Luiz Carlos Azedo: Disputa de legado marca os 100 anos de PCB

O velho Partidão completaria, hoje, 100 anos de fundação. Surgiu em março de 1922, com o nome de Partido Comunista do Brasil (PCB), alterando o nome para Partido Comunista Brasileiro, sob comando de Luiz Carlos Prestes, em 1961, e Partido Popular Socialista (PPS), em 1992, sob liderança de Roberto Freire. Essas mudanças provocaram dois grandes rachas, dos quais surgiram os atuais Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em 1962, encabeçado por João Amazonas, e o novo Partido Comunista Brasileiro (PCB), liderado por Ivan Pinheiro, que conseguiu seu registro em 1996. Em 2020, o PPS fez nova mudança, passando a se chamar Cidadania, para incorporar ideias social-liberais e fazer uma ruptura definitiva com o passado comunista.

Entretanto, os três partidos comemoram o centenário, cada qual com uma narrativa própria, que resgata uma fatia do seu legado. O PCdoB realiza um festival de música no Caminho Niemeyer, em Niterói, no estilo das antigas festas dos jornais comunistas. O PCB realiza um ato na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O Cidadania promove um seminário e homenageia antigos militantes e os dirigentes “desaparecidos” durante o regime militar, na Faculdade de Direito de Niterói (UFF). O PCB foi fundado naquela cidade, por Astrojildo Pereira.

Em 1982, o poeta Ferreira Gullar resumiu: “Eles eram apenas nove: o jornalista/ Astrojildo, o contador Cordeiro,/o gráfico Pimenta, o sapateiro José Elias, o vassoureiro/Luís Peres, os alfaiates Cendon e Barbosa/ o ferroviário Hermogênio/ e ainda o barbeiro Nequete/ que citava Lênin a três por dois/ Em todo o país,/ eles não eram mais de setenta/ Sabiam pouco de marxismo/ mas tinham sede de justiça/ e estavam dispostos a lutar por ela…” Segundo Gullar, “o PCB não se tornou o maior partido do Ocidente/ nem mesmo do Brasil/ Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis/ tem que falar dele/ Ou estará mentindo”.

O PCB não surgiu de uma corrente socialista ou social-democrata, demorou a ser aceito pela III Internacional e sofreu sucessivas intervenções do Cominter, que resultaram no afastamento de alguns dirigentes históricos, entre os quais o próprio Astrojildo Pereira. Essa tensão entre os soviéticos e o PCB foi permanente, mas não impediu seu alinhamento em automático quando houve a invasão na antiga Tchecoslováquia, em 1968.

Ex-capitão do Exército, à frente da coluna rebelde que levou seu nome, Prestes percorreu o Brasil entre 1925 e 1927, combatendo as tropas dos governos Artur Bernardes e Washington Luís. Foram 25 mil quilômetros de marcha. Procurado por Astrojildo na Bolívia, onde a coluna havia se internado, para evitar a rendição, Prestes aderiu ao comunismo.

Crises políticas

Em novembro 1935, Prestes liderou um levante militar sem chance de dar certo, por falta de apoio popular e militar, que se tornaria o mito fundador da “ameaça comunista” no Brasil. Ficou preso por nove anos, sua esposa Olga Benário, uma judia alemã, foi deportada e executada num campo de concentração nazista, no qual dera à luz a historiadora Anita Prestes, sua filha.

Nada disso impediu que Prestes apoiasse o governo Vargas para que o Brasil entrasse na II Guerra Mundial contra o nazifascismo. Libertado em 1945, foi eleito o senador mais votado do país. Seu mandato, porém, foi cassado, juntamente com o registro da legenda, em 1947, em razão da guerra fria. O PCB voltou à ilegalidade, da qual somente sairia em 1985.

Em 1964, Prestes e o PCB serviram de pretexto para o golpe militar. Uma declaração infeliz sobre a participação dos comunistas no governo João Goulart e o fato de estar articulando a reeleição de Jango foram explorados pelos generais que tomaram o poder. O PCB estava isolado, embora fosse hegemônico na esquerda brasileira, cuja atuação política viria a influenciar até hoje, a partir de uma ideia-força: a da revolução brasileira.

Desde os debates sobre agrarismo e industrialização, nas décadas de 1920 e 1930, protagonizados por Astrojildo Pereira, Otávio Brandão e Heitor Ferreira Lima, o desenvolvimento nacional esteve no centro das preocupações do PCB. O debate sobre a superação do atraso econômico por uma via democrática, porém, esbarrava nos dogmas comunistas e confrontava o sonho de uma revolução socialista. Por isso, ao longo dos anos, intelectuais, dirigentes e militantes renovadores deixaram o PCB.

