Arlindo Fernandes: Atuação da bancada do PCB na Constituinte

Arlindo Fernandes, consultor legislativo do Senado

Os parlamentares que integravam o Congresso Nacional que resultou das eleições gerais de 1986 eram 559, dos quais apenas 26 eram mulheres. Esses congressistas, ao tempo em que podiam se reunir na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, eram também constituintes, uma vez que integravam, simultaneamente, uma assembleia constituinte, que funcionou desde fevereiro de 1987 até 5 de outubro de 1988, quando a nova Constituição foi promulgada.

Nesse amplo universo, atuava uma bancada integrada formalmente por três parlamentares, os deputados federais Roberto Freire, de Pernambuco; Fernando Sant’Anna, da Bahia; e Augusto Carvalho, do Distrito Federal. Eles compunham a representação do PCB na Constituinte, que tinha Freire como líder.

Essa informação aritmética, de que eram 3 entre 559, não dá conta de informar a qualidade e a expressão da intervenção do PCB nesse processo. As razões são diversas: em primeiro lugar, o Partidão tinha um projeto e uma proposta de Constituição, o que lhe permitia ter sugestões a apresentar nas mais diversas matérias. Em segundo lugar, sua linha política lhe possibilitava amplo diálogo político e o situava no vértice da questão central em que tudo se permeava, a questão democrática. Por último, os três constituintes do PCB eram, na prática, por volta de uma dúzia, vez que a fração, quando reunia, tinha essa participação.

Ao lado disso, as maiores lideranças da Assembleia Constituinte tinham apreço pela qualidade e natureza democrática da intervenção dessa bancada e pelo papel recém desempenhado na luta contra a ditadura e na transição democrática. Nomes como o de Ulysses Guimarães, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco, Euclides Scalco, Almir Gabriel, José Serra e José Richa estimavam os membros da bancada do PCB, e lhe conferiam tratamento compatível. 

E havia o papel desempenhado pelos nomes que integravam a pequena bancada: a liderança trabalhista de Augusto Carvalho, em um Congresso no qual os que tinham origem sindical eram poucos; a figura histórica do nacionalismo brasileiro do baiano Fernando Sant’Anna; e a liderança política de Roberto Freire, já então um “cardeal” da Câmara dos Deputados. 
Assim é que vieram os frutos: antes de a ANC iniciar propriamente os seus trabalhos, o então senador Fernando Henrique Cardoso (FHC), designado relator do futuro regimento interno, concebera (bem) os trabalhos constituintes mediante sua divisão em comissões temáticas, que adiante seriam os títulos da Constituição. Essas comissões, por seu turno, eram repartidas em subcomissões, que se tornariam capítulos e seções daqueles títulos.

A Comissão da Ordem Econômica, por exemplo, tinha, no projeto original de FHC, algumas subcomissões, como a de princípios gerais e da política urbana, e, na proposta original, a da “política agrícola e fundiária”. Fernando Sant’Anna apresentou emenda na qual acrescia à subcomissão de política agrícola o tema “reforma agrária”, o que o conduzia à centralidade dos debates. FHC, relator, acatou a emenda, e a reforma agrária assumiu seu lugar nos debates da ordem econômica na Constituinte. Adiante, uma emenda de Roberto Freire disporia sobre as condições para a desapropriação de terras improdutivas, tema inescapável. 

Para ficarmos ainda no campo, durante o processo constituinte, os direitos dos trabalhadores (art. 7º) se referiam aos trabalhadores urbanos, apenas, constando um dispositivo pelo qual alguns deles se aplicavam aos trabalhadores rurais. No final do processo, uma emenda de Augusto Carvalho, em coautoria com o deputado gaúcho Paulo Paim, ampliou para os trabalhadores rurais todos os direitos dos trabalhadores urbanos.

Mas o aspecto central da ação dessa bancada na Constituinte foi no sentido de que a Constituição consagrasse o Estado de Direito Democrático, com todos princípios, direitos e garantias. Nesse propósito, foram concentrados os seus esforços, ao final, vitoriosos. Recordamos a atuação de uma pequena bancada partidária na Assembleia Nacional Constituinte para ressaltar o quanto uma linha política que corresponde ao seu tempo pôde contribuir para potencializar a sua intervenção.


Davi Emerich: O pequeno grande PCB

Davi Emerich, jornalista do Senado, foi assessor do deputado Roberto Freire (Cidadania-PE), na Constituinte e na liderança do Governo Itamar Franco. Era membro do Comitê Central do PCB.

Eles eram poucos, não cantaram a Internacional baixinho, como registrou Ferreira Gullar em belo poema sobre os fundadores de 1922, mas tiveram um grande papel na discussão e construção da Constituição de 1988, a mais avançada do país. A bancada do PCB, legalizado então há poucos anos, era composta por três parlamentares apenas, mas com uma influência no Congresso que ultrapassava a lógica da política.

