Guerra na Ucrânia: as 6 exigências de Putin para acabar com o conflito
John Simpson / BBC Brasil
A Turquia se posicionou com bastante cuidado no conflito entre Rússia e Ucrânia, e isso parece ter rendido frutos. Em 17/03, três semanas depois do início da invasão, o presidente russo, Vladimir Putin, ligou para o colega turco, Recep Tayyip Erdogan, e listou quais são precisamente as demandas da Rússia para assinar um acordo de paz com a Ucrânia.
Pouco mais de meia hora depois do telefonema, a BBC entrevistou Ibrahim Kalin, porta-voz e principal conselheiro de Erdogan. Ele faz parte do seleto grupo que acompanhou a conversa entre Putin e o presidente turco.
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As demandas da Rússia podem ser divididas em duas categorias.
A primeira, com quatro exigências, não parece tão difícil para a Ucrânia, segundo Kalin.
A principal demanda dessa categoria é que a Ucrânia aceite que deve ser geopoliticamente neutra e não deve aderir à Otan (aliança militar liderada pelos Estados Unidos). O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já sinalizou durante o conflito que adotaria tal posição.
Há outras demandas nessa primeira categoria que parecem ser elementos que principalmente livram a cara do lado russo. São elas:
- a Ucrânia teria que se submeter a um processo de desarmamento para garantir que não seria uma ameaça à Rússia
- precisaria haver uma proteção à língua russa na Ucrânia
- o país também teria que promover o que a Rússia chama de “desnazificação”.
Esse último ponto, da "desnazificação", é considerado profundamente ofensivo para Zelensky, que é judeu e tem parentes que morreram no Holocausto, mas a Turquia acredita que essa exigência seria fácil de ser aceita pelo presidente ucraniano. Talvez porque baste a Ucrânia condenar todas as formas de neonazismo e se comprometer a combatê-las.
Disputas territoriais
A segunda categoria de exigências russas, no entanto, é onde parece haver as principais dificuldades. Na ligação com o presidente russo, Putin afirmou que elas demandariam uma negociação cara a cara entre ele e Zelensky antes de chegarem a um acordo nesses pontos. O presidente ucraniano já disse estar preparado para encontrar o colega russo a fim de negociar pessoalmente um acordo de paz.
Kalin, conselheiro do presidente turco, deu à BBC muito menos detalhes sobre a segunda categoria de exigências da Rússia. Ele disse apenas que elas envolvem o status da região da Crimeia (anexada ilegalmente pela Rússia em 2014) e da região de Donbas, no leste ucraniano, onde grupos separatistas ligados à Rússia criaram repúblicas independentes em Donetsk e Luhansk.
Ainda que Kalin não tenha entrado em detalhes, é claro que a Rússia vai demandar que o governo ucraniano abra mão desses territórios separatistas no Leste. E isso seria bastante problemático.
É possível assumir também que a Rússia demandará que a Ucrânia aceite formalmente que a Crimeia, que pertencia à Ucrânia até a anexação ilegal russa em 2014, passe de fato a pertencer ao território russo. Se essa for a demanda de Putin, seria um remédio bastante amargo a ser engolido pela Ucrânia.
De toda forma, a anexação russa da Crimeia é um fato consumado, mesmo que a Rússia não tenha o direito legal de possuir a região e também tenha assinado um tratado internacional, antes de Vladimir Putin chegar ao poder, aceitando que a Crimeia fazia parte da Ucrânia.
Ao fim, as exigências de Putin parecem não são tão duras quanto alguns especialistas e algumas autoridades temiam, e dificilmente devem ser obstáculos ante toda a violência, o derramamento de sangue e a destruição que a Rússia infligiu à Ucrânia.
Dado o controle pesado do governo russo sobre a mídia, não deve ser muito difícil para Putin e seus subordinados apresentarem tudo isso como uma grande vitória.
Para a Ucrânia, porém, haverá sérias tensões. Se os detalhes de um eventual acordo não forem analisados com imenso cuidado, Putin e seus sucessores sempre poderão usar esses termos como desculpa para invadir a Ucrânia novamente.
Um acordo de paz pode levar muito tempo para ser resolvido, mesmo que um cessar-fogo pare o derramamento de sangue durante as negociações.
A Ucrânia sofreu terrivelmente nas últimas semanas, com milhões de refugiados, milhares de mortos e dezenas de cidades e vilas destruídas — a reconstrução do que foi destruído pela Rússia danificou demandará muito tempo e dinheiro. O mesmo acontecerá com o realojamento dos milhões de refugiados que fugiram de suas casas durante o conflito.
E em relação ao futuro do próprio Vladimir Putin? Há informações não oficiais circulando de que ele estaria doente, incluindo problemas de saúde mental. Questionado se percebeu algo estranho no telefonema, o porta-voz do presidente turco respondeu: de forma alguma, Putin aparentemente foi claro e conciso em tudo o que disse.
Mas do ponto de vista político,mesmo que Putin consiga apresentar um acordo com a Ucrânia como uma vitória gloriosa sobre o neonazismo, sua posição em casa deve ser enfraquecida.
Mais e mais pessoas vão perceber que ele se excedeu muito em sua ofensiva contra a Ucrânia, e relatos de soldados que foram mortos ou capturados já estão se espalhando rapidamente pelo país.
