Biblioteca Salomão Malina abre inscrições para oficina de poesias
João Vítor, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
A Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em Brasília, está com as inscrições abertas para a oficina online de poesias, que será realizada na segunda-feira (21/3), a partir das 19 horas, por meio da plataforma virtual do Zoom, em comemoração ao Dia Mundial da Poesia. Interessados podem fazer sua inscrição pela internet, gratuitamente. No total, há 25 vagas.
A escritora Lorena Nery Borges, de 34 anos, será a instrutora da oficina. Ao final, os participantes receberão certificado de participação, que também poderá ser apresentado como horas complementares por estudantes para instituições de ensino. O link de acesso à oficina será enviado, pelo WhatsApp oficial da biblioteca - (61) 98401-5561 -, por e-mail, aos selecionados.
Assista!
Lorena afirma que a poesia é “forma de ressurgir, resistir ou até mesmo de morrer para continuar vivendo”. O objetivo da oficina é oferecer aos participantes inscritos a oportunidade de aprender a escrever suas próprias poesias.
A escritora piauiense diz estar ansiosa para o webinar. “Acredito que muitas pessoas, assim como eu, passaram por diversas etapas em seu processo criativo e foram da produtividade a negação, bloqueio criativo, dores, adaptação e excesso de autocrítica", observa.
A pandemia, segundo Lorena, provocou “muitos questionamentos e revelou muitos breus”. “Talvez a oficina seja um momento de despertar ou de reencontrar o nosso lado poético”, acredita ela. Durante a oficina, o foco será identificar dentro de cada um e nas outras pessoas a “poesia viva”.
Ela acredita que poesia também é um gesto. “É necessidade no enfrentamento da realidade, é fuga, desabafo, resistência, é apontar novos caminhos, ter esperança, questionar, é luta diária. Poesia é um misto de coisas, sensações, dores e formas de sentir”, afirma.
O Dia Mundial da Poesia foi criado na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 16 de novembro de 1999.
Sobre a escritora
Lorena tem participações em antologias poéticas, entre as quais se destacam:
- Amores e Metamorfose – (Contos e Versos livres – Editora Ella, 2017);
- A Mulher na Literatura Latino-Americana (2018);
- Café e Prosa - Poemas (Editora Louisiana – 2018);
- Zine "Desembucha, Mulher!" (2018 – Organização Dani Marques);
- Juntas e Descaradas (2019 – Editora Livra)
Lorena Nery Borges é, também, a primeira secretária da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil no Piauí (Ajeb-PI).
Oficina de Poesias
Dia: 21/03/2022
Horário da transmissão: 19h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
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Alexandre de Moraes dá ultimato ao Telegram para resolver pendências
Michelle Portela / Correio Braziliense
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de 24 horas para que o Telegram cumpra totalmente uma lista de determinações judiciais emitidas pela Corte e que ainda estão pendentes. Ainda de acordo com o ministro, essa é a condição para que seja suspensa a decisão que definiu o bloqueio do aplicativo em todo o território nacional, tomada na sexta-feira. "O Telegram, até o presente momento, cumpriu parcialmente as determinações judiciais, sendo necessário o cumprimento integral para que seja afastada a decisão de suspensão proferida em 17/3/2022", diz o despacho do ministro.
Moraes cita, no despacho, o pedido de desculpas divulgado em nota pelo fundador do Telegram, o russo Pavel Durov, na sexta. Durov apontou "problema relativo ao recebimento das comunicações" causado por "divergências referentes aos endereços eletrônicos aos quais foram enviadas as determinações judiciais".
Com a indicação do novo e-mail pela gestão do Telegram, Moraes indicou a lista de pendências do aplicativo, que inclui: indicar à Justiça um representante oficial do Telegram no Brasil (pessoa física ou jurídica); informar ao STF, "imediata e obrigatoriamente", as providências adotadas pelo Telegram para "o combate à desinformação e à divulgação de notícias fraudulentas, incluindo os termos de uso e as punições previstas para os usuários que incorrerem nas mencionadas condutas"; excluir imediatamente os links no canal oficial de Jair Bolsonaro, no Telegram, que permitem baixar documentos de um inquérito sigiloso e não concluído da Polícia Federal; bloquear o canal "Claudio Lessa", fornecer os dados cadastrais da conta ao STF e preservar a íntegra do conteúdo veiculado nesse espaço.
Cruzeiro Velho
O canal do presidente Jair Bolsonaro (PL) está a todo vapor no Telegram, no Brasil, mesmo após a decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender o funcionamento do aplicativo. O presidente também voltou a criticar a decisão ao dizer que o bloqueio é inconstitucional e que afeta o Marco Civil da Internet.
Ontem, Bolsonaro participou de um ato de filiação de deputados ao PL e, depois, foi a uma barbearia e a uma lotérica no Cruzeiro Velho. Durante o ato, o presidente comentou o caso, uma vez que a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao STF que a decisão de Moraes seja revista. "(A decisão) Não encontra nenhum amparo no Marco Civil da Internet e (em) nenhum dispositivo da Constituição", disse, ao sair de uma lotérica, à imprensa.
O Marco Civil da Internet é uma lei sancionada em 2014, que autoriza a suspensão temporária e a proibição das atividades de aplicativos que infringirem a legislação. Na manifestação apresentada ao STF, a AGU solicitou que essas sanções não possam ser determinadas por "inobservância de ordem judicial".
Já na noite de sexta-feira, data da publicação da decisão do STF, o presidente já havia dito que a suspensão é "inadmissível" e pode "causar óbitos".
Conhecido por ter perfis ativos em contas pessoais e públicas em redes sociais, a situação não é diferente para Bolsonaro no caso do Telegram, onde o presidente tem mais de 1,1 milhão de seguidores.
O presidente ganhou mais de 30 mil seguidores desde que a decisão se tornou pública. Apenas no sábado pela manhã, foram feitas cinco publicações sobre eventos e realizações do governo.
Anatel
O ministro Alexandre de Moraes determinou que fosse intimado — "pessoal e imediatamente" — o presidente da Anatel, Wilson Diniz Wellisch, para que ele adotasse "imediatamente todas as providências necessárias para a efetivação da medida, comunicando-se essa Corte, no máximo, em 24 horas".
No entanto, os usuários estão em compasso de espera. Na madrugada de sábado, a AGU lançou estratégia para derrubar a decisão que suspendeu o Telegram no país. O órgão pede que o STF determine que as penalidades previstas no Marco Civil da Internet — norma que fundamentou a decisão de suspensão — não podem ser impostas por inobservância de ordem judicial, como ocorreu no caso do aplicativo russo.
O pedido foi direcionado ao gabinete da ministra Rosa Weber. Entre os principais argumentos da AGU está o de que as sanções previstas no Marco Civil da Internet são de natureza administrativa, e não poderiam ser aplicadas em âmbito judicial. Além disso, o órgão sustentou que as penalidades de suspensão temporária das atividades e proibição de exercício das atividades, previstas na lei, estão ligadas às infrações dos deveres de garantir respeito aos direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.
"Daí porque sanções podem ser aplicadas a provedores de conexão ou aplicações de internet (como o Telegram e o WhatsApp) se eles não respeitarem o sigilo das comunicações, se fizerem uso indevido dos dados pessoais, mas não (pelo menos com fundamento no Marco Civil da Internet) por descumprirem uma ordem judicial", sustenta o pedido assinado pelo chefe da pasta, Bruno Bianco.
Com relação à decisão de suspensão do Telegram, Bianco argumentou que eventual conduta antijurídica que se imputa aos investigados pela corte máxima não pode reverberar automática e indistintamente em banimento de todos os demais usuários do serviço que se pretende suspender.
"Os consumidores/usuários de serviços de aplicativos de mensagens não podem experimentar efeitos negativos em procedimento do qual não foram partes. Pensar diferente, a um só tempo, ofenderia o devido processo legal, com antijurídica repercussão do comando judicial em face de terceiros, além de ofender, ao mesmo tempo, o princípio da individualização da pena. In casu, pois, inequívoca a desproporcionalidade da medida que, para alcançar poucos investigados, prejudica todos os milhões de usuários do serviço de mensagens", registra trecho do pedido da AGU.
Como será
Quem vai bloquear o Telegram no Brasil?
Os provedores de internet e as empresas de tecnologia como Apple e Google, que também devem colocar "obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar a utilização do Telegram" pelos usuários do sistema iOS (iPhones, da Apple) e Android (Google). O mesmo vale para companhias que administram serviço móvel pessoal e serviço telefônico fixo comutado, ou seja, as operadoras de telefonia. Foi assim com as suspensões do WhatsApp também determinadas pela Justiça.
Quando será o bloqueio? E por quanto tempo?
Moraes deu um prazo de cinco dias para que as empresas cumpram a ordem. A decisão foi divulgada na tarde de sexta-feira e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) disse que "providenciou o imediato encaminhamento dela às entidades atuantes no setor", ou seja, às operadoras.
O que motivou a decisão pelo bloqueio?
Moraes justificou, no documento, citando afirmação da Polícia Federal de que "o aplicativo Telegram é notoriamente conhecido por sua postura de não cooperar com autoridades judiciais e policiais de diversos países, inclusive colocando essa atitude não colaborativa como uma vantagem em relação a outros aplicativos de comunicação, o que o torna um terreno livre para proliferação de diversos conteúdos, inclusive com repercussão na área criminal".
O que diz o Telegram?
