Fundo de segurança destinou apenas 0,01% ao combate à violência contra a mulher, diz relatório
Vinícius Valfré / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA — O governo de Jair Bolsonaro segurou recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) ao longo do ano passado e frustrou a aplicação do dinheiro que seria destinado ao combate da violência contra a mulher. Um relatório preparado pelo Instituto Sou da Paz, obtido pelo Estadão, afirma que o Executivo federal deu caráter eleitoreiro à execução do fundo ao estabelecer que parte da verba poderia ser usada para bancar a construção de moradias a policiais, categoria em que há forte apoio ao presidente, candidato à reeleição.
O relatório chama a atenção para a inclusão do Programa Habite Seguro na lista de despesas do fundo. O subsídio à habitação para profissionais de segurança pública – criado em setembro, por meio de medida provisória (MP) – foi um aceno político do governo aos policiais militares. A MP, aprovada no Congresso, foi sancionada nesta terça-feira, 15, por Bolsonaro.
“A despeito da relevância do tema, tal iniciativa parece mais um dos mecanismos açodados empregados pelo governo federal para impor sua agenda política”, afirma o documento. “Foi incluída por meio de medida provisória, gerando questionamentos que apontam para sua inconstitucionalidade e denunciam seu caráter eleitoreiro.”
Metade do valor arrecadado é destinada aos Estados, que contam com os repasses milionários para reforçar ações e estratégias locais de segurança. O FNSP tem o maior orçamento na lista dos fundos vinculados ao ministério. No ano passado, fechou em cerca de R$ 1,5 bilhão.
Deste total, R$ 7,2 milhões estavam previstos para promoção da segurança e defesa da mulher, de acordo com o Instituto Sou da Paz. Apenas R$ 152 mil foram efetivamente usados. Ou seja, só 0,01% do valor global do fundo foi destinado para providências contra a violência doméstica. A verba foi semelhante à de 2020, quando R$ 150 mil foram executados. Naquele ano, porém, a previsão inicial era menor, de R$ 1,6 milhão.
A análise do Sou da Paz sobre a quantia destinada ao enfrentamento da violência doméstica é restrita aos recursos do fundo de segurança pública. Não inclui as despesas de todos os ministérios com ações relativas ao tema.
O relatório do instituto, que atua há mais de duas décadas com pesquisas e elaboração de políticas públicas sobre a área, também critica o ritmo de pagamentos feitos com recursos do FNSP. Segundo o Sou da Paz, esse desembolso não reflete as condições necessárias para a continuidade de políticas públicas de combate à violência no Brasil.
O fundo é abastecido com dinheiro das loterias. Do valor de R$ 1,5 bilhão arrecadado em 2021, pouco mais da metade é reservada para “aprimoramento da segurança nacional”. A cota serve para que as secretarias estaduais de segurança e todas as polícias invistam no fortalecimento das instituições e promovam a qualidade de vida dos profissionais da área.
O relatório aponta, entretanto, que 88,5% dos R$ 782 milhões para a ação só foram empenhados – reservados no orçamento – em agosto. O pagamento propriamente dito ocorreu somente em novembro. “Não há uma aplicação homogênea do recurso ao longo do ano, o que mostra uma dificuldade de gestão. Era o terceiro ano do governo, não poderia ser mais assim”, afirmou a diretora executiva do Sou da Paz, Carolina Ricardo.
Procurado, o Ministério da Justiça argumentou que 99,2% dos recursos do fundo foram executados no ano passado. De acordo com a pasta, a maior parte da verba é paga no segundo semestre do ano, por causa da necessidade de arrecadação, da organização de licitações e de acertos para repasse de verbas a Estados e municípios.
A Pasta defendeu o uso do dinheiro do fundo para bancar moradias a policiais e informou já ter recebido 1.700 pedidos de financiamento. Já o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou que a política de promoção feminina e combate à violência doméstica não se resume aos recursos do fundo porque envolve várias pastas.
Recursos
Fundo Nacional de Segurança Pública - 2021
Recurso total: R$ 1,5 bilhão
Promoção da segurança e defesa da mulher - 2021
Verba prevista - R$ 7,2 milhões
Verba paga - R$ 152 mil
2020
Verba prevista - R$ 1,6 milhão
Verba paga - R$ 150 mil
NOTÍCIAS RELACIONADAS
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,fundo-de-seguranca-destinou-apenas-0-01-ao-combate-a-violencia-contra-a-mulher-diz-relatorio,70004009761
“PCB é marco político e histórico no seio da sociedade”, diz Jane Neves
João Vitor, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
Enfermeira e diretora da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, Jane Monteiro Neves afirma que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) “é um marco político e histórico no seio da sociedade mundial". "Reconhecemos esse valor histórico", diz. Ela vai abordar o assunto em webinar, na quarta-feira (16/03), a partir das 17 horas, sobre o comunismo e as mulheres: 100 anos de luta.
O evento online será transmitido no site e no canal da FAP no YouTube, assim como na página do Facebook da Biblioteca Salomão Malina, que é mantida pela entidade. Além de Jane, confirmaram presença as sociólogas Eleanor Gomes e Tamar Lima Monteiro, a vereadora Ana Stela Alves de Lima e a assistente social Tereza Cordeiro.
VEJA TAMBÉM
Confira o terceiro dia do Seminário Internacional PCB 100 Anos
Confira o segundo dia do Seminário Internacional PCB 100 Anos
Abertura Seminário Internacional 100 anos do PCB
“A historicidade humana é que nos traz legado impossível de não registrar a evidência aqui", ressalta a diretora da FAP.
Com o objetivo de celebrar a criação do PCB, a Fundação Astrojildo Pereira, desde o ano passado (2021), tem realizado diversas atividades para homenagear o centenário, que será no dia 25 de março de 2022.
O Comunismo e as mulheres: 100 anos de luta
Dia: 16/03/2022
Horário: 17h
Onde: Portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade e
O Comunismo e as mulheres: 100 anos de luta
Dia: 16/03/2022
Horário: 17h
Onde: Portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade e Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook
Realização: Fundação Astrojildo Pereira e Biblioteca Salomão Malina
*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
100 anos do PCB: História, princípios e identidade em nova série da Rádio FAP
Série de entrevistas com militantes históricos celebra centenário do PCB
Seminário internacional destaca os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro
Revista online | Henrique Brandão: A Semana de 1922, mais atual que nunca
Henrique Brandão / Revista Política Democrática online
Há 100 anos, mais exatamente nos dias 13, 14 e 15 de fevereiro de 1922, foi realizado, no Theatro Municipal de São Paulo, o evento mais comemorado da cultura nacional: a Semana de Arte Moderna.