Além disso, o impacto das duras sanções econômicas impostas por potências globais (em razão da guerra) tem atingido duramente a vida dos russos, e não se sabe se um eventual acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia representará também o fim dessas medidas que têm devastado a economia do país.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60793048
Expertise de Bolsonaro: desviar de culpas e responsabilidades e sempre se sair bem
Eliane Cantanhêde / O Estado de S.Paulo
18 de março de 2022 | 03h00
O presidente Jair Bolsonaro é isso que sempre foi, os erros em série são absurdos e a imagem do Brasil no mundo vai ladeira abaixo, mas ele chegou à Presidência da República porque é bom de campanha, não tem limites, viajou a todos os cantos do País e sabe surfar na onda certa.
Jogou o discurso de 2018 fora, mas viaja pelo País, tem tropa, estratégia, instrumentos de poder e zero prurido em usá-los a seu favor. E mais: sabe manipular a internet e a realidade, fazendo de limões limonadas.
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Famílias choram os 670 mil mortos pela covid, mas o pior da pandemia, aparentemente, passou e o discurso bolsonarista está prontinho: se ele trabalhou contra isolamento, vacinas e máscaras, isso é o de menos, o fundamental é que a vacinação é um sucesso. Ah! E não fez mais por “culpa do STF”.
Na guerra da Ucrânia, Bolsonaro falou em “solidariedade” à Rússia, “neutralidade” e “parceria” com Vladimir Putin. Lavou as mãos, como fez diante da covid e das chuvas na Bahia, mas o discurso também está pronto: o Itamaraty votou na ONU contra a Rússia e o governo libera verbas para Estados afetados pelas enchentes.
A gasolina? Bem, o que ele pode fazer? Se a “culpa” na pandemia foi do STF, de governadores, prefeitos e mídia, agora é da Petrobras, que “atrapalha”. O fato de ser (ainda) presidida pelo general Joaquim Silva e Luna, muito respeitado entre militares e civis, poderia ser um complicador. Que nada!
Se o capitão insubordinado destratou o vice-presidente, demitiu o ministro da Defesa e os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica, todos de quatro-estrelas, que diferença faz demitir mais um? O Centrão é que importa.
Bolsonaro também libera dinheiro para pobres, empresas, evangélicos e sabe manter unida outro tipo de tropa e tenta censurar um filme de 2017 sob acusação de “apologia à pedofilia”. É mais uma fake news, mas funciona que é uma beleza em setores da sociedade que não se interessam por política e não sofrem com a economia, mas têm enfarte com beijo gay na TV.
Na campanha, Lula e Bolsonaro têm um adversário implacável, a rejeição. E, assim como o mensalão e o petrolão serão um tsunami contra Lula, pandemia, Amazônia, cultura, educação, política externa, rachadinhas e os jet skis na hora errada vão cair na cabeça de Bolsonaro.
Até lá, a guerra é outra: capturar os náufragos da terceira via. Lula tem Geraldo Alckmin como chamariz, mas Bolsonaro tem verba, caneta, a maior bancada da Câmara e uma rede de ódio mais azeitada. O grande beneficiário de tudo isso pode ser a quarta via: o voto nulo ou em branco.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
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Para delegados, PF vive “apagão” de investigações contra corrupção
Bela Megale / O Globo
Para delegados, as sucessivas trocas em postos de comando da Polícia Federal no governo Bolsonaro geraram um “apagão” de investigações, especialmente de combate a crimes de colarinho branco. Investigadores ouvidos pela coluna afirmam que os profissionais mais experientes em conduzir os inquéritos dessa área, especialmente na Lava-Jato, foram escanteados ou punidos.
A avaliação é que, nos postos de comando da PF, hoje só há espaço para ascender quem tem perfil burocrático, com mais experiência nos gabinetes do que de nas operações em campo.
Em paralelo, delegados apontam para uma mudança no foco de investigações desde o início do governo Bolsonaro, em 2019. As operações de combate à corrupção deram espaço a outras que não colocam a PF em rota de colisão com o governo, como o combate ao tráfico de drogas.
A mais nova mudança na cúpula do órgão foi oficializada nesta quinta-feira, com a nomeação de Rodrigo Pellim para o comando da Diretoria de Combate ao Crime Organizado, a Dicor, no lugar de Luiz Flávio Zampronha. O departamento é o responsável por investigar políticos com foro, incluindo o próprio presidente Bolsonaro. A substituição, revelada pelo GLOBO no início do mês, acompanha a troca do comando da PF, que desde o início do mês tem Márcio Nunes à frente do posto.
Esquema de Lira para Câmara favorece campanha eleitoral e dificulta oposição
Mariana Carneiro / O Globo
A sessão da quinta-feira dia 10 na Câmara dos Deputados foi concluída pouco depois da meia-noite com um quórum alto. Dos 513 deputados, 426 registraram presença.
O tema era possivelmente o mais importante para o debate público brasileiro hoje - o preço dos combustíveis e a possível redução via corte nos tributos dos estados. Mas só seis parlamentares puderam falar, cinco deles de oposição.
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A falta de debate é um dos resultados do novo esquema de funcionamento adotado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira.
Desde o último dia 5 de março, os deputados podem participar das votações de forma remota, o que permite que eles continuem em seus estados, fazendo campanha. Mas, se quiserem falar, têm que estar presentes, diante do microfone. Além disso, jornalistas estão impedidos de ter acesso ao plenário, com ou sem máscara.
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Como na sessão sobre os combustíveis só havia seis deputados no plenário, em Brasília, só esses seis puderam falar. Os outros 420 participaram de forma remota, só votando, sem falar.
Desde quarta-feira, a situação está ainda mais esdrúxula. Isso porque Lira liberou os frequentadores da Câmara de usar máscaras, mas não retomou as sessões presenciais. Só que, mesmo com as sessões remotas, quem não estiver no plenário continua impedido de falar.
