Internet precária cria fosso de acesso à Justiça para população vulnerável

Matheus Moreira e Géssica Brandino / Folha de S. Paulo

A virtualização trouxe um paradoxo em relação ao acesso à Justiça. Por um lado, permitiu a participação de forma online de quem mora longe de fóruns e tribunais. Por outro, a má qualidade da internet comprometeu a utilização dos serviços do Judiciário.

A tecnologia para juízes, advogados e procuradores atenderem a distância ganhou ares de solução diante da pandemia da Covid.

"Essas medidas de inovação que surgem no contexto da pandemia, e que se disseminam em razão das necessidades dela, vieram para ficar", diz Valter Shuenquener, secretário-geral do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

"Duvido que algum advogado aceitará o fim do Balcão Virtual ou do Juízo 100% Digital, porque isso gerou conforto e redução de despesa [ao eliminar a necessidade de despachar pessoalmente com juízes]."

O Balcão Virtual é uma ferramenta do Programa Justiça 4.0 que funciona como um balcão de atendimento a distância.

Já o Juízo 100% Digital —que também inclui o uso da ferramenta— prevê a tramitação processual de forma inteiramente digital, mediante o consentimento dos envolvidos. Com isso, audiências também passam a ser realizadas virtualmente.

Shuenquener, que também é juiz e durante a pandemia julgou casos de audiência de custódia, avalia que, apesar das dificuldades, é melhor que essas audiências aconteçam do que sejam paralisadas, sob o risco de deixar pessoas presas sem necessidade.

"Presidi uma audiência em um domingo e, se eu não pudesse fazer por vídeo, na melhor das hipóteses, a audiência seria na segunda-feira em horário de expediente. Essa pessoa ficaria pelo menos mais um dia presa. Determinei a soltura do réu no domingo mesmo."

As audiências de custódia em formato virtual não proíbem que os defensores públicos estejam fisicamente junto de seus assistidos. O réu é levado ao fórum para que participe da audiência virtual.

A resolução 329/2020 do CNJ estabelece que as audiências de custódia por vídeo são legais. O preso tem direito de falar com o advogado em particular por qualquer meio possível e de ser acompanhado por seu defensor durante a audiência.

O ambiente durante a audiência deve ser filmado por meio de câmeras de 360 graus ou pelo uso de mais câmeras que possibilitem ver todo o local, bem como a parte de dentro e de fora da porta da sala. Exame de corpo de delito é obrigatório antes do julgamento da custódia.

Ativistas e organizações de defesa dos direitos humanos, porém, afirmam que a Justiça, já considerada elitista, distanciou-se ainda mais de pessoas em situação vulnerável.

Mara Campos, 57, diz que vivenciou isso, em janeiro de 2021, após a detenção do filho mais velho —preso há um ano, segundo ela, após uma sacola com vidros de lança-perfume ser deixada no carro dele sem autorização.

A mãe diz que não houve audiência de custódia e que o julgamento foi feito de forma virtual, sem espaço para que ela pudesse esclarecer os fatos. Mara conta que o filho já havia cumprido pena por tráfico de drogas e que o histórico foi usado contra ele.

"Ele está preso e pegou seis anos. Meu filho já tinha mudado de vida e não teve como se defender", disse.

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) diz que os magistrados têm independência em suas decisões e que discordâncias podem ser manifestadas por meio de recursos.

Sobre a audiência de custódia, a corte informou que elas foram suspensas em razão da pandemia, mas que, mesmo assim, os juízes realizam as análises das prisões em flagrante normalmente, após as manifestações da acusação e da defesa.

Em relação ao depoimento de Mara no julgamento, o tribunal informou que a defesa não a colocou como testemunha no processo.

Teleaudiência no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo
Teleaudiência no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo - Rubens Cavallari - 16.dez.2021/Folhapress

Antônia Mendes de Araújo, 44, que atua no Fórum Justiça Ceará, uma organização de direitos humanos, é professora e trabalhou como ouvidora externa da Defensoria Pública do estado de 2019 a 2021.

Ela afirma que houve um aumento da demanda pelos serviços da Defensoria com o início dos atendimentos virtuais, mas também muita dificuldade no acesso de pessoas que não tinham internet nem conhecimento sobre como fazer um download.

"Começamos a perceber que as audiências virtuais não estavam acontecendo porque muitas vezes os assistidos não tinham o equipamento, espaço no celular, não sabiam baixar aplicativos. O que a Defensoria fez? Abriu uma sala de atendimento para essas pessoas", acrescenta.

O mesmo problema se repetiu no Acre, com pessoas com dificuldade para acessar o Judiciário por conta da conexão precária, conta a ouvidora da Defensoria, Solene Costa, 48.

"O fato de as pessoas terem o smartphone não quer dizer que tenham acesso à internet. Ela tem acesso ao WhatsApp, mas é limitado", afirma.

No Rio Grande do Sul, o presidente da associação de defensores públicos do estado, Mário Rheingantz, estudou as audiências virtuais criminais no mestrado e destaca que a conversa entre o assistido e o defensor é totalmente diferente dos atendimentos presenciais.

"Ainda que em um grau inconsciente, o nível de confiança em uma conversa que acontece em um ambiente virtual é menor."

Rheingantz diz ainda que a comunicação não verbal também foi prejudicada porque o que acontece na sala de audiência pode revelar situações que dificilmente seriam traduzidas e que podem ser importantes para a decisão judicial.

A dificuldade de acessar a internet prejudica o acesso à Justiça.

Segundo uma pesquisa do CGI (Comitê Gestor da Internet no Brasil), o número de pessoas com acesso à internet no país aumentou 9% em 2020 com relação ao mesmo período em 2019, chegando a 152 milhões de usuários com dez anos de idade ou mais.

Parece bom, mas não é bem assim. Isso porque 9 em cada 10 usuários das classes D e E (que ganham até quatro salários mínimos) acessam a internet pelo celular.

Frank William La Rue, especialista em direito do trabalho e relator especial da ONU para a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão de 2008 a 2014, é referência na análise do que chama de hiato digital: a diferença entre aqueles que têm acesso às tecnologias e à informação e aqueles que têm acesso limitado.

É o caso de Joana (nome fictício), 36, cujo filho de 15 anos foi preso depois de ser atropelado por uma viatura da Polícia Militar após supostamente participar de um assalto.

A mãe afirma que o garoto teria sido enganado por um outro mais velho e que a própria vítima disse que o jovem não havia participado do assalto. O filho teve fratura exposta e foi socorrido, e o assaltante fugiu.

Joana não tem fácil acesso à internet e mora muito longe do centro de São Paulo, onde fica o escritório de advocacia que cuidou do seu caso sem cobrar nada.

"São quatro horas de ida e quatro de volta", diz sobre o trajeto que faz diariamente para chegar à casa onde trabalha como doméstica. A advogada que assumiu o caso é amiga da empregadora de Joana.

Durante o trabalho, ela parava para falar com a advogada vez ou outra porque o sinal na casa da patroa nunca falhou. "Eles [empregadores] me deram todo o apoio, disseram que eu podia levar o tempo que precisasse se me ligassem."

Durante os cinco dias em que seu filho esteve no hospital e na Fundação Casa aguardando a audiência de custódia, Joana diz que passou cerca de três horas diárias em um terreno a céu aberto ao lado de sua casa porque era o único lugar em que o sinal da operadora de celular funcionava.

Para participar da audiência virtual, ela precisou ir ao escritório dos advogados. Apesar disso, Joana diz preferir o formato virtual.

"Só de não ter que estar ali, no meio de todo mundo. Você já está passando pelo que está passando, né? Pela internet é bem melhor", disse.

O filho de Joana foi liberado para responder ao processo em liberdade e está em casa com a família. Ele ainda anda com dificuldade, embora a perna tenha desinchado. O julgamento está marcado para março, mas ainda não há previsão sobre se será virtual ou presencial.

Folha tentou contato com a Defensoria Pública do Acre, mas não houve resposta até a conclusão da reportagem.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/internet-precaria-cria-fosso-de-acesso-a-justica-para-populacao-vulneravel.shtml


Lula e Bolsonaro lideram a preferência dos pré-candidatos aos governos estaduais

Cristiane Noberto e Raphael Felice

No tabuleiro eleitoral, os governadores desempenham um papel importante. São eles que asseguram, por exemplo, um palanque regional para os presidenciáveis. Até o momento, cerca de 170 políticos anunciaram interesse em concorrer ao Executivo em 27 estados. Nesse cenário, é possível identificar uma tendência que tem predominado na corrida eleitoral: a polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Muitos pré-candidatos a governador anteciparam seu posicionamento em relação aos postulantes ao Planalto.

No levantamento feito pelo Correio, os nomes mais competitivos para ocupar a chefia do Executivo estadual e os governadores em busca da reeleição estão divididos entre o petista e o chefe do Executivo federal, especialmente no nordeste e no sul. A maioria dos pré-candidatos de primeira viagem, por sua vez, está alinhada ao presidente Bolsonaro e a Sergio Moro (Podemos). Nesse grupo, o ex-presidente Lula (PT), Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB) e Simone Tebet (MDB) aparecem com menos frequência.

Associar a própria imagem a de um presidenciável é uma estratégia que, em 2018, funcionou para 15 candidatos. Eles apoiaram Bolsonaro e conseguiram ser eleitos. Em 2022, essa tendência tende a se acentuar. O cientista político Antônio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Econômicas (Ipespe), avalia que as eleições de governos estaduais serão as mais nacionalizadas de todos os tempos.

"Isso ocorrerá de forma mais acentuada em mais regiões do que em outras. No Nordeste, por exemplo, o peso do ex-presidente Lula é bastante superlativo, e lá (os candidatos) vão tentar alguma associação a um eventual governo do ex-presidente Lula. Já em estados como Rio e São Paulo, onde Lula e Bolsonaro possuem um menor intervalo de intenção de voto, as eleições para governador serão fortemente afetadas pela presidencial", afirma.

Candidato à reeleição, o governador do Paraná Ratinho Jr (PSD), apesar de ter mantido várias conversas com Sergio Moro, decidiu apoiar Bolsonaro. Um dos motivos seria a boa popularidade do chefe do Executivo no estado. O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (sem partido), escolheu o presidente pelo mesmo motivo.

