios, as agruras dos garimpos, a aridez graciliana dos sertões nordestinos. Mas também as personalidades do mundo esportivo e artístico, além cenas do cotidiano de cidades de mais de 60 países. Era um cosmopolita.
Foi o primeiro brasileiro premiado no World Press Photo Prize do Museu Van Gogh, de Amsterdã, na Holanda, o mais cobiçado prêmio de fotojornalismo do mundo. Conquistou o primeiro lugar pelo jornal O Globo, na categoria “Sequências”: registros de um exercício militar, intitulados “Uma missão fatal”. De tanto ganhar o Prêmio Abril de Fotografia, a partir da décima segunda vez foi considerado “hors concours”.
Poder, Glória e Solidão, que empresta o título à coluna, foi seu livro mais importante, dos seis que publicou. É um registro impressionante de episódios e protagonistas da história política do Brasil. Além de excelente repórter fotográfico, Brito era um grande cronista político e contador de histórias. O “making of” de trabalho, em textos bem-humorados e contextualizados historicamente, reúne aulas de bom jornalismo. Muitos deles estão no site Os Divergentes, do qual é um dos fundadores.
Compromisso com a ética
Não tive a fortuna de trabalhar diretamente com Orlando Brito, fazendo dupla nas reportagens, mesmo quando fui repórter da antiga Última Hora, no Rio de janeiro, e no Globo, na sucursal de São Paulo. Entretanto, já como repórter de política em Brasília, compartilhamos muitos momentos da vida política nacional. E aprendi a prestar muita atenção naquilo que o Brito falava, muitas vezes sutis sugestões de pautas. Era impressionante a sua capacidade de ler a alma dos políticos, suas verdadeiras intenções e agruras, pela simples postura. Brito capturava o instante certo.
Assim, passei a fazer parte de uma confraria de jornalistas de política que se reúne regularmente, eventualmente, duas vezes por semana. Como somos da mesma geração, cada qual é um mar de histórias, sendo Brito um oceano. Às vezes, ele saía para fotografar algum evento na Esplanada dos Ministérios. Invariavelmente, voltava satisfeito com o resultado de seu próprio trabalho e nos mostrava as fotos, orgulhoso, antes de publicar: “olha isso, ouro puro”. Educado, delicado, tratava a todos com a mesma urbanidade, mas sabia qual era seu lugar no podium da profissão.
Sua recente diversão era registrar os humores do presidente Jair Bolsonaro e o clima no governo, a partir de detalhes nas solenidades e entrevistas que somente ele conseguia capturar. Previu internações do presidente da República, flagrou momentos de estresse da equipe de governo, antecipou quedas de ministros. Até as rusgas domésticas com a primeira-dama, Michelle, seus olhos atentos conseguiam captar. Volta e meia nos mostrava uma foto e dizia: “essa é impublicável”. Sua ética era impressionante, Orlando Brito respeitava a fronteira entre o público e o privado, nunca foi um paparazzi.
Guerra comercial dos EUA contra a Rússia atinge Defesa do Brasil
Claudio Lucchesi / O Estado de S. Paulo
Longe dos combates na Ucrânia existe uma zona de guerra em que americanos e russos já se enfrentam de maneira não declarada: o mercado mundial de produtos de Defesa. Uma das mais recentes vítimas desse confronto pode ser uma aeronave essencial para a defesa do Brasil na Amazônia, o helicóptero de ataque Mil Mi-35M, operado pela Força Aérea Brasileira (FAB), mas fabricado na Rússia.
Em fevereiro, a FAB oficializou a desativação dos Mi-35M da FAB, num processo que deve estar concluído em 31 de dezembro – ou seja, nessa data, nem um único dos 12 helicópteros hoje em serviço estará mais ativo. O documento da Aeronáutica, porém, não aponta nenhuma razão para a “aposentadoria” dos helicópteros, adquiridos novos de fábrica, com pouco mais de dez anos de uso.
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Em serviço na Amazônia, os helicópteros russos se revelaram úteis e eficazes, inclusive no combate a voos ilícitos, muitos a serviço do narcotráfico. Em 2018, tenente-coronel aviador Rômulo Amaral, comandante da unidade que opera o Mi-35M, em entrevista à revista do fabricante russo, destacou a confiabilidade dos Mi-35M em condições climáticas difíceis e áreas selvagens. “Podem pousar em qualquer superfície dura, em áreas remotas”, disse.
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Além disso, o Mi-35M é o único helicóptero de combate no mundo capaz não só de atuar como aeronave de ataque, mas também para assaltos de tropas e comandos, podendo levar até oito soldados armados, retirar feridos e transportar técnicos para locais remotos.
Sanções
Estranhamente, não existe nenhum substituto à caminho, e a FAB deixará de ter uma aeronave com as suas capacidades. Na Aeronáutica, a explicação é a falta de dinheiro para operar os helicópteros. Especialistas e técnicos envolvidos com o programa do Mi-35M, ouvidos pela reportagem em condição de anonimato, apontam uma outra razão: as sanções dos EUA à Rússia.
Entre as empresas incluídas na lista de sanções americanas estão a Russian Helicopters e a Rostvertol, que produzem as aeronaves. Hoje, qualquer instituição financeiras que fizer negócio com as empresas russas podem sofrer punições.
Mas os Mi-35M são apenas parte do “dano colateral” da disputa entre russos e americanos. Nos últimos cinco anos, os EUA têm atuado diretamente na briga por contratos de Defesa com a Rússia. “As sanções se tornaram um instrumento de concorrência desleal e estão servindo para nos expulsar de certos mercados”, disse Viktor Kladov, diretor da estatal russa Rostec, que reúne empresas russas que atuam no setor.
Helicóptero da FAB é 'vítima colateral' das sanções norte-americanas contra a Rússia, do presidente Vladimir Putin, pela invasão à Ucrânia. Foto: Sergey Guneev/Kremlin via Reuters
Segundo Kladov, contratos já firmados com outros países foram cancelados por pressão dos EUA. As ameaças americanas, no entanto, podem também ser um tiro no pé e criar situações incômodas com aliados como a Índia, vista como peça-chave para conter a expansão chinesa na Ásia e, ao mesmo tempo, parceira tradicional da Rússia em sistemas de Defesa.
Desenvolvimento
Kladov diz que as sanções não afetam apenas a Rússia, uma vez que diversas empresas ocidentais lucram em acordos com os russos. “As sanções sempre têm efeitos negativos em ambos os lados”, disse. “É verdade que estamos perdendo oportunidades. Mas tenho certeza que nossos parceiros americanos e europeus também não estão satisfeitos com as restrições.”