O hoje badalado encontro, no entanto, não nasceu famoso. Nos jornais da época, foram muitas as críticas. Os espectadores que acompanharam os três dias de récitas musicais, exposição, declamações de poesia e palestras se dividiram entre apupos e aplausos.
Dos jovens participantes que gestaram a Semana, nenhum tinha ainda o reconhecimento que viriam a desfrutar depois. O convite para que Graça Aranha (1868-1931), imortal da ABL, autor de Canaã (1902), reconhecido diplomata que, no exterior, teve contato com as vanguardas artísticas, proferisse o discurso de abertura, foi uma forma de “legitimar” e atrair atenção para o encontro.
Se hoje é visto como marco inaugural do Modernismo brasileiro, a fama da Semana de 22 decorre muito mais dos acontecimentos derivados daquele momento do que do evento em si. A Semana foi ponto de partida, ato de fundação, reconhecida a “posteriori” como o evento que desencadeia o longo percurso do Modernismo em suas diversas manifestações artísticas.
Vários outros momentos decisivos da história já mostraram que as revoluções e suas mudanças não nascem prontas, mas são fruto de um processo. O Salon des Refusés (Salão dos Recusados, em francês), em 1863, por exemplo, foi importante ao mostrar algumas obras de impressionistas que, mais adiante, se tornariam “fundadores” da pintura moderna. Tradição e vanguarda sempre geraram faíscas no seu entrechoque.
Leia também
- “Ilustração sempre foi o patinho feio”, diz Chiarelli sobre Semana de 22
- Cem anos depois, pintura modernista volta às ruas de São Paulo, Brasília e Rio
- Manuel Bandeira via poesia “nas coisas mais insignificantes”, diz professora
Não havia, na Semana de 22, unidade de pensamento estético entre os organizadores. Basta acompanhar a trajetória de seus participantes para perceber a diferença entre eles. Alguns lançaram manifestos em que expunham suas visões do que seria o Modernismo. Oswald de Andrade (1890-1954), por exemplo, lançou em 1924 o “Manifesto Pau-Brasil”, em que preconizava uma linguagem coloquial, avessa ao bacharelismo e ao pedantismo. Redigido em prosa poética, com mensagens telegráficas, o manifesto teve influência entre os participantes da Semana e entre poetas de outras regiões do país, como o jovem mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).
Em 1928, novamente por conta da pena de Oswald de Andrade, é publicado, nas páginas do primeiro número da recém-fundada “Revista de Antropofagia”, o “Manifesto Antropofágico”. Bem ao estilo do autor, em linguagem metafórica e carregada de humor, o Manifesto pretendia repensar a questão da dependência cultural no Brasil. “Tupi, or not tupi, that is the question”, indaga Oswald, que assinala, na data do Manifesto, sua intenção: ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha.
Sempre polêmico, porque inovador, oscilando entre o menosprezo e o reconhecimento em sua trajetória centenária, o Modernismo triunfou. Seus filhotes e descendentes produziram páginas, telas e filmes que marcaram definidamente a cultura do Brasil. De Tarsila do Amaral (1886-1973) e Di Cavalcanti (1897-1976) a Portinari (1903-1962), Hélio Oiticica (1937-1980) e Ligia Clark (1920-1988), nas artes plásticas; de Mario de Andrade (1893-1943) e Oswald, a Drummond, João Cabral (1920-1999), Guimarães Rosa (1908-1967) e os poetas concretistas na poesia e literatura; de Villa Lobos (1887-1959) a Tom Jobim (1927-1994), passando pelos tropicalistas Caetano e Gil, chegando a Chico Buarque e Milton Nascimento e seus amigos do Clube da Esquina na música.
No teatro, do Rei da Vela de 1933, peça escrita por Oswald, à montagem polêmica e inovadora de José Celso Martinez Corrêa (1967), e a Macunaíma (1978), romance de Mario de Andrade, adaptado por Antunes Filho (1929-1919). Na imagem em movimento, a geração do Cinema Novo legou obras como Macunaíma (1969), obra-prima de Joaquim Pedro (1932-1988), Os Condenados (1975) de Zelito Vianna e toda a filmografia de Glauber Rocha (1939-1981). Muitas outras obras poderiam ser citadas.
O que importa é que a ideia do Modernismo continua atual. Ele não pode ficar no passado, pois nunca foi passadista. Suas premissas estão aí: a libertação dos esquemas estabelecidos, a criação livre, a “deglutição” do que vem de fora, a valorização de nossas raízes, o presente como antena do futuro. “A poesia existe nos fatos”, sentenciou Oswald de Andrade no “Manifesto Pau-Brasil”. Mais moderno do que nunca.
*Henrique Brandão é jornalista e escritor
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de julho/2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Juros e inflação no Brasil – o que explica o comportamento do Banco Central?
‘Um tempo para não esquecer’ retrata a luta da saúde pública contra a Covid-19
Hesitação vacinal é negacionismo que pode matar, acredita Margareth Dalcolmo
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Militares se movimentam para evitar que centrão comande Petrobras
Coluna Painel / Folha de S. Paulo
Embora haja uma articulação dos militares para evitar a troca do general Joaquim Silva e Luna da presidência da Petrobras, oficiais não veem risco de crise com o presidente Jair Bolsonaro, caso ela ocorra.
Conforme a Folha informou, militares das mais altas patentes se juntaram para conter as articulações políticas pela retirada do general. A movimentação defensiva surgiu no final de semana após filhos do presidente publicarem críticas contra a gestão de Silva e Luna em suas redes sociais.
Ouvidos em reserva, generais afirmam que outros militares passaram por processos de fritura, foram demitidos e escanteados e, em nenhum momento, houve crise em função disso. Um deles afirma que troca em cargos políticos são naturais e que "quem entra no baile, tem de dançar a música".
Apesar das insatisfações, Bolsonaro segue sendo o candidato com mais identificação com as tropas.
Os oficiais reconhecem a mesma estratégia usada para desgastar o antecessor de Silva e Luna, Roberto Castello Branco: criticar a política de paridade de preços, os lucros dos acionistas e exigir a redução dos preços quando o barril de petróleo oscila para baixo. Os ataques partem do próprio presidente Jair Bolsonaro, que tenta se descolar da crise provocada pelos reajustes.