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Essa restrição é particularmente ruim para os deputados de oposição, que não contam com a mesma vantagem das emendas parlamentares, cargos no executivo e outras benesses, e vivem da repercussão de seus discursos e das iniciativas de fiscalização do governo.
Eles afirmam que, se não fossem as restrições impostas por Lira, um projeto de lei como o do ICMS, por exemplo, que reduz a arrecadação de estados e municípios, teria cerca de 50 inscritos para falar.
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"Não faz sentido algumas regras que estão colocadas. Antes tínhamos o sistema híbrido, em que você tinha direito à fala mesmo no sistema remoto. Agora, o presidente tirou o poder do parlamentar de discursar no remoto e ao mesmo tempo liberou o uso da máscara? Ora, se liberou a máscara então exige o presencial. Se não exige o presencial, então libera o zoom para os parlamentares debaterem", diz Perpétua Almeida (PCdoB-AC).
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O presidente da Câmara foi procurado para comentar as críticas da oposição, mas não respondeu às nossas mensagens.
Não foi assim nem no ano passado nem em 2020, quando a Câmara implantou o sistema remoto de votação em razão da pandemia de Covid. Quem estava fora de Brasília, podia debater os temas em votação pela internet.
A mudança também altera a dinâmica de votações na Casa e pode fazer com que projetos de interesse do governo sejam aprovados a toque se caixa, sem debate e nem negociação.
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"Quem está gostando disso é o governo e o centrão, porque além de acelerar as votações, estão liberando os deputados para a pré-campanha eleitoral nos seus estados", diz Fernanda Melchionna (PSOL-RS). "Se liberou a máscara, nada mais é defensável. O correto seria exigir a máscara, implantar o presencial e liberar o acesso da imprensa".
Gabinete paralelo de pastores controla agenda e verba do Ministério da Educação
Breno Pires, Felipe Frazão e Julia Affonso / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA — O gabinete do ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi capturado por um grupo de pastores ligados a ele. Embora não tenham vínculos com a administração pública nem com o setor de ensino, segundo apurou o Estadão, eles formam um gabinete paralelo que facilita o acesso de outras pessoas ao ministro e participam de agendas fechadas onde são discutidas as prioridades da pasta e até o uso dos recursos destinados à educação no Brasil.
Com trânsito livre no ministério, os pastores atuam como lobistas. Viajam em voos da FAB e abrem as portas do gabinete do ministro para prefeitos e empresários. O grupo é capitaneado pelos pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade.
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O Estadão identificou a presença dos dois em 22 agendas oficiais no MEC, 19 delas com o ministro, nos últimos 15 meses. Algumas são descritas como reunião de “alinhamento político” na agenda oficial de Ribeiro, que também é pastor.
Os pastores operam em duas frentes: levam prefeitos a Brasília, participando de encontros no MEC, e acompanham o ministro em viagens pelo País. No dia 16 de fevereiro último, Ribeiro e o pastor Arilton receberam, no gabinete do MEC, a prefeita de Bom Lugar, no Maranhão, Marlene Miranda (PCdoB), e o marido dela, Marcos Miranda. Segundo ele, a reunião foi para tratar da liberação de R$ 5 milhões para construção de uma escola na cidade. Miranda disse que “o encontro foi agendado para tratar de assuntos do município, e não de igreja”. Questionado se foi preciso fazer uma contribuição ao pastor, respondeu: “Que eu saiba, não”.
Numa viagem de Ribeiro ao município de Centro Novo do Maranhão (MA), em maio do ano passado, o pastor Gilmar dos Santos afirmou, de forma categórica, que era o responsável por garantir verbas para prefeituras.
“Estamos fazendo um governo itinerante, principalmente através da Secretaria de Educação, levando aos municípios os recursos, o que o MEC tem, para os municípios”, disse em vídeo ao qual Estadão teve acesso. A prefeitura da cidade de 22 mil moradores é comandada por Junior Garimpeiro, do Progressistas.
No evento, o ministro da Educação disse que preferia fazer o contato direto com os gestores municipais, sem a intermediação de deputados ou senadores – função que agora cabe aos seus “amigos” pastores. “Nós já fizemos em alguns lugares. Sem política, sem discurso de parlamentar nenhum. Respeito os parlamentares, mas é técnica”, afirmou.
Especialistas em Direito Público consultados pelo Estadão veem indícios de irregularidade e até mesmo tráfico de influência na ação dos pastores. Na avaliação do advogado Cristiano Vilela, praticar atos dentro do gabinete do ministro e fazer anúncios oficiais em atos do governo poderiam ser enquadrados como usurpação da função pública. “Qualquer pessoa pode levar determinados pleitos a algum representante do poder público. É legítimo. Agora, a partir do momento que passa a ser uma prática, um exercício de uma atividade pública (por alguém que não faz parte da administração), configura o crime”, disse Vilela.
No dia 7 de agosto, os pastores levaram o ministro para uma agenda com prefeitos em Coração de Maria (BA), de 28 mil moradores, governada por Kley Lima, outro prefeito do Progressistas. Ao discursar na solenidade, o pastor Arilton Moura agradeceu a presença de Milton Ribeiro, deixando claro que ele havia patrocinado a visita do ministro.
“Houve o maior interesse de trazer o ministro, nosso irmão, nosso amigo, para cá”, disse o religioso. “Esse é o nosso governo. É o governo do presidente Jair Bolsonaro.” Ribeiro, por sua vez, saudou “meus amigos Arilton e Gilmar”. “As coisas aconteceram também pela instrumentalidade dos senhores”, disse o ministro.