Um resultado disso foi a substituição, na indústria militar russa, de componentes ocidentais pela produção local. Em janeiro, a OAK (Corporação Aeronáutica Unificada), holding que reúne os fabricantes aeronáuticos russos, entregou à aviação naval os primeiros caças multifuncionais Sukhoi Su-30SM2. Segundo o especialista búlgaro Alexander Mladenov, a principal vantagem do Su-30SM2 é que os componentes eletrônicos da versão anterior, que eram fornecidos pelos franceses, foram substituídos por similares russos.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://www.estadao.com.br/internacional/guerra-comercial-dos-eua-contra-a-russia-atinge-defesa-do-brasil/
Alon Feuerwerker: Uma barreira não trivial
Alon Feuerwerker / Análise Política
A cada eleição vem o desafio de tentar projetar qual será o fator decisivo para o eleitor. Desde a vitória de William Jefferson Clinton na corrida à Casa Branca, em 1992, o senso comum adotou o “é a economia, estúpido” celebrizado pela marquetagem dele. A economia, os empregos, a inflação seriam os vetores-chave para o eleitor oscilante definir em quem vai votar. Mas é sempre bom ter um pé atrás com o senso comum. Mesmo que seja para, ao final, concordar com ele. Sempre é bom dar uma olhada nas demais variáveis.
E a Covid-19? Desde a eclosão da beligerância armada na Ucrânia, ela desapareceu da tela das preocupações da opinião pública. Mas os números são objetivos, e teimosos. Neste momento, a média móvel diária de mortes nos últimos sete dias está na casa dos quinhentos. A de casos, em cinquenta mil. Das outras vezes em que bateu nesses patamares nos dois anos da pandemia adotaram-se, ou já estavam em vigor, medidas duras. Desta vez, a regra é o liberou geral, o abandono completo das providências sanitárias.
Inclusive do uso das máscaras. Qual a racionalidade de abolir o uso de máscaras quando morrem quinhentos por dia de Covid-19?
Deve haver alguma explicação científica, mas não é disso que se trata. Se, eventualmente, as curvas continuarem elevadas ali no desfecho da campanha eleitoral, e se o liberou geral continuar a regra, como o eleitor vai reagir? Qual argumento ele vai aceitar melhor? Que o que tinha de ser feito, especialmente a vacinação, foi feito e que o negócio é tocar a vida ou que as providências draconianas adotadas nos dois anos anteriores foram exageradas, como certamente argumentará o presidente e candidato à reeleição?
E qual será o peso da agenda conservadora e das questões relacionadas à segurança pública? Aqui eu arriscaria dizer que ambas vão ser relativamente menores que quatro anos antes. No primeiro caso, é sensível que o conservadorismo arrefeceu em escala global, e no Brasil, parte da substância de formação de opinião exibida anos atrás. Perdeu “momentum”. No segundo, as pesquisas são unânimes ao apontar que saúde, inflação e empregos ganharam peso nas preocupações do eleitor. Efeitos da Covid-19 e das consequências.
Mas e se a tese de James Carville, o estrategista de Clinton em 92, estiver novamente certa? E se for “a economia, estúpido”?
Como previsto, esta passagem de ano está assistindo a uma recuperação, lenta mas recuperação, da atividade e do emprego, e as projeções de mercado apontam para um menor aquecimento dos preços, decorrente da política monetária. Qual será o impacto inflacionário do aumento no custo dos combustíveis decorrente da crise internacional? Como o BC vai reagir? Corremos o risco de abortar a recuperação e chegar à eleição com a economia patinando?
Todas as pesquisas mostram Jair Bolsonaro competitivo para outubro, indicam que a luta da terceira via para tirar o presidente do segundo turno é batalha morro acima. Mas os desafios, especialmente na economia, que o governo tem pela frente nestes meses não são triviais. O principal deles: como minimizar o impacto da crise planetária sobre a vida material dos brasileiros sem perder a marca de “defensor e protetor dos mecanismos do livre mercado”?
E tem a pauta da corrupção. Ele parece meio fora de moda. Mas vai saber?
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2022/03/uma-barreira-nao-trivial.html
Construção de submarino nuclear da Marinha brasileira corre risco de naufragar
Roberto Maltchik / O Globo
RIO - Há pouco mais de duas semanas, o poder bélico das nações era assunto restrito aos círculos militares, à indústria de defesa e aos especialistas do setor. Após o dia 24 de fevereiro, isso mudou. Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, deu início à mais grave e perigosa guerra na Europa desde a derrota de Hitler e jogou luz sobre a capacidade de cada país se defender de ameaças externas. No caso do Brasil, o instrumento de dissuasão mais almejado é o submarino com propulsão nuclear. O problema é que esse projeto enfrenta riscos e pode naufragar. Os obstáculos já existiam antes. Com guerra, ficaram maiores.
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O Submarino Convencional de Propulsão Nuclear (SCPN) Álvaro Alberto é a joia da coroa do Prosub, um programa de grande impacto e orçamento multibilionário lançado em 2008. Ele também prevê a construção de quatro submarinos convencionais. Todos são fruto de uma parceria estratégica entre Brasil e França.
Para a Marinha, o SCPN é o mais importante projeto tecnológico do Brasil na atualidade e, quando pronto, significará um formidável ganho operacional no Oceano Atlântico. Na comparação com um convencional, será mais rápido, terá mais autonomia e capacidade de manter-se oculto por longos períodos em águas profundas.
O SCPN também é sinônimo de prestígio internacional. Submarino nuclear é coisa para poucos. Hoje, apenas os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, China, Rússia, França e Reino Unido), além da Índia, detêm essa tecnologia. Essas seis nações também já fizeram suas bombas atômicas.
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O Brasil pode ser o primeiro país a submeter à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) um modelo de salvaguardas tecnológicas (o mecanismo de proteção e de vistoria componentes sensíveis) voltado a um submarino movido com combustível nuclear e armas convencionais, como torpedos de alta precisão, minas e mísseis SM 39 Exocet. Se demorar demais, no entanto, será superado pela Austrália, que recentemente fechou uma parceria com os Estados Unidos e o Reino Unido para ter o seu próprio submarino de propulsão nuclear.
Questões no caminho
Para entender a raiz dos problemas do SCPN, antes é preciso compreender como esses seis países veem os planos da Marinha brasileira. Na avaliação de almirantes da ativa, oficiais da reserva que participaram do programa e especialistas do setor, o Brasil terá enormes dificuldades para seguir em frente no que depender dos interesses estratégicos dessas nações. E o SCPN depende dessa cooperação, em especial com os Estados Unidos e seus aliados militares.
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Em 24 de maio de 2021, quase um ano antes da primeira bomba explodir na Ucrânia, a Marinha promoveu um evento no Complexo Naval de Itaguaí (RJ), onde são construídos os quatro submarinos de propulsão convencional. O lugar também foi projetado para receber o submarino de propulsão nuclear. No evento, o então diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico, o almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen, fez um balanço detalhado das atividades. Ali já se tornariam evidentes os nós enfrentados pelo programa.
O financiamento de todo o Prosub, embora volumoso (já recebeu mais de R$ 27 bilhões), sofre com a imprevisibilidade. Entre 2015 e 2021, os recursos para o programa ficaram aquém do planejado. Até meados do ano passado, o submarino nuclear havia recebido investimentos da ordem de R$ 810 milhões. Neste ano, as chapas de aço prensado do casco foram contratadas e devem ser entregues até dezembro.
Esse fluxo financeiro não compromete o sucesso dos submarinos convencionais. Há atrasos, especialmente por adaptações para o alongamento do casco original, que foram executadas a pedido da Marinha. Mas a meta da Força é entregar a quarta e última unidade, o submarino Angostura, em fevereiro de 2025.