Os esforços dos fardados têm sido no sentido de, pelo menos, não entregar a Petrobras para o centrão. Políticos ligados ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI) viram a brecha para pressionar o presidente pela troca.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2022/03/militares-se-movimentam-para-evitar-que-centrao-comande-petrobras.shtml
Com pandemia e crise econômica, Brasil tem "boom" de população de rua
Malu Delgado / DW Brasil
O cenário se repete em inúmeras cidades brasileiras, sobretudo nas capitais: são centenas de barracas, enfileiradas em largas avenidas, debaixo de marquises, túneis, viadutos. Famílias inteiras, com crianças, estão vivendo nas ruas.
A população em situação de rua no Brasil não apenas cresceu em ritmo avassalador com a crise econômica e social do país em meio à pandemia, nos últimos dois anos, mas também mudou drasticamente de perfil. De acordo com pesquisas acadêmicas recentes e informações do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), as mulheres, e consequentemente crianças, passaram a ser um contingente bastante expressivo dessa população.
O único dado oficial mais recente, mas que ainda se trata de uma projeção, foi divulgado em março de 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): 221.869 brasileiros viviam nas ruas naquele ano, o equivalente a cerca de 0,1% da população total do país. Para o MNPR, cerca de meio milhão de brasileiros podem estar morando nas ruas hoje, especialmente por falta de condições financeiras para pagar moradia.
"A população de rua é um gráfico crescente desde sempre. Não conseguimos perceber, em nenhum momento da história, a diminuição das pessoas em situação de rua, porque elas sempre foram invisíveis para a política nacional. Tanto é que ainda nem temos uma contagem dessa população pelo IBGE. Isso está previsto agora, mas vai ser uma contagem parcial, porque vão fazer contagem de moradias precárias, barracas, etc. Pessoas que dormem em papelão, em marquises, não deverão ser contabilizadas", prevê Darcy Costa, ex-morador de rua e hoje secretário nacional do MNPR.
Famílias inteiras na rua
Segundo Costa, "famílias inteiras estão indo para a rua no Brasil", com aumento preocupante do volume de crianças e mulheres nessa situação. Devido a uma grande articulação política do movimento, o Congresso Nacional assumiu o compromisso de criar um Observatório Nacional da População de Rua, mas o projeto ainda não saiu do papel.
"É importante ressaltar que 1/3 dessa população, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, está na rua a partir da covid-19. São trabalhadores que já estavam em situação precária e que, com a crise sanitária, econômica e social ampla, perderam a sua rede de proteção social. Eles passam a não ter outro recurso, a não ser a rua. Esse perfil é o sujeito que era garçom, carregador, perdeu o trabalho, não pode mais pagar aluguel e vai com a família toda para a rua", explica Marcelo Pedra, doutor em saúde coletiva e pesquisador do Núcleo de População em Situação de Rua da Fiocruz.
Pedra, psicólogo sanitarista que dedicou seu doutorado ao trabalho dos consultórios de rua no Brasil – hoje são 171 equipes, cada uma com capacidade de atendimento de mil pessoas na rua –, coletou dados alarmantes sobre o crescimento de mulheres nas ruas. Se em 2008 elas eram 12% da população de rua, agora, segundo o pesquisador, são ao menos 35%, isso considerando dados subestimados de 2020, com base em pessoas que têm cadastro no Sistema Único de Saúde (SUS).
"É bastante provável que esse número seja bem maior", afirmou à DW Brasil. O psicólogo explica que certamente esse número é subnotificado, pois há uma enorme invisibilidade da população de rua. Houve pressão do MNPR e de congressistas – em 2020 foi criada a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua, presidida pela deputada Erika Kokay (PT/DF) – para que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) incluísse, no censo de 2022, dados sobre a população em situação de rua. O censo deveria ter sido feito em 2020, mas foi adiado devido à pandemia.
"Historicamente, a operação censitária no país consiste não só no recenseamento da população, mas também dos domicílios onde essa população habita. Com esse entendimento, o IBGE não apura 'população em situação de rua' na sua integralidade. Sensível e compreendendo o fenômeno da exclusão habitacional na urbanidade brasileira, o IBGE buscará no Censo Demográfico 2022 melhorar a caracterização da população em situação de precariedade habitacional", informou à DW Brasil a coordenação de comunicação do IBGE.
Os técnicos do instituto explicaram que, pela nova metodologia o censo vai identificar as pessoas que vivem nas ruas nas seguintes situações: em tendas ou barracas de lona, plástico ou tecido; nos logradouros públicos, construções de tapume, lata, zinco, tijolo ou outros materiais em calçadas, praças ou viadutos; em cama, colchão ou saco de dormir dentro de um estabelecimento; em estruturas não residenciais degradadas ou inacabadas (fábricas, galpões, prédios de escritório); em veículos (carros, caminhões, trailers, barcos); em abrigos naturais e outras estruturas improvisadas (vagão, gruta, cocheira, ruínas de construções não residenciais, paiol).
Falta política de Estado para a população de rua
Em 2009, ainda no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi publicado um decreto instituindo a Política Nacional para a População em Situação de Rua e o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento (Ciamp-Rua). À época, os dados governamentais apontavam a existência de aproximadamente 32 mil pessoas vivendo nas ruas em todo o país. A ideia era que municípios e Estados criassem comitês intersetoriais para atender a população de rua com políticas públicas diversas.
Ao tomar posse em 2019, Jair Bolsonaro desfez vários conselhos de representação popular, entre eles o Ciamp-Rua. Coube ao vice-presidente Hamilton Mourão assinar um novo decreto, em junho do mesmo ano, durante ausência de Bolsonaro do país, recriando o comitê da população de rua. O colegiado passou a ser um órgão consultivo do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, coordenado pela ministra Damares Alves.
Segundo Darcy Costa, do MNPR, o colegiado foi recriado com novo formato, menos fortalecido, além de ser apenas consultivo, não deliberativo. Houve, ainda, letargia para eleger os membros do Ciamp-Rua, e as reuniões só foram retomadas de fato em 2021.
Segundo ele, o movimento da população de rua considera que criar a política nacional por decreto é frágil, e por isso há uma articulação para pressionar o Congresso Nacional a aprovar um projeto de lei que tramita no Legislativo desde 2016 (projeto de lei 5740/16).