Outro caso é no Rio Grande do Norte. A petista Fátima Bezerra vai para a reeleição e fará palanque com Lula. O PT também lançou candidatos em estados estratégicos. É o caso de Fernando Haddad, em São Paulo, e do senador Fabiano Contarato no Espírito Santo. Além disso, o ex-presidente tem fortalecido apoio a outras siglas, como o MDB de Helder Barbalho, no Pará.

Lula e Bolsonaro lideram a preferência dos pré-candidatos aos governos estaduais
Lula e Bolsonaro lideram a preferência dos pré-candidatos aos governos estaduais(foto: CB/D.APress)

Contudo, nem todos os candidatos estão confortáveis em se prender à imagem de candidato ao Planalto neste momento. Um deles é o governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (sem partido). Ele foi eleito como vice de Mauro Carlesse (PSL) — que foi afastado do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça e renunciou na semana passada.

Porém, os ataques às urnas eletrônicas e as ameaças ao estado democrático protagonizados por Bolsonaro decepcionaram Barbosa. O governador, que era do Republicanos, procura uma legenda que esteja longe da polarização. O partido mais próximo de fechar é o PP. Aliados afirmam que ele quer ser neutro, pois não quer se envolver com as questões nacionais, mas sim, do estado.

No Espírito Santo, a aliança entre PT e PSB promoveria a reeleição do governador Renato Casagrande (PSB) por meio da federação entre os partidos — que incluiria PCdoB e PV. Contudo, o capixaba é forte crítico de Lula e se posicionou contra o casamento de quatro anos entre as legendas. Casagrande também se encontrou com Sergio Moro, algoz do ex-presidente. Isso "azedou", como disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, as negociações entre os dois partidos.

Segundo o cientista político André Rosa, os candidatos com maior chance no pleito ainda estão receosos em carimbar seu apoio. "Temos um Bolsonaro candidato à reeleição, mas com popularidade baixa. Lula ainda tem uma vida pregressa na Justiça. Moro só foi popular por conta da Lava-Jato. Ciro não capta os votos que precisa. Doria ainda é pouco conhecido", enumera.

"A imagem dos presidenciáveis está muito arranhada perante a opinião pública. Ninguém vai se apegar agora, até porque alguns governadores também estão com a corda no pescoço, devido à pandemia, e não querem chamar muita atenção", frisa.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4992755-lula-e-bolsonaro-lideram-a-preferencia-dos-pre-candidatos-aos-governos-estaduais.html


Aliança de Bolsonaro reúne menos prefeitos e deputados do que Dilma e FHC

Dimitrius Dantas / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO — Mesmo com a adesão ao Centrão impulsionando o arco de alianças para a reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) terá pela frente um cenário mais adverso na tentativa de alastrar a campanha pelo país, na comparação com os antecessores que buscaram renovar o mandato presidencial. Levantamento do GLOBO mostra que os partidos que devem fazer parte da coligação do titular do Palácio do Planalto elegeram menos prefeitos e deputados federais do que as siglas que estavam ao lado de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1998, e Dilma Rousseff (PT), em 2014.

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No paralelo com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2006, o patamar na Câmara é semelhante, e o volume de municípios que têm à frente um integrante de legenda aliada é bastante superior. Um ponto, no entanto, torna esta análise imprecisa: em 2006, valia a regra da verticalização, em que as alianças nacionais tinham que ser reproduzidas fielmente nos estados, o que inibia os acordos.

Levando-se em consideração o resultado das urnas em 2020, o bloco de apoio a Bolsonaro tem 1.444 prefeitos. Quando FH se candidatou a mais quatro anos — sendo eleito em primeiro turno —, a coligação englobava 2.960 chefes de executivos municipais. Já em 2014, ano em que Dilma superou o tucano Aécio Neves no segundo turno, as legendas do grupo estavam representadas em 2.930 prefeituras. Lula, por sua vez, contava formalmente com 421 prefeitos. Analistas destacam que lideranças locais exercem papel importante por darem capilaridade às campanhas, amplificando as mensagens e o potencial de votos dos candidatos.

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Há outros fatores que podem ser acrescidos à desvantagem matemática. Como O GLOBO mostrou, existem prefeitos e parlamentares de siglas alinhadas ao Planalto que vão apoiar Lula, principal adversário de Bolsonaro. Em Nova Iguaçu, por exemplo, quarto maior colégio eleitoral do Rio, o prefeito Rogério Lisboa (PP) disse que fará campanha para o petista — o PP, a despeito de comandar a Casa Civil, posto-chave do governo, liberou as lideranças locais a se posicionarem como bem entenderem. As defecções ocorrem também no Nordeste, região em que o desempenho de Bolsonaro está abaixo de sua média nacional. O deputado federal Eduardo da Fonte, presidente do PP em Pernambuco, também já anunciou que estará com Lula. 

Líder em rejeição

Caso seja confirmada a aliança unindo PL, PP, Republicanos, PTB e PSC, Bolsonaro terá o apoio de partidos que, somados, elegeram 119 deputados. Com PSDB, DEM (então PFL, hoje União Brasil), PTB, PP e o antigo PSD, FH reuniu na coligação, em 1998, legendas que haviam eleito 311 deputados. Na chapa de Dilma, PT, MDB, o atual PSD, PP, PL, Pros, PDT, PCdoB e Republicanos, por sua vez, somavam 272 deputados. Lula, em 2006, reuniu PT, PCdoB e Republicanos (então PRB), que tinham 103 deputados.

Parte da explicação para a aderência inferior à de presidentes anteriores é exemplificada em outros números: segundo a pesquisa Datafolha mais recente, de dezembro de 2021, o governo Bolsonaro é rejeitado por 53% dos eleitores, grupo que classifica a gestão de ruim ou péssima. Dilma, com três anos de mandato, era reprovada por 17%; Lula, por 29%; e FH, por 20%.

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Por outro lado, a força da máquina do governo pode levar prefeitos e parlamentares que não integram oficialmente a chapa de Bolsonaro a apoiá-lo. Além disso, o presidente vem capitaneando um movimento de filiação de bolsonaristas ao PL, simbolizado pelo evento, no sábado, em que 15 deputados migraram para a sigla, a maioria egressa do União Brasil. Em outra iniciativa para consolidar apoios, o governo planeja uma reforma ministerial que deve privilegiar núcleos próximos, como ruralistas, militares e o próprio Centrão — a estratégia também reflete a dificuldade de atrair mais grupos para o projeto de reeleição.

— Os números mostram o quão tortuoso foi o primeiro mandato e como os outros presidentes chegaram mais fortes que ele (Bolsonaro) para a reeleição. A Dilma, assim como Bolsonaro, era considerada uma presidente pouco agregadora, mas, com todas as dificuldades, ainda controlou esse processo de reeleição — resume o cientista político Carlos Melo, do Insper, acrescentando uma ponderação: — É preciso ver os tamanhos dos partidos após a janela partidária.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/alianca-de-bolsonaro-reune-menos-prefeitos-deputados-do-que-dilma-fh-25431338


Delegacias da mulher têm mais efeito para brancas do que para negras, aponta artigo

Painel / Folha de S. Paulo / Editado por Fábio Zanini, com Guilherme Seto e Juliana Braga

Homicídios de mulheres diminuem em municípios com delegacias da mulher, mas os de negras só apresentam redução nas cidades metropolitanas com infraestrutura urbana e níveis elevados de escolaridade feminina.

É o que mostra o artigo "Structural Advocacy Organizations and Intersectional Outcomes: Effects of Women’s Police Stations on Female Homicides", de Anita M. McGahan (Universidade de Toronto), Paulo Arvate (FGV-SP), Paulo Ricardo Reis (UFRJ) e Sandro Cabral (Insper), a ser publicado no periódico Public Administration Review.

Eles sugerem políticas públicas (em educação, transporte público, segurança) para tratar complementarmente gênero e raça para que as delegacias tenham o efeito desejado também para a população negra.

"Tudo indica que as mulheres brancas utilizam mais as delegacias da mulher por serem mais instruídas. Quando as mulheres negras têm mais instrução o resultado começa a aparecer", diz Arvate ao Painel. "Essas mulheres brancas parecem ser mais conscientes dos seus direitos, elas conseguem acessar o serviço disponível", complementa Cabral.

Um dos achados da pesquisa, explica o professor do Insper, é o de que a chance de morrer de uma mulher negra que mora em uma cidade com altos índices educacionais cai de 4,7% a 8% com uma delegacia da mulher, ao passo que para uma branca o efeito de redução oscila entre 22% e 25%.

O efeito médio de redução de homicídios de mulheres é de 10% a 13% na comparação com cidades sem delegacias da mulher, mas concentrado nas brancas.

Os pesquisadores apontam as condições de infraestrutura também são cruciais para viabilizar o acesso às delegacias da mulher.

"Além de ter consciência dos direitos, a mulher precisa ter condições de formalizar a demanda, tanto em termos de transporte para ir à delegacia como de telecomunicações. Em regiões em que os índices de infraestrutura são menos desenvolvidos, diminuem as chances de fazer as denúncias e de a investigação avançar", afirma Sandro Cabral.


6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
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6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
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"As regiões metropolitanas tendem a concentrar um conjunto de outros equipamentos que também fazem parte das políticas públicas de maneira complementar", diz Reis.

Em cidades com infraestrutura precária, as delegacias da mulher não geram mudanças relevantes nos indicadores, mostra o artigo.

Eles afirmam que o levantamento mostra que as delegacias da mulher estão entre as instituições que têm mais influência no combate à violência contra a mulher, por ter representatividade (ou seja, há um número significativo de mulheres trabalhando nelas) e mandato (têm rotinas e procedimentos para tratar das questões específicas).

No caso das mulheres negras, Cabral aponta que é provável que a representatividade racial não seja a que se espera que exista nas delegacias da mulher e que as rotinas e procedimentos devam ser adaptados para essa parcela da população com suas demandas, dificuldades e necessidades particulares.