Porém no caso do submarino nuclear, a instabilidade de recursos se alia ao desafio tecnológico de desenvolver um reator que se encaixe perfeitamente — e com segurança — dentro da embarcação, submetida à alta pressão e a turbulências de toda ordem. E a indústria brasileira, como revelou na ocasião o almirante Olsen, não dá conta de fornecer essas tecnologias críticas.
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— O acesso às tecnologias sensíveis é determinante, à medida que a nossa base industrial de defesa se mostra ainda incipiente. Acaba que não tenho fornecedores no Brasil que atendam aos requisitos nucleares — explicou o almirante durante sua apresentação no Complexo de Itaguaí, na qual lamentou a falta de empenho da academia em pesquisa aplicada no setor.
A Marinha já desenvolveu o ciclo de produção de energia nuclear que, desde 1985, permite o funcionamento da Usina de Angra 1. Falta, porém, a capacidade de desenvolver componentes que permitam a esse mesmo reator (chamado de PWR) operar com total segurança nas dimensões e características necessárias e, depois, integrá-lo às outras estruturas do submarino.
Essas lacunas ameaçam todo o projeto, inclusive a etapa imprescindível de reprodução em terra das condições que serão encontradas no mar pelo reator atômico e por seus componentes. Essa reprodução ocorrerá no Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene), em Iperó (SP), que é uma maquete de tamanho real do SCPN.
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O laboratório avança, porém em ritmo aquém do desejado. Sua preparação, de alta complexidade, estaria cerca de sete anos atrasada em relação ao cronograma inicial, segundo um oficial ligado ao programa. Espera-se que Labgene trabalhe tal como um reator que opera dentro do submarino no final de 2024 — o SCPN está previsto para 2034. Para que isso aconteça, é preciso ir ao mercado, que já estava de portas fechadas.
— A minha maior preocupação diz respeito ao acesso a tecnologias sensíveis. E os Estados Unidos interferem não só com relação àquelas encomendas a empresas americanas, mas a de outros países — afirmou Olsen, em maio do ano passado.
Efeito Putin
Desde fevereiro, somam-se os potenciais prejuízos causados pela guerra. A conta não é simples e os obstáculos adicionais ultrapassam o aparente desgaste causado pela “solidariedade” do presidente Jair Bolsonaro à Rússia, emprestada dias antes da invasão da Ucrânia, em visita a Moscou. Militares e civis concordam que o mundo passou a ter aversão a todas as questões relacionadas à capacidade de produção nuclear.
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O professor da PUC-MG Eugênio Diniz, do International Institute for Strategic Studies, de Londres, ex-presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais (Abri) e parecerista da Nonproliferation Review, aponta obstáculos importantes.
— É possível que o ambiente tenha se tornado particularmente difícil para todas as questões envolvendo a capacidade de produção e a utilização de material nuclear, o que pode implicar maior dificuldade ou mesmo a impossibilidade de obtenção de peças e componentes críticos para o submarino, e, naturalmente, também de licenças para sua produção no Brasil. Por si só, isso já pode ter sido um duro golpe na continuidade do programa do submarino nuclear — avalia Diniz.
Desatenção do governo
Mas isso significa que o programa do submarino de propulsão nuclear brasileiro está ferido de morte? Em sua apresentação no ano passado, o almirante Olsen disse que é preciso “fazer o dever de casa”. O especialista em segurança e editor do site Defesanet, Nelson During, avalia que falta compreensão, em todos os níveis de governo, sobre o estágio crítico do projeto:
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— O objetivo primordial é obter uma unidade nacional. Ele não é somente militar ou tecnológico. É um projeto de projeção e soberania nacional.
Nas últimas três semanas, a Marinha foi procurada para se pronunciar sobre o tema. A reportagem encaminhou um questionário sobre aspectos técnicos e políticos referentes ao programa, mas a Força preferiu não comentar o assunto. A embaixada americana em Brasília também foi procurada e não se pronunciou.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/epoca/brasil/construcao-de-submarino-nuclear-da-marinha-brasileira-corre-risco-de-naufragar-25429401
Ascânio Seleme: Presidente, o Estado é laico
Ascanio Seleme / O Globo
Alguém consegue imaginar Fernando Henrique Cardoso chorando copiosamente diante de pastores evangélicos e dizendo que conduziria o país na direção que eles desejassem? Ou Lula? Ou Michel Temer? Não, jamais. Trata-se de cenário impensável até três anos atrás. Agora, com Bolsonaro, um episódio desse não apenas é possível como de fato aconteceu. O presidente ofereceu a Nação brasileira a líderes evangélicos em cerimônia no Palácio do Planalto na terça-feira passada. E o que se viu? O Congresso reagiu com a força que a situação exigia? Não. O Supremo reagiu? Nada, ninguém se mexeu. Bolsonaro confrontou um dos princípios fundamentais da Constituição, que estabelece a laicidade do Estado, e ninguém se abalou.
Claro que Bolsonaro é um oportunista, estava fazendo campanha no horário de expediente e jamais conseguiria submeter o Estado brasileiro à vontade do grupo religioso que o abençoava com promessa de votos. Mas a simples intenção de terceirizar o poder concedido pelo eleitor é um absurdo que merecia a mais ampla desaprovação de todos. Não houve admoestação porque ninguém mais dá bola para as seguidas infrações ao bom senso e à ética e aos inúmeros crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente. O fato, contudo, escancara uma linha de ação que Bolsonaro vem seguindo desde a sua posse e será mantida no caso da sua reeleição. E se constitui em grande problema a ser enfrentado.
Ninguém tem dúvida de que o presidente fará novas concessões a igrejas evangélicas se for reeleito, o que não significa entregar o Estado aos seus desígnios, como ele afirmou na cerimônia no Planalto. Mas estas concessões são importantes e se apresentam na forma de isenções fiscais, que enriquecem igrejas, bispos e pastores, como projetos de lei moldados à semelhança do conservadorismo religioso da turma, ou vetos igual ao prometido para o projeto que libera jogos no Brasil. Poucos as consideram adequadas e moralmente aceitáveis. Mesmo aqueles mais devotos, mas que conseguem discernir o certo do errado, entendem o equívoco deste alinhamento automático.
Os evangélicos somam 31% da população brasileira, segundo o Datafolha. São quase um terço do total, o que não é pouca coisa. Muitos fiéis agem como verdadeiros rebanhos e seguem cegamente as orientações de seus pastores, inclusive as políticas. Por isso, eles têm tanto valor em época de campanha eleitoral. Por isso também, Bolsonaro promete entregar aos seus líderes o que não lhe pertence. Apenas entre os evangélicos o presidente bate Lula nas intenções de voto, segundo as mais recentes pesquisas eleitorais. Lula ganha em todos os segmentos e perde com dez pontos de diferença para o seu rival entre os evangélicos. Diante disso, é fácil entender a promessa e as lágrimas do presidente.