"A gente acredita que a forma de se resolver a situação da população de rua é por meio de um programa de governo, uma politica de Estado, de moradia social em escala. É nisso que a gente acredita, e é nisso em que estamos trabalhando. Independente da troca de governo, que isso possa se garantir, e se resolver a habitação para essas pessoas com programas de moradias sociais", explica Costa.
Procurado pela reportagem da DW Brasil para fornecer esclarecimentos sobre políticas públicas para a população em situação de rua, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos informou que responderia a perguntas por escrito no dia 4 de março, após o feriado de Carnaval. No entanto, não as enviou até o fechamento desta reportagem.
"O Brasil está de volta à fila do osso"
De 2012 a 2016, Darcy Costa, que era corretor de imóveis, viveu nas ruas. Hoje, aos 55 anos, retomou o relacionamento com os filhos e está construindo uma nova família, com outra companheira. "A saída da rua é muito mais uma exceção do que regra", admite o atual secretário nacional do MNPR.
"Dormíamos embriagados, para o sono vir logo. É a depressão na hora de dormir, e a angústia de manhã, ao acordar. Você olha, vê as pessoas passando, indo trabalhar, e pra gente que vive na rua parece que o tempo parou e que estamos dentro de uma realidade que não tem saída. É uma sensação horrível", desabafa Costa. Ao conhecer o movimento de rua, em 2013, ele começou, aos poucos, a reescrever uma nova história.
O mesmo aconteceu com Vanilson Torres, que hoje representa o MNPR no Conselho Nacional de Saúde. Dos 12 anos de idade aos 41 ele viveu nas ruas. "Se não fosse o movimento, hoje eu não estaria vivo." Vanilson, também poeta de Cordel, que vive em Natal, tem hoje 49 anos e é um dos mais articulados líderes do MNPR.
"Neste governo Bolsonaro, negacionista, responsável por um número expressivo de mortes na pandemia, não podemos ter nenhuma perspectiva de mudanças para a população de rua, pois o Brasil está de volta à fila do osso", disse, referindo-se ao aumento também da fome no país.
Moradia social em larga escala é solução, diz movimento
Na opinião de Costa, "a forma de se resolver a situação da população de rua é criar um programa de governo, uma política de Estado, de moradia social em escala". "É nisso que a gente acredita, e é para isso que estamos trabalhando. Independente da troca de governo, que possa se garantir, e se resolver a habitação para essas pessoas com programas de moradias sociais."
Ele afirma que o atual modelo de atendimento da população de rua tem enormes burocracias e é semelhante a uma prisão, sem criar oportunidades de resgates pessoais dos cidadãos - isso sem falar na insalubridade e péssimas condições de higiene de abrigos.
O modelo assegura a "sobrevivência” do indivíduo, sobretudo garantindo alguma alimentação aponta. "Mas essas pessoas sobrevivem em situação de miséria, são atendidas com políticas intersetoriais nesta situação de rua e de miséria. Elas precisam estar morando em algum lugar, precisam ter direito à privacidade, para que possam se organizar de alguma forma. São pessoas que carregam as suas casas nas costas, em sacos, e nunca se organizam."
O MNPR aposta no movimento Moradia Primeiro (Housing First, importado dos Estados Unidos), que oferece uma habitação sem burocracia. Em algumas cidades do país, como Curitiba, há projetos-piloto. E a frente parlamentar em defesa da população de rua aprovou uma emenda de R$ 7 milhões para o programa ser desenvolvido no Distrito Federal.
"Demos pequenos passos na pandemia, mas de grande significado para a população de rua. Esperamos que no próximo governo a gente possa ampliar esses direitos, que cheguem de forma global nesta demanda enorme que o Brasil tem hoje. Precisamos resolver isso", afirma Costa, sem esperança de que algo avance neste ano eleitoral.
Em agosto do ano passado a ministra Damares Alves assinou uma portaria (Nº 2.927) instituindo o Programa Moradia Primeiro, mas para o MNPR a concessão de moradias "temporárias" é um erro. Além disso, o programa pouco avançou além das experiências piloto no país e o orçamento é ínfimo.
"Resgate" das famílias precisa ser célere
Quanto mais tempo uma pessoa vive em situação de rua, mais complexa será a sua reinserção na rede de assistência do setor público, explica o pesquisador Marcelo Pedra, da Fiocruz. É por isso que ele alerta para uma ação governamental mais célere, que possa, num primeiro momento, resgatar essas famílias, mulheres e crianças em situação de extrema vulnerabilidade.
"Esse novo contingente de pessoas que está agora nas ruas têm características mais conectadas com o que é ofertado pelas politicas públicas hoje: se conecta mais rapidamente a abrigos, ofertas de emprego que acontecem pela via das políticas públicas. Quem está a menos tempo na rua consegue se organizar mais rapidamente para acessar esses direitos. Isso não quer dizer de maneira nenhuma que é para se esquecer pessoas que estão mais tempo na rua", explica Pedra.
A questão crucial, explica, é que as pessoas há décadas nas ruas criam estratégias de sobrevivência e se organizam de maneiras fora do sistema formal. As políticas públicas, o SUS e a rede de assistência social, diz ele, precisam ter ofertas diferentes para pessoas com perfis diferentes.
"Ninguém faz gestão do que não consegue quantificar. A primeira coisa é produzir conhecimento, é o censo. Temos urgência deste censo, e a população de rua precisa ser incluída de maneira geral. É a primeira coisa", afirma Pedra.
Além disso, outro passo emergencial para minimizar o sofrimento das pessoas nas ruas é ouvir, "da maneira mais célere possível", um amplo conjunto de atores com conhecimento da situação da população de rua para desenhar novas políticas públicas.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/brasil-tem-boom-de-popula%C3%A7%C3%A3o-de-rua-que-segue-invis%C3%ADvel-para-o-poder-p%C3%BAblico/a-61135058
Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro recupera expectativa de poder
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O ato realizado, ontem, pelo Partido Liberal (PL), do ex-deputado Valdemar Costa Neto, que filiou 16 deputados à legenda, mostra que o presidente Jair Bolsonaro está recuperando a expectativa de poder, que, em grande parte, havia se transferido para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em razão do favoritismo do petista nas pesquisas de opinião. Entre os novos filiados, estão a deputada Carla Zambelli (SP), o cantor baiano Netinho e o jogador de vôlei Maurício de Souza. O PL passou a ter a maior bancada da Câmara, com 65 parlamentares.