Os pastores atuam especialmente na intermediação entre a pasta e prefeitos do Progressistas, do PL e do Republicanos, legendas que integram o núcleo duro do Centrão. O bloco de partidos comanda o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O órgão que concentra os recursos do ministério é presidido por Marcelo Ponte, ex-assessor do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, chefe do Progressistas. De um orçamento de R$ 45 bilhões do MEC em 2022, o FNDE possui R$ 945 milhões.
Em 11 de março do ano passado, mais uma reunião no gabinete de Ribeiro com a presença dos dois pastores e representantes de 20 municípios. O site da prefeitura de Vianópolis (GO) informa a presença do ministro da Educação e dos religiosos “que, juntos, conduziram a reunião com as autoridades convidadas”. O objetivo omitido da agenda oficial aparece no informe da prefeitura de Vianópolis: “A reunião foi para orientar sobre os recursos ligados à educação”.
Durante congresso religioso em outubro passado, em Camboriú (SC), Milton Ribeiro voltou a ressaltar a ligação entre ele e os pastores. “Quero agradecer o honroso convite que eu tive da liderança aqui desse nosso encontro, à minha amizade ao pastor Gilmar, Arilton, que estão lá em Brasília, mais perto”, afirmou. Gilmar dos Santos retribuiu. “Nesses últimos anos, Deus me deu esse privilégio de comungar uma comunhão e uma amizade muito sólida com o pastor Milton Ribeiro”, disse. “Minha gratidão ao pastor Arilton Moura, fique de pé, pastor Arilton, pastor da nossa convenção, que é nossa base ali em Brasília.”
Foi num encontro de prefeitos com Milton Ribeiro, em janeiro do ano passado, na sede do MEC, que o pastor Gilmar dos Santos explicou sua atuação. “Nós solicitamos esta reunião com o ministro para trazer ao conhecimento dele vários prefeitos que trabalham também com a igreja”, disse. “Muitos deles são obreiros da nossa igreja e estão exercendo lá sua administração da maneira que o presidente da República defende, sem corrupção.”
Procurado, Ribeiro não se manifestou. O Estadão tentou contato com os pastores por meio da Assembleia de Deus Cristo para Todos, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
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Eleições 2022: saiba como tirar o título de eleitor e mudar local de votação
Bernardo Yoneshigue / O Globo
RIO — O prazo limite para tirar, transferir ou regularizar o título de eleitor termina dia 4 de maio. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recomenda que oe eleitores não deixem para dar entrada no documento ou pedir mudança de lugar de votação em cima da hora. As eleições este ano estão marcadas para o dia 2 de outubro (primeiro turno) e 30 de outubro (segundo turno). Quem não estiver com o título de eleitor em dia não poderá votar para presidente, governador, senador e deputados federal e estadual.
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Jovens que completam 16 ou 17 anos até 2 de outubro, caso desejem, e aqueles acima de 18 anos que ainda não tenham o título, neste caso de forma obrigatória, podem solicitar a emissão do documento por meio da plataforma online do TSE TítuloNet.
Basta preencher todos os campos indicados com dados pessoais, como nome completo, e-mail, número do RG e local de nascimento. Além dessas informações, é preciso anexar pelo menos quatro fotografias ao requerimento para comprovação da identidade. A primeira delas é uma fotografia (selfie) segurando um documento oficial de identificação. As duas seguintes são da própria documentação utilizada para comprovar a identificação da primeira foto.
Por fim, é necessário juntar um comprovante de residência. Homens com idade entre 18 e 45 anos devem enviar ainda o comprovante de quitação com o serviço militar. As imagens devem estar totalmente legíveis. Caso contrário, a solicitação pode ser negada pela Justiça Eleitoral.
Transferência de domicílio eleitoral
Para solicitar a transferência do domicílio eleitoral, o primeiro passo é digitalizar um comprovante de residência e um documento de identificação oficial com foto. Depois, é só acessar o site do TSE ou do TRE local, clicar na aba "Eleitor e eleições", entrar em "Título eleitoral" e escolher a opção "Tire seu título". Por fim, é preciso acessar o link "Iniciar seu atendimento remoto".
Ao finalizar o preenchimento do formulário, será informado um número de protocolo para o eleitor acompanhar o andamento. O sistema enviará os dados ao cartório responsável, e o requerimento levará alguns dias para ser processado. O prazo depende do volume de pedidos recebidos por cada cartório.
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Após o processamento do pedido, não será enviada via impressa do título para a casa do eleitor. Ele poderá consultar os dados do seu cadastro no site do tribunal ou instalando o aplicativo e-Título no celular.
Para requerer a transferência, é necessário que o eleitor resida há pelo menos três meses no novo município e já tenha transcorrido, no mínimo, um ano da data do seu alistamento eleitoral ou da última transferência do título.
Para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida que queiram votar em outra seção ou local de votação da sua circunscrição que melhor atenda às suas necessidades, é disponibilizado o prazo do dia 18 de julho a 18 de agosto para que o pedido seja feito no cartório eleitoral.
No dia 11 de julho, o TSE divulgará o número oficial de eleitores considerados aptos a votar nas eleições de 2022, e entre 5 de julho e 3 de agosto, os juízes eleitorais deverão nomear os eleitores que serão mesários e darão apoio logístico nos locais de votação.