O que dificulta um cenário mais claro para sustentar esse diagnóstico, dizem os professores, é a dificuldade no acesso a dados como raça e gênero de funcionários das delegacias da mulher pelo Brasil.

Eles não conseguiram ter acesso a dados como a proporção de homens e mulheres trabalhando nas delegacias da mulher nem a de brancos/brancas e negros/negras em grande parte dos municípios, sob o argumento de secretarias de Segurança de que fornecer essas informações colocaria em risco estratégias das polícias.

Para Cabral, há algumas medidas claras a serem tomadas pelos formuladores e implementadores de políticas públicas diante das descobertas do estudo.

"A primeira coisa é um mandato claro: a violência contra a mulher negra importa. Ela tem características específicas. O segundo passo é ter representatividade nas posições. Delegadas e agentes negras. E isso vai fazer com que os procedimentos e o acolhimento sejam mais customizados para essas mulheres que são vítimas preferenciais da violência", afirma.

Arvate pontua que, para além dessas medidas do lado da oferta, a demanda também deve ser contemplada.

"Se você aumentar a escolaridade das mulheres negras você vai ajudar bastante também nesse processo. A polícia não está solta na sociedade. Ela está dentro de um emaranhado. Se você olhar Colômbia, Chicago, você percebe que os resultados surgem quando são feitas políticas conjuntas. Se fizer política só de polícia não chega a lugar algum. Precisamos de uma polícia específica, com determinadas características, mas também investir em outras políticas sociais, como na educação", afirma.

Sandro Cabral, professor do Insper e um dos autores do artigo
Sandro Cabral, professor do Insper e um dos autores do artigo. Foto: Adriano Vizoni-31.out.2017/Folhapress

Reis afirma que algumas das políticas públicas já existem, como as cotas raciais no serviço público e no ensino superior, mas elas tem implantação heterogênea em diferentes regiões e os resultados surgem apenas no médio e no longo prazo.

Para testar as hipóteses, a pesquisa realizou 22.254 observações quantitativas de dados de municípios brasileiros sobre homicídios relativos ao período de 2004 a 2018.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2022/03/delegacias-da-mulher-tem-mais-efeito-para-brancas-do-que-para-negras-aponta-artigo.shtml


Hamilton García de Lima: A frente ampla de Lula

Hamilton Garcia de Lima / Folha de S. Paulo

Doutor em hstória contemporânea pela Universidade Federal Fluminense e mestre em ciência política pela Unicamp

As articulações do ex-presidente Lula em direção ao retorno ao poder continuam de vento em popa, como se diz no jargão náutico.

O que não se sabe é se tal navegação o levará a porto seguro ou se será tragado pelas tempestades no caminho.

O certo é que, mesmo que chegue ao destino almejado, o desembarque da tripulação em terra firme apresenta desafios que não podem ser negligenciados.

O PT, até aqui, nunca foi um partido de frentes amplas, até porque se constituiu como uma frente "de fato" para superar o velho comunismo brasileiro, representado pelo PCB.

Nesse trajeto, que começou em 1979, sindicalistas, teólogos da libertação, comunistas dissidentes e ecologistas agruparam-se em torno de um discurso radical pela derrubada da ditadura militar, cuja superação se deu pelo voto numa transição negociada, liderada pelo MDB, que o PT qualificava como "burguesa".

GOVERNOS SEM COMPROMISSOS PROGRAMÁTICOS

Desde então, o PT apostou no "quanto pior melhor" até a campanha eleitoral de 2002, quando uma mudança de discurso lhe permitiu conquistar a Presidência sem assumir compromissos programáticos com aliados sérios no Parlamento.

Preferindo navegar pelos desvãos dos interesses mal constituídos da política brasileira, o governo Lula desembocou no mensalão e no petrolão.

A aliança com o PMDB e o PP não só não foi capaz de desviar o PT da rota de compra das bancadas à direita para remediar sua minoria legislativa como lhe deu estofo para aprofundar tal prática.

Por quais razões, então, deveríamos apostar na atual conversão do lulopetismo à frente ampla?

Uma resposta vem do sociólogo Luiz Werneck Vianna, um nome destacado da intelectualidade democrática de esquerda.

Para ele, "uma nova oportunidade" se abre "diante do quadro de excepcionalidade em que vive o país", referindo-se ao desastre econômico-social da pandemia e ao modo como o governo de Bolsonaro tentou tirar proveito da situação para impor um regime discricionário.

Nesse contexto, para Werneck Vianna a aliança Lula-Alckmin seria "a fórmula abrasileirada da geringonça portuguesa", unindo "as experiências da social-democracia entre nós".

Santinho/imagem da possível chapa Lula-Alckmin que está circulando em grupos de WhatsApp do PT que incentivam a aliança entre o ex-presidente e o ex-governador de São Paulo. Foto: Arquivo pessoal

Dessa forma se formaria uma frente política capaz de enfrentar a extrema direita, agora aliada ao centrão – um bloco "no controle social e político da massa dos retardatários da modernização brasileira", que se projeta a partir dos "interesses emergentes no agronegócio e das elites no comando das finanças" (dois setores modernos, diga-se de passagem).

O problema dessa propositura está em que tais privilégios não só não foram abertamente enfrentados pelo PSDB em seus oito anos no poder como foram fortalecidos nos 13 anos de governos do PT.

Operação Lava Jato o atestou ao trazer à tona tais práticas em processos chancelados pelo sistema judiciário brasileiro, embora reiteradamente negadas pelos dirigentes petistas. Sua anulação corresponde a uma série de casuísmos jurídicos, longe de verdadeiras garantias constitucionais.

Não se pode descartar, obviamente, que as agruras pelas quais passou nossa social-democracia tupiniquim, inclusive a revolta de 2013, não tenham ensinado algo a suas lideranças.

Todavia, a circunstância e o método de construção desta suposta frente ampla em torno de Lula, que Werneck Vianna acredita capaz "de resgatar as melhores promessas que cultivamos ao longo da nossa trajetória", não são nada promissoras.

Em primeiro lugar, por estar marcada pelo interesse imediatamente eleitoral de Lula em liquidar a eleição no primeiro turno, o que o aliviaria de maiores compromissos programáticos no segundo turno.

Em segundo lugar, por girar em torno da liderança carismática do ex-presidente, que se elevaria a árbitro supremo da "geringonça" em formação.

Outra resposta, na mesma direção, vem dos (poucos) signatários do manifesto "Movimento Pelo Brasil", articulado por uma dissidência da Rede Sustentabilidade.

Caracterizando a eleição vindoura como um "plebiscito", esse grupo assevera que "não há dúvida que a história está fazendo Lula representar a alternativa que o Brasil deve abraçar", por conta dos "acertos de seus dois governos e a disposição em construir uma frente ampla programática".

Essa percepção se baseia não só no esquecimento dos erros cometidos nos dois governos de Lula e no governo e meio de Dilma –cuja paternidade é inegável–, como também em uma confiança "naïf" em uma mera disposição, sem base efetiva em práticas institucionais de acordos e diálogos.

A única articulação programática promovida pelo PT estava ocorrendo em torno da formação de uma federação com o PSB, o PCdoB e o PV, fortemente marcada pela mera matemática do número de prefeituras governadas por cada partido.

Isso patenteia o fracasso da esquerda em alçar voo sobre o pântano em que se transformou o sistema partidário-parlamentar brasileiro.

AS RUPTURAS NECESSÁRIAS, MAS IMPROVÁVEIS

Mas nem todos se embalam nesse canto de sereia.

Um importante meio de comunicação sustentou recentemente em seu editorial que "a irresponsabilidade demagógica" prevalecente há 20 anos no país, "com exceção do (…) governo de Michel Temer", significou o "retrocesso e destruição do futuro" que culminou no bolsonarismo e no lulopetismo repaginado.

A promessa deste último de "reconstrução e transformação do Brasil" não se sustenta diante da persistência em negar a necessidade de reformas adiadas por todo o período em que esteve no poder.

Se bem podemos divergir da grande mídia sobre a natureza das reformas que o país precisa, concordamos que "Lula não está disposto ao trabalho árduo de promover mudanças legislativas estruturais, politicamente difíceis e que exigem contrariar interesses de setores organizados".

Para desespero dos que continuam apostando na ruptura democrática com a ordem neopatrimonial-financeira, que extorque o presente e rouba o futuro do Brasil, o mais provável é que Lula e o PT continuem inclinados a restaurar o (insustentável) equilíbrio da Nova República, cujo cadáver resiste baixar à sepultura.

*Hamilton García de Lima é doutor em hstória contemporânea pela Universidade Federal Fluminense e mestre em ciência política pela Unicamp

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/latinoamerica21/2022/03/a-frente-ampla-de-lula.shtml


Crime de corrupção perde espaço nos pedidos de órgãos de controle ao Coaf

Breno Pires / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Registros do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) indicam que, no ano passado, órgãos de investigação fizeram o menor porcentual de demandas para o tema corrupção ante outros ilícitos na comparação com dados desde 2014, quando teve início a série histórica. A partir do atual governo do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, os pedidos de intercâmbio de informações relacionados a este tipo de crime perderam espaço para o tráfico de drogas.

As quedas se verificam nos números que reúnem pedidos de informação da Polícia Federal e de outros órgãos de investigação, como Receita, Controladoria-Geral da União (CGU) e Ministério Público. Em 2018, ainda no fim da gestão de Michel Temer, pedidos direcionados ao Coaf com o tema da corrupção representavam 28,6% do total das demandas feitas pelos órgãos. Em 2021, esse porcentual caiu para 17,5%, sendo que nos dois anos anteriores o volume de demandas com o tema corrupção já havia diminuído. https://arte.estadao.com.br/uva/?id=yr4m62

Em 2018 foram 2.134 pedidos sobre corrupção num total de 7.445 englobando outras temáticas, como tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro. Em 2021, os pedidos sobre corrupção foram 2.519, mas dentro de um total de 14.404. Assim, apesar de o Coaf ter sido mais demandado no geral, os pedidos de informação sobre esquemas de corrupção em todas as instâncias governamentais perderam relevância entre as solicitações por informações por parte de agentes de órgãos de investigação.