A maioria dos parlamentares que ingressaram no PL deixou o União Brasil, partido que resultou da fusão do PSL com o DEM. Bolsonaristas de primeira hora, como Coronel Tadeu (SP), Sanderson (RS) e Hélio Lopes, conhecido como Hélio Negão (RJ), estão no pacote de filiações, esperadas desde quando o presidente Bolsonaro ingressou na legenda comandada por Valdemar Costa Neto, em novembro passado. Naquela ocasião, por causa da lei de fidelidade partidária, somente o senador Flávio Bolsonaro (RJ) havia ingressado na legenda.
O União Brasil deve perder 28 dos 81 deputados de sua bancada. Essa debandada já estava prevista pelo presidente da legenda, Luciano Bivar (PE), em razão do rompimento com Bolsonaro. Foi uma das razões da própria fusão com o DEM. A nova sigla pretende compensar as perdas utilizando o enorme fundo partidário de que dispõe para financiar seus candidatos nas eleições deste ano. O PSL já receberia R$ 604 milhões de fundo eleitoral; somados aos R$ 341,7 milhões do DEM, são quase R$ 1 bilhão para gastar na campanha eleitoral.
Lealdade
Segundo partido em importância do Centrão, após a filiação de Bolsonaro, o PL passou a emular com o PP em termos de fidelidade ao presidente da República. No ato de filiação de ontem, a deputada Carla Zambelli anunciou a formação do grupo “Lealdade acima de tudo”, formado por parlamentares que defendem os posicionamentos de Bolsonaro em relação a “Deus, pátria, família, liberdade”. Nos estados, o PL começa a cobrar lealdade dos candidatos do PP à candidatura de Bolsonaro, principalmente no Nordeste.
Um dos que estão na saia justa por causa disso é o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), que apoia um candidato do PSDB no Piauí. Indicada por Bolsonaro para presidir o PL no estado, a jornalista Samantha Cavalca, num programa da TV Cidade Verde, questionou o apoio de Nogueira ao tucano Sílvio Mendes, inclusive indicando a deputada Iracema Portella (PP), sua esposa, para vice da chapa encabeçada pelo PSDB. Cavalca garantiu que o palanque de Bolsonaro no Piauí será comandado pelo PL. “Nosso pré-candidato, que vai defender o nome do Bolsonaro, é o major Diego Melo. Já foi avalizado pelo presidente”, disse.
Uma das maiores dificuldades para a reeleição de Bolsonaro é sua fragilidade eleitoral no Nordeste, apesar do grande número de deputados nordestinos do Centrão, a começar por Ciro Nogueira e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém enorme prestígio eleitoral no Nordeste, porque é pernambucano e devido aos grandes investimentos que realizou na região, com destaque para a transposição do Rio São Francisco.
Entretanto, Bolsonaro conseguiu estancar a queda nas pesquisas de opinião, e o ex-presidente Lula, aparentemente, bateu no seu teto eleitoral para o primeiro turno, o que pode inviabilizar uma “terceira via”. Com isso, os governistas estão mais animados e restabeleceram a expetativa de reeleição que haviam perdido. Além disso, o governo passou a operar em modo eleitoral, com adoção de medidas para mitigar os efeitos da pandemia e da inflação no bolso dos brasileiros. Ontem, por exemplo, anunciou o adiantamento do 13% salário para os aposentados e liberou o saque de R$ 1 mil do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Censura
A inflação, porém, continua sendo um fantasma. A alta dos combustíveis pode pôr a perder toda estratégia de reeleição de Bolsonaro, comendo parte dos recursos do Auxílio Brasil, o programa de transferência de renda no valor de R$ 400 que, desde janeiro, beneficia 17,5 milhões de famílias de baixa renda. Para mitigar os efeitos da alta dos combustíveis no bolso do consumidor, o governo pretende zerar os impostos federais sobre combustíveis e subsidiar os preços do diesel, da gasolina e do gás de cozinha.
O pacote de bondades se soma à agenda dos costumes, que voltou a ser implementada. Ontem, o governo censurou uma comédia do humorista Danilo Gentili, Como se tornar o pior aluno da escola, de 2017, por suposta pedofilia. O Ministério da Justiça e Segurança Pública determinou que Netflix, Telecine, Globoplay, YouTube, Apple e Amazon suspendam a exibição e a oferta do filme. Caso as plataformas não cumpram a determinação, será aplicada multa diária no valor de R$ 50 mil. No filme, o personagem, que é pedófilo, é um vilão.
Sérgio C. Buarque: As fotos gritam
Sérgio C. Buarque / Revista Será
Numa guerra midiática, edificações destruídas, cidades cercadas sem água e alimentos, uma imagem em especial comove, grita e denuncia a barbaridade e o absurdo da invasão da Ucrânia pela Rússia: o pequeno Hassan, ucraniano de apenas onze anos, sozinho com uma sacola plástica e uma mochila nas costas e chorando sem parar, caminhava pela estrada que leva da sua casa em Zaporizhzhia, onde bombardeio russo provocou um incêndio na maior usina nuclear da Europa, até a Eslováquia. A fuga de Hassan, procurando escapar da violência, teve um final feliz: abriu um sorriso quando chegou e foi recebido no país vizinho.
A comoção da fuga de Hassan não conseguiu deter a imbecilidade da agressão de Putin, que está provocando mortes, destruição e grandes ondas migratórias. E é apenas mais uma imagem dolorosa com crianças vítimas de guerra, que comove, mas não contêm a fúria belicosa dos fanáticos e a pulsão guerreira das grandes potências. Há sete anos, o mundo chorou diante da foto do corpo inerte de Aylan Kurdi, garoto curdo-sírio de apenas três anos, que fugia de outra guerra, tentava escapar das atrocidades do Estado Islâmico, buscando asilo na Europa. A imagem angustiante do corpinho de Aylan na praia é “o mais trágico símbolo da crise de refugiados do Mediterrâneo”, como afirmou o Washington Post.
Bem antes de Hassan e Aylan, uma foto publicada em 1972 comoveu o mundo, e denunciou a desigual, injusta e desumana agressão dos Estados Unidos ao Vietnam, que fracassou diante da resistência do povo vietnamita. Com o corpo nu queimado pelas bombas napalm, os braços abertos e o rosto aterrorizado, a pequena Kim Phuc Phan Thi, de apenas nove anos, corria pela estrada em busca de ajuda e abrigo. Apesar do impacto emocional desta foto dramática, e da mobilização em todo o mundo contra a agressão dos Estados Unidos no Vietnam, a guerra ainda durou três anos, deixando um saldo de dois milhões de vietnamitas e mais de 50 mil soldados americanos mortos.