Essas divergências se acentuaram a partir de 1958, quando o PCB assumiu o compromisso com a democracia. Primeiro, houve a dissidência maoísta do PCdoB. Depois de 1964, Carlos Marighella e outros dirigentes adotaram a luta armada contra o regime militar; surgiram o MR-8, a ALN e o PCBR. Alguns remanescentes desses agrupamentos, mais tarde, se incorporariam ao Partido dos Trabalhadores. Na década de 1980, Prestes rompeu com o PCB e ingressou no PDT. Setores identificados com o “euro- comunismo” derivaram ao PSol e ao PSDB. A diáspora comunista faz com que velhas ideias defendidas pelo antigo Partidão estejam por aí, vivíssimas, das mais ortodoxas às mais revisionistas. A mais importante é a política de frente ampla em defesa da democracia, adotada com êxito contra o regime militar.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-disputa-de-legado-marca-os-100-anos-de-pcb/

Revista online | Guilherme Casarões: Reflexões sobre a nova ordem mundial

Guilherme Casarões / Revista Política Democrática online

Virou lugar-comum entre analistas a percepção de que a invasão russa da Ucrânia inaugura um novo momento das relações internacionais. Parte importante do debate recente busca, justamente, especular sobre quais seriam os elementos desta “nova ordem mundial”, expressão consagrada pelo então presidente americano, George Bush, contemplando o fim da União Soviética e do início da Guerra do Golfo.

Na encruzilhada entre pandemia, desaceleração econômica e conflito no Leste Europeu, não parece haver dúvidas de que estamos no alvorecer de uma nova ordem. Mas em vez de olharmos para a frente nesse exercício especulativo sobre o que os próximos tempos nos reservam, proponho uma volta ao passado.

De certa maneira, a agressão da Rússia contra os ucranianos nos coloca numa máquina do tempo, em que cada parada nos proporcionará um elemento constitutivo deste futuro ainda incerto.

A primeira tarefa dessa viagem temporal é abandonarmos o que esses trinta últimos anos representaram para as relações internacionais. A ocorrência de projetos imperiais universais, calcados no triplo poderio militar, econômico e ideológico-cultural de um só país, é tão rara quanto efêmera. A “era da unipolaridade” inaugurada pelos Estados Unidos, em que o planeta foi sendo moldado aos valores liberais, democráticos e globalizados da superpotência, já é parte do passado e dificilmente voltará.

Ao revisitar o passado, nossa primeira parada é o ano de 1945. Trata-se do único ano, na história, em que um país utilizou armamentos nucleares contra populações civis – nos bombardeios americanos contra as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, onde entre 100 e 200 mil pessoas morreram. Hoje, segundo o “relógio do juízo final”, dispositivo utilizado pelo Boletim dos Cientistas Atômicos para estimar a probabilidade de uma catástrofe humana generalizada, estamos a 100 segundos da meia-noite – o ponto mais próximo do apocalipse a que chegamos desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Nada impede que essa catástrofe venha na forma de uma hecatombe nuclear. Essa é a leitura de especialistas, sob o argumento de que Vladmir Putin, ao considerar o emprego de armas atômicas no decurso da operação militar na Ucrânia, abre a possibilidade de uma escalada sem precedentes, que pode envolver as cinco principais potências nucleares do planeta – e causar danos irreversíveis à humanidade.

Mas a realidade atual nos obriga a voltar ainda mais no tempo. Se 1945 foi o ano da maior violência nuclear da história, também foi o momento no qual se consolidaram as regras básicas do direito internacional, soberania e autodeterminação, que prevaleciam até outro dia, quando o governo russo decidiu invadir um país vizinho ao arrepio da legalidade – e sem sequer construir um “casus belli” coerente (os Estados Unidos, claro, foram violadores contumazes do direito internacional, notadamente no Iraque, mas eram a única superpotência do planeta).

Regressamos, pois, ao último quarto do século 19. O mundo vivia a escalada de tensões políticas entre as potências europeias, que se posicionavam a partir de considerações geopolíticas, nacionalistas e imperialistas. Os mesmos três ingredientes voltam a aparecer nas interações entre os quatro grandes polos de poder contemporâneos – EUA e Europa, China e Rússia – e definem os embates correntes. Assim como no passado, as alianças vão se formando a partir do desejo de dominar partes importantes do globo e conduzindo a uma corrida armamentista sem precedentes.

Putin, czar dos tempos modernos: ninguém duvida de seu desejo de reconstruir a grandeza do Império Russo. Foto: Sputnink/AFP

Putin é um czar dos tempos modernos e ninguém duvida de seu desejo de reconstruir a grandeza do Império Russo, cujo ápice foi, precisamente, o fim do dezenove. Creio, no entanto, precisarmos de uma terceira parada, agora em 1453. A Rússia, então conhecida como Moscóvia, inaugurava a era do Ivan III, O Grande, que derrotou os mongóis, lançou as bases do Estado russo e triplicou seu território. Mas o principais eventos daquele ano foram a queda de Constantinopla para os otomanos e o fim da Guerra dos Cem Anos, entre França e Inglaterra.