Pela primeira vez, o órgão responsável pelo fluxo de informações que mais evidenciam circulação de dinheiro deixou de ter a corrupção como principal demanda. Agora, o posto é do tráfico de drogas, que foi o tema de 3.772 pedidos recebidos pelo Coaf em 2021 – equivalente a 49% mais do que os pedidos sobre corrupção no ano. O Coaf não informa quantos dos pedidos sobre esses temas foram da PF, mas, como esse é o principal órgão em número de pedidos, é possível captar a mudança no foco da polícia.

Operações focaram em temas de pandemia

Nos últimos anos, as operações sobre grandes esquemas de corrupção envolvendo autoridades do Executivo federal e parlamentares do Congresso deram lugar a ações concentradas em desvios de verbas em prefeituras ou governos estaduais pelo Brasil, muitas vezes com recursos relacionados à pandemia de covid-19.

Operação Placebo
Operação Placebo da Polícia Federal em busca de fraudes nos hospitais de campanha, realizada em locais onde o ex-governador do Rio Wilson Witzel residiu, em maio de 2020. Foto: REGINALDO PIMENTA/AGÊNCIA O DIA

Uma ação da Polícia Federal de grande repercussão neste período foi a operação que levou ao afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. A Operação Placebo, em maio de 2020, mirou desvios de recursos públicos destinados ao combate da pandemia e foi autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

Os dados da própria PF sobre prisões por corrupção, no entanto, sofreram queda significativa. Em 2018, foram 668. Entre os presos naquele ano estavam possíveis candidatos, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que planejava concorrer a um novo mandato presidencial, e o ex-governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), que concorria ao Senado. No ano seguinte, 2019, foram 486 prisões. Em 2020, foram 411. Mas, em 2021, apenas 167 prisões relacionadas à corrupção foram efetuadas pela PF. No número de operações relacionadas à corrupção, houve queda entre 2020 e 2021: de 654 operações para 539.

O atual governo é alvo de denúncias de interferências na Polícia Federal e de patrulhamento sobre as atividades do Coaf e da Receita Federal. Bolsonaro é investigado em inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de interferir no comando da corporação e seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), alvo de denúncia de um esquema de rachadinha na Assembleia do Rio, fez pressão contra servidores da Receita que atuaram no processo. A 2ª Turma do Supremo arquivou no fim do ano passado a investigação contra Flávio e a acusação formal voltou à estaca zero.

Políticos, porém, continuaram sendo alvos de operações da PF no período do atual mandato. O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), em outubro de 2020, enquanto era vice-líder do governo, foi afastado do mandato por 90 dias após ser flagrado escondendo dinheiro nas partes íntimas durante ação da Polícia Federal. Já voltou ao mandato e ainda não foi denunciado criminalmente. 

Em outro caso, o deputado federal Josimar Maranhãozinho (PL-MA) foi flagrado manuseando maços de dinheiro que, de acordo com a PF, tinham origem em desvio de recursos de emendas parlamentares. Ele voltou a ser alvo da PF numa operação de busca e apreensão realizada na última sexta-feira. O deputado é acusado de desviar 25% de recursos repassados pelo governo federal a partir de emendas direcionadas ao Maranhão.

Especialista vê prudência em atuação da PF

O advogado Sérgio Rosenthal, especialista em crimes financeiros, enxerga uma diminuição no ritmo da PF em realizar atividades investigativas sobre corrupção. Mas, embora considere isso uma inoperância no atual governo, ele ressalta que a queda nos números pode demonstrar também uma “postura mais prudente e menos espetaculosa por parte das autoridades” após a Operação Lava Jato. 

“É inerente à atividade de persecução criminal o confronto entre o poder e o dever de investigar e os direitos fundamentais dos investigados, de modo que o arrefecimento das atividades empreendidas pela Polícia Federal no combate à corrupção pode estar relacionado à necessidade de se evitar os excessos e arbitrariedades que pautaram muitas das operações policiais realizadas no passado”, disse Rosenthal.

Operação da PF
Policiais apreendem documentos durante operaçãoo deflagrada em Natal (RN) em 2021.  Foto: JOSÉ ALDENIR/THENEWS2
Interferência política na PF

Dados de pesquisas independentes realizadas nos últimos anos indicam obstáculos no combate à corrupção. Integrantes da Polícia Federal disseram sentir dificuldades diante de “interferências políticas” em um trabalho realizado em 2021 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Na pergunta sobre qual é a importância de determinados fatores quanto às dificuldades do trabalho da polícia, a interferência política foi considerada muito importante por 60,6% e importante por 35,7%. Apenas 3,7% disseram ser pouco importante. A corporação que mais apontou dificuldade com interferências, no entanto, foi a Polícia Rodoviária Federal.

O estudo – Escuta dos Profissionais de Segurança Pública no Brasil – foi publicado em novembro de 2021 e ouviu 9.067 agentes de segurança de todos os Estados e corporações policiais.

“Claro que não sabemos o que os entrevistados compreendem por ‘interferências políticas’, mas esse dado é interessante porque se a ideia de ‘interferência política’ for a mesma que a maioria das pessoas tem, é um indicativo de que desejam realizar na PF um trabalho menos político e mais técnico”, disse o pesquisador Lucas Pilau, doutorando em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Baixas em condenações por improbidade

Além das quedas na área da corrupção, também há baixas nos números relacionados ao combate a ilícitos administrativos. Houve redução nas condenações por improbidade administrativa ao longo de 2020 e nos números de sanções de expulsões de servidores e de instauração de processos administrativos, dados reunidos pela CGU.

Nas ações por improbidade administrativa, o número de condenações caiu bastante ao longo de 2020, segundo levantamento feito pelo pesquisador Manoel Gehrke, vinculado à Universidade Bocconi, na Itália. Com doutorado no tema, o estudioso brasileiro reuniu dados públicos e constatou que, na média móvel mensal, as condenações vinham crescendo desde 2014 e chegaram a um pico em 2019, no mês de outubro, com 952. Depois disso, porém, a média foi baixando e chegou a 454 em outubro de 2020, que é o fim da série histórica analisada pelo pesquisador.

Esses números vêm antes mesmo da mudança na Lei de Improbidade Administrativa, aprovada em 2021, que enfraqueceu o poder de punição e criou regras que facilitam o arquivamento de processos, por meio da chamada prescrição.

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Wagner Rosário, da CGU, na audiência pública da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Na Controladoria-Geral da União, comandada pelo ministro Wagner Rosário, dois dados chamam atenção. Os números de sanções de expulsões de servidores públicos vêm caindo ano a ano. Em 2018, foram 643. Em 2019, 542. Em 2020, 513. Em 2021, 488. Os números de suspensões e de advertências aplicadas a servidores têm oscilado. Caíram após picos em 2019, embora estejam ligeiramente acima de 2018.

Processos para fiscalizar servidores em queda

O número de processos instaurados para fiscalizar servidores públicos, no entanto, caiu bruscamente. Em 2018 e em 2019, foram 9.572 e 10.648, respectivamente. Em 2020, porém, foram 5.372. Em 2021, apenas 4.855 processos – menos da metade de 2019. Esse é o menor quantitativo desde 2012. Esses números englobam processos administrativos disciplinares (PADs), sindicâncias punitivas e processos sancionadores de todos os órgãos do Poder Executivo Federal.

Procurada, a CGU não comentou a queda de 2020 e 2021, apenas disse que em 2019 houve o pico no número de processos abertos. O ministério afirmou também que, em 2020, foi regulamentada a possibilidade de celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) para infrações punidas com advertência ou suspensão em até 30 dias.

Procurada, a Polícia Federal não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,crime-de-corrupcao-perde-espaco-nos-pedidos-de-orgaos-de-controle-ao-coaf,70004007688


"É precoce desobrigar uso de máscaras", diz pesquisadora da Fiocruz

Maria Eduarda Cardim / Correio Braziliense

Ainda que, em diversos momentos da pandemia da covid-19, os discursos governamentais, considerados nocivos por especialistas, tenham manchado a imagem do Brasil no cenário internacional, o comportamento do país no combate ao novo coronavírus é considerado razoável diante dos altos e baixos vividos nestes dois anos de pandemia. A opinião é da pneumologista Margareth Dalcolmo, um dos nomes de destaque do Brasil no enfrentamento à covid-19.

Em contato com pesquisadores do mundo inteiro, a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) avalia que o Brasil viveu dois extremos nos momentos de enfrentamento ao vírus SARS-CoV-2. “Eu acho que o Brasil teve imagens boas e ruins. Vivemos essa dualidade o tempo todo. Nós enfrentamos a contradição de termos feito estudos extraordinários de fase três de vacinas contra covid-19 e não termos feito as encomendas no tempo certo, por exemplo”, afirma.

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Em Brasília para lançar o livro Um tempo para não esquecer — A visão da ciência no enfrentamento da pandemia do coronavírus e o futuro da saúde, que reúne artigos da pesquisadora que documentam o transcorrer da pandemia, Dalcolmo conversou com o Correio sobre as flexibilizações feitas atualmente no país e sobre o futuro da pandemia no Brasil e criticou a falta de incorporação de um remédio para tratamento da covid-19 no Sistema Único de Saúde (SUS).

Para ela, o Brasil precisa pensar em nacionalizar os medicamentos já aprovados e recomendados para o tratamento da doença para impedir que os preços das medicações se tornem proibitivos para o país. Além disso, a pesquisadora acredita que a quarta dose da vacina, hoje recomendada somente para grupos específicos, deve ser estendida à população em geral nos próximos meses, mas acha pouco provável ser necessário fazer campanhas de vacinação anuais como se faz para o vírus influenza, por exemplo.