Parece que o perfil de cada parlamentar comunista tinha sido esculpido por alguma razão indecifrável, que se encaixava em um mosaico à perfeição.

Fernando Santana, um mito baiano, querido por todos, misturava convições socialistas a um forte nacionalismo e era a ponte de prestígio junto a Ulysses Guimarães e a outras lideranças expressivas, muitas delas forjadas antes do regime militar. Era convocado sempre pelo doutor Ulysses para falar por mais de hora na tribuna, segurando a sessão para que as reuniões de acordo acontecessem. Se preciso fosse, cumpriria esse papel por horas, "a la Fidel", tudo de improviso, citando números, metido dentro de um indefectível terno branco engomado à moda dos antigos coronéis do cacau.

Com a mania de chamar todo mundo de "seu corno" e de dar tapas fortes no peito dos amigos (certa feita levou a nocaute o deputado baiano direitista José Lourenço, que acabara de sair de uma cirurgia cardíaca) tinha por hábito cochilar nas sessões. Algumas vezes, seus sapatos eram escondidos por "molecagem" de Dante de Oliveira e João Hermann Neto, e ele ia só de meias para o gabinete, sem reclamar.

Augusto Carvalho, o caçula da turma, respondia principalmente pelas questões trabalhistas e sindicais, usando do prestígio que obtivera como ex-presidente do Sindicato dos Bancários do Distrito Federal. Travou debates memoráveis sobre o modelo sindical, a favor da unicidade e contra o pluralismo que informava o nascente Partido dos Trabalhadores, este ainda com uma bancada igualmente diminuta.

O maestro da turma era Roberto Freire, debatedor, formulador e com bom trânsito em todas as correntes políticas, sempre afirmando suas posições de esquerda.

Invariavelmente, nas sessões mais tensas, Freire era presença marcante no microfone frontal à mesa para orientar as votações. Dezenas de deputados seguiam a orientação do comunista pernambucano e não a de seus líderes.

Freire foi o idealizador da chamada emenda aglutinativa, que não existia no regimento das Casas e da Constituinte. Foi exatamente essa inovação que permitiu que centenas de emendas se transformassem em um mero artigo de três linhas. E que centenas de parlamentares pudessem propagar junto às suas bases para serem autores de várias partes da Constituição. Coisas da política!

Coragem incomum era uma das marcas de Freire, para além de sua capacidade de articulação. Certo dia, a UDR de Caiado, com milhares de manifestantes em Brasília, explodiu em alegria na Esplanada quando conseguiu aprovar a anistia para as dívidas de todos os produtores rurais, incluindo fundações privadas na condição de jabutis. A festa rolava solta, de repente a frustração: Freire aprovara uma subemenda, restringindo o benefício apenas para os micros e pequenos agricultores.

O Congresso foi invadido, o Túnel do Tempo tomado, a segurança da Câmara quis tirar Freire do prédio pelo anexo 1. Teimoso, o líder comunista não aceitou o conselho e abriu passagem entre os manifestantes, com paletó desabotoado, em direção ao seu gabinete no anexo 4. Sob a Biblioteca, fez um discurso duro após alguém gritar "vendido aos banqueiros". Todos ficaram calados, e o deputado seguiu o seu caminho, sem nenhum traço de temor.

Naquele dia, ficou parecendo que realmente os céus protegem os doidos!


Saiu na Veja | Rede descoberta

Por José Casado, publicado na revista Veja

“Eu sou Victor Muller Ferreira, nasci o 04 de abril de 1989 no Riode-Janeiro, em Niteroi” — dizia o documento encontrado num dos dispositivos eletrônicos apreendidos com o passageiro deportado da Holanda para o Brasil, em março do ano passado.

Descontados os erros na escrita, não sobrava uma única verdade nas dezesseis palavras iniciais de um roteiro tosco sobre um homem que nunca existiu, mas morou em Niterói, Brasília, São Paulo e Baltimore (EUA) nos últimos onze anos.

Victor era Sergey na vida real. Jamais foi Muller Ferreira, como identificado no passaporte brasileiro. Erab Vladimirovich Cherkasov, informavam certidões russas. Nascera trinta e sete anos atrás em Kaliningrado, antiga Königsberg do filósofo Immanuel Kant. É um enclave do tamanho do Recife, entre a Polônia e a Lituânia, base naval da Rússia no Mar Báltico.

Detido no aeroporto de Guarulhos por identidade falsa, Cherkasov está preso em Brasília. Semana passada começou a ser processado nos Estados Unidos como agente de espionagem do Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia. Ele nega. O governo de Vladimir Putin pediu sua extradição, qualificando-o como um mafioso moscovita.