Antes da consolidação do Estado moderno, vivíamos uma era de civilizações. Em 1453, o Ocidente estava no auge do seu nacionalismo religioso, em que sentimentos protonacionais fundiam-se com o poder econômico e ideológico Igreja Católica na construção de um ambicioso projeto universal. Sob a dinastia Ming, o Império Chinês atingia seu zênite naval e os muçulmanos consolidavam-se territorialmente pelas mãos dos sultões otomanos. Hoje, revisitando Samuel Huntingon, argumentos civilizacionais, culturais e religiosos nunca foram tão comuns para justificar (e incitar) conflitos ao redor do mundo.

A história nos oferece lições poderosas para podemos imaginar o futuro. Não se trata de repetir o passado, mas de entender quais elementos podem compor o quebra-cabeça da ordem vindoura. E não nos iludamos: o mundo que vem por aí, infelizmente, será mais bruto, mais incerto e menos harmonioso. A nós, caberão a sabedoria, a disposição e a resiliência para enfrentá-lo.

Saiba mais sobre o autor

* Guilherme Casarões é doutor e mestre pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (Programa SAN Tiago Dantas). Leciona Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP)e na FGV-SP. Pela Contexto é autor do livro Novos olhares sobre a política externa brasileira.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

Confira a charge da Edição 41 da Revista Política Demócrática

Pedro Fernando Nery: PND no século 21 

Lilia Lustosa: Geraldo e Jabor 

Henrique Brandão: Mais atual que nunca 

Juros e inflação no Brasil – o que explica o comportamento do Banco Central?

‘Um tempo para não esquecer’ retrata a luta da saúde pública contra a Covid-19

Hesitação vacinal é negacionismo que pode matar, acredita Margareth Dalcolmo

Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online


XP/Ipespe: Lula tem 44%; Bolsonaro, 26%; Moro, 9%; Ciro, 7%

Redação / O Estado de S.Paulo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem, neste momento, vantagem de 18 pontos sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL) na disputa pelo Planalto, segundo pesquisa XP/Ipespe divulgada nesta sexta-feira, 25. No cenário estimulado, o petista aparece com a preferência de 44% dos eleitores, contra 26% do atual chefe do Executivo. 

Lula recuperou parte da vantagem que vinha perdendo nos últimos meses. A distância entre ambos os adversários chegou a 20 pontos na segunda quinzena de janeiro, quando o petista tinha 44%, e Bolsonaro, 24%. No início de março, o ex-presidente liderava com margem de 15 pontos (43% contra 28%). 

LEIA TAMBÉM
Antipetismo supera petismo, de acordo com pesquisa BTG/FSB

Segundo o último levantamento, Sérgio Moro (Podemos) tem 9% das intenções de voto; Ciro Gomes (PDT), 7%; João Doria (PSDB), 2%; Eduardo Leite (PSDB), Simone Tebet (MDB), André Janones (Avante) e Felipe d’Avila (Novo) empatam em 1%.

No cenário espontâneo, aquele em que os entrevistados expressam sua preferência sem que sejam apresentadas opções, Lula tem 36%, e Bolsonaro, 25%. 

O Ipespe ouviu a opinião de mil pessoas por telefone entre os dias 21 e 23 de março. A margem de erro é de 3,2 pontos para mais ou para menos, o que faz com que Sérgio Moro e Ciro Gomes estejam em empate técnico. O protocolo de registro na Justiça Eleitoral é BR-04222/2022.

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pesquisa-xp-ipespe-lula-bolsonaro-ciro-moro-doria-leite-tebet-janones-davila,70004019268


O bolsonarismo saiu do armário, e o petismo precisa descer do salto

Vera Magalhães / O Globo

O leitor desta coluna há de lembrar que escrevi, em 23 de fevereiro, que o presidente se beneficiaria da entrada dos profissionais no comando de sua campanha e da entrada de dinheiro do Auxílio Brasil nas contas dos mais necessitados para dar um salto. E que os riscos que corria de ver estancada essa esperada melhora eram a inflação fora de controle e a rejeição quase impeditiva de uma reeleição.

Os números do Datafolha mostram que Bolsonaro ganhou pontos entre os mais pobres e no Nordeste, reduzindo sua distância para Lula no segmento e na região em que o petista vai melhor. Num país em que a desigualdade e a pobreza só cresceram, a injeção de recursos do Orçamento ainda é um poderoso cabo eleitoral.

Além disso, o silenciamento das atrocidades ditas por Bolsonaro no curso da pandemia, operado pelos profissionais da política, fez com que a classe média que elegeu o capitão em 2018 perdesse a vergonha de sair do armário. E aqui entra um fenômeno de duas mãos importante de analisar: o salto alto que acometeu o entorno de Lula desde que suas condenações nos processos derivados da Lava-Jato foram anuladas.

O que se seguiu àquele momento foi uma euforia narrativa que incluiu desde a exigência de retratação de todos aqueles que apontaram casos de corrupção nos governos petistas até a difusão de uma praticamente certa vitória de Lula no primeiro turno.

Os que diziam procurar por uma alternativa à polarização Lula e Bolsonaro eram apontados praticamente como cúmplices dos desmandos do bolsonarismo.