Confira a entrevista:

Como a senhora avalia o momento atual da pandemia no Brasil?
A pandemia da covid-19 guarda uma dinâmica muito própria. Ela tem as características de uma virose aguda de transmissão respiratória com patógeno novo, com uma cepa original muito transmissível, com alta letalidade e alta morbidade. Outras variantes seguiram causando grande poder de disseminação até a presente situação, que é um momento em que se somam fatores como uma variante nova, menos agressiva, de maior taxa de transmissibilidade, contra uma taxa de vacinação, no Brasil, razoavelmente alcançada. Hoje, nós temos situação com 80% praticamente da população vacinada, ainda faltando alguns milhões de pessoas a serem resgatadas para a terceira dose e até para a segunda dose. A nossa expectativa é de que, como todas as viroses de transmissão respiratória aguda, neste momento, somados esses fatores, a covid-19 comece a ir diminuindo. Mas nós ainda não temos uma situação que, a meu juízo, permita, por exemplo, as medidas tomadas recentemente, como a liberação de máscaras nos ambientes fechados.

Mas essa flexibilização do uso de máscaras em ambientes abertos é uma questão pacificada na comunidade científica?
Sim, nós já estamos dizendo isso desde o fim de novembro. Desde antes do aparecimento da cepa ômicron. Nós já estamos falando que poderíamos, dada à taxa de vacinação alta alcançada, dispensar o uso de máscaras em atividades isoladas. Você precisa ter um certo bom senso. Uma festa ou um luau com 2 mil pessoas, com tudo agarradinho, não é exatamente estar ao ar livre. Agora, caminhar, ir em parques, praias, tudo isso pode ser sem máscaras.

A senhora acredita que desobrigar o uso de máscaras em ambientes fechados é precoce?
Eu, particularmente, acho que é precoce, sim. Acho que nós não podemos ainda falar em controle total porque nós ainda temos um número de mortes atribuídas à doença bastante considerável. Embora a taxa de hospitalização tenha realmente diminuído, ela não é zero.

E qual é, agora, a prioridade no combate à pandemia no Brasil?
Vacinar as crianças, completar a vacinação de quem ainda não o fez e fazer vigilância epidemiológica. Porque se você me perguntar: ‘Não vai ter outra variante?’ Não sei dizer. Nós não sabemos. O número de suscetíveis precisa diminuir mais, nós ainda temos muitos circulando por aí que podem ajudar a disseminar o vírus em um eventual aparecimento de uma nova cepa variante.

E a quarta dose da vacina? A senhora acredita que ela será estendida? Ou teremos uma vacinação anual como acontece com a vacina da gripe?
Acho que a quarta dose deverá ser estendida a todo mundo a partir dos 18 anos de idade nos próximos meses. Essa é a minha expectativa. Neste momento, nós estamos vacinando vulneráveis, pessoas idosas ou com doenças de imunossupressão, mas a minha expectativa é de que nós vacinemos todos, a partir dos 18 anos, com uma quarta dose, nos próximos meses. Haverá seguramente uma segunda geração de vacinas, já estabelecidas com cepas novas. Há estudos sendo feitos nesse sentido, mas eu não creio, não tenho a expectativa e acho pouco provável que nós precisemos fazer vacinações anuais como se faz para o vírus influenza.

Agora, com autonomia da produção do imunizante, o olhar se volta para os medicamentos contra a covid-19. Já existem alguns aprovados pela Anvisa, mas nenhum incorporado ao SUS. Qual é o impacto disso?
É uma pena. De novo, nós estamos atrasados. Nós deixamos de utilizá-los durante o aparecimento da cepa ômicron, não pudemos, foi uma pena porque deixamos de tratar milhares de pessoas. Então, nós precisamos nacionalizar esses produtos para que, inclusive, os preços deles, que são proibitivos para o Brasil, baixem. Nós já estamos em negociação para a fabricação do monulpiravir por Farmanguinhos, por meio da Fiocruz no Brasil.

O governo federal já fala em uma possível reclassificação da pandemia para endemia. Isso é possível?
Isso não existe. Isso é uma retórica completamente equivocada. Quem vai dizer se a pandemia está controlada é a Organização Mundial da Saúde (OMS). Não é um título honorífico dizer que hoje não é mais pandemia porque eu quero que não seja. Para isso ser considerado de maneira correta do ponto de vista epidemiológico será necessário reduzir, para muito perto de zero, o número de hospitalização e de morte pela doença. Então, eu consideraria isso um exercício retórico.

Ainda falando sobre o Brasil, qual é a imagem que o país passa no cenário internacional em meio à pandemia?
Eu acho que o Brasil teve imagens, digamos, boas e ruins. Tivemos tudo. Primeiro, não nos preparamos adequadamente para receber uma epidemia desse porte. Embora o SUS fosse desde o início, sabidamente, a arma mais poderosa para enfrentar a pandemia, o SUS entrou em condições bastante desfavoráveis em um certo sentido. Então, tem sempre uma coisa boa e uma coisa ruim, né? A coisa boa é que o Brasil foi um belo local, um celeiro, de produção de grandes estudos de fase três para vacina. Mas aí, o Brasil conseguiu não seguir o seu exemplo tradicional de adesão à vacinação, que é muito característico da população brasileira. Infelizmente, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) entrou sem uma coordenação, como tinha sido em epidemias anteriores. Então, tudo isso fez com que o Brasil, que vinha de uma tradição extremamente positiva, tenha entrado numa pandemia desta magnitude em condições desfavoráveis.

E quanto ao lado positivo?
A comunidade científica e acadêmica brasileira mostrou uma capacidade de trabalho extraordinária. O Brasil é, hoje, o décimo país em publicações científicas sobre a covid-19, o que não é pouca coisa. É muito se compararmos com países onde o investimento em pesquisa é tão maior do que no Brasil. E nós estamos sofrendo cortes, um atrás do outro. Depois, outra coisa positiva, é que a comunidade científica brasileira, e vale dizer feminina, porque ela foi totalmente de mulheres, foi muito ágil e muito rápida no sequenciamento do genoma. Em quatro dias no Brasil, foi identificado o genoma por um grupo de cientistas brasileiras, mulheres, como a Ester Sabino, a Jaqueline Goes. Soma-se ainda aos fatores positivos a capacidade de instituições brasileiras públicas, como a Fiocruz e o Instituto Butantan, terem tido, no caso da Fiocruz, a iniciativa de fazer a encomenda tecnológica de nacionalização de uma vacina. O resultado disso hoje, em uma fase de mais ou menos controle pandêmico, é de autonomia. O Brasil, hoje, assegurou a autonomia na produção de vacinas para covid-19.

É preciso falar também sobre a politização da pandemia, certo?
Exceto essa enorme politização da pandemia feita pelo discurso governamental, que, a meu juízo, foi profundamente nocivo ao país, eu acho que nesse balanço, de altos e baixos, o Brasil teve um comportamento bastante razoável no combate ao novo coronavírus. Vivemos essa dualidade o tempo todo. Não precisávamos ter vivido tragédias paralelas à epidemia. Nós não precisávamos ter vivido a tragédia de Manaus. Manaus foi o primeiro local que teve pico epidêmico em abril de 2020 e nós sabíamos que a imunidade conferida pela doença era efêmera. Então, Manaus poderia ter se preparado para um eventual aparecimento de uma nova cepa. Não precisaríamos ter vivido a tragédia de oxigênio no norte do país. Não precisaríamos ter vivido o escândalo que foram os hospitais de campanha no Rio de Janeiro, o atraso no processo de vacinação. Nós vivemos a contradição de termos feito estudos extraordinários de fase três e não termos feito as encomendas no tempo certo.

Passados esses dois anos de pandemia, como a senhora avalia que o Brasil vai sair desse momento em termos científicos?
Acho que dois produtos positivos saíram dessa tragédia que se abateu sobre nós. Primeiro, a grande capacidade de produção da comunidade científica e o reconhecimento por parte da sociedade civil brasileira, que não nos conhecia, que não sabia que existia uma ciência nacional. Muitos de nós saímos dos nossos casulos, laboratórios, consultórios e viemos a público. A sociedade quando nos reconhece, confia em nós. Então, a sociedade brasileira hoje sabe que existe uma ciência genuinamente nacional, que trabalha e está comprometida com ela. O segundo produto que eu considero extremamente positivo é que o Brasil é um país que nos constrange tanto pela sua enorme desigualdade, e, na verdade, a iniciativa privada, pela primeira vez de maneira robusta, mostrou um comparecimento muito impressionante.

Como assim?
Na primeira entrevista pública que eu dei sobre a pandemia da covid-19, eu disse que a iniciativa privada teria que comparecer pesadamente ou a tragédia seria maior. E nós tivemos muitas doações. O que nós precisamos agora é criar no Brasil uma cultura de um novo voluntariado ou o que eu chamo de um voluntariado de nova qualidade. Instituir isso e incorporar a nossa cultura. É preciso diminuir essa distância tão grande entre quem tem e quem não tem. Lembrando que milhares de pessoas entraram na linha de pobreza durante esses dois anos de pandemia. E um terceiro produto, e não menos importante, obviamente, foi que, a despeito de todas as dificuldades, o SUS respondeu.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/03/4992563-e-precoce-desobrigar-uso-de-mascaras-diz-pesquisadora-da-fiocruz.html


País deve entregar mais 10 parques e florestas à iniciativa privada

Renée Pereira / O Estado de S.Paulo

Depois de rodovias, aeroportos e saneamento, o Brasil deve entrar numa nova onda de concessões voltadas ao setor ambiental. Beneficiadas pelo apelo ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança), as licitações envolvem parques e florestas espalhadas por todo o País. Só neste ano a expectativa é realizar dez leilões até o terceiro trimestre, segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas o potencial é ainda maior.

A instituição calcula que haja 8,4 milhões de hectares de unidades de conservação que podem ser concedidos para a iniciativa privada – isso equivale ao tamanho da Áustria, diz o diretor de concessões e privatizações do banco, Fábio Abrahão. A área inclui parques e florestas naturais de Estados, municípios e governo federal. Alguns são viáveis economicamente, outros poderiam se tornar ferramentas interessantes na busca de empresas por maior sustentabilidade.

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Por se tratar de um setor novo e com ativos menores comparados a rodovias e aeroportos, por exemplo, todo o sistema e a tecnologia precisavam ser desenvolvidos. Além disso, diz Abrahão, era importante criar escala e montar uma carteira consistente de projetos para expandir uma indústria que no Brasil ainda engatinha.