Após as eleições, aqueles que não tiverem votado no primeiro turno têm até o dia 1º de dezembro para apresentar a justificativa por meio dos serviços online disponibilizados pelo TSE ou no próprio cartório eleitoral.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022-saiba-como-tirar-titulo-de-eleitor-mudar-local-de-votacao-25436594
Luiz Carlos Azedo: Mercado perde confiança na política monetária
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Para o mercado financeiro, a principal âncora da economia, a política de juros, virou uma biruta de aeroporto na última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), que aumentou a taxa básica de juros de 10,75% ao ano para 11,75% ao ano, mas sinalizou que a Selic vai a 12,75% em maio. A expectativa gerada é de que o arrocho monetário não vai parar por aí e a economia pode mergulhar numa nova “grande depressão”.
Essas preocupações decorrem do papel cada vez mais subalterno do ministro da Economia, Paulo Guedes, nas decisões econômicas do governo, o que se reflete, inclusive, na demora para aprovação de dois diretores do Banco Central (BC) pelo Senado. O presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa, senador Otto Alencar (PSD-BA), engavetou as duas indicações para os cargos de diretor de política econômica e diretor do sistema financeiro, com o argumento de que o governo está sem líder no Senado, desde a saída do senador Fernando Bezerra (MDB-PE) do cargo.
Diogo Abry Guillen, indicado para a diretoria de política econômica, de 39 anos, é formado em economia pela PUC-RJ, onde concluiu mestrado. Tem doutorado pela Universidade de Princeton e atualmente é economista-chefe da Itaú Asset Management. Renato Dias de Brito Gomes, indicado para a diretoria de organização do sistema financeiro, de 41 anos, também é formado em economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RJ), onde fez o mestrado. Concluiu o doutorado na Northwestern University, nos EUA.
Um trecho da ata da reunião do Copom de ontem acendeu a luz vermelha no mercado, quando afirma que “políticas fiscais que impliquem impulso adicional da demanda agregada ou piorem a trajetória fiscal futura podem impactar negativamente preços de ativos importantes e elevar os prêmios de risco do país”. A adoção desse “cenário alternativo” para as projeções de inflação do Banco Central (BC) gerou inquietação entre os analistas.
O BC trabalha com a hipótese de o preço do barril do petróleo chegar a US$ 100 ao final de 2022. Com base nessa avaliação, acredita que a inflação, neste ano, chegará a 6,3%. Entretanto, essa avaliação está em contradição com o boletim Focus do próprio BC, que estima a inflação em 7,1% em 2022, com uma desaceleração para 3,4% em 2022. Quando fala em “impulso de demanda agregada”, o BC está se referindo às medidas que estão sendo tomadas pelo presidente Jair Bolsonaro para estimular o consumo e reduzir o impacto da alta dos combustíveis no custo de vida.
Petróleo e juros
Depois da pandemia, que jogou a economia no chão e provocou a desorganização dos pequenos negócios, além de desemprego em massa, o governo se depara com uma nova variável que foge ao seu controle: a guerra da Ucrânia. As expectativas de que seria um conflito que duraria, no máximo, 10 dias não se confirmaram; as duríssimas sanções contra a Rússia também surpreenderam. Além disso, os juros nos Estados Unidos estão subindo, o que amplia o peso do cenário externo na economia brasileira.
A ausência de um diretor de política econômica no Banco Central (BC) está sendo apontada como a principal causa da incoerência e da inconsistência das análises do Copom. A implicância maior é com o fato de as projeções estarem baseadas no preço dos combustíveis, que são muito voláteis, e não levarem em conta que Federal Reserve (Fed), pelo mesmo motivo, possa ter que alterar a projeção de seis reajustes mensais da ordem de 0,25% nas taxas de juros dos Estados Unidos.
Há uma diferença fundamental entre os dois países: o Brasil está estagnado, enquanto os Estados Unidos crescem. Um dos motivos alegados pelo próprio presidente do Fed, Jerome Powell, para elevar os juros, foi justamente o aquecimento da economia norte-americana. Nós, aqui, estamos elevando os juros numa situação de baixíssimo crescimento. Lá, a taxa estava próxima de zero, e aqui já subiu para 11,75%.
Essas pressões inflacionárias atrapalham os planos de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, que imaginava entrar no processo eleitoral de vento em popa, com a economia em recuperação, gerando novos empregos, em decorrência da injeção de recursos federais no orçamento das famílias, como o Auxílio Brasil, no valor de R$ 400. O impacto direto do programa nos bolsões de pobreza das grandes cidades e do interior totalizará R$ 90 bilhões em transferências de renda.
Bolsonaro pretende gastar muito na eleição: R$ 30 bilhões em saques antecipados do FGTS; R$ 56 bilhões do décimo terceiro adiantado para pensionistas e aposentados do INSS; R$ 120 bilhões de subsídios para os combustíveis; R$ 230 bilhões de renúncias fiscais. Os cortes de impostos e subsídios fiscais poderão chegar a R$ 230 bilhões. Essas medidas, porém, são consideradas inflacionárias pelos agentes econômicos.
Reinaldo Azevedo: Terceira via é uma quimera da negação, mostram as pesquisas
Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo
A direita democrática ainda não conseguiu encontrar o seu lugar na eleição presidencial deste ano. Sei que muitos, à esquerda, acabaram de dar um risinho de canto de boca: "Direita democrática? Isso é como cabeça de bacalhau. Dizem que existe, mas ninguém vê".
Pois é. Cá nas minhas considerações, não se trata de uma fantasia. Mas ela não pode ser refém dos próprios equívocos. Se a prosa não mudar de rumo —e tenho dúvidas sinceras se haverá tempo—, o segundo turno entre Lula e Bolsonaro está contratado. Hoje, Lula é franco favorito e poderia vencer no primeiro turno. Mas a eleição não é hoje.