O PT e os aliados do ex-presidente se perderam num duelo com o ex-juiz Sergio Moro, que nunca chegou a decolar, e deixaram Bolsonaro correr meio sem combate em todo o período posterior à CPI da Covid.

Tanto que iniciativas como o calote em precatórios e a criação do Auxílio Brasil, que certamente reverteriam em recuperação do presidente de seu pior momento nas pesquisas, contaram com o aval da oposição, que ainda silenciou sobre o orçamento secreto, o mais poderoso instrumento de injeção de recursos em bolsões de aliados políticos já criado pelo Congresso.

Tanta certeza na vitória de Lula se amparava na crença de que os desmandos de Bolsonaro em relação às instituições, o engodo liberal que ele vendeu em 2018 e a condução criminosa do país na emergência sanitária haviam afastado definitivamente a classe média do presidente.

Isso, com a revisão das condenações da Lava-Jato operada pelo STF, depois confirmada em cascata por outras instâncias da Justiça, bastaria para que o conjunto da sociedade concluísse que Lula e o PT foram vítimas de um golpe de 2016 em diante.

Acontece que a superação do pior momento da pandemia parece ter apagado cedo demais da mente de uma parcela do eleitorado de média e alta renda as atrocidades cometidas em três anos e três meses de uma gestão marcada única e exclusivamente por retrocessos —mesmo nas áreas de interesse dessa elite mais egoísta, como a imagem do país no exterior, a previsibilidade fiscal e os demais indicadores econômicos.

O Datafolha agora mostra, em números, que havia um antipetismo escondido no armário junto ao bolsonarismo renitente e que ambos foram retirados de lá mais ou menos no momento em que esse eleitor foi autorizado a guardar a máscara na gaveta. Mais de uma máscara foi arrancada, portanto.

Para que a vantagem de Lula sobre Bolsonaro não se estreite ainda mais, o PT tem de engendrar um discurso econômico e político que funcione de antídoto ao antipetismo que Bolsonaro espertamente voltou a explorar — outra contribuição do Centrão à condução até então tresloucada de sua campanha por parte de seus filhos e de seus apoiadores mais fanatizados.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/o-bolsonarismo-saiu-do-armario-e-o-petismo-precisa-descer-do-salto.html


As perdas da Rússia em 30 dias de invasão da Ucrânia

Thomas Latschan / DW Brasil

Quantos soldados russos foram mortos na Ucrânia desde o início da guerra? Dados são difíceis de ser verificados, mas há indicações de que o Kremlin perdeu muito mais militares do que está disposto a admitir.

Um mês se passou desde o início da invasão russa da Ucrânia. A chamada "operação especial" russa que o Kremlin esperava concluir em poucos dias se transformou em uma guerra que já resultou em milhares de baixas em ambos os lados. E dados indicam que o exército russo registrou perdas "inesperadamente altas".

É muito difícil estimar quantos soldados russos perderam suas vidas até agora. As informações são extremamente contraditórias e não podem ser verificadas de forma independente.

Fontes russas em silêncio

O Ministério da Defesa da Rússia divulgou números de baixas em apenas uma ocasião. Em 2 de março, relatou 498 mortos e cerca de 1.600 soldados russos feridos desde o início da guerra. Desde então, a Rússia vem mantendo segredo sobre o número de mortes entre suas tropas.

Na noite do último domingo (20/03), uma reportagem do tabloide russo Komsomolskaya Pravda chamou a atenção. Um texto da versão online do jornal, supostamente citando fontes militares, apontava que até aquele momento 9.861 soldados russos haviam morrido e que mais de 16.000 estavam feridos.

No entanto, depois de apenas alguns minutos, o texto foi tirado do ar. O site se justificou afirmando que se tratava de uma reportagem falsa que teria sido publicada por hackers. Apesar de ter ficado poucos minutos no ar, o texto foi copiado e disseminado pelas redes e continua arquivado em outros sites.

Mapa do avanço russo na Ucrânia

Apesar de os russos evitarem publicar relatórios com baixas, há indicações de que o número de russos mortos e feridos é muito maior do que os número oficial divulgado pelo Kremlin no início do conflito. Há poucos dias, uma reportagem da Radio Liberty de Belarus – uma organização financiada pelos Estados Unidos – apontou que os necrotérios na área de fronteira do país com a Ucrânia estariam lotados de soldados russos mortos. Vídeos mostraram colunas inteiras de veículos russos supostamente trazendo soldados mortos ou feridos para Gomel, em Belarus.

De acordo com a reportagem, corpos de milhares de soldados foram enviados para a Rússia a partir de Belarus. A DW também obteve informações sobre grandes quantidades de soldados russos feridos sendo tratados em hospitais belarussos.

Ucrânia relata mortes de generais russos

O jornal online ucraniano The Kyiv Independent publica regularmente estimativas do Estado-maior ucraniano sobre baixas do inimigo. Estimativas apontam até 15.000 baixas russas, número que inclui soldados mortos, capturados e feridos.