O cofundador do Telegram Pavel Durov pediu que o tribunal adie o início do prazo de cinco dias para o bloqueio. Ele afirmou ainda que houve "um problema com e-mails entre nossos endereços corporativos do telegram.org e o Supremo Tribunal Federal" e que o tribunal usou o endereço errado e, por isso, não obteve respostas às suas ordens.
O que acontece se a decisão não for cumprida? E se alguém burlar o bloqueio?
O ministro Alexandre de Moraes estipulou uma multa diária fixa de R$ 100 mil para pessoas e empresas que "incorrerem em condutas no sentido de utilização de subterfúgios tecnológicos para continuidade" ao uso do Telegram.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4994458-moraes-da-ultimato-ao-telegram-para-resolver-pendencias.html
Luiz Sérgio Henriques: Putin e o Ocidente
Luiz Sérgio Henriques / O Estado de S. Paulo
Desde há algumas semanas, tornamo-nos comentadores geopolíticos de nascença, encarnando uma figura parecida com outras delineadas humoristicamente por um poeta maior há quase cem anos. Tomando carona na bela Canção do Exílio, Murilo Mendes falava dos tipos excêntricos da distante terra nativa, enxergando – lá, do seu exílio surreal – nossos poetas como pretos em torres de ametista, os sargentos como pintores cubistas, os filósofos como polacos traficantes de bugigangas. Pois agora poderia acrescentar que há uma pequena multidão de doutores em geopolítica, capazes de dissertar horas a fio sobre blocos, esferas de influência e alianças militares.
Nunca se terá falado tanto de Otan, da sua marcha para o leste, encurralando a Rússia e provocando a única reação possível, a de devastar a Ucrânia. A lógica que assim se expressa é sempre a dos Estados-nação, sem fazer caso do que querem e, principalmente, sofrem as populações. Para Putin, um autocrata de manual, a Ucrânia nem sequer existe, dividindo com a Rússia, desde o princípio dos tempos, um só e mesmo “espaço espiritual”. E seu programa de ação brota do reiterado lamento decorrente do “maior desastre geopolítico” – a palavra inevitável... – do século passado, a saber, a dissolução da União Soviética.
Impossível registrar os meandros de acordos e rascunhos de acordo firmados ou por firmar. Negociações diplomáticas, que tardam, é que tratarão disso, encaminhando as soluções melhores. Impossível, também, discutir a “filosofia da história” putiniana, apoiada numa visão essencialista da realidade nacional, que os bolcheviques – ultimamente tão mal avaliados, como jacobinos de vocação ditatorial que efetivamente eram – costumavam chamar, até eles, de “chauvinismo grão-russo”. Mais pertinente avaliar a percepção de Putin por parte de alguns atores do lado de cá da nova cortina de ferro.
Faz sentido – continua a fazer – falar em Ocidente democrático, só que não como termo geográfico. Ocidentais são todas as sociedades em que democracia e liberalismo se articulam de variados modos, em que há sólidas instituições intermediárias capazes de garantir as liberdades até contra o poder de turno. O desastre das intervenções norte-americanas – e da Otan – no Afeganistão e no Iraque, por exemplo, não passou inteiramente impune. Elas entraram na História pelo que foram: ações ilegais, que, ao fim e ao cabo, terminaram repudiadas, embora suas consequências ainda perdurem. Hoje, a sociedade civil global e as organizações multilaterais estão chamadas a descobrir meios e modos de mitigar a grande fome que ronda o Afeganistão, assim como lidar com a brutalidade do domínio talibã. Passou o tempo de cerco aos rogue States e da sua substituição por governos-títeres, simulando uma reconstrução nacional.
O presidente Biden convida-nos a entender o quadro atual como um embate global entre democracia e autocracia (russa e chinesa). Uma meiaverdade, como ele mesmo sabe talvez mais do que ninguém. Assediadas pelo fenômeno insidioso do nacional-populismo, a linha de separação cruza o interior das nossas próprias sociedades, nas quais, por motivos que ainda nos custa decifrar, milhões de cidadãos parecem ansiar por um homem forte. A singela afirmação segundo a qual a democracia é o regime em que se vencem e se perdem eleições – e os eventuais perdedores se reorganizam legitimamente na oposição – é desmentida de modo desabrido. Trump é o autor político do ataque ao Capitólio e uma das suas inspirações terá sido Putin, que se programou para presidir a Rússia até 2036.
É natural que a extrema-direita global, que hoje configura o risco maior, se entusiasme com tais exemplos. Putin assegura que o Ocidente é só um império de mentiras – ele, que é o patrocinador das maiores redes contemporâneas de falsificação, em benefício dos seus amigos da direita autocrática. Assemelham-se, Putin e os nacional-populistas, na defesa de valores ultraconservadores, que seriam a última barreira contra a degradação dos costumes ocidentais. O desafio aumenta mais ainda quando o autocrata arrebanha admiradores na extrema-esquerda (e setores da esquerda latino-americana...), o que só se pode explicar tanto por uma comum aversão à democracia política quanto por uma espécie de “anti-imperialismo dos idiotas”. Este último, segundo Leila Al-Shami, ativista síria espantada, entre outras coisas, com a destruição de Alepo, só vê imperialismo quando ações criminosas, como no Iraque, provêm da parte norte-americana.
Autocratas, por definição, têm da política uma concepção baseada nas razões da força e, em última análise, na destruição física do oponente. Há um “desejo de morte ou de dor” no que dizem e fazem, um desejo que aflora quando aludem até à hipótese suicida de uso das armas nucleares. Democratas erram, e erram feio. Como democratas, porém, tendem a estar sempre entre as forças de uma razão histórica que se constrói contraditoriamente e que, além dos determinismos geopolíticos, concede espaço – algum espaço, ao menos – à afirmação autônoma de indivíduos e povos.
*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das Obras de Gramsci no Brasil
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,putin-e-o-ocidente,70004011986
Alon Feuerwerker: Duas táticas
Alon Feuerwerker / Análise Política
As pesquisas são uma referência para monitorar como anda a campanha eleitoral. Mas existem outras variáveis. Uma delas, importante, é o evoluir da coesão e atratividade dos campos políticos. Naturalmente, quanto mais coeso e gravitacionalmente poderoso seu campo, mais você projeta expectativa de poder. E o inverso é tão verdadeiro quanto.
Um bom exemplo aconteceu em 2018. Toda a tática petista para o segundo turno baseava-se na suposição de que, contra Jair Bolsonaro, reunir-se-iam maciçamente as forças políticas que vertebraram a Nova República. Não funcionou. O desejo de impedir a volta do PT ao poder foi mais forte que a rejeição a um candidato identificado com o regime de 1964.
Ou seja, a coesão do assim chamado “campo democrático” esteve abaixo do necessário para derrotar o bem coeso, na época, “campo antipetista”.
E qual a situação hoje? Não é novidade que, aparentemente, estejamos vivendo um “segundo turno no primeiro”.
É definitivo? Ainda não. É cedo. Eventualmente, um terceiro nome pode reunir o apoio dos demais “terceiristas” ou agrupar por gravidade o eleitorado “nem Lula, nem Bolsonaro”. Que hoje, numa hipótese otimista, gira entre 15% e 20%. Se um terceiro chegar nesse patamar, o jogo fica mais aberto. Mas por enquanto está fechado.
Em situações de “segundo turno no primeiro”, é senso comum que a guerra se dá em torno de uma disputa de rejeições. Mas não é só isso. Na teoria, cada polo precisa ter a habilidade de não deixar erodir o apoio firme, enquanto suaviza o discurso e o programa e acena a potenciais aliados oscilantes com a expectativa de poder.
É interessante notar que no momento as metodologias de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro têm características muito próprias.
Lula trabalha exatamente com base no livro-texto. Atraiu Geraldo Alckmin para a vice e, nessa operação, trouxe o apoio do PSB. E está trabalhando para trazer o PSD. Está ampliando. Bolsonaro parece apostar na consolidação de um núcleo duro com PL, Progressistas e Republicanos. E a partir de uma sólida base partidária e ideológica tentar desconstruir Lula.
O que vai prevalecer? A linha mais militantemente “pura” do atual presidente, combinada com o poder do cargo, ou o neofrentismo petista? Na aritmética, a segunda opção parece mais atraente. Mas a política nem sempre é principalmente aritmética. De vez em quando, forças numericamente inferiores concentram o fogo no ponto vulnerável do adversário e vencem.
O forte de Lula é o apelo a esquecer as diferenças em nome do desejo de tirar Bolsonaro. Até que ponto isso vai reunir o antibolsonarismo sem que o ex-presidente tenha de explicitar concessões programáticas? Pois Bolsonaro, além do antipetismo, aparentemente vai liderar um bloco mais coeso no plano programático.
Quem vai ter mais força gravitacional na hora decisiva? Vai depender essencialmente de como andará a rejeição a Bolsonaro? A linha petista parece basear-se principalmente nisso. Faz sentido, como em outros momentos (por exemplo Tancredo Neves em 1985), mas não deixa de ser arriscado. Depender excessivamente dos erros do adversário nunca é bom.
Ainda que sempre seja possível dar uma mão, na propaganda, para piorar a imagem do oponente.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2022/03/duas-taticas.html
Brasil e Chile - Uma história comparada de golpes, autoritarismo e democracia
Alberto Aggio / Horizontes Democráticos
Antes de iniciar gostaria de esclarecer os enfoques que norteiam essa exposição. O primeiro é a análise comparativa, entendida como um artifício que em nenhum sentido deve ser visto como arbitrário, tanto mais em se tratando da América Latina, esse construto simbólico sempre ressignificado conforme variáveis ideológicas, acadêmicas ou políticas.