Há vários fatores concorrendo para tal quadro, que não chamo "polarização" —outra bobagem. Uma das causas determinantes está na tentativa de se criar uma quimera da negação: a "terceira via". Tratar-se-ia de um ser híbrido que, a um só tempo, carregasse virtudes de Bolsonaro (havendo alguma...) e de Lula, mas destinada a não ser nem uma coisa nem outra.
Fui o primeiro a chamar essa criatura imaginária, gestada no mundo como ideia, de candidato "nem-nem". Se não faço atribuição indevida, tomei a expressão emprestada a Roland Barthes.
Era uma ironia. Dia desses, vi Luciano Bivar, presidente do União Brasil, a defender o "candidato nem-nem". Bolsonaro é a soma de sortilégios, burrice, truculência e desgoverno que conhecemos. Nota à margem: virou boneco de mamulengo da própria gestão e animador de reacionarismos.
Arthur Lira, Ciro Nogueira e seus sócios (des)governam o país, mantendo o Orçamento sequestrado. Não fosse assim, o biltre teria sido defenestrado. Nós pagamos o resgate. De volta ao fio.
O homem é tudo isso, mas tem uma base fiel, resiliente, que precisa da dose cotidiana de sandices para se manter unida. Há risco de falta de fertilizantes? A resposta é tentar acelerar, com a conivência de Lira, a mineração em terras indígenas, para indignação até das empresas legais do setor.
Ocorre que esses eleitores existem, são muitos milhões, habilmente mobilizáveis pelos miasmas de estupidez que emanam das redes sociais.
Vejam o caso de "Como se tornar o pior... filme do mundo". Trata-se de um monturo de piadas politicamente incorretas e de agressão a valores comezinhos da civilidade. A extrema direita tinha adorado as diatribes de um então ídolo seu, não é pastor Feliciano? Mas o protagonista virou desafeto. E as milícias bolsonarianas, afinadas com o espírito mafioso, são mais cruéis com "traidores" do que com inimigos.
O troço é pavoroso, mas não faz a apologia da pedofilia. Isso é mentira, e a censura é inconstitucional. Eis uma cama de gato. E muitas outras haverá. Defenda a Constituição, mesmo quando o objeto em disputa é ruim —e a lei também tem de proteger os idiotas— e leve na testa a pecha de "defensor da pedofilia".
Assim como, no passado, os que atacaram os desmandos da Lava Jato foram classificados de "amigos da corrupção" —espírito que ajudou a eleger Bolsonaro, note-se.
Essa gente veio para ficar. Será muito difícil entrar nesse universo sem aderir a seu cabedal de monstruosidades morais. Vinte e tantos por cento dizem "não" a um dos "nens". Bolsonaro é o que desejam. Sergio Moro tentou fornecer doses mais dissimuladas de reacionarismo, mas esse público não quer. O presidente toma de volta percentuais que eram seus e que o ex-juiz suspeito havia conquistado.
O segundo "nem", o que se refere a Lula, ignora a história do país da redemocratização a esta data e tenta reduzir a história do PT às peças judiciais criadas pelo lava-jatismo. O partido está fora do poder há seis anos.
Que tratamento o Estado brasileiro —incluindo a direita democrática lá do primeiro parágrafo— dispensou nesse tempo às demandas dos que têm renda de dois salários mínimos? São 70% dos brasileiros.
Inexiste legitimação política pela negação. De resto, cabe indagar: no que respeita à preservação da ordem democrática, Lula e Bolsonaro são mesmo equivalentes, são "nem-nem"? Ela não é o pressuposto a partir do qual as divergências devem ser exercitadas? Pergunta final: há tempo para corrigir o rumo?
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2022/03/terceira-via-e-uma-quimera-da-negacao-mostram-as-pesquisas.shtml
Revista online | Lilia Lustosa: Geraldo e Jabor brilham em outros firmamentos
Lilia Lustosa / Revista Política Democrática online
No final de 1962, o jovem Arnaldo Jabor participava como intérprete do curso ministrado no Rio de Janeiro pelo já consagrado documentarista sueco Arne Sucksdorff, em uma ação conjunta da Unesco e do Itamaraty. Naquele mesmo ano, o recém-formado em Direito Geraldo Sarno chegava a Cuba, indicado pela UNE, para ver de perto o trabalho do famoso ICAIC - Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos. Ganha uma bolsa e decide ficar por lá mais um ano, desvendando os poderes da sétima arte para mudar assim o rumo de sua história. E também da nossa.
No mês passado, em um espaço de uma semana, os dois jovens que naquele fim de 1962 se iniciavam no mundo do cinema resolveram partir para brilhar em outros firmamentos. Primeiro foi Jabor, no dia 15, notícia que deixou o país em choque, órfão de um cineasta-analista político-cultural de tamanha grandeza. Em seguida, dia 22, foi a vez de Geraldo Sarno, vítima da maior praga dos últimos anos, a Covid-19.
Geraldo assinou Viramundo (1965), curta-metragem sobre a diáspora nordestina, que mostrava de maneira nua e crua a chegada dos sertanejos a São Paulo, com suas barrigas vazias e suas trouxas cheias de esperança. Um tema hoje bastante batido, mas que naquele então era novidade. Principalmente, porque não se esquivava de mostrar pobreza e a discriminação sofrida pelos nordestinos que chegavam ao sudeste do país. Com música de Gilberto Gil, o filme foi um sucesso entre os críticos, mas, como todo documentário crítico à realidade brasileira, nunca encontrou seu lugar no circuito das salas de cinema. Nem mesmo quando em 1968, foi reunido aos outros três curtas, compondo assim o longa Brasil Verdade.