No entanto, esses números também não foram verificados ​​de forma independente. Não há informações sobre a metodologia da pesquisa. É muito provável que o exército ucraniano tenha inflado os números para propagandear uma suposta eficácia em combate e em suas conquistas militares.


Segundo informações que vêm da Ucrânia, seis dos 20 generais russos de alto escalão envolvidos na invasão da Ucrânia morreram nas últimas semanas. O general americano David Petraeus, um veterano da Guerra do Afeganistão, considera um número tão alto como "muito, muito incomum" e aponta que ele pode ser um sinal de que as estruturas de comunicação e comando russas foram severamente afetadas. Um porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA abordou os relatos com muito mais cautela.

Pentágono continua cauteloso

O Departamento de Defesa dos EUA também está monitorando de perto a situação na Ucrânia. O Pentágono prepara suas próprias avaliações da situação com base em dados de inteligência, imagens de satélite e tráfego de rádio russo interceptado.

O Departamento de Defesa dos EUA está atualmente divulgando uma estimativa de cerca de 7.000 russos mortos e cerca de duas a três vezes esse número de feridos. Um total de cerca de 150.000 soldados russos estariam envolvidos na invasão. Se os números americanos estiverem corretos, mais de 10% das tropas russas que fizeram parte da primeira leva de ataque não estariam mais operacionais após apenas um mês.

Para efeito de comparação, esses supostos 7.000 militares russos mortos representam um número maior do que o total de soldados americanos que morreram ao longo de 20 anos nas campanhas no Iraque e no Afeganistão combinadas.https://t.me/rferl/754?embed=1

Em seu cálculo das perdas russas, os especialistas militares dos EUA também contam com outras fontes. A plataforma de internet holandesa Oryx, por exemplo, documenta meticulosamente quantos veículos militares russos foram destruídos ou capturados pelo exército ucraniano. Cada um desses veículos é contabilizado com uma foto ou registro de vídeo com data precisa.

Segundo a plataforma, o exército russo perdeu pelo menos 270 tanques, 258 veículos de infantaria e 178 veículos blindados de combate em um mês. Como o espaço para tripulação desses veículos é conhecida, é possível fazer uma estimativa de quantos soldados russos foram tirados de combate após a destruição dos blindados.

Falsificações

No entanto, esses números também devem ser tratados com cautela. A verificação do material às vezes leva um tempo considerável, de modo que os próprios administradores do blog militar já estão apontando não dar conta do grande número de dados recebidos.

Além disso, a proporção de vídeos falsos e material de propaganda manipulado aumentou constantemente desde o início da guerra, o que torna a verificação ainda mais complexa. Isso também torna consideravelmente mais difícil estimar as perdas reais das forças russas.

No entanto, os números de perdas de equipamentos militares pesados ​​já verificados também sugerem que as baixas russas realmente parecem ser muito maiores do que as inicialmente divulgadas pelo Kremlin.

Se o número de mais de 7.000 soldados russos mortos até o momento estiver correto, então, após um mês de guerra na Ucrânia, o exército russo já teria registrado a metade das perdas sofridas pelo Exército Vermelho nos dez anos de intervenção soviética no Afeganistão, entre 1979 e 1989.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/as-perdas-da-r%C3%BAssia-na-invas%C3%A3o-da-ucr%C3%A2nia/a-61246918


Cármen autoriza inquérito contra ministro e consulta PGR sobre investigar Bolsonaro

José Marques / Folha de S.Paulo

A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou nesta quinta-feira (24) a abertura de inquérito criminal sobre o ministro Milton Ribeiro, da Educação, e deu 15 dias para a PGR (Procuradoria-Geral da República) informar se também investigará o presidente Jair Bolsonaro (PL).

A investigação contra o ministro ocorre a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras. A Procuradoria irá apurar suspeitas de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa.

Ao autorizar a abertura de investigação, a ministra disse que "a gravidade do quadro descrito é inconteste e não poderia deixar de ser objeto de investigação imediata, aprofundada e elucidativa sobre os fatos e suas consequências, incluídas as penais".

"Nos autos se dá notícia de fatos gravíssimos e agressivos à cidadania e à integridade das instituições republicanas que parecem configurar práticas delituosas", acrescentou.

"O cenário exposto de fatos contrários ao direito, à moralidade pública e à seriedade republicana impõe a presente investigação penal como atendimento de incontornável dever jurídico do Estado e constitui resposta obrigatória do Estado à sociedade, que espera o esclarecimento e as providências jurídicas do que se contém na notícia do crime".

Cármen Lúcia deu prazo de máximo de 30 dias improrrogáveis para o inquérito, "salvo o caso de motivação específica e suficiente".

O pedido de Aras foi feito depois de a Folha revelar áudio em que Ribeiro afirma que o governo Jair Bolsonaro (PL) prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos pastores que não têm cargo e atuam em um esquema informal de obtenção de verbas do MEC.