“As modelagens são menores e para gerar impacto tem de ter escala e ser padronizado”, diz Abrahão, que trabalha em cima dessas concessões há um ano e meio. Isso significava criar uma carteira de projetos interessante para atrair investidores. Outra preocupação foi desenvolver uma modelagem que trouxesse benefícios para o entorno dos parques ou florestas. Ou seja, definir exigências que promovam a interação com a população e melhorias nas comunidades locais.

“O mercado de parques no Brasil é muito pequeno e pode se desenvolver bastante se usarmos como exemplo países como Estados Unidos, Canadá e África do Sul, onde essa indústria movimenta muita gente e recursos”, diz Abrahão. A primeira concessão modelada pelo BNDES vai ocorrer dia 22 de março. Trata-se da licitação do Parque Nacional Foz do Iguaçu (RS), que tem como principal atração as Cataratas – considera uma das sete maravilhas da natureza. 

A área é administrada pelo Grupo Cataratas, mas o contrato já venceu. A nova concessão vai ampliar o espaço concedido e trazer novas exigências, como o investimento de 6% da receita em projetos socioambientais. O vencedor terá de investir R$ 504 milhões e aplicar outros R$ 3,6 bilhões na operação do parque durante a concessão.

Cataratas do Iguaçu
Cataratas do Iguaçu, no Paraná; licitação do Parque Nacional Foz do Iguaçu (PR), que tem como principal atração as Cataratas, é a primeira concessão modelada pelo BNDES. Foto: Felipe Mortara/ Estadão

Depois dessa concessão, outras estão prevista para o segundo e terceiro trimestres do ano, como os três parques no Rio Grande do Sul: Caracol, Tainhas e Turvo, além do Jardim Botânico. A carteira do BNDES inclui ainda o parque Dois Irmãos, em Pernambuco; o Zoológico de Salvador, parque Sete Passagens e Conduro, na Bahia; Ibitipoca e Itacolomi, em Minas Gerais. No total, o BNDES tem 50 projetos em elaboração.

Sustentabilidade

Na avaliação do sócio da BF CapitalRenato Sucupira, exemplos de sucesso de alguns leilões já realizados, como o do Ibirapuera, podem incentivar a entrada de investidores nessa nova leva licitações, composta por ativos interessantes e rentáveis. Na concessão de Foz do Iguaçu, por exemplo, ele acredita que a disputa deva ser acirrada.

Mas o executivo avalia que a carteira do BNDES inclui muitos parques e florestas não rentáveis, o que exigirá uma modelagem diferenciada para atrair investidores. Além disso, ele cita algumas áreas com vocação turísticas, como Lençóis Maranhenses, mas que teriam de superar desafios ligados ao tamanho do parque. “Como fazer entradas nessas áreas?”, questiona ele.

O diretor do BNDES destaca que, se bem feitas, essas concessões podem ser uma importante ferramenta para as empresas na prática de ESG. Ele explica que a carteira do banco tem tanto projetos autossuficientes como aqueles que não param de pé financeiramente. “Mas, mesmo nesses, temos investidores interessados em colocar dinheiro a fundo perdido.” 

São empresas que querem aliar suas marcas a esse tipo de ação ligada à sustentabilidade. Além disso, alguns fundos – internacionais – têm metas para investir em companhias com essas iniciativas. Outro motivo para colocar dinheiro nessas concessões, inicialmente sem atratividade econômica, está no avanço do mercado de carbono. Ter uma área degradada, que precisa ser recuperada e preservada, pode render créditos no futuro. Mas esses ativos só devem ser colocados na praça mais para frente. 

Interessadas

Vencedora de leilões passados, Live Park e Urbia estão avaliando todos os projetos em estruturação pelo BNDES. “Vemos com bons olhos esse processo e uma oportunidade desse patrimônio do País ganhar um ‘up grade’ de operação e proteção ambiental”, diz o presidente da empresa, Rogério Dezembro. Criada em 2020, a companhia faz parte do consórcio que acaba de vencer a concessão do ZoológicoJardim Botânico e Zoo Safari de São Paulo, pelo período de 30 anos.

“Estamos acompanhando todo o processo e a carteira do BNDES e, com certeza, vamos participar, pelo menos, da metade das licitações”, diz o executivo, que já trabalhou no projeto do Allianz Park e Teatro Santander. Para isso, a empresa está conversando com outros possível parceiros para disputar os ativos.

Outro grupo interessado nos parques a serem licitados neste ano é a Urbia, empresa do grupo Construcap. Administradora do Parque do Ibirapuera e mais cinco parques em São Paulo, a concessionária venceu no mês passado a licitação do Horto Florestal de São Paulo e deve assumir a administração a partir de abril. A Urbia também tem a concessão do Parque Nacional de Aparados da Serra e da Serra Geral, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

O diretor da empresa, Samuel Lloyd, diz que o foco da Urbia são negócios focados em turismo e visitação. “E, para isso, olhamos o País inteiro.” Com essas concessões, diz ele, é possível ampliar os horários de abertura dos parques, torná-los mais atrativos e convidativos aos turistas, como fazem muito bem outros países.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,leilao-parque-floresta-bndes,70004006907


Subsecretário da Receita pediu devassa sobre apurações contra clã Bolsonaro e Queiroz

Italo Nogueira / Folha de S. Paulo

Partiu do atual subsecretário de Gestão Corporativa da Receita Federal, Juliano Neves, a solicitação para a devassa feita nos sistemas do órgão para identificar investigações em dados fiscais de todo o entorno do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Segundo documento da Receita, Neves pediu ao Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) uma apuração especial sobre os acessos a dados fiscais de nove pessoas: além de Jair Bolsonaro, de seus três filhos políticos, de suas duas ex-mulheres e da primeira-dama, Michelle, de Fabrício Queiroz e de Fernanda Bolsonaro, mulher do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

A pesquisa foi muito mais ampla do que apontado meses atrás como um movimento apenas da defesa de Flávio contra a investigação da "rachadinha" tocada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Atingiu, na verdade, todo o entorno familiar do presidente, incluindo suas duas ex-mulheres com quem dividiu seu patrimônio e que não eram alvos da investigação contra o senador. O rastreamento abrangeu 22 sistemas de dados da Receita no período de janeiro de 2015 a setembro de 2020.

O levantamento identifica os "logs", como são chamados os arquivos sobre as consultas aos sistemas do Fisco. Eles indicam a data e o nome do auditor responsável pela consulta aos dados fiscais dos contribuintes.

Caso não haja justificativa para a atuação, o servidor pode ser punido pelo acesso imotivado. O resultado da apuração especial, porém, também permite identificar investigações legais ainda em sigilo contra o dono do CPF analisado.

Procurada, a Receita não comentou a amplitude do levantamento. Disse apenas que instaurou procedimento para analisar denúncia publicada na imprensa sobre uma organização criminosa instalada na instituição, sem que as informações tenham se confirmado.

A ação do governo começou após a defesa de Flávio alegar que teria tido seus dados fiscais acessados e repassados de forma ilegal ao Coaf (órgão federal de inteligência financeira), o que deu origem ao caso das "rachadinhas".

Folha mostrou que a Receita mobilizou por quatro meses uma equipe de cinco servidores para apurar o caso. A conclusão do grupo foi de que não havia evidências de que as acusações do filho do presidente fossem reais.

Documento do Serpro, revelado pela Folha ​em junho do ano passado, e da própria Receita mostram, porém, que a pesquisa do Fisco foi mais ampla do que a necessária para apurar as denúncias de Flávio. Os novos papéis obtidos pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação mostram a origem do levantamento.

O nome de Neves aparece num email dele enviado ao então corregedor da Receita, José Barros. Nele, o subsecretário encaminha o resultado da apuração especial feita pelo Serpro.

"Barros, segue o resultado daquela apuração especial sigilosa que eu fiz junto com a outra que já estava aqui", escreveu Neves.

À época, Neves chefiava a Coordenadoria-Geral de Tecnologia e Segurança da Informação (Cotec). Após as mudanças na Receita feitas sob pressão de Flávio, ele foi promovido a subsecretário de Gestão Corporativa.

Ao receber os dados, Barros encaminha a dois auditores que fizeram parte do grupo escalado para analisar as queixas do senador.

"Prezados, seguem as apurações especiais mais recentes a respeito dos acessos aos dados do PR [presidente da República] e familiares", escreveu o então corregedor, atualmente lotado no Ministério da Economia.

Os documentos não descrevem a razão da apuração especial atingir o presidente e todo seu círculo próximo, já que as denúncias do senador se referiam a supostos acessos indevidos apenas a seus dados fiscais.

Os documentos da Receita mostram que o grupo responsável por apurar as denúncias de Flávio identificou o excesso de informação levantada. Em resposta ao então corregedor, o coordenador do Grupo Nacional de Investigação da Receita, Luciano Almeida Carinhanha, afirma que os dados "foram analisados, em parte".

Segundo o documento do Serpro, a demanda da Cotec foi feita no dia 28 de agosto de 2020, três dias após as advogadas terem relatado suas suspeitas ao presidente e ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência), e dois dias depois de elas terem se encontrado com o então secretário da Receita, José Barros Tostes Neto.

O ofício afirma que o resultado do pedido "foi separado em dois lotes". O primeiro restringe a apuração a Flávio, Fernanda e Queiroz, e o segundo aos demais alvos.

A solicitação é feita ao Serpro porque a estatal é a responsável pela guarda das informações dos sistemas da Receita Federal. A pesquisa custou R$ 490,5 mil ao governo, segundo informou o Fisco à reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação.

RECEITA DIZ QUE SERVIDORES ATUARAM DE FORMA IMPARCIAL

Em nota, a Receita não explicou a razão da amplitude dos levantamentos. Também não respondeu se Neves atendia a alguma ordem superior ao solicitar a apuração especial nos moldes em que foi feita.

O Fisco disse apenas que a Corregedoria do órgão investigou denúncia publicada na imprensa, "que relatava suposta existência de uma organização criminosa instalada na instituição".