Jabor, por sua vez, rumou para a ficção, embora sua opera prima tenha sido também um documentário realizado dentro dos mesmos moldes do cinema-direto. A Opinião Pública (1967) era uma espécie de enquete feita com brasileiros comuns, membros da classe média do país, que discutiam sem pudor política, misticismo, burguesia etc. Era uma tentativa de traçar um retrato do nosso povo feito por ele mesmo, sem filtros, revelando suas incongruências, idiossincrasias e sonhos manipulados. Uma classe maleável, sem domínio sobre si própria. Na ficção, um dos seus maiores sucessos foi Toda Nudez Será Castigada (1973), longa adaptado da peça homônima de Nelson Rodrigues. Como era costume em sua obra, o filme criticava a hipocrisia da burguesia com seus “rígidos” códigos de moral e costumes.
O longa rendeu para a atriz Darlene Glória o Urso de Prata no Festival de Berlim, da mesma maneira que Eu Sei Que Vou Te Amar (1986), outro de seus grandes hits, consagrou Fernanda Torres como Melhor Atriz em Cannes. Na década de 90, porém, com o fim do fomento estatal para a produção cinematográfica no governo Collor, Jabor enveredou pelo jornalismo. Primeiro como colunista de O Globo, depois de vários telejornais da mesma emissora: Jornal Nacional, Bom Dia Brasil, Jornal da Globo, Fantástico, Jornal Hoje e ainda da Rádio CBN, onde era voz frequente. Tornou-se figura conhecida e respeitada em todo o país. Em 2010, fez mais uma (e última) incursão no cinema com A Suprema Felicidade, estrelado por Marco Nanini, filme bonito e terno, mas que não agradou tanto à crítica especializada.
Tenho pra mim que agora Geraldo e Jabor estão sentados com Capovilla, Eduardo Coutinho, Nelson Pereira dos Santos e tantos outros grandes cineastas que nos deixaram nos últimos anos, discutindo argumentos, revendo roteiros e sonhando com novas histórias que pintem com cores verdadeiras nosso Brasil tão despedaçado
Saiba mais sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíca.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Silva e Luna deve cair porque é improvável que a Petrobras recue do aumento
Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo
Jair Bolsonaro foi aconselhado pelos seus principais ministros a manter o general Joaquim Silva e Luna à frente da Petrobras, mas segue o mesmo roteiro que levou à demissão de Roberto Castelo Branco em fevereiro de 2021, após o quarto aumento no preço dos combustíveis anunciado pela estatal, o que na época irritou imensamente o presidente.
Bolsonaro frita Silva e Luna num caldo quente feito à base de gasolina. É questão de tempo a queda do general, que o presidente colocou há um ano no comando da Petrobras acreditando que iria resolver o problema da alta dos combustíveis na marra. Já naquele momento, o presidente era alvo das críticas de apoiadores pela alta dos preços.
Bolsonaro tem apoio dos caciques do Congresso que redobraram ontem a pressão contra a política de preços da Petrobras de paridade ao mercado internacional.
A bola da vez é para que a estatal reverta os reajustes da gasolina, do diesel e do GLP anunciados na semana passada com o argumento de que os preços do petróleo estão caindo no mercado internacional.
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, subiram o tom. Pacheco chegou a conclamar que a empresa contribua na “luta comum do Brasil” contra o aumento dos combustíveis.
Patético.
Tudo isso porque está ficando cada vez mais claro que a redução dos tributos não vai resolver o problema e as mudanças no ICMS, muito menos. Como mostrou o Estadão, em nove Estados e no DF a unificação da alíquota pode até mesmo provocar um aumento da carga tributária.
Silva e Luna deve cair em breve porque é muito improvável que a Petrobras recue do aumento e reduza os preços em tão pouco tempo. A Petrobras ficou muitos dias sem fazer os reajustes, e não é na primeira queda do preço do petróleo lá fora que a empresa poderá reverter o movimento.
Terreno perfeito para o enredo do roteiro da fritura continuar se desenvolvendo. Indicado para comandar o conselho de administração da Petrobras, Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, recebeu a encomenda e deve assumir o comando da empresa. Ele nunca escondeu que esse sempre foi o seu sonho, agora cada vez dia mais próximo.
O enredo presidencial também conta com a adoção de subsídio direto financiado pelo Tesouro (que deve sair a contragosto de Paulo Guedes) e com uma mudança na lei das estatais para que Bolsonaro consiga implementar o seu desejo público de alterar a política de preços da Petrobras.
*REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,adriana-fernandes-petrobras-joaquim-silva-e-luna-jair-bolsonaro-combustiveis-aumento,70004010856
Maria Hermínia Tavares: Palavras de mulher
Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo
Na semana passada, pelo transcurso do Dia Internacional da Mulher, o Brasil teve de se haver de novo com manifestações patéticas, típicas do clamoroso reacionarismo do presidente, dessa vez secundado pelo procurador-geral da República. Um e outro incapazes de entender o valor da igualdade de direitos entre mulheres e homens numa sociedade civilizada, muito menos os avanços na matéria nas últimas décadas.
Eis por que merece leitura atenta o "Observatório Febraban 2022 – mulheres, preconceito e violência", que apresenta os resultados de uma sondagem com 3.000 brasileiras, esmiuçando seus pontos de vista sobre diferentes dimensões das iniquidades de gênero no país.
Embora considerem que as coisas melhoraram um pouco, oito em cada dez entrevistadas no estudo se disseram insatisfeitas com o tratamento que recebem da população —as negras mais do que as brancas, as solteiras mais do que as casadas.