Esses pastores, Gilmar Santos e Arilton Moura, também são alvos do inquérito.

Em outro despacho, Cármen Lúcia afirmou que os fatos imputados ao ministro estão "intimamente conexos com a sua própria fala sobre a eventual participação de Jair Messias Bolsonaro, Presidente da República".

"Tem-se da notícia publicada e que fundamenta o pedido de abertura de inquérito para a apuração dos fatos relatados quanto ao ministro da Educação, que ele teria afirmado, em reunião com prefeitos municipais, que repassaria verbas para municípios indicados pelo pastor de nome Gilmar, a pedido do presidente da República Jair Bolsonaro", descreve a magistrada.

"Assim, pela gravidade dos fatos subjacentes ao que expresso pelo ministro de Estado e que levaram o procurador-geral da República a pedir a esse Supremo Tribunal Federal abertura de inquérito para
averiguar a veracidade, os contornos fáticos das práticas e suas consequências jurídicas, tem-se por imprescindível a investigação conjunta de todos os envolvidos e não somente do ministro de Estado da Educação".

Aras solicitou que sejam ouvidos em depoimentos o ministro, os dois pastores e prefeitos que teriam sido beneficiados com verbas do FNDE. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A ministra, então, dá um prazo de 15 dias para que a PGR se manifeste sobre a possibilidade de investigar Bolsonaro.

No pedido de investigação sobre Ribeiro, Aras solicitou que sejam ouvidos em depoimentos o ministro, os dois pastores e prefeitos que teriam sido beneficiados com verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).

Pede ainda que o Ministério da Educação e a Controladoria-Geral da União esclareçam o cronograma de liberação de verbas do FNDE e os critérios adotados.

Ambos os pedidos foram atendidos por Cármen Lúcia. Ela deu o prazo de 15 dias para que esses esclarecimentos sejam apresentados.

A ministra, no entanto, negou pedido para que polícia faça a análise das circunstâncias da produção do áudio veiculado com as declarações de Milton Ribeiro. Segundo ela, é "impertinente ao objeto da presente investigação e sem vinculação jurídica com as práticas apontadas como delituosas que teriam sido cometidas pelo investigado".

O pedido de inquérito foi enviado na tarde desta quarta (23) diretamente ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, mas ficou sob responsabilidade de Cármen Lúcia, que é responsável por outros pedidos feitos por parlamentares contra o ministro.

O procurador-geral da República afirma em seu pedido que, ao ser questionado pela imprensa, Ribeiro "em momento algum negou ou apontou falsidade no conteúdo da notícia veiculada" e admitiu "a realização de encontros com os pastores nela mencionados".

"Em que pese a sua menção à 'nenhuma possibilidade de determinar a alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou estado', a posição por ele ocupada —na cúpula do órgão máximo da área de educação do país— proporciona-lhe direção política sobre o funcionamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e o seu respectivo cronograma", diz o pedido de Aras.

"À ideia de que 'não há qualquer hipótese e nenhuma previsão orçamentária que possibilite a alocação de recursos para igrejas de qualquer denominação religiosa', se opõe o argumento de que não é apenas a destinação dos próprios recursos públicos a igreja que se inquina, mas a existência de uma uma potencial contrapartida à prioridade concedida na liberação dessas verbas", acrescenta o PGR.

Na terça-feira (22), a pressão sobre o ministro da Educação atingiu grau crítico após a revelação pela Folha do áudio em que ele afirma priorizar, a pedido de Bolsonaro, a liberação de verbas para prefeituras negociadas por esses dois pastores sem cargos oficiais no governo.

Enquanto Ribeiro cancelou sua agenda em São Paulo e divulgou nota para minimizar a atuação do presidente da República no caso, integrantes da oposição acionaram órgãos de fiscalização, pediram a convocação do ministro e a abertura de uma CPI para apurar os fatos.


Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
previous arrow
next arrow
 
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministra Rosa Weber. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
previous arrow
next arrow

O ministro da Educação é evangélico e pastor, mas até mesmo integrantes da bancada evangélica no Congresso cobraram explicações, e alguns deles cogitavam a substituição de Ribeiro do posto de comando na pasta.

Os dois pastores têm proximidade com Bolsonaro desde o primeiro ano do governo. Em 18 de outubro de 2019, participaram de evento no Palácio do Planalto com o presidente e ministros.

O ministro em nota ter determinado alocação de recursos para favorecer qualquer município.

Ribeiro afirma que Bolsonaro não teria pedido para que os pleitos dos pastores fossem atendidos, mas somente que todos os indicados por eles fossem atendidos.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/carmen-lucia-do-stf-determina-abertura-de-inquerito-sobre-ministro-da-educacao.shtml


Datafolha: Lula tem 43% das intenções de voto; Bolsonaro, 26%; Moro, 8% e Ciro, 6%

Redação / O Globo

RIO —   Restando pouco mais de seis meses para o primeiro turno das eleições de 2022, pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira aponta que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) segue liderando a disputa pela Presidência com 43% das intenções de voto. O presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece em segundo lugar com 26%, desempenho superior ao que vinha registrando em rodadas anteriores de pesquisas do instituto. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

Mais atrás, aparecem os candidatos do Podemos, Sergio Moro, com 8%, e do PDT, Ciro Gomes, com 6%.