Kim sobreviveu e contou a sua história num livro intitulado “A menina da foto – Minhas memórias: Do horror da guerra ao caminho da paz”, na expectativa, segundo disse, de contribuir para a luta pela paz mundial. “Quando criança, eu desejava que aquela foto nunca tivesse sido tirada. Até que eu me tornei mãe e segurei meu filho em meus braços pela primeira vez”, afirmou Kim. “Percebi que a imagem era um presente poderoso, com o qual poderia trabalhar para alcançar a paz”. Infelizmente, as fotos não impedem a guerra nem o sofrimento das crianças. E são um custo demasiado alto e intolerável da denúncia da perversão humana.
Fonte: Revista Será
https://revistasera.info/2022/03/as-fotos-gritam/
As perguntas sem resposta sobre a viagem de Carlos Bolsonaro à Rússia
Redação / O Globo
BRASÍLIA E RIO — O governo informou ontem que não teve gastos com a viagem do filho do presidente Jair Bolsonaro e vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) à Rússia no mês passado junto à comitiva presidencial. A informação foi solicitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pedir a investigação do caso.
O parlamentar solicitou que seja investigada a participação de integrantes do chamado "gabinete do ódio" na comitiva e "seus reflexos sobre a integridade das eleições de 2022". No começo de março, a PGR informou que não identificou indícios de crimes na viagem, mas pediu que fosse enviado um ofício ao Palácio do Planalto para que o governo prestasse informações sobre o assunto "se entender pertinente". A partir disso, Moraes requisitou informações à Presidência da República, respondidas agora.
As repostas do governo, porém, não acabaram com as dúvidas sobre a viagem. Veja aqui as perguntas que ficaram sem respostas:
Eleições 2022: Datena diz que será candidato ao Senado na chapa de Rodrigo Garcia
Por que Carlos Bolsonaro integrou a comitiva presidencial à Rússia?
Vereador no Rio de Janeiro, o filho do presidente integrou a comitiva do pai que foi à Rússia em fevereiro, apesar de não ter cargo oficial no governo federal.
Bela Megale: Após racha com Arthur do Val, integrantes do MBL atuam para minar candidatura de Moro
Quem custeou a ida de Carlos à Rússia?
O governo informou apenas que não teve gastos com a ida de Carlos à Rússia. A Câmara Municipal do Rio também já negou que tenha arcado com os custos da viagem. Mas até o momento, não foi esclarecido como foram pagas as despesas de transporte, consumo e hospedagem do vereador.
Malu Gaspar: Maurício do Vôlei e Netinho se filiam ao PL, partido de Bolsonaro
O que Carlos fez durante a viagem?
Nos documentos enviados ao STF, não foi informada a agenda de Carlos na Rússia. Apesar de não ter função oficial no governo, o vereador é apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”, assim como o assessor presidencial Tércio Arnaud, que também viajou com o grupo.
Se ‘fertilizantes’ foi uma pauta importante durante a viagem, por que a ministra responsável pelo tema não estava presente?
O presidente Bolsonaro disse que um dos assuntos mais importantes na conversa que teve com Vladimir Putin foi “a questão dos fertilizantes”. No grupo que foi à Rússia, porém, não estava presente a ministra Tereza Cristina, titular da Agricultura, pasta responsável por tratar do assunto.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/as-perguntas-que-continuam-sem-resposta-sobre-viagem-de-carlos-bolsonaro-russia-2-25432733
Presidenciáveis medem forças pelo apoio de ruralistas, sindicatos e indústria; conheça as estratégias
Bernardo Mello / O Globo
RIO — Na disputa para a Presidência da República, além de alianças partidárias, os pré-candidatos tentam conquistar apoios em entidades ruralistas, de empresários e sindicatos. Na dianteira nas pesquisas eleitorais, o ex-presidente Lula (PT) atua para aglutinar as centrais sindicais. No último pleito parte delas apoiou Ciro Gomes (PDT), que pretende concorrer novamente. O petista, assim como o presidenciável do Podemos, Sérgio Moro, também busca dissidentes do presidente Jair Bolsonaro (PL) no agronegócio e em entidades patronais.
Boulos, Heloísa Helana, Marina Silva: Perto de fechar federação, Rede e PSOL apostam em ‘medalhões’ para puxar votos
Na campanha de 2018, Bolsonaro recebeu apoios públicos da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e do então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Dirigentes da Fiemg e da Firjan — federações da indústria de Minas e do Rio — também manifestaram simpatia ao então candidato do PSL. Já o petista Fernando Haddad só reuniu as centrais sindicais na reta final; no primeiro turno, parte delas apoiou Ciro.
Traição: Alas de PSB e PDT repetem votos alinhados a Bolsonaro na Câmara
Além do histórico de Lula no movimento sindical, um dos fatores que tem facilitado a aglutinação hoje é a costura do petista para ter como vice Geraldo Alckmin. O ex-tucano já foi apoiado por entidades como a Força Sindical e a União Geral dos Trabalhadores (UGT), nascidas como contrapesos à Central Única dos Trabalhadores (CUT), historicamente ligada ao PT. O deputado Paulo Pereira da Silva, ex-presidente da Força, chegou a sugerir a filiação de Alckmin a seu partido, o Solidariedade.
Bela Megale: Após racha com Arthur do Val, integrantes do MBL atuam para minar candidatura de Moro
Entenda, em reportagem exclusiva para assinantes, como os pré-candidatos à Presidência têm se movimentado para conquistar apoios em entidades ruralistas, de empresários e sindicatos. Veja o que reivindicam esses grupos e como os presidenciáveis tentam explorar brechas deixadas por seus adversários para ampliar suas alianças, jogo de forças que ocorre entre Lula e Bolsonaro no agronegócio, por exemplo.
Subsídio de combustíveis tem potencial de implodir reeleição de Bolsonaro
Bela Megale / O Globo
A equipe econômica encabeçada pelo ministro Paulo Guedes segue trabalhando firme contra o subsídio para resolver a crise dos combustíveis. O principal argumento levado ao presidente Bolsonaro é que a medida tem o potencial de enterrar sua reeleição.