Oportunidades semelhantes no mercado de trabalho e na educação; combate à violência de gênero e punição dos agressores; acesso a cargos de liderança; e o compartilhamento efetivo do trabalho doméstico são considerados indicadores de igualdade mais importantes do que a superação de normas conservadoras de conduta, maior liberdade sexual ou o direito ao aborto.
Em consequência, as manifestações mais sentidas de iniquidade são os desníveis de salário e as oportunidades profissionais desiguais; o fardo da faina doméstica; e os papéis sociais de coadjuvantes a que são relegadas as mulheres. Somando-se às manifestações rotineiras de preconceito e discriminação; ao assédio sexual e moral e à violência —vivida sobretudo em casa—, constituem, para as brasileiras, o núcleo das desigualdades de gênero. Dele já não faz parte o acesso à educação, percebido como um caminho aberto às mulheres. Já a sub-representação política, embora reconhecida, parece menos relevante.
As brasileiras reconhecem o papel das feministas para o avanço da igualdade. Uma em cada duas entrevistadas cita a Lei Maria da Penha —que visa punir a violência de gênero—, como o principal marco dessa jornada. Bem à frente do direito ao voto, lembrado por 19% das entrevistadas. Talvez por desconfiança do jogo político, a maioria (55%) se opõe às cotas partidárias, entendendo que a representação feminina deve ser espontânea e fruto do mérito individual.
Nem a agenda dos direitos reprodutivos, nem a da representação política fluem das prioridades captadas pela pesquisa da Febraban. Condições necessárias para uma sociedade mais justa, só podem ser obra de paciente persuasão.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2022/03/palavras-de-mulher.shtml
Merval Pereira: Ciclo de negócios
Merval Pereira / O Globo
A batalha do presidente Bolsonaro com a Petrobras pelo preço da gasolina, do diesel e do gás resume o que historicamente acontece no Brasil em anos eleitorais. Também a distribuição de verba pública para a população, como o repasse do dinheiro do FGTS e o novo Bolsa Família turbinado, está incluída em estudos que mostram quão poderoso é o efeito de políticas de rendas nos períodos eleitorais.
As maiores quedas de pobreza acontecidas no Brasil nos últimos anos se deram em anos eleitorais. São planos, porém, que geram custos sociais traduzidos em desemprego mais alto e renda mais baixa. Historicamente, nos últimos 40 anos pelo menos, a utilização de políticas monetárias, fiscais e cambiais com claros objetivos político-eleitorais gera “Ciclos Políticos de Negócios” (CPNs), cuja principal característica é a redução do desemprego em períodos pré-eleitorais, resultante de políticas cujo objetivo seria proporcionar um ambiente positivo capaz de influenciar o resultado eleitoral.
Após esse período de crescimento, no entanto, o pós-eleitoral é caracterizado por inflação em alta, cuja consequência é a adoção de políticas macroeconômicas contracionistas. A maxidesvalorização de 1983 ou a desvalorização do real em 1999, depois da eleição, são exemplos típicos desse fenômeno. Essa instabilidade, além de problemática do ponto de vista ético, é danosa à taxa de crescimento de longo prazo da economia.
O economista da FGV-Rio Marcelo Neri, que estuda essa característica brasileira, tem alguns exemplos históricos a ressaltar. Em 1986, o Plano Cruzado, lançado pelo governo Sarney em fevereiro, teve a duração de nove meses e foi substituído pelo Plano Cruzado II, seis dias depois de o governo ter obtido a maior vitória eleitoral da História da República: elegeu 22 de 23 governadores e quase dois terços da Câmara e do Senado e das Assembleias Legislativas.
Com os salários congelados havia nove meses, a população sofreu aumentos num só dia de 60% no preço da gasolina e 120% nos telefones e energia, entre outros. Segundo os estudos de Neri, a comparação pré e pós-eleitoral em 1986 revela que a proporção de indivíduos que obtiveram redução de renda é superior, no período pós-eleitoral, para todas as faixas de educação, o que identificaria os planos como oportunistas. Em 1989, à semelhança de 1986, houve um componente oportunista: a queda de renda no período pós-eleitoral, quando comparado ao período pré-eleitoral, foi generalizada.
Em 1994, o Plano Real não tinha características oportunistas e promoveu melhor o desempenho de renda no período pós-eleitoral. Os grandes beneficiários do surpreendente boom pós-eleitoral foram os analfabetos, o que certamente levou à vitória de Fernando Henrique à Presidência. O ano de 1998 apresenta proporções de redução de renda em níveis bastante superiores aos observados nos três episódios pré-eleitorais anteriormente analisados. Segundo Neri, devido às crises externas, o governo não teve a oportunidade de gerar um ambiente eleitoral propício, mas apenas postergou a adoção de medidas impopulares como a desvalorização cambial, que afetaram decisivamente a avaliação do governo tucano.
A eleição de Dilma Rousseff em 2010 custou ao país uma grave crise econômica, gerada pela gastança do governo petista, que produziu um crescimento do PIB de 7,5% no ano eleitoral. A partir daí, o governo Dilma não teve condições de reorganizar as finanças públicas e, com sua “nova matriz econômica”, levou o país à bancarrota.
Michel Temer, que assumiu a Presidência com o impeachment de Dilma, não teve condições políticas de fazer malabarismos econômicos na sucessão e acabou alijado da disputa presidencial, que chegou a acalentar. A polarização ficou entre o PT, com Haddad, e Bolsonaro, que agora retoma a prática de distribuir bondades para tentar se reeleger.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/ciclo-de-negocios.html