Lula também conversa com líderes evangélicos, embora sua tática seja tentar ganhar o apoio diretamente do fiel, falando com ele, na sua linguagem. Da mesma forma ele faz promessas, mas não oferece o comando da Nação, como Bolsonaro. O PT perdeu sua base evangélica ainda no governo de Dilma Rousseff, que esticou a corda a favor de valores que considerava corretos e modernos, mas sem fazer o necessário cálculo político. De lá para cá, a bancada evangélica no Congresso foi gradualmente se alinhando com as pautas mais conservadoras e hoje faz coro com os extremistas de direita que apoiam Bolsonaro incondicionalmente.
Essa bancada é formada por bispos e pastores das mais importantes e ricas igrejas evangélicas do país. No governo, na Esplanada dos Ministérios, entre as autarquias e estatais, o presidente assentou outro bom número de líderes religiosos em cargos do primeiro e do segundo escalões. No Supremo, como prometido, Bolsonaro estacionou o “terrivelmente evangélico” André Mendonça. São esses homens, deputados, senadores, ministros, presidentes e diretores de empresas públicas e juízes evangélicos que conduzem os fiéis. São líderes incontestáveis em suas igrejas. Cargos e funções importantes causam impacto entre os fiéis mais simples, pagadores de dízimos, que creem em Deus e temem o juízo final. A estes, Bolsonaro promete o céu.
O que mudou?
O Tribunal de Contas da União revelou esta semana que conseguiu economizar para os cofres da União R$ 54 bilhões em 2021. Um valor extraordinário, considerando que cabe ao TCU evitar erros administrativos, impedir e punir crimes contra o patrimônio público. No ano anterior, informou o tribunal, a economia gerada foi de R$ 13 bilhões, ou R$ 41 bi a menos. O que você acha que aconteceu de um ano para o outro? Das duas, uma: ou o governo Bolsonaro errou mais e tentou cometer mais crimes do que no passado, ou o TCU melhorou seus processos de fiscalização. Em qual você aposta?
Vai que cola
O presidente do Senado anunciou que não será candidato a presidente da República porque a campanha seria incompatível com a presidência do Congresso. Bonito, mas não é bem assim. Rodrigo Pacheco estava na sobra, lançado pelo presidente de seu partido, Gilberto Kassab, esperando uma brecha, que não apareceu. Se tivesse aparecido, por ela entraria na disputa. Disse que nunca afirmou que seria candidato. Mas também não disse o contrário. Deixou rolar o “vai que cola”. Poderia ter sido um bom candidato.
Mourão em campanha
O vice-presidente apareceu esta semana com uma novidade. Trocou o eterno escudo do Flamengo da sua máscara preta pela bandeira do Rio Grande do Sul. Mais explícito, impossível.
As caras de bolso
Tem algumas pessoas que conseguem mudar em segundos seu semblante, indo de uma estampa de alegria imensa a outra de tristeza infinita. São atores que melhor desempenham este papel, treinados em muitos anos diante das câmeras e nos palcos. Eles dizem que trazem cada um dos seus personagens no bolso, que é da sua natureza profissional fazer rapidamente a troca. É disso que vivem. No Palácio do Planalto viu-se na terça-feira, dia 8, um desempenho memorável de nosso presidente dublê de artista. Numa reunião com evangélicos, quando disse que entregaria a eles os destinos da Nação, chorou copiosamente. Pouco depois, numa homenagem ao Dia Internacional da Mulher, na qual afirmou que as mulheres “estão praticamente integradas à sociedade”, riu desbragadamente, como se tivesse ouvido a piada mais incrível do anedotário nacional. Ele com cara de bolso, e nós com cara de bobos.
Vergonha
Augusto Aras, francamente, que vergonha, igualou-se a Bolsonaro e Paulo Guedes no quesito desrespeito às mulheres. Os dois as medem pela beleza, lembra-se do episódio da mulher de Emmanuel Macron? Aras as dimensionou pelo esmalte e pelos sapatos. Deve um pedido de desculpas. Não adianta dizer que foi mal-entendido. Melhor pedir desculpas, mesmo que sejam esfarrapadas.
Tsunami
Levantamento feito pelo jornal “O Estado de S. Paulo” mostra que 31 cadeiras nos tribunais superiores, sendo duas do STF e quatro no STJ, deverão ser preenchidas pelo presidente que for eleito em outubro. Se Bolsonaro for reeleito, poderemos ter uma avalanche de kassios e mendonças. Caso Lula vença, poderemos assistir a um vendaval de toffolis e fachins. Caberá ao eleitor escolher entre o tsunami e o furacão.
Garimpo oportunista
Não há limite para o oportunismo do governo e seus aliados no Congresso. O projeto para a abertura de mineração em terra indígena sob a alegação de que vai faltar potássio para a fabricação de fertilizantes em razão da invasão da Ucrânia é abusivo e cínico. Há diversas lavras em estudo, em processo de implementação ou já liberadas e que não são exploradas. Em janeiro do ano passado, o Ministério das Minas e Energia anunciou no site oficial do governo que o Serviço Geológico do Brasil havia identificado potássio na Bacia do Amazonas com reservas de 3,2 bilhões de toneladas. O Brasil importou 10,45 milhões de toneladas de potássio em 2019, o que dá uma ideia do potencial da reserva. Ocorre que parte das áreas onde identificou-se o minério é terra indígena, como a de Autazes (AM). Lá, a mineradora Potássio do Brasil, subsidiária do banco canadense Forbes & Manhattan, já estava fazendo prospecções desde a década passada e acabou tendo que suspender a exploração quando entrou em território indígena. A canadense será a maior beneficiária se o projeto de Bolsonaro prosperar, além dos garimpeiros que degradam terras e rios em busca de ouro e pedras preciosas.
Polônia e poloneses
Merece um destaque a espetacular acolhida que a Polônia e os poloneses têm dado aos refugiados ucranianos. Além de remédios, comida, roupas, transporte, abrigo e flores, os poloneses emocionaram o mundo ao oferecer brinquedos e carrinhos de bebês aos meninos e meninas fugitivos da invasão bárbara, que alguns insistem em chamar de guerra.
Nosso Rio
A nossa querida capital provou mais uma vez que está à frente de seu tempo. Na terça-feira, o prefeito Eduardo Paes anunciou o fim do uso obrigatório de máscaras em qualquer ambiente, aberto ou fechado. Saiu na frente de São Paulo, vejam só. Mas, esperto, o governador João Doria anunciou no dia seguinte medida semelhante, mas apenas para ambientes abertos, mantendo o uso de máscaras obrigatório em bares, restaurantes, cinemas, táxis, ônibus, etc. Até o presidente da França seguiu o exemplo do nosso intrépido prefeito. Emmanuel Macron autorizou o fim da máscara também em ambientes fechados, mas apenas para quem apresentar comprovante de vacinação completa. Aqui, não, “sem hipocrisia”, aqui, vale tudo.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/presidente-estado-laico-1-25429648
João Gabriel de Lima: A ditadura explícita e a disfarçada
João Gabriel de Lima / O Estado de S. Paulo
É fácil se ver no meio de uma manifestação ao caminhar pelas ruas de Budapeste, a belíssima capital da Hungria. De um lado do rio Danúbio, em Buda, o partido ultraconservador Mi-Hazank exibe seus símbolos patrióticos. Do outro, em Peste, militantes antivacina prestam solidariedade aos caminhoneiros canadenses. Todos os anos há uma enorme parada gay, sem repressão policial.