O que se busca é iluminar um objeto de estudo frente a outro, estabelecer analogias, semelhanças e diferenças entre duas realidades históricas. Pela comparação é possível observar realidades dinâmicas e verificar como elas variam. O artificio da comparação contribui para uma melhor interpretação das sociedades latino-americanas, de suas contradições, seus paradoxos, seus impasses e seus limites.
O segundo enfoque é o potencial interpretativo da história política. É preciso reconhecer que a história política acabou se fixando, nos últimos tempos, como parte da história cultural, que passa a ser vista como o território totalizante da produção historiográfica. Estuda-se mais as relações e práticas de poder, entendidas como “fenômenos”, do que as complexas dinâmicas e vicissitudes da política, que dão expressão aos atores em suas contradições, orientando ou reorientando os processos históricos.
Exemplificando, o conceito de cultura política foi, muitas vezes, tomado como manifestação cultural e menos como expressão da dinâmica política no campo das ideias e do pensamento. Neste caso, a cultura política ao invés de ser uma dimensão articuladora do político, como sugere Pierre Rosanvallon (2010), passou a ser abordada pela descrição dos seus componentes, dispensando-se a necessária interpretação dos processos e mecanismos de reorganização dos embates da disputa política. Nesse caso, faz-se uma história política abdicando dos problemas históricos que ela engendra; em síntese, “uma historiografia sem problema histórico” (VACCA, 2009, 120).
Mobilizamos aqui a análise comparativa para que ela possa nos ajudar a construir uma interpretação dos acontecimentos e processos políticos vivenciados tanto no Brasil quanto no Chile desde as décadas de 1960 e 1970, e que tiveram a questão democrática como seu “problema histórico” essencial. Assumimos uma perspectiva metodológica que entende a “comparação como vital”, como indicava Gramsci (1999, 426), “contanto que não seja feita com base em esquemas sociológicos abstratos”. Busca-se examinar o problema histórico da democracia na América Latina no interior de uma análise diferenciada, como sugere Giuseppe Vacca (2009, 120), capaz de “explicar diferenças que caracterizam experiências históricas diversas em relação a um quadro comum de problemas”, levando em consideração “suas diferenciações internas e conexões”.
Brasil e Chile: alguns pontos de comparação
O Brasil vivenciou o golpe de Estado de 1964 nove anos antes do Chile (1973) e os regimes autoritários nos dois países foram simultâneos apenas em parte: no Brasil de 1964 a 1988 e, no Chile, 1973 a 1990. Há consenso a respeito da presença norte-americana nos dois golpes de Estado bem como o reconhecimento de que essa presença não se configurou como determinante diante dos conflitos internos. Há também reconhecimento quanto ao fato de que ambos os golpes poderiam ter sido evitados, caso os atores políticos tivessem outro comportamento.
Embora tenha durado um pouco mais, o regime autoritário brasileiro não carrega simbolicamente a marca de repressão e violência continuada que o regime autoritário impôs à sociedade chilena. No Chile, a memória da repressão tem uma forte dimensão pública e, por isso, a presença do passado autoritário no imaginário social é mais vigorosa do que no Brasil.
O ponto em comum é que ambos regimes autoritários promoveram transformações estruturais profundas. Comum foram também os processos de transição, catalogados como “transições pactadas”, resultando, no caso chileno, uma grande influência do regime anterior. A sombra do autoritarismo no Chile foi mais densa do que no Brasil. Mesmo assim, em ambos os países é inquestionável a mudança promovida pelos processos de transição, o que não significa deixar de colocar em discussão a qualidade da democracia existente tanto no Brasil quanto no Chile.
O golpe militar de 1964 e o regime autoritário brasileiro
O presidente João Goulart foi deposto por uma coalizão de forças militares e civis que dizia querer restaurar a democracia no país. Mas isso não ocorreu e o regime se impôs por 20 anos. Dentre as justificativas do golpe, o principal argumento era que Goulart abria passagem para os comunistas “tomarem o poder”. O problema se concentrou nas “reformas de base”, especialmente na reforma agrária, ponto de discórdia das elites política.
A conjuntura política antes do golpe revelou a grande dificuldade de compatibilizar reformas econômico-sociais com a democracia política. Com o descontrole econômico, agravaram-se as tensões sociais, o radicalismo e a polarização. Neste cenário, tanto a direita quanto a esquerda passaram a defender uma solução de exceção: o recurso às armas colocava-se como saída para ambos os lados.
Para a direita, a democracia interessava se fosse útil na defesa de seus privilégios, e inútil se estes estivessem ameaçados; para a esquerda, além de pressionar para que o governo acelerasse a implementação das reformas, os qualificativos substantivos que elas carregavam eram mais importantes do que as formalidades democráticas. Como observou Argelina C. Figueiredo, no Brasil daqueles anos, “tornou-se impossível a construção de um compromisso que combinasse reformas e democracia em um projeto político consistente, porque democracia e reformas eram percebidas como objetivos políticos conflitantes” (1993, 48).
O golpe de 1964 não pode ser visto como uma fatalidade, atribuída apenas aos aspectos estruturais da economia, como o esgotamento da estratégia de substituição de exportações, nem como uma ação exclusiva da coalizão de direita, eximindo-se os setores nacionalistas e de esquerda de quaisquer responsabilidades por seus posicionamentos cada vez mais rupturais.
No fundo, direita e esquerda compartilhavam uma baixa convicção a respeito da democracia existente no país. Ambos os lados conspiravam contra a democracia representativa e preparavam um golpe contra suas instituições: a direita para impedir o avanço e a consolidação das reformas; a esquerda para eliminar os obstáculos que se antepunham a esse processo e ao que ela imaginava que poderia vir em seguida, em favor de seus projetos revolucionários. Conforme José Murilo da Carvalho, “o golpismo, concepção e prática já arraigada na direita, iria se combinar dramaticamente com a ausência de tradição democrática da esquerda, levando a uma confrontação que seria fatal para a democracia” (2001, 150).
Os primeiros anos do “regime de 1964” deram a entender que iria se afirmar no país o ideário do liberalismo econômico. Contudo, depois de dois anos, os militares mudaram a orientação, retornando ao ideário do nacional-desenvolvimentismo que havia dado suporte à modernização das décadas anteriores. Conforme anotou Luiz Werneck Vianna (1994a), a partir desta redefinição, o regime autoritário de 1964 deslocaria para a dimensão do mundo privado o tema do “liberalismo puro”, ao mesmo tempo em que intensificaria a intervenção do Estado na economia objetivando acelerar o desenvolvimento como forma de superação do atraso econômico.
A partir do “regime de 1964”, a novidade viria dos processos societários que a mudança econômica haveria de ensejar. Em termos sintéticos: a dimensão pública, que no Estado Novo de Vargas incorporava a dimensão privada no interior da ordem corporativa, passa a ser instrumentalizada. Rompe-se com a situação anterior, redefinindo-se a dimensão pública como monopólio do Estado e liberando a dimensão privada para que esta pudesse se adensar e se afirmar como a base de uma nova sociabilidade fundada em empreendedores particulares.
Se, de um lado, liberou-se a racionalidade instrumental dos interesses econômicos, o que correspondia à lógica da aceleração da acumulação capitalista, de outro, se promoveu
uma verdadeira hecatombe política, ético-moral e no tecido social, aprofundando a tradicional atitude na população de indiferença à política, dificultando, pela perversão individualista, a passagem do indivíduo ao cidadão, e agravando em escala inédita a exclusão social, ao mobilizar setores subalternos do campo para os polos urbano-industriais, onde chegavam destituídos de direitos e de proteção das políticas públicas (VIANNA, 1994a).
A magnitude das transformações que se operaram foi sem precedentes na história do Brasil, a ponto de um investigador brasileiro qualificar o que se processou como uma verdadeira “revolução” (Santos, 1985), a despeito da retórica dos militares.
Para Werneck Vianna (1994b), o regime militar conseguiu realizar esta estratégia pela via do pragmatismo, mantendo intacto o bloco agrário-industrial, induzindo a conversão dos latifúndios em empresas capitalistas e consagrando “o processo de criação de uma sociedade industrial de massas à americana”, sem realizar alterações significativas na forma do Estado. Mas, a mudança fundamental resultou da liberação dos instintos egoísticos da sociedade civil. Através dela, atualizou-se o “processo transformista da democratização, universalizando os direitos sociais e erodindo as bases tradicionais de controle, principalmente no campo, mas sem estimular a emergência do cidadão e sem compromisso com as práticas e ideais da democracia política” (Vianna, 1994b).
O regime autoritário aparece, portanto, em linha de continuidade com a modalidade de modernização conservadora anterior, acelerando este processo. Foi uma “fuga para frente” em termos de transformações econômicas e sociais que garantiu o sucesso do regime bem como sua legitimidade e longevidade.
Chile: o golpe militar de 1973 e o regime autoritário
O presidente Salvador Allende foi deposto em setembro de 1973 e, no discurso dos golpistas, era claro o propósito de “salvar o Chile do comunismo” e instituir uma nova ordem política e social. O governo que foi derrubado era declaradamente socialista e realizava reformas nesse sentido, mantendo a legalidade democrática, como estava previsto no projeto da “via chilena ao socialismo”. Contudo, por essas reformas serem implementadas via decretos do Executivo e não por meio de acordos no Parlamento, as contradições foram se acirrando e a polarização acabou por se sobrepor a qualquer outra racionalidade política, culminando tanto na desestabilização quanto na desinstitucionalização que levaram ao golpe (AGGIO, 2002).