A ideia de criar um fundo de R$ 120 bilhões com dividendos e royalties da Petrobras para amenizar a alta do petróleo no preço de combustíveis durante a guerra é fortemente rechaçada por Guedes e seus auxiliares. A cifra é apontada como “colossal” pela equipe econômica e com capacidade de “explodir a candidatura de Bolsonaro”. Isso porque, segundo fontes do ministério, furaria o teto de gastos, quebraria a lei de responsabilidade fiscal, faria o dólar subir mais ainda, assim como os juros e a inflação, um dos pontos que mais preocupam a campanha do presidente.
A equipe de Guedes defende a redução de impostos aprovada no Congresso como o melhor caminho e vai avaliar os efeitos da medida nos próximos 30 dias. O tema coloca, mais uma vez, o ministro Paulo Guedes e integrantes da pasta da Economia em embate com a ala política, em especial os ministros Onyx Lorenzoni (Trabalho) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), que veem o subsídio como um caminho para cobrir a flutuação do diesel e da gasolina.
Nos bastidores, Paulo Guedes não esconde sua irritação e diz que essa saída asseguraria não só a derrota de Bolsonaro, mas também dos ministros. Onyx vai concorrer ao governo do Rio Grande do Sul e Marinho, ao Senado, pelo Rio Grande do Norte.
Como a coluna informou, a cúpula do Ministério da Economia acredita que a decretação do estado de calamidade pública pelo governo devido à guerra deve ser a última cartada para enfrentar a crise dos combustíveis. Se o conflito entre Rússia e Ucrânia sofrer uma escalada, porém, a pasta vê o estado de calamidade como uma saída que abre espaço para medidas emergenciais, por meio de um Projeto de Emenda à Constituição (PEC), nos moldes do que aconteceu na pandemia.
Partidos preveem eleição marcada por ‘traições consentidas’ nos Estados
Pedro Venceslau / O Estado de S.Paulo
Líderes e dirigentes dos partidos envolvidos na disputa presidencial deste ano preveem uma campanha marcada por “traições consentidas” aos seus futuros candidatos e avaliam que será impossível criar mecanismos para garantir, nos Estados, a lealdade aos palanques nacionais. A leitura do mundo político é de que a proibição das coligações proporcionais, a cláusula de barreira e a polarização consolidada entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) resultaram em um descolamento mais acentuado das candidaturas regionais dos postulantes ao Palácio do Planalto.
“Não é um fenômeno novo, mas neste ano está mais antecipado e acentuado. Como ninguém (além de Lula e Bolsonaro) fura a barreira dos 10% (nas pesquisas de intenção de voto), os partidos já trabalham com a lógica de segundo turno. Com a cláusula de barreira e o financiamento público de campanha, o tamanho da bancada passou a ser vital. Ninguém quer ver seu partido minguar nos Estados”, disse o cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do Grande ABC.
Estacionados nas pesquisas de intenção de voto, os pré-candidatos da chamada terceira via são os mais vulneráveis e já admitem que seus partidos vão fazer vista grossa para eventuais traições nos Estados. Como a Justiça Eleitoral não trata do tema, eventual punição a políticos que decidam apoiar a campanha presidencial de outra sigla é prerrogativa dos partidos, que podem retirar nomes das disputas.
“Qualquer resolução para obrigar o apoio ao candidato seria inócua. Infelizmente, há uma livração geral. Os candidatos querem salvar a própria pele”, disse o senador Alvaro Dias (Podemos), que será candidato à reeleição no Paraná. Para o parlamentar, o fundo eleitoral “deteriorou” ainda mais a relação dos partidos e reforçou o poder de atração das máquinas estaduais.
Dias se comprometeu a fazer campanha para o ex-juiz e presidenciável do partido, Sérgio Moro, mas lideranças do Podemos admitem que dificilmente o nome do ex-ministro da Justiça vai aparecer no horário eleitoral na TV e rádio da legenda no Paraná. No Estado, a sigla apoia o governador Ratinho Jr. (PSD), pré-candidato à reeleição. O palanque de Ratinho é um caso emblemático, já que vai reunir quase todos os partidos da terceira via.
O MDB, da pré-candidata Simone Tebet (MS), enfrenta o mesmo dilema no Pará, em Alagoas e no Ceará, Estados onde a sigla está próxima de Lula. O caso do Pará é o mais simbólico. Pré-candidato a governador apoiado pelos Barbalhos, o deputado estadual Paulo Dantas (MDB) articula uma aliança que vai do PT ao União Brasil, passando pelo Progressistas do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (AL).
Simone foi questionada sobre o assunto após um almoço com empresários em São Paulo e disse que as conversas com Lula são “a cara do MDB”. “Prefiro a honestidade dos que conversam e dialogam com outros pré-candidatos a conversas entre quatro paredes. O jogo no MDB é totalmente transparente. Não existe nada de que eu não tenha conhecimento ou não tenha sido avisada antes”, afirmou.
A situação do governador de São Paulo, João Doria, pré-candidato do PSDB, é inédita na história do partido. O tucano enfrenta dissidência interna que se tornou pública e é tolerada pela direção nacional. “Quem fizer campanha para candidato de outro partido tem que ser expulso. A executiva nacional precisa adotar uma resolução para os Estados”, disse o presidente do PSDB paulistano, Fernando Alfredo, que é aliado de Doria.
“Isso é um delírio. Não tem como obrigar lideranças do Nordeste a apoiar Doria, que tem traço (nas pesquisas de intenção de voto na região). O partido está estressado”, rebateu o ex-senador José Aníbal, desafeto do governador no PSDB.
Entre os partidos que tentam se viabilizar na terceira via, o Novo é o único que promete ser rigoroso com “traições”. “É inaceitável o palanque duplo. Isso está vedado. Em Minas Gerais essa questão está pacificada”, disse o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro. Único governador da sigla, Romeu Zema, de Minas, é visto como um potencial apoiador da reeleição de Bolsonaro.
Na avaliação do cientista político Fernando Abrucio, da FGV, a disputa está mais aberta nos Estados em 2022 do que estava em 2018. “Não apareceu uma terceira via nacional com votos em todo o território. O Nordeste está dominado pelo Lula e o Bolsonaro é forte no Centro-Oeste e no Sul”, disse Abrucio.
O fenômeno das traições consentidas atinge também os líderes das pesquisas. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sinalizou aos seus correligionários que vai respeitar as realidades locais e não pretende punir eventuais palanques com outros candidatos que não Bolsonaro.