Parece uma democracia, mas não é. Livros de temática inclusiva são multados, uma universidade inteira acabou expulsa do país por abrigar intelectuais críticos ao governo e a Constituição foi reescrita para permitir a reeleição eterna do Fidesz, o partido do primeiro-ministro Viktor Orbán.
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Nas duas últimas semanas foram divulgados os resultados anuais de dois rankings de democracia, o da revista britânica The Economist e o do instituto V-Dem, que é sediado em Gotemburgo, na Suécia. Tais rankings são especialmente necessários em casos como o da Hungria, em que o autocrata de plantão, Viktor Orbán, usa o manto da democracia para esconder um duro regime autoritário. Os dois estudos estão anexados à versão digital da coluna.
Estive na Hungria quando Jair Bolsonaro visitou Viktor Orbán, a quem chamou de “irmão”. Antes, o presidente brasileiro havia visitado o autocrata russo, Vladimir Putin, que nunca tentou disfarçar seus ímpetos autoritários. “A visita de Bolsonaro a Putin e a Orbán não trouxe nenhum resultado prático, apenas serviu para mostrar à base do presidente que ele tem amigos no mundo”, analisa o cientista político Christian Lynch no minipodcast da semana.
E que amigos! Dias depois da visita de Bolsonaro, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. Num congresso no ano passado, o V-Dem vaticinou que a onda autoritária aumentaria a possibilidade de guerras pelo planeta. Viktor Orbán enfrenta uma eleição difícil no próximo dia 3 de abril, e fustiga o tempo todo o Judiciário, a academia e a imprensa para se manter no poder. No Brasil, essas mesmas instituições têm ajudado a frear seu “irmão” Bolsonaro.
Vivemos numa época em que golpes de Estado, de direita ou de esquerda, saíram do cardápio político do Ocidente. O autoritarismo passou a ser uma doença que se instala aos poucos. Rankings como o do V-Dem e o da The Economist detectam os primeiros sinais do mal.
No ranking do V-Dem, o Brasil está entre os países em que a democracia mais se deteriorou nos últimos dez anos. Nossa situação não é comparável à da Rússia ou à da Hungria, a ditadura explícita e a disfarçada – mas é bom ficar de olho.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-ditadura-explicita-e-a-disfarcada,70004006205
Bolívar Lamounier: Os dois pês (PPS) que nos globalizaram
Bolívar Lamounier / O Estado de S. Paulo
Na terça-feira passada (8/3), com sua habitual competência, o embaixador Rubens Barbosa publicou neste espaço um artigo apontando dramáticas vulnerabilidades do Brasil no tocante ao comércio exterior, a áreas estratégicas e a inovação e segurança.
Com sua vasta bagagem, Rubens Barbosa poderia ter estendido sua análise a mais umas 40 áreas. Não o fez, em parte por falta de espaço, mas em parte também porque sua boa alma não lhe permitiu empurrar os leitores para uma depressão mais profunda do que esta que já estamos vivenciando. Eu gostaria de seguir seu sábio exemplo, mas preciso me ater ao fato de havermos, agora sim, chegado à globalização. Não à globalização com que muitos sonharam, conduzida como opção e mediante critérios nossos. Escusado dizer que estou me referindo à globalização engendrada pelos dois pês (PPS), a pandemia e a agressão russa à Ucrânia. No que se refere ao Brasil, a pandemia já causou um belo estrago em nossas contas fiscais, mas teve o mérito de nos ensinar uma certa humildade, mostrando-nos que, sem o resto do mundo, muitos de nós morreriam por falta de imunizantes. A segunda, movida pelos coturnos, tanques e mísseis russos, reduziu-nos à mais completa impotência.
Putin não é uma novidade. Desde tempos remotos, tivemos lunáticos no governo de grandes potências; seus ancestrais incluem Nero, Calígula, Cômodo e, no século 20, com muito maior brilho, Stalin e Hitler. Novo é o fato de que ele está sentado num enorme arsenal de bombas atômicas e tem cacife para produzir solavancos de monta em toda a economia mundial. Um sinal disso já nos foi dado presenciar no Brasil: o capitão-presidente querendo passar para os índios a fatura dos fertilizantes que imaginar assegurar ad aeternum na Rússia e em Belarus, graças a seus vínculos de fraternidade com Vladimir.
Duro de aguentar é o fato de que não encontraremos muitas razões de regozijo por finalmente estarmos sendo globalizados. Vamos sofrer o que poderíamos nós mesmos ter feito, com iniciativa, coragem e lucidez. Durante ao menos duas décadas tergiversamos o quanto pudemos, papagueando tolices, em vez de nos inserirmos no mundo com base numa estratégia devidamente considerada e na vastidão de recursos com que Deus nos aquinhoou. Agimos como se reconhecer a interdependência já perceptível a olho nu fosse um crime de lesa-pátria. Foi, sejamos francos, por uma irremissível burrice que nos aferramos ao bolorento modelo da economia fechada, quando deveríamos ter optado pela expansão do comércio, pela atração de capitais produtivos e, naturalmente, por uma forma segura de importar as tecnologias de que necessitamos; dos fertilizantes e imunizantes, já falei. O resultado aí está. Em vez de navegarmos em mar calmo, cá estamos, roendo as unhas, conjecturando sobre desastres que cedo ou tarde estarão à nossa espreita, sobre a hipótese de virmos cada vez mais a depender de países cuja história não registra um só dia de democracia e, mais importante, sobre a certeza de que estamos nos condenando a mais uma ou duas gerações de atroz pobreza.
Sem querer me repetir, mas já me repetindo, não podemos passar ao largo das causas internas que nos mantêm nesta condição, como que paralisados pelo calor das lavas expelidas pela erupção do Vesúvio.
A causa mais chocante, porque evidencia nossa insensibilidade, é o atraso na educação, em todos os níveis. É lógico que setores estratégicos e de infraestrutura não avançarão enquanto não nos credenciarmos para mobilizar capitais de grande envergadura, hipótese improvável num país que parece aceitar de bom grado sua condição de pária internacional. Mas a educação não depende de capitais de tal vulto. Até agora, o que fez o atual governo nessa área? O que não temos feito já seria uma encrenca de bom tamanho; na globalização induzida pelos dois pês, salve-se quem puder.
Em seguida, como é óbvio, nosso sistema político. Nesse aspecto, somos um país deveras pitoresco. Somos 212 milhões, mas continuamos pateticamente incapazes de renovar a malta que mais assiduamente frequenta Brasília. Nessa área, conseguimos piorar muito. Salvo pelos que têm como prioridade controlar empregos na administração pública e nas estatais, ou em arrancar nacos do Fundo Partidário, os demais, se bem os entendo, parecem ir lá só para curtir seu instinto gregário. Pode alguém seriamente supor que a atual classe legislativa e os altos escalões do Executivo estão preparados para ver o que nos espera além do horizonte?
Mas, sejamos justos, Brasília não concentra todos os nossos defeitos. Basta lembrar que dentro de alguns meses vamos reviver a teratológica polarização entre dois azes do populismo que se configurou na eleição presidencial de 2018. O resto do quadro é, também, deprimente. Hoje em dia, o que os jornalistas, suponho que a contragosto, chamam de política não passa de uma desagradável série de traições e oportunismos, praticados inclusive por figuras que pouco tempo atrás eram ícones de suas respectivas siglas.