"Assim, os servidores da Corregedoria da RFB responsáveis pelas análises preliminares de denúncias iniciaram o procedimento para apurar a veracidade do que constava na reportagem. Com total imparcialidade, os cinco servidores conduziram o procedimento, sem dedicação exclusiva, ou seja, simultaneamente a outras atividades e tarefas de sua jornada laboral na Corregedoria da Receita Federal", diz a nota.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/subsecretario-da-receita-pediu-devassa-sobre-apuracoes-contra-cla-bolsonaro-e-queiroz.shtml


Risco para a democracia é maior em 2º mandato de Bolsonaro, diz pesquisador

Ricardo Balthazar / Folha de S. Paulo

A leniência com que o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal) trataram o presidente Jair Bolsonaro (PL) em seu mandato criou riscos para a estabilidade da ordem democrática, diz o professor de direito constitucional Emilio Peluso Neder Meyer, da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nas últimas semanas, o presidente voltou a lançar dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas e atacou integrantes do STF, acusando os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes de atuar para favorecer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições deste ano.

Para Meyer, a nova investida de Bolsonaro contra o STF faz parte de um processo de degradação institucional que tem se aprofundado nos últimos anos por causa da ausência de respostas das instituições aos vários crimes de responsabilidade que foram imputados ao presidente.

Num livro lançado em inglês durante a pandemia, "Constitutional Erosion in Brazil" (Hart, 2021), o professor defende a tese de que o arcabouço institucional criado pela Constituição de 1988 vem sofrendo um prolongado processo de erosão, acelerado após a chegada de Bolsonaro ao poder.

Na sua avaliação, o Supremo contribuiu com esse processo ao tomar decisões contraditórias de grande impacto político no auge da Operação Lava Jato, mas saiu-se bem ao fortalecer políticas de enfrentamento da Covid-19 quando o presidente tentou sabotar as ações dos governos estaduais.

Apesar disso, a falta de resposta da Câmara dos Deputados aos pedidos de impeachment apresentados contra o presidente e decisões judiciais como a que o isentou no caso dos disparos de mensagens por WhatsApp nas eleições de 2018 acabaram fortalecendo Bolsonaro, afirma Meyer.

Homem jovem branco de cabelos castanhos, vestido com camisa branca e paletó cinza claro, em pé com uma estante de livros ao fundo.
O professor Emilio Peluso Neder Meyer, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. - Divulgação

Seu livro faz um balanço negativo da atuação do STF nos últimos anos. Por quê? Algumas decisões tomadas pelo Supremo causaram muita instabilidade ao lidar com questões de grande impacto na política. Decisões que determinaram o afastamento de parlamentares acusados de corrupção e colocaram em xeque suas imunidades, por exemplo, foram contraditórias.

Ao mudar a jurisprudência sobre prisões após condenação em segunda instância, o STF pareceu agir premido pela ideia de que a Operação Lava Jato era a salvação da política nacional e se exigia maior rigor do tribunal. Depois, reviu sua posição novamente em tempo muito curto, após três anos.

São decisões típicas de um constitucionalismo instável, em que atores importantes dentro do próprio sistema, como o Supremo, operam de uma maneira que oferece insegurança em relação às expectativas criadas na sociedade, o que contribui para o enfraquecimento do sistema constitucional.

Esse processo se exacerbou com Bolsonaro, por causa das ações do próprio presidente. O STF então passou a trabalhar em outra direção, o que mostra que a Constituição de 1988 também pode ser uma fonte de resiliência, de força institucional para barrar quem a contrarie como Bolsonaro.

A atuação do Supremo foi positiva na pandemia, ao reconhecer que a nossa organização federativa deve promover a cooperação nas políticas públicas. Houve a criminalização da homofobia e decisões que refutaram claramente a ideia de que uma intervenção militar seria constitucional.

​​As ações do Legislativo e do Judiciário não acabaram moderando as inclinações autoritárias do presidente? A ideia de que as instituições estão funcionando bem, como o ministro Luís Roberto Barroso sempre diz, é uma leitura quase inocente do que tem acontecido no Brasil. Se o receituário estabelecido pela própria Constituição de 1988 fosse seguido, elas estariam funcionando melhor.

A noção de que o papel dessas instituições seja fazer a moderação da política é um equívoco, que tem a ver com uma tradição autoritária da nossa formação. O Poder Moderador, exercido pelo imperador, nasceu em 1824 e desapareceu. Não há lugar para esse conceito na Constituição de 1988.

A função de moderação é central para o funcionamento do nosso presidencialismo de coalizão, mas nesse caso é um papel a ser exercido pelos políticos. Não é papel do Supremo propor arranjos de conciliação, como os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli tentaram na presidência do tribunal.

Se temos um presidente cometendo crimes de responsabilidade, não tem sentido chamá-lo para conversar. Isso simplesmente não cabe no contexto da Constituição de 1988. Muito menos no caso das Forças Armadas, que não têm nenhum papel político a exercer nesse sentido nem deveriam ter.

É um assunto que diz respeito à relação do Executivo com o Legislativo. Arranjos como os que têm sido feitos pelo centrão com Bolsonaro têm criado distorções no processo orçamentário, mas têm sido tolerados. Parece que é o que sobrou para conter um presidente declaradamente autoritário.

O Congresso e o Supremo foram lenientes com o presidente? Bolsonaro é um líder populista, que acredita no contato direto com o povo e acha que independe da existência das instituições, que poderiam até ser extintas. Teria sido melhor se as instituições tivessem deixado claro que um presidente que as despreza dessa forma não pode exercer essa função.

O número de crimes de responsabilidade imputados ao presidente é estarrecedor, mas ele se livrou do impeachment ao fazer o acordo com o centrão. O Congresso talvez tenha sido muito leniente diante do perigo que Bolsonaro representa para a democracia construída pela Carta de 1988.

Quanto ao Supremo, acreditar que fosse possível promover algum tipo de conciliação com o chefe de outro Poder foi um movimento muito perigoso. Na minha avaliação, só serviu para criar um espaço que permitiu ao presidente se tornar ainda mais agressivo em suas investidas contra o STF.

​​​Esse processo de deterioração institucional é irreversível? Vai depender do resultado das eleições e de como ele será recebido pelos principais atores. A reeleição do presidente Bolsonaro contribuiria para aprofundar essa erosão, talvez de forma vertiginosa. O risco de um colapso da nossa ordem democrática seria muito maior num segundo mandato.

O que ele poderia fazer que já não tentou e não conseguiu? Se ele se reeleger e conseguir formar uma maioria mais ampla no Congresso, suficiente para aprovar emendas constitucionais, certamente tentará alterar a composição do Supremo e a organização do Judiciário, como outros governantes autoritários fizeram na Hungria e na Polônia.

É bem difícil de acontecer no Brasil. Num país como o nosso, organizado numa Federação, é mais difícil obter o tipo de consenso necessário para mudanças como as feitas nesses outros países. Mas não acho que seja uma possibilidade que possa ser pura e simplesmente desconsiderada.

Se o bolsonarismo conseguisse dominar o STF, perderíamos uma instituição que poderia representar um freio considerável para políticas de caráter autoritário. Com a adesão das Forças Armadas ao bolsonarismo, haveria uma tendência de crescimento da militarização dos postos de governo.

Se ele não for reeleito, esse processo de erosão poderá ser revertido? A Constituição de 1988 tem os elementos necessários para que isso aconteça. O Supremo não está fadado a ser um tribunal que só contribui para a instabilidade política. Pelo contrário, o STF tem mostrado que pode tomar decisões importantes para a proteção do sistema constitucional.

Algumas decisões da corte foram desrespeitadas, como as que cobraram proteção para a população indígena na pandemia e as que determinaram ao Congresso a divulgação de informações sobre as emendas orçamentárias articuladas pelo centrão. Esse desrespeito flagrante terá consequência muito negativa nos próximos anos. Ainda que a gente tenha outro presidente, ele sempre poderá olhar para o passado recente e perceber que, se não quiser cumprir determinada decisão, ele não cumpre. Qualquer que seja o presidente que esteja lá.

Quanto ao Congresso, dependeria do tamanho da oposição bolsonarista e da sua forma de atuação. Um Congresso renovado pode se propor a regulamentar a Constituição de 1988, em vez de se contrapor a ela como Bolsonaro, cujo governo foi pródigo em dizer que ela não serve para nada.

As instituições estão preparadas para responder a uma contestação do resultado eleitoral, se ele for derrotado nas urnas? O Tribunal Superior Eleitoral deu passos interessantes, mas aquém do que talvez seja necessário. Quando você tem um presidente da República que diz claramente que não vai ser contido, e ele de fato não se deixa conter, talvez os remédios tenham que ser remédios mais amargos.

O TSE iniciou uma investigação contra o presidente depois que ele levantou suspeitas de fraude nas urnas eletrônicas. Essa investigação deveria ser levada adiante e precisaria terminar o quanto antes para produzir resultados, inclusive a inelegibilidade do presidente, em caso de condenação.

Claro que as chances de isso acontecer são remotas, mas decisões tímidas podem ter efeitos muito danosos num processo de erosão institucional. Ao absolver a chapa de Bolsonaro na ação que tratou dos disparos de mensagens de WhatsApp em 2018, o TSE emitiu sinais contraditórios.

A Justiça Eleitoral está aparelhada para combater a desinformação nas eleições? Veja o caso do Telegram. Se uma empresa ignora as autoridades, suas atividades deveriam ser suspensas. Seria um sinal muito forte, mas, se for necessário, quanto antes melhor. Se uma medida como essa for tomada muito tarde, pode ser vista como oportunística e causar instabilidade.


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Mas suponha que o Telegram seja suspenso. O que vem depois? Qual será o aplicativo que ocupará seu lugar? O TSE terá ferramentas para detectar essa mudança e promover o controle necessário? As redes sociais também têm contribuído para o processo de erosão institucional que vivemos.

Os inquéritos conduzidos pelo STF mostraram o que pode acontecer no submundo da internet. Mas é provável que a ultradireita que se projeta e angaria votos nesse universo eleja muita gente para o Congresso neste ano, levando pessoas com posições muito heterodoxas ao Legislativo.