O notável é que o discurso dos golpistas assumiu o mesmo tom do discurso revolucionário que fazia a Unidade Popular (UP), instituindo, entretanto, um vetor contrário. Não se objetivava o retorno à democracia, mas a imposição de uma ditadura que reconstruísse o país. Como observou Tomás Moulian, “o regime militar é a negação da Unidade Popular e também uma realização invertida da sua ideia matriz. Apropria-se de elementos que se haviam instalado no imaginário social pela ação cultural dela própria: a ideia de uma crise, da necessidade de uma ‘grande transformação’ e a valorização de uma ditadura enquanto instrumento do bem” (1993, 288).
O golpe de 1973 foi um ato cirúrgico de cancelamento da política, o que significava dizer que foi a supressão da forma pela qual a sociedade chilena compreendia-se a si mesma. A ditadura procurou encarnar o inverso dos anseios revolucionários da UP e, paradoxalmente, como afirma Tomás Moulian (1993) foi a partir de sua negação que os chilenos vieram a conhecer, de fato, o significado da palavra revolução. Tratava-se de uma contrarrevolução por meios revolucionários: havia metas de transformação radical a serem alcançadas, e não prazos para impor um capitalismo quase sem regulações, apoiado num Estado autoritário sustentado por mecanismos institucionais conservadores.
De acordo com Carlos Huneeus (2000), com a personalização do poder em Augusto Pinochet, estabeleceu-se um regime autoritário com baixo nível de institucionalização, com o sistema decisório e de produção de leis, bem como as instâncias formais de deliberação, resolução e implementação das políticas de Estado e de governo fortemente submetidas à centralização.
Visando recriar a sociedade, o regime autoritário estruturou sua perspectiva fundacional e se propuseram a dar início a uma nova fase na história do país, para o qual estabeleceram metas muito ambiciosas: eliminar a pobreza, criar as bases do crescimento econômico e implantar uma ordem política distinta da democracia ocidental porque a consideravam frágil diante do marxismo. Esta [nova ordem] seria uma democracia protegida e autoritária, com pluralismo limitado e submetida à tutela das Forças Armadas, que a deixariam funcionando quando voltassem para os seus quartéis (HUNEEUS, 2000, 624).
Essas foram as bases políticas para a imposição de reformas neoliberais, dentre elas, a privatização de empresas públicas, dos serviços de saúde e previdência social, além de medidas relativas à abertura comercial, ao estímulo às exportações e à supressão do controle de preços, etc.
O regime de Pinochet transformou-se então no show case dos neoliberais de todo o mundo, antes da Inglaterra de Margareth Thatcher e dos EUA de Ronald Reagan. Para os ideólogos do regime, tratou-se de uma “revolução silenciosa”, cujo resultado mudaria os valores da sociedade, tornando-a mais individualista, consumista e despolitizada, anulando traços distintivos da cultura política anterior, mais solidária e democrática.
Foi somente quando sentiu que o empreendimento político do regime estava consolidado que Pinochet abriu a possibilidade de que um plebiscito sancionasse a nova Constituição do país, em 1980. É a partir desse momento que a ditadura se institucionaliza, sustentada numa mudança histórica sem precedentes.
A transição democrática: interpretações
A superação dos regimes autoritários do Brasil e Chile se deu por meio de transições democráticas. Não era fácil compreender que aquelas ditaduras não seriam derrubadas pela via das armas ou de insurreições populares, mas sim por meio de processos políticos transacionados que adquiririam força, extensão e profundidade conforme a participação popular na sua dinâmica. A democracia que viria estaria, assim, condicionada ao problema e ao percurso político da transição.
A expectativa era de que a transição assumisse uma estratégia de reformas que rompesse com a modernização conservadora, no caso brasileiro, e com o neoliberalismo, no caso chileno. Em ambos os países se havia liberado o mundo dos interesses de cima à baixo do tecido social e isso precisaria ser bem entendido e enfrentado.
No Brasil, desde 1974, a oposição transformou cada eleição parlamentar em um “plebiscito” contra o regime autoritário. Essa estratégia vitoriosa levou o processo de transição a ultrapassar o projeto de abertura ou autorreforma do regime (VIANNA, 1984), até a campanha das Diretas Já, entre 1983 e 1984. A vitória posterior da oposição no Colégio Eleitoral traduziu-se como chancela formal para a conquista de um governo de transição, em 1985. Como se comprovou em seguida, esse governo de transição seria fundamental para a conclusão institucional da transição, o que se deu com a elaboração e promulgação da Constituição de 1988, considerada a mais democrática da história política brasileira.
Entretanto, a divisão que se estabeleceu entre as forças oposicionistas acabou por ter um efeito negativo fazendo com que as tarefas mais amplas e profundas da transição ficassem à deriva e se estabelecesse uma sensação de inconclusividade. Como afirmou Luiz Werneck Vianna (1989), a partir da divisão das forças da oposição, a transição passou a ser um processo conduzido pelos fatos e desprovido da ação intencional do ator. Neste cenário, a partir dos anos 1990, os governos empreenderam ajustes de caráter econômico apartados de pactos sociais, e não foram capazes de estabelecer, no Estado e na sociedade civil, os elementos essenciais de uma “hegemonia civil”. O “transformismo positivo” conduzido pela oposição democrática desde a década de 1970, que havia sido a operação política possível de ultrapassagem do autoritarismo, foi substituído pelo antagonismo político de polos, muitas vezes artificiais, exaurindo as esperanças da jovem democracia brasileira. Esse desfecho é o maior déficit da transição à democracia no Brasil.
No Chile, todas as tentativas de derrubada da ditadura por via armada fracassaram. As ações armadas, inclusive contra o próprio Pinochet, e as rebeliões populares (protestas), que eclodiram entre 1983 e 1986, revelaram-se impotentes. A batalha decisiva contra a ditadura viria de onde menos se cogitava. A Constituição de 1980, outorgada por Pinochet por meio de um referendo inteiramente controlado, previa a realização, em 1988, de um plebiscito para estabelecer mais um mandato de oito anos para o ditador. Foi em torno da ideia de politizar o plebiscito, negando esse novo mandato, que se vislumbrou a possibilidade de derrotar a ditadura.
A surpreendente vitória eleitoral do Comando por el No (56% a 44%), em outubro de 1988, abriu o processo de transição à democracia. A partir de então, os partidos políticos puderam se reorganizar e a oposição a Pinochet, com exceção do Partido Comunista, criou a Concertación de los Partidos por la Democracia, numa tentativa de manter-se unida para a eleição presidencial prevista para o ano seguinte.
Mas Pinochet, presidente da República e chefe das Forças Armadas, forçou um pacto com a oposição em torno de reformas constitucionais. Este pacto redundou em um referendo, realizado em julho de 1989, para sancionar as reformas da Constituição de 1980 acordadas entre Pinochet e os principais atores políticos legalizados. Nesse ponto, de acordo com Carlos Huneeus (2000), a submissão da transição democrática à “política do autoritarismo” ficou evidente. O referendo sancionou o que ficou conhecido como enclaves autoritarios: normas concebidas para bloquear, sem transgredir a legalidade, qualquer iniciativa reformista que se propusesse desmontar a arquitetura básica do ordenamento jurídico-constitucional do autoritarismo chileno.
Como afirmou Tomás Moulian, a derrota eleitoral sofrida por Pinochet em 1988 converteu-se numa vitória estratégica em 1989, uma vez que se aprovaram apenas reformas superficiais na Constituição de 1980. Este parece ter sido um lance decisivo no processo pelo qual o pinochetismo articulou sua sobrevivência no Chile pós-ditatorial. A passagem do autoritarismo para a democracia, a despeito da vitória no plebiscito de 1988, engendraria um “transformismo negativo” que Tomás Moulian definiu nos seguintes termos:
“Chamo de ‘transformismo’ o longo processo de preparação, durante a ditadura, de uma saída destinada a permitir a continuidade de suas estruturas básicas sob outras roupagens políticas, as vestimentas democráticas. (…) O ‘transformismo’ consiste numa alucinante operação de perpetuação que se realizou através da mudança do Estado. Este se modificou em vários sentidos muito importantes, mas mantendo inalterado um aspecto substancial. Muda o regime de poder, se passa de uma ditadura a uma certa forma de democracia e muda o pessoal político nos postos de comando do Estado. Mas não há uma mudança do bloco dominante ainda que se modifique o modelo de dominação” (MOULIAN, 1977, 145).
Constrangida pelos efeitos do “transformismo negativo”, mesmo assim, a transição seguiria sua marcha. Diferentemente do Brasil, a transição chilena apresenta dois aspectos peculiares: (1) não herdou nenhuma crise econômica do regime anterior e (2) conseguiu eleger sucessivamente quatro presidentes pertencentes a Concertación – a coalizão política que havia derrotado a ditadura.
Os governos da Concertación conduziram com êxito a integração do Chile ao processo de globalização, o que fez avançar os traços de modernidade do país, como a melhoria do setor de serviços, a especialização da produção agroindustrial para a exportação, a despoluição, a inovação e a diversificação empresariais. O crescimento contínuo da economia nesses anos (5% de média anual), até a crise econômica mundial de 2008, foi notável. As temáticas sociais sufocadas durante a ditadura foram reconduzidas como tarefas do Estado, ampliando a coesão social, ainda que as políticas públicas dos governos da Concertación tenham se revelado insuficientes.