*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
Fonte: O Estado de S. Paulo
Pablo Ortellado: O PT que apoia o imperialismo russo na Ucrânia
Pablo Ortellado / O Globo
É perturbador acompanhar o debate na esquerda sobre a invasão à Ucrânia. Logo no começo do conflito, o perfil do PT no Senado no Twitter publicou nota dizendo que “condena a política de longo prazo dos EUA de agressão à Rússia e de contínua expansão da Otan em direção às fronteiras russas”. Depois de ser criticada, a nota foi apagada, e manifestações individuais de senadores petistas contrários à invasão foram retuitadas. Mas a primeira nota ter saído mostra que forças relevantes no partido consideram a invasão justificada. A nota oficial do PT, publicada dois dias depois, reflete bem essa ambivalência, condenando uma solução militar, mas não a invasão: “Entendemos que a solução do contencioso entre Rússia e Ucrânia deve se dar de forma pacífica, utilizando todas as possibilidades de mediação em fóruns multilaterais”. Em sites de esquerda, predomina o apoio à invasão russa, em clima de torcida.
Para além do passado soviético, com que o atual regime não tem identidade política nem ideológica, é difícil entender a simpatia de parte da esquerda pela Rússia. O país não tem um regime socialista, mas uma economia capitalista bastante desigual, entre as mais desiguais da Europa. A Rússia também tem uma história imperialista de desrespeito à soberania e à autodeterminação dos seus vizinhos, já tendo invadido a Geórgia (em 2008) e a própria Ucrânia (na região da Crimeia, em 2014).
As violações aos direitos humanos lá são tão numerosas que é difícil resumi-las. A Rússia não respeita a liberdade de associação; persegue e impede o trabalho das mais tradicionais e respeitadas ONGs; dissidentes e opositores são presos, alguns assassinados, mesmo no exílio; o governo controla a imprensa; persegue e multa veículos; prende e mata jornalistas; a tortura nas forças policiais e militares é uma prática disseminada e tolerada; a população LGBTQIA+ não tem direitos civis básicos e é perseguida por agentes do Estado; e as eleições, embora aparentemente vencidas por Putin, são mesmo assim fraudadas, apenas para demonstrar força.
Se não é por simpatia pelas virtudes sociais e políticas do regime, a defesa da invasão por parte da esquerda parece se dar por razões geopolíticas, pelo efeito positivo de fazer emergir um mundo mais multipolar. Essa é, pelo menos, a tese mais frequente dos intelectuais e comentadores de esquerda que defendem a invasão.
O argumento é que a Otan, a aliança militar que na Guerra Fria se opunha à expansão da União Soviética, promoveu o atual conflito ao se ampliar para o Leste da Europa a partir dos anos 1990. Aproveitando a debilidade russa com o fim do regime socialista, a aliança incorporou países do antigo Pacto de Varsóvia e mesmo fronteiriços com a Rússia, como os bálticos. A tentativa recente da Ucrânia de aderir à Otan teria sido a gota-d’água para os russos, que teriam invadido o país num ato de defesa.
Os pressupostos do argumento estão corretos. De fato, a Otan aproveitou a fraqueza da Rússia para se expandir. Disso não deriva que os russos tenham o direito de violar a soberania ou de ameaçar a integridade territorial de um país vizinho para impedi-lo de entrar na União Europeia ou na Otan. Que direito legítimo é esse de um país invadir o outro em defesa de seus interesses geopolíticos? A esquerda, agora, em defesa de um mundo mais multipolar, passou a defender o imperialismo? Para extrair apenas uma consequência desse raciocínio: se um governo eleito no Brasil viesse a estreitar laços com a China, os Estados Unidos teriam o direito de invadir nosso território, já que a China estaria se expandindo a uma zona tradicional de influência americana?
Enquanto a maior parte da esquerda mundial protesta e repudia a invasão da Ucrânia, parte significativa da brasileira prefere defender o imperialismo. Se a esquerda quer manter um pouco de integridade moral, está na hora de romper com os defensores de ditaduras e impérios. Uma coisa é denunciar e combater todas as formas de imperialismo, inclusive o americano. Outra, bem diferente, é defender as ações imperialistas de um autocrata sanguinário, apenas porque equilibraria o jogo de forças no cenário mundial.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/esquerda-que-apoia-o-imperialismo-russo-na-ucrania.html
Marcus Pestana: O peixe morre é pela boca
Marcus Pestana / Congresso em Foco
A sabedoria popular tem interessante forma de se expressar através de ditados, que se repetem por décadas e gerações. “O peixe morre é pela boca” aconselha administrar bem as palavras, não falar demais. Uso o ditado popular para realçar um sábio conselho para a vida, particularmente na política, principalmente na era das frenéticas redes sociais. Mas existem outras formulações populares como “Quem fala demais, acaba dando bom dia a cavalo”, uma advertência àqueles que não sabem escutar, apenas falam, interditando o diálogo. Ou, ainda, “Em boca fechada, não entra mosquito”, recomendando prudência e ponderação nas opiniões.
Teve grande repercussão o evento envolvendo o apresentador Monark, do canal de entrevistas FLOW, um dos de maior audiência na internet, envolvendo também o deputado federal Kim Kataguiri (PODEMOS/SP). Refletindo um liberalismo ingênuo e um anarquismo radical, defenderam a possibilidade de existência de um Partido Nazista. Monark tem 31 anos e Kim, 26. Encontraram forte resistência da deputada Tábata Amaral (PSB/SP), 28 anos, que também estava no estúdio, e de forma consistente defendeu que não pode ter existência legal uma corrente que assumidamente conspira contra a democracia, defende o totalitarismo e carrega uma visão supremacista racial. Diga-se, de passagem, que nenhum dos dois defendeu ou defende o nazismo. E que o FLOW era um programa agradável, leve, inovador, descontraído. Vi várias entrevistas, era uma proposta interessante. Mas a irresponsabilidade com as palavras e o descuido com os conteúdos levaram à demissão do entrevistador e a um processo de cassação do deputado federal. Às vezes, a agressividade exagerada, a arrogância de quem acha que tudo sabe, a tentativa de ser excessivamente original, pode gerar um efeito bumerangue e abater o autor do abuso de expressão.
O grande escritor e ensaísta Umberto Eco disse certa vez que “As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”. Não chego a tanto. Mas as redes sociais criaram um ambiente onde cada um pode falar o que quer, ouvir o que não quer, sem nenhum filtro de qualidade editorial. Fora as famosas e irresponsáveis fake news. A energia da juventude é fundamental para patrocinar as mudanças sociais necessárias. Mas a inexperiência e a ousadia precisam ser calibradas com um pouco de sabedoria e ponderação. Nelson Rodrigues, na sua provocativa e conservadora implicância com os jovens disse: “O jovem tem todos os defeitos do adulto, e mais um: o da inexperiência”. Não. Precisamos cada vez mais de jovens na vida pública. A vivência democrática cuidará de nos ensinar a todos como nos apropriarmos dos novos espaços de liberdade conquistados.