Veja também: Diferença entre Lula e Bolsonaro diminui entre eleitores mais pobres, aponta Datafolha

Em relação ao levantamento anterior, de dezembro do ano passado, o Datafolha aponta uma distância menor entre Lula e Bolsonaro. Na ocasião, o petista oscilava entre 47% e 48% das intenções de voto, a depender do cenário, enquanto o atual presidente variava entre 22% e 21%.

As duas pesquisas, contudo, não são diretamente comparáveis, já que houve mudanças na lista de candidatos. A pesquisa de dezembro tinha nomes como os do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que se retiraram da disputa posteriormente. Por outro lado, foram incluídas agora as pré-candidaturas de André Janones (Avante), Vera Lúcia (PSTU) e Leonardo Péricles (UP).

Veja o percentual de intenções de voto dos candidatos - Cenário 1:

Lula (PT) - 43%

Bolsonaro (PL) - 26%

Sergio Moro (Podemos) - 8%

Ciro Gomes (PDT) - 6%

João Doria (PSDB) - 2%

André Janones (Avante) - 2%

Simone Tebet (MDB) - 1%

Felipe D'Ávila (Novo) - 1%

Vera Lúcia (PSTU) - 1%

Leonardo Péricles (UP) - não chegou a 1%

Brancos ou nulos - 6%

Não souberam responder - 2%

'Propina em Bíblia': Ouça os áudios em que prefeitos denunciam pastor lobista do MEC

Outros cenários

O Datafolha testou ainda um cenário com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), como candidato no lugar do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Doria venceu as prévias do PSDB no fim do ano passado. Leite, no entanto, avalia um convite do PSD para concorrer à Presidência, além da possibilidade de concorrer pelo próprio PSDB no lugar de Doria -- hipótese estimulada por aliados.

Os desempenhos de Leite e Doria apresentam pouca variação, com ligeira desvantagem para o gaúcho, mas dentro da margem de erro. No cenário com o governador gaúcho, Ciro Gomes oscila de 6% para 7%, e André Janones oscila de 2% para 3%. Lula e Bolsonaro mantêm o mesmo desempenho do cenário anterior.

Veja o percentual de intenções de votos dos candidatos - Cenário 2:

Lula (PT) - 43%

Bolsonaro (PL) - 26%

Sergio Moro (Podemos) - 8%

Ciro Gomes (PDT) - 7%

André Janones (Avante) - 3%

Eduardo Leite (PSDB) - 1%

Simone Tebet (MDB) - 1%

Vera Lúcia (PSTU) - 1%

Felipe D'Ávila (Novo) - não chegou a 1%

Leonardo Péricles (UP) - não chegou a 1%

Brancos ou nulos - 7%

Não souberam responder - 3%

Veja o percentual de intenções de votos dos candidatos - Cenário 3:

Em um terceiro cenário pesquisado pelo Datafolha, sem a emedebista Simone Tebet e com Doria no lugar de Leite, o governador paulista se mantém no patamar de 2% de intenções de voto. PSDB e MDB debatem, com o União Brasil, a adoção de uma candidatura única entre os três partidos à Presidência. Recentemente, Moro estimulou que o Podemos também participe das conversas.

Lula (PT) - 44%

Bolsonaro (PL) - 26%

Sergio Moro (Podemos) - 8%

Ciro Gomes (PDT) - 7%

André Janones (Avante) - 3%

João Doria (PSDB) - 2%

Felipe D'Ávila (Novo) - 1%

Vera Lúcia (PSTU) - 1%

Leonardo Péricles (UP) - não chegou a 1%

Brancos ou nulos - 6%

Não souberam responder - 2%

Veja o percentual de intenções de votos dos candidatos - Cenário 4:

Em um quarto cenário, sem nomes do PSDB e com Tebet na lista de candidatos, a senadora do MDB se mantém no mesmo patamar de outros cenários, com 1% das intenções de voto.

Lula (PT) - 43%

Bolsonaro (PL) - 26%

Sergio Moro (Podemos) - 8%

Ciro Gomes (PDT) - 8%

André Janones (Avante) - 3%

Simone Tebet (MDB) - 1%

Vera Lúcia (PSTU) - 1%

Felipe D'Ávila (Novo) - não chegou a 1%

Leonardo Péricles (UP) - não chegou a 1%

Brancos ou nulos - 7%

Não souberam responder - 2%

O Datafolha ouviu 2.556 eleitores em 181 municípios de todo o país entre terça e quarta-feira desta semana. A pesquisada foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o protocolo BR-08967/2022. O nível de confiança do levantamento - isto é, a probabilidade de que ele reproduza o cenário atual, considerando a margem de erro - é de 95%.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/datafolha-lula-tem-43-das-intencoes-de-voto-bolsonaro-26-moro-8-ciro-6-25445716