Cherkasov é caso exemplar das dificuldades dos espiões do século XXI para criar histórias de vida coerentes no mundo digital e burlar sistemas de vigilância biométrica nas fronteiras.

Já era complicado na Europa de oito décadas atrás, quando Leopold Trepper vestiu a pele do industrial canadense Adam Milker e começou a montar a Orquestra Vermelha, a maior rede de espionagem soviética durante a II Guerra Mundial.

No fim de 1939, conta Trepper no livro O Grande Jogo (Fundação Astrojildo Pereira), chegaram à Bélgica quatro agentes russos que deveria infiltrar nos Estados Unidos. Todos estavam com passaportes uruguaios, confeccionados num birô moscovita de falsificações — a “sapataria”, no jargão da época. Para entrar nos Estados Unidos como cidadãos sul-americanos, precisavam de endosso do consulado de seu país em Bruxelas. O problema era que, dos quatro “uruguaios”, só um falava espanhol e sabia alguma coisa sobre o Uruguai.

Falhas em Moscou expõem espiões no Brasil, na Argentina e na Europa

A Orquestra Vermelha tornou-se lenda da espionagem soviética pelos êxitos. Um deles foi no outono de 1941, quando Hitler reuniu seus generais para decidir a ofensiva contra Moscou. Não levou muito tempo para o Kremlin conhecer, em detalhes, a opção pelo cerco à capital soviética — o estenógrafo do Estado-Maior da Wehrmacht na reunião era um dos “músicos” de Trepper.

Nas sombras da guerra de Putin na Ucrânia, os serviços secretos da Rússia agora parecem sitiados por falhas de informação e de segurança. Desde a invasão, dezenas de agentes russos mantidos sob cobertura diplomática foram expulsos por governos europeus. Estão perdendo, também, agentes treinados e custeados na vida encoberta no exterior.

Nos últimos doze meses foram descobertos três deles com identidades e residências no Brasil e dois na Argentina. As ações antiespionagem foram públicas, com indícios de coordenação entre treze governos.

Sergey Cherkasov foi identificado como oficial da inteligência militar russa e barrado na Holanda, em março do ano passado, depois de uma temporada na Universidade Johns Hopkins (EUA), onde viabilizara seu grande jogo: um estágio no Tribunal Penal de Haia, que investigava crimes de guerra na Ucrânia.

Deportado e preso em São Paulo, foi mapeado até nos locais onde escondia arquivos eletrônicos para coleta por outros agentes. Um deles numa ruína no mato, no quilômetro 34 da Rodovia Raposo Tavares, em Cotia (SP).

Na época da prisão de Cherkasov, a Grécia identificou a agente russa Irina Alexandrovna Smireva. Ela é casada com outro agente que vivia no Brasil na pele do empresário carioca Gerhard Daniel Campos Wittich.

Seis meses depois, em outubro, a Noruega prendeu o coronel russo Mikhail Valeriyevich Mikushin, o José Assis Giammaria no passaporte brasileiro, infiltrado num grupo de pesquisas no Ártico. Às vésperas do Natal, a Eslovênia deteve um casal de espiões, com passaportes argentinos em nome de María Rosa Mayer Muñoz e Ludwig Gisch.

Essa inusitada fragilidade na rede de agentes de Moscou com vidas falsas construídas no Brasil e na Argentina foi tema do vice-diretor da CIA, David Cohen, em visita aos governos do Mercosul na semana passada.

Fonte: Artigo publicado na Veja.


Aniversário de Brasília: Cineclube Vladimir Carvalho exibe filme O Céu Perdeu a Cor

Comunicação FAP

Às vésperas do aniversário de 63 anos de Brasília, a Biblioteca Salomão Malina exibirá, nesta quarta-feira (19/4), a partir das 15 horas, no Cineclube Vladimir Carvalho, o longa-metragem O Céu Perdeu a Cor, dirigido pelo cineasta Gustavo Serrate, com roteiro de Rodrigo Huagha. A entrada é franca. O espaço fica no Conic, na região centro da capital federal.

https://youtu.be/zTdv4WXtPwk

Com duração de 72 minutos e exibido em preto e branco, o longa conta com uma narrativa fragmentada por lapsos de tempo. O filme, um drama com classificação indicativa para pessoas a partir de 10 anos de idade, é resultado de um projeto independente realizado em Brasília e finalizado no período da pandemia.

O longa tem como personagem principal a cidade de Brasília e conta a história de quatro personagens todos quebrados pela vida. Um homem negro, ex-trompetista cansado da vida, já não consegue mais trabalhar e está a ponto de desistir. Pablo, enfrenta a perda de um amor. Nadja retorna à cidade depois de uma longa ausência sem dar notícias a seus conhecidos. E Clarice, uma dançarina que busca uma maneira de incorporar os movimentos da epilepsia em sua dança.


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