A manutenção dos enclaves autoritários, até 2005, acabou por gerar um paradoxo: o regime democrático se consolidava, mas a presença de Pinochet na cena política deixava a sensação de que a transição permanecia inconclusa. A imagem que acabou ficando do Chile pós-Pinochet é a de uma “democracia de má qualidade”, resultante de uma transição muito condicionada aos ditames do regime anterior, que impôs um “transformismo negativo” ao andamento político, atrasando em demasia reformas democratizantes.
Em síntese, a comparação que fizemos aqui pode ser resumida em quatro pontos:
(1) em relação aos golpes de Estado de 1964 e 1973, o que sobressai é a diferença. Eles são distintos na operação, nas justificativas e nos resultados imediatos.
(2) Além de repressivos, conforme modulações específicas, os regimes autoritários de Brasil e Chile promoveram resultados semelhantes no que se refere às transformações sociais orientadas no sentido da liberação do mundo dos interesses, da afirmação do individualismo e do consumismo. Com uma diferenciação: no Brasil se impôs um aggiornamento da modernização enquanto no Chile houve uma ruptura. Os regimes autoritários de Brasil e Chile foram fundacionais, mas no Brasil não houve a imposição normativa de uma “nova sociedade”. No Brasil, o liberalismo econômico não foi, como o neoliberalismo no Chile, um programa ideológico implementado no contexto de uma contrarrevolução exitosa.
(3) No Brasil, há “transformismo” no regime e depois na oposição a ele. Para o regime, o “transformismo” foi um elemento operativo adotado pragmaticamente e levado ao paroxismo, visando controlar as transformações sociais induzidas pelo êxito econômico; para a oposição foi uma estratégia positiva que definiu o andamento da transição a seu favor. No Chile, essa categoria somente iria aparecer como qualificativo convincente, mas negativo, depois de superado o regime autoritário.
(4) o pioneirismo e a longa transição do Brasil contrastam com o encurtamento e a presença militar na transição chilena. Enquanto o Brasil conseguiu aprovar uma nova Constituição (1988), esse ainda é um tema pendente no Chile. O “transformismo positivo” no Brasil, que permitiu o estabelecimento de uma nova ordem constitucional, inaugurando uma nova fase, contrasta com a aparente ruptura provocada pela vitória da oposição no plebiscito de 1988 e com a vitória da estratégia do “transformismo negativo” no Chile, que redundaria numa situação democrática eivada de condicionantes e constrangimentos. Mas, no Brasil, conforme Werneck Vianna (2019) o “trágico desencontro entre o ator e os fatos” (Vianna, 2019) redundou na perda de consenso em relação à ordem democrática, acarretando um recorrente antagonismo político, polarizações sucessivas e diversas, que perigosamente comprometem a unidade da Nação e suas perspectivas democráticas. [1]
[1] Poucos meses depois do evento que deu origem à exposição e ao artigo acima, precisamente em outubro, os acontecimentos se precipitaram no Chile. Por essa razão indicamos aqui o artigo publicado à época, que na revista Caracol aparece como post-scritum. Na sequência, um ano mais tarde, aproximadamente, realizou-se um plebiscito, com comparecimento recorde da população chilena, no qual de decidiu que uma nova Constituição deverá ser elaborada por uma Assembleia Constituinte com representantes eleitos especificamente para este fim, além da paridade de gênero. Confira o artigo em https://horizontesdemocraticos.com.br/a-historia-volta-a-pulsar-no-chile/.
Referências bibliográficas
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CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil – o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2001.
FIGUEIREDO, A. C., Democracia ou reformas? Alternativas democráticas à crise política, 1961-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993.
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HUNEEUS, C. El Régimen de Pinochet. Santiago: Sudamericana. 2000.
MOULIAN, T. La forja de ilusiones – el sistema de partidos, 1932-1973. Santiago: Arcis/FLACSO, 1993.
MOULIAN, T. Chile Actual – anatomía de un mito. Santiago: LOM, 1997.
ROSSANVALLON, P. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010.
SANTOS, W. G. “A ‘Pós-Revolução’ Brasileira”. In: JAGUARIBE, Hélio et alli. Brasil: sociedade democrática. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.
VACCA, G., Por um novo reformismo. Brasília/Rio de Janeiro: FAP/Contraponto, 2009.
VIANNA, L. W. “Seis teses sobre a conjuntura da transição”. VIANNA, L. W. A transição – da Constituinte à sucessão presidencial. Rio de Janeiro: Revan, p.91-103, 1989.
VIANNA, L. W. O candidato da conciliação nacional. Presença, n. 4, São Paulo: Caetés, 1984.
VIANNA, L. W. “1964”. Estudos – Sociedade e Agricultura. Rio de Janeiro: UFRRJ, junho, n. 02, p. 07-10, 1994a.
VIANNA, L. W. “Entre um transformismo e outro: problemas da refundação republicana”. Agenda de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: IUPERJ, n. 05, p. 07-13, 1994b.
VIANNA, L. W. “O desencontro trágico entre a fortuna e o ator na experiência brasileira”. Brasília: Política Democrática, n. 53, Ano XIX, 2019, p. 22-27.
(Publicado em Caracol, São Paulo, n. 23, Jan./Jun. 2022, Dossiê “Cultura e Política nas relações Brasil-Chile/Chile-Brasil”; https://www.revistas.usp.br/caracol/article/view/182014/180535)
Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/brasil-e-chile-uma-historia-comparada-de-golpes-autoritarismo-e-democracia/
Cristovam Buarque: 2022 não é 2006
Crisovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles
Em 2006, a candidatura de Heloisa Helena e a minha forçaram o então Presidente Lula a ir ao segundo turno contra Geraldo Alckmin. Prestamos um serviço à democracia: forçar o debate entre as visões do PT e do PSDB. Ainda mais necessário, porque Lula havia se negado a participar dos debates no primeiro turno. As visões eram parecidas no que se refere à democracia, aos direitos humanos, ao crescimento da economia, à posição do Brasil no mundo, à necessidade de programas sociais e de distribuição de renda. Nenhum dos dois era militante ecologista, mas nenhum defendia depredar a Amazônia, nem ocupar terras indígenas. Ajudamos a fazer um segundo turno que enriqueceu, não ameaçou a democracia.
Qualquer que fosse o vencedor, a democracia continuava, o equilíbrio fiscal seria mantido, os povos indígenas e as florestas protegidos, o Brasil sairia engrandecido. A diferença entre eles era tão pequena, que três eleições depois tudo indica que estarão juntos na mesma chapa, um vice do outro.
Este ano, a situação é diferente. O segundo turno será entre duas visões radicalmente antagônicas para o Brasil que desejamos. O próprio processo eleitoral entre o primeiro e o segundo turno será completamente diferente.
Em 2006, nem Lula ou Alckmin alegavam risco de fraude e ameaçavam não reconhecer o resultado; não havia suspeita de que as Forças Armadas pudessem conspirar nos quartéis para rebelar-se contra um dos vencedores, nem o Brasil tinha milícias fanatizadas e armadas nas ruas. Naquele ano, a disputa era entre dois democratas lúcidos e não, como agora, entre democracia e autoritarismo, lucidez progressista ou loucura negacionista. Além disto, Heloisa Helena e eu usamos o primeiro turno para mostrar nossas discordâncias com Lula e com Alckmin, mas nenhum de nós desqualificou moralmente qualquer destes dois. Agora, em 2022, os outros candidatos se dedicam a denunciar e até agredir moralmente ao candidato Lula, identificando-o com atos de corrupção sem ao menos lembrar que os julgamentos contra ele foram anulados e o juiz que o condenou foi considerado suspeito de parcialismo e de erros nos julgamentos. Estas acusações de caráter moral, como se os candidatos vestissem toga para julgar, no lugar de discordar, fará difícil ou incoerente uma unidade no segundo turno entre aqueles que são contra o governo atual, mas agridem moralmente a Lula e seu partido.
Por isto, em 2022, diferentemente de 2006, a tarefa dos democratas, especialmente os progressistas, deve ser unir forças para impedir a continuação da atual tragédia, transformando o primeiro turno em um plebiscito pela democracia. O ideal teria sido que outras forças democratas tivessem oferecido uma novidade que empolgasse o país, mas não fizemos.
Não sei o que pensa Heloisa Helena, a candidata que junto comigo, em 2006, levou Lula ao segundo turno, mas eu espero que os candidatos de 2022 se unam a Luiz Inácio Lula da Silva já no primeiro turno. Evitemos os perigos das quatro semanas entre os dois turnos, e os riscos de nossa divisão reeleger a tragédia atual.
*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/2022-nao-e-2006-por-cristovam-buarque
Evandro Milet: A globalização não será mais do jeito que já foi um dia
Evandro Milet / A Gazeta
Durante anos a onda da globalização avançou levando países a se concentrar mais naquilo que faziam melhor e mais barato e consumindo produtos e serviços de outros países que complementassem suas necessidades. Com isso se formaram as chamadas cadeias globais de valor para produtos industriais. Algumas percepções e alguns acontecimentos, porém, começaram a mudar esse entendimento. Tudo muda o tempo todo no mundo. A migração de fabricação de diversos produtos para países com mão de obra mais barata, principalmente para a China, chegou a tal ponto que provocou a percepção nos Estados Unidos e na Europa de que estavam perdendo a capacidade de inovação pelo distanciamento físico e de conhecimento sobre os processos de fabricação, embora mantivessem a capacidade de projeto.