RAIO-X
EMILIO PELUSO NEDER MEYER, 41

Professor associado de direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do Centro de Estudos sobre Justiça de Transição da UFMG. Publicou "Ditadura e Responsabilização: Elementos para uma Justiça de Transição no Brasil" (Arraes, 2012), "Decisão e Jurisdição Constitucional" (Lumen Juris, 2021) e "Constitutional Erosion in Brazil" (Hart, 2021), sem previsão de lançamento no Brasil.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/risco-para-a-democracia-seria-muito-maior-em-2o-mandato-de-bolsonaro-diz-pesquisador.shtml


Crescimento de Bolsonaro assusta, e PT vai antecipar campanha de Lula

Luciana Lima / Metrópoles

A recente melhora no desempenho do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas pesquisas de intenção de voto causou apreensão no núcleo de decisões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deverá apressar a apresentação formal do ex-mandatário como pré-candidato petista ao Palácio do Planalto para o início de abril.

A data ainda não está marcada, mas o evento ocorrerá logo seja fechada a chamada janela partidária, ou seja, no dia 1º de abril, quando termina o prazo para a mudança de legendas ou filiações de quem concorrerá à eleição deste ano.

O PT planeja grande ato em São Paulo, reunindo aliados e o ex-governador Geraldo Alckmin, escolhido como vice, e que ainda negocia sua filiação a algum partido da base de Lula, seja o PV, seja PSB.

Antes do lançamento oficial da pré-campanha, Lula fará duas viagens: uma delas será para Curitiba, no dia 18, a fim de participar da filiação do ex-senador Roberto Requião ao PT. Requião será o nome do partido para disputar o governo do estado.

A outra viagem será para o Rio de Janeiro, no dia 30 de abril, com o objetivo de participar do Congresso do PCdoB, sigla que se unirá ao PT e ao PV em uma federação pró-Lula.

A urgência de colocar a campanha na rua foi motivo de conversa de Lula com a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, durante a volta da viagem ao México no início da semana. Lula disse para a deputada ter chegado a hora de começar a colocar o pé na estrada, já como pré-candidato formal.

A preocupação com o crescimento das intenções de voto de Bolsonaro é o principal motivo. O desejo é frear esse avanço do atual titular do Palácio do Planalto, principalmente na Região Nordeste. De acordo com petistas do entorno de Lula, ainda não há uma data certa para a ida do ex-presidente ao Nordeste, no entanto, essa deve ser uma das primeiras ações do pré-candidato petista.

Bolsonaro é considerado um adversário perigoso, por ter nas mãos a máquina pública e já ter conseguido reverter boa parte da diferença com o petista, lançando mão de programas sociais, como o auxílio emergencial para enfrentar os problemas causados pela pandemia de coronavírus e o Auxílio Brasil – substituto do Bolsa Família.

Distância cada vez menor

Bolsonaro vem ganhando terreno desde o fim do ano passado, com o lançamento do Auxílio Brasil e com as constantes viagens pelo país, no que vem sendo criticado como campanha antecipada. O que mais assusta os petistas é a diminuição da distância entre Lula e o atual presidente. Duas pesquisas divulgadas nesta semana captaram essa tendência.

Na sondagem do instituto Paraná Pesquisas, Lula manteve a liderança tanto na consulta espontânea quanto na estimulada, mas o jogo apertou. No cenário estimulado, Bolsonaro ficou oito pontos percentuais atrás do petista. Lula marcou 38,9%, e Bolsonaro 30,9%.

Essa distância já foi maior. Em fevereiro, era de 11 pontos percentuais, de acordo com o levantamento do mesmo instituto, e reforçava o favoritismo de Lula, indicando, inclusive, a possibilidade de vitória do petista no 1º turno. Lula teve 40,1% dos votos, seguido por Jair Bolsonaro, com 29,1%.

Os dois têm rejeição alta, com a de Bolsonaro no patamar de 55,8%, e a de Lula 47,4%.

O levantamento divulgado pelo instituto Ipespe na sexta-feira (11/3) mostrou que o petista segue com 43% das intenções de voto na pesquisa estimulada e, na espontânea, oscilando de 35% para 36%.

Bolsonaro somou 28% das intenções de votos e conseguiu reduzir a diferença em relação a Lula para 15 pontos percentuais. Na primeira pesquisa Ipespe do ano, o saldo era de 20 pontos. Antes, na estimulada, o titular do Planalto havia marcado 26%. Na espontânea, o mandatário chegou a 26%, um ponto acima da sondagem anterior.

Diante dos resultados, a decisão do núcleo de Lula é ativar a campanha e a militância. “Nós vamos colocar nossa campanha na rua. Está todo mundo em campanha. Bolsonaro faz campanha o tempo inteiro”, disse o deputado José Guimarães (PT-CE), um dos dirigentes mais próximos do ex-presidente.

“Sem clima de já ganhou”

Lula não faz segredo da corrida para se lançar. Em evento com mulheres nesta semana, ele apontou que “não será fácil” sua eleição e rejeitou o clima de “já ganhou”.

“A luta não será fácil. Não existe essa do ‘já ganhou’. Eleição a gente só sabe o resultado depois da apuração”, disse Lula a uma plateia de apoiadoras.

O impacto da recente subida de Bolsonaro nas pesquisas foi tema de discussão já na segunda-feira (7/3), em reunião de petistas organizada pela Fundação Perseu Abramo.

No encontro, que costuma ocorrer sempre às segundas, a avaliação unânime foi de que era realmente necessário atuar o quanto antes na pré-campanha e na mobilização da militância.

Bloco na rua

A pauta também permeou debates em relação à federação. Um dos pontos considerados para o desfecho desta semana, com o PSB abandonando a perspectiva de entrar na federação e optando por apenas se coligar, em parte se deveu à urgência de já colocar o bloco na rua.

“Não dá para ficarmos discutindo a federação enquanto Bolsonaro faz campanha todos os dias viajando pelo país”, avaliou um integrante do PSB.

“Tudo que o Bolsonaro quer é que a gente fique aqui se digladiando para resolver disputas estaduais em nome de uma federação. É hora de a gente começar a percorrer o país como uma frente contra o atual governo”, enfatizou um dos membros do PSB.

“Está na hora de a gente pensar no que nos une e parar de discutir o que nos separa”, assinalou o presidente do PSB, Carlos Siqueira, ao anunciar a desistência da federação.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/eleicoes-2022/crescimento-de-bolsonaro-assusta-e-pt-vai-antecipar-campanha-de-lula


Cristovam Buarque: Foto da insensatez

Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles

A insensatez é um processo, só pode ser captada por filme, mas a guerra da Ucrânia conseguiu fazer uma foto que concentra neste instante a falta de sensatez ao longo de décadas. Analisando casos concretos, historiadora Barbara Tuchman publicou clássico sobre a insensatez nas decisões políticas de governantes. Entre eles, a decisão de Troia de aceitar o presente dos gregos, um cavalo cheio de soldados dentro; o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnam; a arrogância do Papa esnobando um simples e jovem padre chamado Martin Lutero.

A decisão de Vladmir Putin de invadir a Ucrânia muito provavelmente será um destes casos de insensatez que os historiadores futuro vão estudar. A história vai mostrar as consequências negativas da decisão do presidente para a própria Rússia.

Mesmo que as tropas russas cheguem a Kiev e os russos imponham um governo fantoche, os custos para a Rússia serão catastróficos, prova da insensatez de não ter levado em conta o apego dos ucranianos a seu país, nem da força de um líder que até pouco tempo era um ator comediante, ainda menos que os países do Ocidente se unirião para impor sanções draconianas, mesmo que tenham prejuízos. Estes custos já estão sendo mostrados pelas perdas econômicas imediatas decorrentes: inflação, desvalorização do rublo, desemprego. A Russia vai perder grande parte dos resultados que teve nas últimas décadas.

Muito maior serão as consequências no futuro: independência energética do Ocidente, armamentismo dos países limítrofes, isolamento russo por décadas adiante, fortalecimento da OTAN, desconfiança em todo o mundo, especialmente nos antigos países soviéticos.

A Ucrânia será um exemplo da insensatez da Russia sob Putin.

Mas a foto deste momento mostra uma insensatez mais antiga também dos países do Ocidente. Foi uma insensatez ter usado a fragilidade do fim da União Soviética para aumentar a presença da OTAN cercando a Rússia, um outro país, dono do maior arsenal nuclear do mundo e de frota de foguetes capaz de transportar as bombas. O sensato teria sido muito repetir o que se fez com a Alemanha depois do nazismo: oferecer apoio para a recuperação da Russia capitalista, destruída pela ineficiência do comunismo. Em troca, exigir o desarmamento nuclear universal, da Russia e de todos os países: banimento de armas atômicas no mundo.

Se a sensatez tivesse prevalecido, todos estariam hoje livres de chantagem nuclear por Putin, ou por outro governante russo no futuro, ou por futuros governos norteamericanos, até porque as únicas bombas atômicas usadas até hoje foi por um governo dos Estados Unidos. E se não for a Rússia ou os Estados Unidos, poderá ser qualquer outro dos governos que já dispõem de bomba atômica e dos diversos que em breve também terão. Ou até mesmo de grupos privados que em algum momento terão condições de produzir estas armas.

A guerra da Ucrânia é uma foto também da insensatez do consumo exagerado de enegia, sobretudos com combustível fóssil, no caso da Europa, depender do gás e do petróleo russo, em vez de diversificarem as origens e as fontes alternativas de energia. É uma insensatez consumir tanta energia, no lugar de praticar uma econômia austera, dupla insensatez basear a economia do combutível fóssil que provoca mudanças climáticas, tripla insensatez depender de um país.

A grande insensatez é decidir sem imaginar cenários alternativos, olhando apenas o imediato, sem a perspectiva de longo prazo. Foi que fizeram os gregos quando colocaram o presente dos gregos para dentro das suas muralhas, ou o Papa Leão X quando excomungou Lutero.

A verdade é que a Ucrânia é uma foto da insensatez da marcha civilizatória baseada na voracidade do consumo, no imediatismo e na arrogância do poder.

O Brasil precisa aprender com esta foto. A arrogância dos líderes de partidos democráticos, lutando entre eles, poderá levar a surpresas nas eleições de 2022, reelegendo o atual governo.

*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/foto-da-insensatez-por-cristovam-buarque