No outro campo, a Rede, da ex-ministra Marina Silva, fez uma proposta inusitada ao PSOL durante as negociações para formação de uma federação: uma cláusula no estatuto que garantisse aos filiados o direito de fazer campanha para outro candidato que não aquele apoiado pela união partidária. Como o PSOL caminha para apoiar Lula, a intenção era dar liberdade para Marina e outras lideranças, como Heloísa Helena, subirem em outro palanque, como o de Ciro Gomes (PDT). A ideia, porém, foi vetada pelo PSOL, que deixou essa decisão para cada partido, que teria liberdade na federação.
Na Bahia, o movimento foi inverso. O Progressistas desembarcou na segunda-feira, 14, da aliança que mantinha com o PT havia 14 anos, e já dialoga composição com o pré-candidato do União Brasil ao governo do Estado, ACM Neto. Na eleição presidencial, a sigla deverá apoiar Bolsonaro.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,partidos-preveem-eleicao-marcada-por-traicoes-consentidas-nos-estados,70004008694
Felipe Salto: O tripé orçamentário Couri-bijos
Felipe Salto / O Estado de S. Paulo
Um dos maiores especialistas do País em contas públicas, Daniel Couri, escreveu sobre a necessária modernização do processo orçamentário a partir de 2023. O artigo, em parceria com Paulo Bijos, integra a coletânea Reconstrução: o Brasil nos anos 20 (Saraiva, 2022), que organizo com Laura Karpuska e João Villaverde.
O processo orçamentário é uma grande confusão. Na Assembleia Nacional Constituinte, o economista e deputado constituinte José Serra comandou os trabalhos que culminaram no capítulo de Finanças Públicas da Constituição. Serra reuniu um grupo de especialistas do calibre de Maílson da Nóbrega, José Roberto Afonso e Andrea Calabi para analisar as ideias que chegavam a toque de caixa. Ali, postulou-se a tese da responsabilidade fiscal. A Constituição federal obrigaria à apresentação de uma lei complementar para regular o uso do dinheiro público.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – Lei Complementar n.º 101), aprovada em 2000, é o maior avanço nessa matéria desde as reformas dos anos 1980: criação da Secretaria do Tesouro Nacional, fim da chamada Conta Movimento (mantida entre o Banco do Brasil e o Banco Central) e extinção do orçamento monetário (conta paralela a abrigar variadas demandas por fora do orçamento geral). Com a LRF, sairíamos do campo de várzea, de uma vez, para um gramado bem cuidado. As interpretações heterogêneas da LRF, no entanto, frustraram parcialmente essa expectativa – tema para outro artigo.
Na Constituição, até uma regra de ouro foi desenhada, por iniciativa do deputado constituinte César Maia. Infelizmente, esse bom princípio – não faça dívida pública para torrar em custeio – nunca foi respeitado para valer. O Plano Plurianual (PPA), instrumento de planejamento, também não prosperou. Como a partilha do bolo se dá na Lei Orçamentária Anual (LOA), o PPA nunca recebeu a atenção devida do establishment.
Outro ponto é que a própria Lei de Finanças Públicas (Lei n.º 4.320, de 1964), recepcionada pela Constituição, não foi atualizada até hoje. Neste assunto, a proposta formulada pelo economista Hélio Tollini para o senador Tasso Jereissati (PSDB-CEARÁ) é a saída. O fato é que todas as pontas soltas acabam sendo alinhavadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ano a ano, transformando-a num javali com cabeça de lagartixa e asa de morcego. Desvirtuou-se o espírito da lei: guiar o processo fiscal e orçamentário.
E não é só isso. O teto de gastos, a meta de resultado primário (receita menos despesa sem contar juros da dívida) e a regra de ouro não convivem harmoniosamente. O teto foi um avanço, mas precisará ser ressuscitado a partir do ano que vem. O velório, o enterro e a missa de sétimo dia já ocorreram em 2021. Refiro-me às Emendas 113 e 114, derivadas da PEC dos Precatórios. Só não vê quem não quer. A boa notícia é que Couri e Bijos têm saídas para este imbróglio.
A saber, sugerem um “tripé orçamentário” baseado em: regra para a despesa, marco fiscal e orçamentário de médio prazo e revisão periódica do gasto público. O primeiro eixo, acrescento, pode ser o teto de gastos atual aprimorado, na linha do que propus na coluna Teto de gastos 2.0. O segundo é a adoção do chamado “medium-term expenditure framework”, a balizar a definição dos espaços orçamentários a partir de projeções fidedignas para a economia e as receitas e despesas. Por fim, a revisão de gastos, conhecida na literatura como “spending review”, seria o instrumento para concretizar as prioridades do marco de médio prazo. Sem economês: corte no gasto ruim para financiar o bom.
A diferença entre o que chamo de “tripé Couri-bijos” para o sistema atual é gigantesca. Primeiro, porque está ancorado nos estudos das melhores práticas no resto do mundo. Segundo, porque o instrumento de planejamento, diferentemente do PPA, será vinculado à discussão do Orçamento. O marco de médio prazo – ou quadro de médio prazo, como denomina Tollini, craque no tema – teria de ser respeitado.
Simples assim: o espaço fiscal indicado pelas projeções, feitas de modo independente e técnico, seria o limite para gastar. Isso porque o teto de gastos seria “distribuído” pelas caixinhas do Orçamento, ex ante, para criar um plano de voo crível. Daria para escapar dele? Só com justificativa técnica e conta bem feita. O teto, por sua vez, poderia assumir diferentes desenhos. O fundamental é que, por trás de sua definição, estivesse o essencial: o cálculo do esforço fiscal necessário para garantir uma desejada trajetória para a dívida pública. Por isso, arrecadação também importa.
Neste construto, não há garantia de melhoria da qualidade do gasto ou de redução da gigantesca dívida de mais de 80% do PIB (ou 90%, no conceito do FMI). Isso dependerá, também, do compromisso político em torno do novo regime. Mas há, de partida, solidez técnica.
Eis aí uma proposta sobre a qual os candidatos e candidatas à Presidência da República deveriam se debruçar. Desde já, vaticino: a saída para o nó górdio na gestão do dinheiro público, esta verdadeira crise fiscal, passa pelo tripé Couri-bijos.
*Diretor-executivo e responsável pela implantação da Instituição Fiscal Independente (IFI), com mandato conferido pelo Senado (2016 a 2022).
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-tripe-orcamentario-couri-bijos,70004008304