Esse desconforto atingiu o eleitorado em regiões dos Estados Unidos com tradição industrial com o esvaziamento das suas fábricas, mas sem o nível de educação para assumir as atividades mais avançadas de tecnologia. A consequência foi a eleição de Trump, com base nesses estados e nessa insatisfação e o início da mudança de postura em relação às perdas de fábricas para outros países. Ainda mais que a China conseguiu, nesse tempo, se preparar para dar o salto para o domínio de tecnologia e projetos para praticamente todos os tipos de equipamentos e assim ameaçar a liderança tecnológica dos EUA no mundo.
As cadeias globais de valor, que dispersam componentes pelo mundo na fabricação de produtos iam bem até o acidente da usina nuclear de Fukushima, no Japão, quando se percebeu que muitos países dominavam tão completamente a produção de determinados componentes, que um acidente nesses países podia interromper toda uma cadeia global.
Esse entendimento aconteceu novamente, desta vez no setor de saúde, na pandemia, quando ficou claro que determinados países também concentravam a produção de todos os insumos necessários para vacinas, ameaçando as políticas nacionais de saúde.
Na volta dos lockdowns da pandemia, o engarrafamento geral da logística e a subida vertiginosa do preço de transporte de contêineres expuseram novamente essa vulnerabilidade de insumos básicos para muitas cadeias produtivas, acendendo outra luz vermelha nas verdades estabelecidas da globalização.
E agora a guerra na Ucrânia jogou o mesmo problema para a segurança alimentar e para a cadeia de produção agrícola pela forte dependência de fertilizantes e retornou com o problema do abastecimento de petróleo e gás.
As discussões de política industrial, satanizadas por muito tempo com razão, pela perda de produtividade com protecionismos arcaicos, voltam com força, em todo o mundo com esses novos problemas. Mas deve-se evitar os exageros. É possível fazer acordos bilaterais para diversificar as fontes de insumos estratégicos, é possível fazer um “nearshoring”, trazendo produção para países próximos fisicamente, e é possível incentivar a produção local de insumos não na sua totalidade, mas em um nível que proporcione conforto em caso de alguma interrupção.
O exagero seria tentar fazer tudo dentro de casa, inclusive em cadeias não estratégicas, encarecendo custos e prejudicando a produtividade do país. Mas sem deixar de lembrar que vantagens comparativas não são destinos e podem ser criadas naquilo que interessar ao país, como fizeram com sucesso China, Taiwan, Coreia, Japão e Cingapura, e podemos aproveitar esse deslocamento geográfico mundial de fornecedores.
Enfim, tudo muda o tempo todo no mundo. Podemos criar nosso espaço.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/a-globalizacao-nao-sera-mais-do-jeito-que-ja-foi-um-dia-0322
Luiz Carlos Azedo: Guerra da Ucrânia é o parto da nova ordem mundial
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Até a invasão da Ucrânia pela Rússia, a geopolítica mundial ainda era uma herança da Conferência de Yalta, na Crimeia, às margens do Mar Negro, de 4 a 11 de fevereiro de 1945, na qual o presidente americano Franklin Roosevelt, o premiê britânico Winston Churchill e o líder soviético Joseph Stálin decidiram o destino da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial. A guerra acabou em 9 de maio, quando as tropas alemãs foram vencidas, em Berlim, pela extinta União Soviética. E quando o Japão se rendeu aos Estados Unidos, após os ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto, respectivamente.
Stalin desejava reerguer a economia da URSS e o reconhecimento da sua influência na Europa Oriental. Além disso, queria dividir a Alemanha. Churchill concordava com a partilha do território alemão e pretendia resgatar a influência do Império Britânico no mundo. Roosevelt visava a criação das Nações Unidas (ONU) e pressionava a União Soviética a entrar em guerra com o Japão. A pedido de Stálin, as fronteiras da Polônia seriam movidas, ampliando as terras da União Soviética. Os países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) também passariam ao controle comunista.
Esse desenho da Europa foi “descongelado” com a queda do Muro de Berlim e o fim da antiga União Soviética, para usar uma expressão do filosofo alemão Jürgen Habermas. O fio da história foi retomado com seus velhos conflitos étnicos e ressentimentos nacionais, que já haviam provocado a Primeira Guerra Mundial. A contínua expansão da Otan em direção às fronteiras da Federação Russa e a ambição de Vladimir Putin, que deseja resgatar as esferas de influência do velho Império czarista, resultaram numa guerra que altera toda a lógica da globalização até agora. Mesmo que se chegue a um acordo de paz na Ucrânia, a ordem mundial não será a mesma.
Sob a presidência de Joe Biden, a política externa dos Estados Unidos se orienta pela doutrina do sociólogo Immanuel Wallerstein, que confronta as velhas teorias realista e liberal de projeção de poder. Na lógica do ex-secretário de Estado Henry Kissinger, por exemplo, a Ucrânia deveria ser neutra. Na teoria de Wallerstein, já estaria incorporada ao “sistema mundo” liderado pelos Estados Unidos, como a Polônia e outras ex-repúblicas comunistas do Leste Europeu.
Impérios mundiais e economias mundo são coisas diferentes. Um império mundial (tal como o Império romano, a dinastia Han na China) é uma grande estrutura burocrática com um único centro político e uma divisão de trabalho central, mas culturas múltiplas. Uma economia-mundo é uma grande divisão de trabalho, com centros políticos múltiplos e culturas múltiplas. Enquanto os impérios mundiais caracterizavam-se pela centralização política, as economias-mundo se caracterizam por múltiplos centros políticos, em constante e complexa luta pela hegemonia do sistema
Sistema-mundo
O sistema mundial moderno teve suas origens no século dezesseis, em regiões da Europa e das Américas. Deslocou seu eixo hegemônico, sucessivamente, de Gênova, Holanda e Inglaterra para os Estados Unidos. É, e sempre foi, uma economia-mundo, capitalista. Após o fim da guerra fria, com a sua globalização, as grandes corporações passaram a ter um papel decisivo na política internacional, sobretudo na articulação da agenda das grandes potências e das organizações e agências internacionais. As agendas ambiental, social e de governança de Davos é o exemplo mais atual.
Desde então, a hegemonia da política mundial já não depende apenas do Leviatã, como opera Putin, mas do papel da liderança política junto à opinião pública, pela capacidade de conduzir a sociedade em uma direção que extrapola aos interesses do grupo dominante, mas também serve ao interesse mais geral dos grupos subalternos. É o que explicaria, por exemplo, a liderança adquirida pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na política mundial. Na velha ótica liberal realista, seria um maluco que arrastou seu país para o desastre ao desafiar Putin; na nova ordem mundial, ao lado de Biden e do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Jonhson, lidera o Ocidente na adoção de sanções contra Rússia e até ofusca seus colegas da União Europeia.
Outro aspecto da conjuntura é crise de hegemonia nos ciclos sistêmicos de acumulação capitalista, que opõe os Estados Unidos à China, muito mais do que à Rússia, que está sendo excluída das cadeias globais de produção e comércio de forma inédita, apesar de seu inegável poderio bélico. A forma como o eixo da guerra da Rússia contra a Ucrânia se internacionalizou e deslocou-se do aspecto militar para o político e econômico-financeiro é uma advertência à China. A dura conversa entre Biden e o presidente chinês Xi Jinping, na sexta-feira, só confirma que estamos no limiar de uma nova ordem mundial, mais democrática, que pode ter um ou dois sistemas, opondo o Ocidente à Eurásia. Como diria Wallerstein, um sistema-mundo não é o sistema do mundo; frequentemente, tem sido localizado numa área menor que o globo inteiro.
Lideranças do Centrão controlam verbas de fundo nacional da Educação
Breno Pires, Julia Affonso e Felipe Frazão / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Enquanto pastores tocam a agenda do ministro da Educação, Milton Ribeiro, e buscam intermediar as verbas da pasta, como revelou o Estadão, as lideranças do Centrão dominam o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O órgão que concentra o dinheiro do ministério tornou-se um feudo do Progressistas e passou a priorizar redutos de duas lideranças do partido, o presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI).
A engrenagem do maior fundo controlado pelo MEC – com orçamento de R$ 45,6 bilhões em 2022, sendo R$ 5 bilhões em despesas discricionárias e emendas parlamentares – é movida por Marcelo Ponte, que era chefe de gabinete de Ciro no Senado antes de assumir o cargo de presidente do órgão. Ele faz reuniões com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que atuam na intermediação entre o ministério e prefeituras do Progressistas, numa espécie de gabinete paralelo.
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Gabinete paralelo de pastores controla agenda e verba do Ministério da Educação
No manejo do dinheiro da Educação, Lira e Nogueira têm passado por cima de acordos com parlamentares do bloco sobre a divisão de recursos do orçamento secreto que turbinou as verbas do fundo.
Em dezembro do ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) desbloqueou o uso do orçamento secreto, Alagoas, reduto do presidente da Câmara, e Piauí, do chefe da Casa Civil, ocuparam a primeira e a quarta posições, respectivamente, na distribuição desse tipo de verba gerido pelo FNDE. São Paulo e Paraná ficaram em segundo e terceiro lugares, sendo que os municípios paulistas têm 11,9 milhões de estudantes na rede pública e os paranaenses, 1,5 milhão. Em Alagoas são apenas 485 mil e no Piauí, 506 mil.
Numa possível comparação, Alagoas ficou em 25º lugar na lista de beneficiados dos recursos diversos do fundo e emendas parlamentares nos 18 primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro – atrás apenas de Acre e Espírito Santo. Nessa época, o ministro não chefiava a Casa Civil e não havia ainda distribuição do dinheiro do orçamento secreto.