Mais recentemente, ruidoso caso envolveu o deputado estadual do MBL, Arthur do Val, o “Mamãe Falei”, que, em mensagens vasadas direto da Ucrânia, falou barbaridades em termos de machismo, misoginia e desrespeito a um povo que sofre as barbáries de uma guerra absurda. Resultado: retirou sua candidatura ao Governo de São Paulo, está sendo expulso do PODEMOS e sofrerá processo de cassação do mandato. Kim e Arthur estão experimentando de seu próprio veneno.
Portanto, fica um conselho para os violentos, radicais e irresponsáveis portadores de “verdades absolutas” nas redes sociais: aprendam com a sabedoria popular. “Devagar com o andor, que o santo é de barro”.
*Marcus Pestana, Presidente do Conselho Curador ITV – Instituto Teotônio Vilela (PSDB)
Fonte: O Tempo
https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739?aId=1.2630871
Sob esperança de mudança, Gabriel Boric toma posse no Chile
Diego Zúñiga / DW Brasil
Dizia-se que o Chile era o país mais estável da América Latina. Até que, em outubro de 2019, a bolha arrebentou, e a situação política se transformou numa casa de marimbondos. Protestos maciços contra a alta das passagens do transporte público que resultaram em distúrbios, saques e petições de renúncia do Executivo liderado por Sebastián Piñera, de centro-direita.
Com o governo pendendo por um fio, diversos setores políticos firmaram um acordo que levaria à formação de uma convenção constituinte. Dentro de quatro meses, ela deverá entregar sua proposta para substituir a Constituição de 1980, firmada sob o jugo da ditadura militar de Augusto Pinochet.
Nesse contexto agitado, estabeleceram-se muitas das lideranças encarregadas, a partir desta sexta-feira (11/03), de guiar os destinos do Chile pelos próximos quatro anos – ou até quando estabeleça a Constituição a ser aprovada. A liderança de Gabriel Boric, que acabou de ser empossado presidente, é, sem dúvida, a mais notória. E, sim, trata-se de uma troca de governo, mas também de uma mudança de estilo, de geração e de forma de ver a política.
Essa é pelo menos a avaliação de Cristóbal Bellolio, professor de filosofia política e acadêmico da Universidade Adolfo Ibáñez: "No Chile, há uma sensação de mudança de ciclo, não só porque passamos de um governo de centro-direita a um de esquerda, mas também há uma mudança geracional muito relevante."
"Todo o elenco da transição dá um passo para o lado, após décadas de protagonismo, e ingressa numa nova geração comandada por Boric. Isso inclui um forte componente simbólico, de entrada em sintonia com os tempos, com um governo mais diverso, feminista, não monopolizado pela elite tradicional", explica o especialista à DW. Note-se que Boric, aos 36 anos, tem a metade da idade de seu antecessor, Piñera, e se torna a pessoa mais jovem a governar o país.
Gabinete menos competitivo, mais sensível
Por sua vez, o representante da Fundação Konrad Adenauer no Chile, Andreas Klein, lembra que são "enormes" as expectativas em relação à nova administração: "A atenção se concentra sobretudo no âmbito da assistência sanitária, educação, aposentadoria e, claro, dos transtornos econômicos que se agravaram com a pandemia [de covid-19]. Também o processo constitucional deve chegar a um bom destino. O próximo governo não ficará sem trabalho."
Na opinião de Bellolio, contudo, as expectativas não se relacionam tanto a o que o governo de Boric possa fazer, mas antes aos valores que a mudança de ciclo encarna, já que "é uma equipe menos focada no competitivo e mais nos cuidados, mais sensível ao novo cenário cultural do Chile".
Ainda assim, há aspectos que Boric e seus colaboradores não devem esquecer, como os problemas que afetam a cidadania de forma direta, ressalta o acadêmico: delinquência, terrorismo na Região Sul e crise migratória no Norte. De todos esses inimigos, os mais urgentes são a desigualdade, o drama das aposentadorias e o processo constituinte.
"A reforma da aposentadoria é ineludível, e parece paradoxal que seja a geração mais jovem da política chilena a assumir o desafio de se encarregar de um problema que afeta os mais velhos. Ademais, é interessante, porque essa geração irrompeu na política com demandas educacionais já parcialmente processadas pela política."
Polêmico "imposto para super-ricos"
Para responder às demandas sociais, como a já mencionada reforma do sistema de aposentadoria, é necessário dinheiro, um bem difícil de obter em tempos de crise. Uma das bandeiras da esquerda tem sido o assim chamado "imposto para super-ricos". Junto com medidas para evitar a evasão fiscal, espera-se arrecadar desse modo o equivalente a 2,9% do PIB do Chile.
"A questão da justiça fiscal é importante, mas, em minha opinião, é demasiado míope financiar agora os anúncios sociais unicamente com aumentos de impostos para os ricos. Creio que esse cálculo não funcionará", avalia Klein.
Ele lembra que se trata de capital móvel, que pode ser facilmente retirado do mercado, e seria melhor buscar um equilíbrio: "Há que deixar claro que vale a pena investir e pagar impostos no Chile, porque o país oferece uma segurança e qualidade de vida que não existem em outros lugares."
América Latina e o mundo observam
Trata-se de uma experiência inédita no Chile, por ser um governo de orientação distinta dos que lideraram o país desde o fim da ditadura de Pinochet, em 1990. Portanto é provável que o resto da América Latina vá observar com atenção a presidência Boric.
"Também na Europa", complementa Klein, pois "nos últimos 30 anos o Chile tem sido exemplar no processo de transformação de uma ditadura militar numa democracia que funciona e tem êxito econômico. É um fanal na região, com todos os déficits que continuam existindo. Por isso sou otimista de que o Chile encontrará o modo de transformar seu sistema social e de aposentadoria para que seja economicamente sustentável, por um lado, e socialmente justo, por outro."
Cristóbal Bellolio considera o experimento chileno interessante para a região, também por causa dos traumas próprios de um país que teve um governo de esquerda derrotado pelos militares. O analista ressalta, ainda, o fator que denomina "conexão emotiva".
"Boric se encarrega de mencioná-lo, e é seu vínculo com os movimentos utópicos dos anos 60. A mim, dá a impressão de que ele se mira mais em Pepe Mujica do que em Daniel Ortega ou Nicolás Maduro; ou seja: busca o legado de uma esquerda que pegou em armas, mas se reconverteu em democrática."
Por sua vez, Andreas Klein destaca um outro elemento: "Boric assume um país profundamente dividido socialmente, mas, ao mesmo tempo, o Chile tem todas as possibilidades, econômica e estruturalmente, para sacudir as consequências da pandemia e sair fortalecido desta crise."