Por sua vez, o Piauí, Estado onde Ciro pretende eleger como vice-governadora, em outubro, a ex-mulher e deputada Iracema Portela, também registrou uma alavancada na distribuição do dinheiro para escolas. Atualmente, o Estado ocupa a 4ª posição em volume de verbas do orçamento secreto do FNDE. No período anterior à chegada do ministro ao governo, estava em 14º no recebimento de outros recursos.
Dribles
A destinação de emendas parlamentares em dezembro passado foi motivo de briga entre aliados governistas. Havia um acordo de empenho de R$ 600 milhões no fim do ano. Sem conseguir sinal verde para a liberação dos recursos, parlamentares do Republicanos, outro partido que forma o Centrão, reclamaram. O deputado Hugo Motta (PB) chegou a sugerir a demissão da ministra da Secretaria de Governo da Presidência, Flávia Arruda. O enrosco tinha a ver com verbas do MEC, segundo fontes ouvidas pelo Estadão. O princípio de incêndio na base aliada foi contido com novas promessas de liberação de recursos.
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, já declarou que prefere fazer o contato direto com os prefeitos, sem a intermediação de deputados ou senadores. No lugar, usa os pastores. “Sem política, sem discurso de parlamentar nenhum”, afirmou em evento gravado. Ele, entretanto, não fez referências ao controle de Lira e Ciro Nogueira sobre recursos do FNDE, que são repassados em boa parte às prefeituras do Progressistas.
Uma das principais formas de repassar recursos do fundo é por meio do Plano de Ações Articuladas (PAR), concebido há 15 anos para dar assistência técnica e financeira para o melhor planejamento da política de educação dos municípios. Os recursos do programa são tanto do orçamento do órgão como de emendas parlamentares e podem ser transferidos diretamente para municípios.
Recuo
É exatamente o que fez o FNDE para irrigar o reduto de Lira. Em dezembro, o Supremo, que havia proibido a utilização de verbas do orçamento secreto, voltou atrás e liberou a execução, diante da aprovação, pelo Congresso, de uma resolução que prometia algum nível mínimo de transparência dali por diante.
O frágil modelo de transparência seletiva criado, também em dezembro, pelo Congresso, no entanto, permitiu uma manobra que levou ao empenho de R$ 60 milhões em verbas do fundo para Alagoas sem que esse dado fosse divulgado junto com as demais solicitações de parlamentares no site da Comissão Mista Orçamentária. O valor, destinado a 40 cidades que formam o reduto de Lira, é mais do que o dobro do segundo Estado a receber mais empenhos em dezembro de 2020, São Paulo, com R$ 26 milhões.
O Piauí de Ciro foi o quarto com mais empenhos naquele mês: R$ 20,5 milhões. Na transparência do site do Congresso, porém, só foram listados pedidos de R$ 6,34 milhões para o Estado. No caso de Alagoas, só apareceu uma única solicitação de R$ 300 mil de um deputado, apesar das dezenas de milhões empenhados no mês de dezembro. Foram empenhados R$ 55 milhões num intervalo de oito dias logo após a ministra Rosa Weber, do STF, recuar.
Dois dos empenhos viraram pagamentos para prefeituras comandadas por correligionários de Arthur Lira. O município de Canapi, no sertão alagoano, do prefeito Vinícius Filho de Zé Hermes (Progressistas), recebeu R$ 5,8 milhões no dia 7 de março. Até o pai de Lira vai receber recursos. Benedito de Lira, ex-senador, comanda o município de Barra de São Miguel, que já teve o empenho, mas ainda não o pagamento, de R$ 1.231.162,55. Os valores fazem parte do projeto Educação Conectada.
Feudo
Além do PP, o FNDE tem no seu quadro de dirigentes nomes ligados a parlamentares do PL e do Republicanos. Próximo ao deputado Wellington Roberto (PL-PB), Garigham Amarante é o diretor de Ações Educacionais.
Outro feudo do Centrão no FNDE é a diretoria de Gestão, Articulação e Projetos Educacionais, chefiada por Gabriel Villar. Ele é sustentado no cargo pelo Republicanos, presidido pelo deputado e pastor Marcos Pereira (SP), que também indicou, por meio do deputado Silas Câmara (AM), o diretor de Gestão de Fundos e Benefícios, Gustavo Lopes de Souza.
Eles, principalmente Gabriel Villar, participam de reuniões com prefeitos e parlamentares em que o tema é liberação de verbas. Um dos políticos que exercem influência sobre o quadro do FNDE é o presidente do partido no Distrito Federal, Wanderley Tavares, famoso entre parlamentares por conseguir liberar recursos para prefeituras da legenda. Tavares foi denunciado por suposto envolvimento em esquema de corrupção na prefeitura do Rio, na gestão Marcelo Crivella.
O Estadão procurou as assessorias de Nogueira, Lira e Tavares, além do Ministério da Educação e do FNDE, mas não houve resposta até a conclusão desta edição. Questionado sobre as audiências no FNDE, o pastor Arilton Moura disse que se encontrou com o presidente do órgão para oferecer açaí.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,liderancas-do-centrao-controlam-verbas-de-fundo-nacional-da-educacao,70004013948
Eleições 2022: Entenda as diferenças entre Telegram e WhatsApp
Gustavo Queiroz / O Estado de S.Paulo
O número praticamente ilimitado de participantes em grupos no Telegram e o uso de ferramentas de programação aberta estão entre as principais diferenças da plataforma em relação a concorrentes como o WhatsApp. Ainda, a falta de representação no Brasil e a ausência de mecanismos que coíbam a distribuição de desinformação colocaram o aplicativo na centro da discussão sobre as eleições deste ano no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Estes problemas fizeram com que a Corte e o TSE tentassem repetidamente entrar em contato com a empresa, que cumpriu apenas uma das decisões do Supremo. Nesta sexta-feira, 18, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou a suspensão “completa e integral” do aplicativo de troca de mensagens Telegram no País com base no descumprimento de medidas judiciais anteriores. Na madrugada deste sábado, 19, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com recurso contra a decisão.
Conforme o Estadão mostrou, grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, aproveitam a pouca moderação de uso do aplicativo e as regras flexíveis para a mobilização.
Para o diretor do InternetLab, Francisco Brito Cruz, o Telegram é um aplicativo que tem funções que se assemelham mais às de uma rede social e a outras que estão mais próximas a mensageria privada, o que o diferencia dos similares. “Eu diria que ele é quase um ‘anfíbio’, metade com a criptografia de mensagens e metade com seus canais abertos e grupos, que podem abrigar centenas de milhares de pessoas”, afirmou.
Pesquisadora do departamento de Comunicação e Mídia da Universidade de Liverpool, Patrícia Rossini também elenca como principais particularidades do uso do Telegram a facilidade de disseminação de informações e funcionalidades de API (código) aberto que permitem, por exemplo, a criação de contas automatizadas.
Ela ressalta, contudo, que o bloqueio do Telegram não impede a ação de grupos extremistas, que continuarão a existir mesmo em aplicativos mais moderados e que colaboram com a Justiça. “As pessoas irão migrar para outros aplicativos semelhantes que ainda recebem pouco ou nenhum escrutínio. O simples bloqueio do Telegram não significa que grupos ideológicos e motivados a espalhar desinformação ficaram sem lugar”, disse.
Entenda as diferenças
Telegram e WhatsApp têm criptografia ponta a ponta como funcionalidade de segurança, mas o aplicativo russo também possui chats secretos, que facilitam conversas reservadas e, segundo especialistas, têm regras mais flexíveis de uso.
Enquanto o WhatsApp tem um teto de 256 pessoas por grupo, o Telegram permite 200 mil, além de criar canais exclusivos de transmissão, como o do presidente Jair Bolsonaro, com aproximadamente 1,1 milhão de inscritos. Estes canais têm número ilimitado de participantes.
Na esteira, a empresa também não tem mecanismos reguladores de distribuição, enquanto o WhatsApp limita o número de pessoas para as quais uma mensagem pode ser retransmitida ao mesmo tempo, e marca como “encaminhada com frequência” quando há grande circulação.
Em seu site oficial, o Telegram apresenta um tópico chamado “qual a diferença do Telegram para o WhatsApp?” em que lista, por exemplo, a capacidade de desenvolvedores criarem programas dentro do próprio aplicativo como principal ponto. “E essa é apenas a ponta do iceberg”, escreve. Também no site, a empresa oferece um “prêmio” de US$ 300 mil para quem conseguir decifrar as mensagens do aplicativo.
A ausência de representação no Brasil e a falta de colaboração da empresa se tornaram pontos cruciais para a decisão de Moraes. Para reverter a suspensão, o Telegram vai ter que excluir post de Bolsonaro que ataca urnas eletrônicas, pagar multas e indicar representação oficial no País.
Em resposta à decisão, o fundador do Telegram, Pavel Durov, pediu que a Corte considere adiar a suspensão para que o Telegram possa nomear um representante no Brasil e "estabelecer uma estrutura para reagir a futuras questões urgentes como esta de maneira acelerada”.
Outros aplicativos
Na disputa presidencial de 2018, o WhatsApp ganhou protagonismo ao ser usado para a divulgação de mensagens e boatos, o que levou a ataques pessoais. Na ocasião, a empresa admitiu que registrou a atuação de grupos privados no disparo massivo de mensagens.
O chamado impulsionamento de conteúdo é permitido pela legislação eleitoral, mas seu uso deve ser identificado como tal e contratado apenas por partidos e coligações diretamente com as plataformas de redes sociais.
Já o Facebook foi tomado como problema central nas eleições americanas de 2016, após a imprensa divulgar que os dados de usuários fomentaram o banco de informações da firma britânica de marketing político Cambrigde Analítica. Agora, junto ao Instagram, a plataforma possui um projeto de verificação de notícias, que procura diminuir o alcance de informações falsas.
Em meio à pressão dos usuários, o Twitter também anunciou um botão que propõe regular a desinformação na plataforma. A iniciativa aconteceu em meio ao aumento de conteúdos falsos que circulam na rede durante a pandemia da covid-19.
Com funcionalidades diferentes, outras plataformas também são usadas para trocas de mensagens, como o Discord, o Signal, o Messenger, o Hangouts, o Skype e o Vibe.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,entenda-as-diferencas-entre-telegram-e-whatsapp,70004013563
Pandemia e guerra da Ucrânia põem a globalização em xeque
Beatriz Bulla e Luciana Dyniewicz / O Estado de S.Paulo
Os ventos desfavoráveis à globalização, que percorrem o mundo desde a crise financeira de 2008 e ganharam força com a pandemia, intensificam-se com a guerra na Ucrânia. Com as retaliações comerciais impostas a Moscou, os países ocidentais estão sendo levados a reduzir sua dependência da energia e das matérias-primas russas. Além disso, o eventual apoio chinês aos russos também pode acirrar a rivalidade com o Ocidente. A consequência é um crescente risco ao comércio e à integração internacional.
“A economia russa, que é muito importante em termos de commodities que são chave, como óleo e gás, será desvinculada do restante do Ocidente. Não há como reconstruir as relações econômicas quando o presidente dos EUA chama Vladimir Putin de criminoso de guerra”, afirmou Ian Bremmer, fundador da consultoria de risco político Eurasia Group.
Os efeitos do conflito na integração global já se apresentam na forçada diversificação energética europeia e no aumento do preço do níquel, que pode desacelerar a produção de carros elétricos, segundo o jornal The New York Times. Também na busca do agronegócio brasileiro por novos exportadores de fertilizantes e na possível piora na crise de produção de semicondutores. E, ainda que haja um acordo de paz para encerrar o conflito militar no futuro próximo, a preocupação com segurança nacional passará a ditar o estabelecimento das novas cadeias de suprimentos.
“Toda a cadeia de produção, distribuição de produtos e logística, toda essa geografia de comércio será afetada. Estamos presenciando um princípio de fim da globalização como conhecemos”, afirmou a especialista em comércio internacional e professora adjunta de Direito Internacional da American University, Renata Amaral. “Como o Brasil vai continuar se dando bem com EUA, Rússia e China? A questão de escolha de lado vai ficar muito mais evidente daqui para a frente, e isso vai se refletir nas decisões de investimento futuro das empresas.”
Sanções
A adoção de sanções econômicas pelos americanos e europeus, na tentativa de estrangular economicamente Putin e a oligarquia russa, causou uma leva de fechamento de empresas ocidentais no país. Segundo a escola de administração de Yale, pelo menos 400 companhias interromperam completamente as operações na Rússia desde o início da guerra. O mais emblemático fechamento de portas foi o da rede americana McDonald’s, um símbolo ocidental que atraiu multidões em 1990 quando abriu as portas em plena União Soviética.
A dependência europeia do gás russo como fonte de energia foi escancarada durante a escalada de tensão regional. Países começaram a estruturar planos para aumentar a independência energética, ainda que isso leve meses ou anos. A promessa da Comissão Europeia é reduzir em dois terços o uso de energia proveniente da Rússia até o fim deste ano e cortar por completo a dependência “bem antes” de 2030, com medidas que incluem o aumento imediato de importação de gás natural de países como os EUA.
"No melhor cenário, ainda haverá um movimento desfavorável à globalização e alguma repercussão contra a China”, diz Bremmer. “A resposta do mundo democrático à agressão e aos crimes de guerra de Moscou é correta, tanto do ponto de vista ético quanto de segurança nacional. Isso é mais importante do que a eficiência econômica”, escreveu o presidente do Peterson Institute for International Economic, Adam Posen, em artigo para a revista Foreign Affairs.
A repercussão das sanções adotadas por europeus e americanos contra o Kremlin e a reação da Rússia atingem a cadeia de produção também do Brasil, que precisou buscar no Canadá acordos com o setor privado para ampliar a importação de fertilizantes que viriam da Rússia. Hoje, o país importa 85% dos fertilizantes utilizados na base da produção agrícola nacional.
Desglobalização
A tendência de desglobalização ou “slowbalization”, a diminuição no ritmo da integração econômica internacional, é observada por analistas desde a crise de 2008. Interrupções no processo de globalização já ocorreram em outros momentos da História, mas, desde o fim da 2ª Guerra até o início dos anos 2000, o mundo vivenciava um aumento no intercâmbio de bens, investimentos, tecnologias e serviços.
A pandemia de covid-19 acelerou o processo de desglobalização, quando a quebra na cadeia de produção imposta pelo fechamento de fábricas expôs fragilidades mundiais. Países adotaram a autoproteção, caso dos EUA, que invocaram leis de defesa nacional para manter em território nacional a produção de respiradores, enquanto o mundo se dava conta de que a China era a produtora de mais de 40% dos equipamentos médicos de proteção individual de todo o mundo.
Para os especialistas, o posicionamento da China ditará o futuro da dinâmica comercial global. “Putin pode se tornar um pária internacional, mas ainda fará negociações com a China, com o Brasil e com nações em desenvolvimento. A grande questão é se a Guerra Fria com a Rússia irá desencadear uma Guerra Fria com Rússia e China”, afirma Bremmer. “Se os chineses seguirem com apoio à Rússia, aí estaremos em um cenário de precipitação da fragmentação da economia global. E de possível desglobalização.”
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pandemia-e-guerra-poem-a-globalizacao-em-xeque,70004013987
Marcus Pestana: Como se elege um parlamentar
Infelizmente, no Brasil, prestamos pouca atenção às eleições parlamentares. Em outubro, teremos eleições gerais. Ninguém governa de maneira segura e estável sem maioria parlamentar. O parlamento é um retrato fiel do estágio de desenvolvimento político, cultural e educacional de um país. Não nos reconhecemos no espelho. Mas ninguém chega lá por decreto. Todos são eleitos pela população. Há pesquisas, ao longo das últimas décadas, que revelam que 70% da população, um ano após as eleições, não se lembra sequer do nome do deputado em quem votou. Não há controle social sobre os mandatos. O controle difuso é feito pela imprensa, pelo lobby dos grupos de interesse populares ou empresariais e, agora, pelas redes sociais.
São as agruras do nosso presidencialismo que historicamente tem foco em personalidades, líderes carismáticos, e não em partidos e programas. Isso é agravado pela fragilidade do sistema partidário brasileiro e por nosso sistema eleitoral. A falta de ligação orgânica entre parlamentares e sociedade e de controle social sobre a atividade parlamentar têm aí sua raiz. O nosso sistema eleitoral, original e único, produz a dissociação entre o exercício parlamentar e a sociedade.
Não adianta eleger um líder carismático e/ou populista, sem sustentação parlamentar. Jânio, Collor e Dilma sofreram os efeitos da falta de apoio no Congresso. Bolsonaro teve que se render ao Centrão, tão criticado por ele e seus seguidores. No parlamentarismo, tudo é mais fácil. Tivemos dois exemplos recentes em Portugal e na Alemanha.
Aqui, no Brasil, não. As eleições para deputados e senadores não está conectada umbilicalmente à do presidente da República, que eleito terá que construir maioria, sempre precária. Tivemos um quadro partidário mais efetivo de 1946 a 1964, com o PSD, a UDN e o PTB organizando o jogo de poder. Assim como no bipartidarismo vigente no período autoritário com Arena e MDB. A partir da redemocratização, em 1985, prevaleceu o presidencialismo de coalizão. Isto foi inicialmente implodido por Bolsonaro. Agora, com mais de 30 partidos registrados no TSE, 24 dos quais representados no Congresso, a governabilidade e a qualidade da governança ficam sempre ameaçadas.
Portanto, há que se prestar mais atenção no voto nos parlamentares e valorizar a melhoria da qualidade da representação. Grosso modo, há 5 tipos de parlamentares. Primeiro, os que chegam ao Congresso pela utilização do poder econômico. Em segundo, as celebridades: artistas, esportistas ou campeões das redes sociais. Em terceiro lugar, temos os representantes de corporações ou setores sociais organizados. Em quarto, os parlamentares de base municipalista eleitos com apoio de prefeitos, vereadores e lideranças locais. E, por último, o cada vez mais raro, deputado de opinião, como foram no passado Gabeira, Alfredo Sirkis, José Serra, Genoíno, Paulo Delgado e Sérgio Miranda. Claro, que toda tipologia tem falhas. O parlamentar pode combinar mais de uma característica das descritas.
O fundamental é que estejamos atentos, mais do que nunca, ao nosso voto em deputados e senadores. As grandes mudanças necessárias dependem da qualidade presente no Congresso Nacional. É preciso construir, já nas eleições, uma maioria inspirada nos interesses nacional e público. O futuro Congresso será o espelho da soma de nossas opiniões individuais.
*Marcus Pestana, Presidente do Conselho Curador ITV – Instituto Teotônio Vilela (PSDB)
Fonte: Congresso em Foco
https://congressoemfoco.uol.com.br/blogs-e-opiniao/colunistas/como-se-elege-um-parlamentar/