"O grande desafio do presidente Boric é encontrar o equilíbrio adequado e moderar a mudança. Com a composição de seu gabinete, ele emitiu um importante sinal de que toma a transição a sério e confia nos que têm a experiência necessária para realizar as reformas", resume o representante da Fundação Konrad Adenauer.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/sob-expectativas-de-mudan%C3%A7a-gabriel-boric-toma-posse-no-chile/a-61101513
Evandro Milet: Consumidor, cidadão e eleitor agora são um só
Evandro Milet / A Gazeta
No passado, os consumidores não tinham grande influência sobre o que o mercado fornecia e acabavam consumindo o que lhes era oferecido. O exemplo histórico das palavras de Henry Ford, no início da indústria automobilística, “Seu Ford Modelo T pode ter qualquer cor, desde que seja preto”, diz bem desse momento. Da mesma forma, não havia nível de educação e informação que levasse eleitores a eleger políticos que atuassem de acordo com seus interesses e opiniões. E havia quase total desconexão entre os cidadãos e as grandes causas que de fato deveriam lhes interessar. Se empresas degradassem o meio ambiente ou empregassem trabalho escravo ou infantil, isso não afetava muito a opinião do consumidor.
Tudo isso mudou. O consumidor, o eleitor e o cidadão passaram a ser a mesma pessoa e cada vez mais tem voz e influência sobre empresas e políticos. O consumidor não está mais somente interessado no produto e associa o consumo às grandes causas; o eleitor faz considerações mais amplas no voto e o cidadão não quer dissociar causas de consumo e voto. Isso é o que acontece nos países desenvolvidos e está em franco crescimento no Brasil também.
Os cidadãos adotaram mundialmente, por exemplo, a causa das mudanças climáticas e a pauta ESG completa e punem com boicotes as empresas que não cuidam disso. Os políticos se enquadram e pressionam empresas e países que divergem dos seus eleitores, como aconteceu recentemente com a pressão europeia sobre o governo brasileiro no tema das queimadas na Amazônia. O problema não é o Macron, são os eleitores do Macron.
Esse movimento tem consequências interessantes. Antigamente as empresas multinacionais adotavam práticas diferentes nos seus países de origem e no mundo subdesenvolvido. Hoje, qualquer episódio negativo em qualquer lugar do mundo gera repercussões imediatas no mundo inteiro, o que provoca o efeito benéfico de pressionar todos os países a adotarem boas práticas, mesmo que a maioria dos seus cidadãos não tenha atingido ainda um nível de educação e informação que leve a adotar de início essas práticas.
Podemos ver isso no movimento pela diversidade, pelo meio ambiente e pelas exigências de compliance contra a corrupção puxadas pelas multinacionais no mundo, tudo integrado agora pela sigla ESG. Vozes antigas desinformadas, que defendiam uma suposta meritocracia de desiguais, começam a diminuir o volume ao ver a proliferação de empresas contratando minorias para redução das desigualdades.
Na recente invasão da Ucrânia pela Rússia, dezenas de empresas, surpreendentemente, se retiraram da Rússia em represália, certamente se antecipando às reações dos seus consumidores que tomaram o lado da Ucrânia. As sanções deixaram de ser apenas de governos a partir dos seus interesses políticos, muitas vezes sem conexão com os cidadãos e passaram a ser feitas por empresas.
Antigamente, também as informações eram monopolizadas pela imprensa tradicional que poderia influenciar opiniões. O fenômeno das redes sociais implodiu esse monopólio, às vezes para o bem e outras para o mal, às vezes com tentativas de manipulação digital, mas deu uma velocidade espantosa às repercussões de qualquer atitude, embora tenha dado velocidade imensa também às notícias falsas saídas da cabeça de qualquer um.
Nesse ambiente disruptivo, onde tudo que é sólido se desmancha no ar, como dizia o filósofo, é fundamental que se lute por liberdade e democracia, onde a educação e a redução de desigualdades têm papel fundamental para que se entendam adequadamente as ideias em circulação.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/consumidor-cidadao-e-eleitor-agora-sao-um-so-0322
WhatsApp suspende contas do PT e restringe grupos de comunicação de Lula
Julia Chaib, Victoria Azevedo e Andrei Ribeiro / Folha de S. Paulo
O WhatsApp suspendeu números de telefones de administradores de grupos criados pela comunicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pré-candidato à eleição deste ano.
No começo da semana, a comunicação do ex-presidente lançou o portal Lulaverso, que se estende a WhatsApp, Telegram, Instagram, Twitter e TikTok, para impulsionar a figura do petista nas redes sociais.
Ao menos quatro dos grupos criados no WhatsApp ficaram inativos nesta semana —a última movimentação deles foi às 19h02 de terça-feira (8). Até a tarde desta sexta (11), as contas seguiam suspensas.
Segundo a assessoria do petista, a plataforma reagiu, de maneira automática e preventiva, e suspendeu, de forma temporária, alguns administradores por causa da movimentação intensa dos grupos.
A ideia, de acordo com a equipe de imprensa do ex-presidente, é reverter a suspensão das contas e reativar os grupos. A assessoria diz ainda que os demais estão funcionando e que, sempre que o limite de participantes de um é alcançado, novos são criados.
Sem esclarecer a razão para o banimento temporário, a assessoria de Lula diz que o WhatsApp "estranhou" a grande movimentação que o lançamento dos grupos gerou —eram 19 até esta quinta-feira (10).
"Se não tivesse muitas inscrições, isso não aconteceria. Agora, estamos explicando, mandando relatórios para eles mostrando que o funcionamento, moderação, está nas regras. Deve normalizar em breve", diz a assessoria.
O WhatsApp afirma que não comenta casos específicos. Há uma série de regras que, se quebradas, podem levar à suspensão ou banimento de contas. Entre elas, o usuário não pode usar nenhum serviço de automação, como por exemplo usar robôs para enviar mensagens e fazer disparos em massa.
Também é proibido usar aplicativos não oficiais que emulam o WhatsApp.
A assessoria de Lula afirma, porém, que nem os administradores nem os grupos violaram qualquer regra do aplicativo. "Não existe disparo em massa em grupo onde as pessoas entraram livremente", diz.
Além do link para entrada nos grupos em plataformas de troca de mensagens, o Lulaverso reúne memes, gifs e figurinhas estampando o rosto do petista.
A iniciativa mira a atenção do público jovem na corrida do ex-presidente de volta ao Planalto. Os mais numerosos perfis do Lulaverso até então somam quase 8.000 seguidores.
O portal está em busca de influencers e comunicadores para somar ao braço digital numa investida aos territórios digitais captados pelo bolsonarismo nos últimos anos.
Embora não tenha oficializado a pré-canditatura, o movimento de Lula se assemelha a de outros possíveis concorrentes, como o pedetista Ciro Gomes, e reforça a impressão de que os postulantes levam as lições da campanha vitoriosa de Jair Bolsonaro em 2018, focada no uso da internet e nos aplicativos de mensagens.
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O plano se soma à participação em programas de podcasts e aos acenos ao público gamer como tendências nas campanhas deste ano, segundo especialistas.
A assessoria do petista não confirma se essa é uma ação da (provável) pré-campanha e diz apenas se tratar de uma "iniciativa ligada ao ex-presidente".
Ainda não houve, aliás, menção ao Lulaverso nos perfis mais antigos de Lula, que acumulam milhões de seguidores e adotam um tom mais sóbrio e institucional.
Segundo a assessoria, as contas são administradas por equipes diferentes, sendo o Lulaverso por "uma série de parceiros".
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/whatsapp-suspende-contas-do-pt-e-restringe-grupos-de-comunicacao-de-lula.shtml