Na América do Sul, hora de rever os desafios e as oportunidades

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

Estudiosos da economia mundial anunciam que a era de ouro da globalização, iniciada nos anos 1990, está chegando ao fim, por ter sido golpeada, primeiro, pela pandemia da Covid-19; agora, pela invasão russa da Ucrânia. O economista Dani Rodrik, da Universidade Harvard, por exemplo, em entrevista ao jornal Valor, argumenta que a conjugação de ambos os eventos alçou os cálculos geopolíticos e as preocupações com a segurança nacional ao lugar ocupado pela integração econômica e financeira globais. O efeito, diz ele, será a reposição das regiões como esfera privilegiada de organização das cadeias produtivas e trocas internacionais.

Eis um bom momento para rever os desafios e as oportunidades da América do Sul. Em comparação com outras áreas, o grande triângulo regional tem a vantagem do convívio em geral pacífico entre as nações que o ocupam —em larga medida afiançado pelo compromisso do Brasil com o respeito ao direito internacional e a prioridade conferida à diplomacia e a soluções negociadas das disputas de fronteiras.

Essa fecunda coexistência contrasta com a recorrente dificuldade de gerar uma região mais coesa e apta a se apresentar com identidade própria na cena internacional. Muitos foram os projetos de integração que se esboroaram. Só para ficar nas últimas décadas, fracassaram a Iirsa (Iniciativa para a Integração Regional Sul-Americana), de 2000, e a Unasul (União das Nações Sul-Americanas), de 2008. O Mercosul (Mercado Comum do Sul), de 1991, mal se aguenta vivo, incapaz de injetar dinamismo nas trocas entre seus participantes, menos ainda rivalizar com a China, hoje o maior parceiro comercial do Brasil e da Argentina.

Estruturas produtivas que mal se comunicam, comércio regional minguado, presença ativa de grandes potências, recorrente instabilidade política e, por fim, ausência de liderança capaz de produzir convergência —e pagar os custos inevitáveis da maior integração— explicam muito desse triste desempenho.

As mudanças em outras paragens oferecem nova chance ao subcontinente, desde que os seus países consigam produzir liderança compartilhada e coordenação em torno de uma agenda comum. Os temas a exigir inovadora cooperação são claros: enfrentamento das mudanças climáticas com investimentos de porte em energias renováveis e defesa da Amazônia; desenvolvimento do potencial produtivo de commodities; fortalecimento das instituições de saúde coletiva; criação de defesas eficazes contra o narcotráfico e outros ilícitos; enfim, a manutenção da democracia na região e da zona de paz no Atlântico Sul. Haja desafios!

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2022/03/na-america-do-sul-hora-de-rever-os-desafios.shtml


Eugênio Bucci: A confusão que favorece a tirania

Eugênio Bucci / O Estado de S. Paulo

Num artigo publicado no dia 11 de março no The Washington Post, a colunista Margaret Sullivan expôs com clareza singular uma das táticas mais insidiosas dos líderes autoritários. Especialista em mídia e imprensa, temas de suas colunas no Post, a jornalista demonstra que, para autocratas como Vladimir Putin, há algo de mais valioso do que fazer com que as pessoas acreditem neles: este algo de mais valioso é fazer com que as pessoas não acreditem em mais nada e em mais ninguém. Resumida assim, a fórmula parece um contrassenso. Como, afinal de contas, um tirano pode arregimentar apoio popular, se não faz por merecer a confiança irrestrita das multidões?

Antes de responder, lembremos que nós, aqui no Brasil, conhecemos de perto esse tipo de mando. Neste ponto, vamos nos afastar da linha de argumentação de Margaret Sullivan. Olhemos para o nosso país e vamos entender o contrassenso. Não temos aqui, nos trópicos, um sósia perfeito de Vladimir Putin, mas é inegável que anda nestas terras um personagem que almeja virar Putin quando crescer. Pois então: como é que esses sujeitos agregam seguidores?

Agora a resposta é fácil. Eles não ganham corações selvagens e mentes turvas porque se apresentem como cidadãos confiáveis, íntegros e de boafé. Definitivamente, não é assim que eles se apresentam. Eles mentem, e não precisam esconder que mentem. Eles mentem, todo mundo sabe que eles mentem, mas, como suas mentiras – às vezes cínicas, às vezes perversas – ostentam um potencial destruidor, é com eles mesmos que as falanges ressentidas cerram fileiras.

Líderes como Putin (e seus imitadores) não precisam ser dignos de crédito irrestrito. Eles não precisam construir laços baseados na verdade e na honradez da palavra – basta que se mostrem brutais o suficiente para destruir todas as instituições do saber e do conhecimento que florescem na democracia (como a universidade, a ciência, a justiça, as artes e a imprensa), pois, como não se cansam de repetir – e nisso seus adoradores acreditam fervorosamente –, essas instituições não passam de um amontoado de mentiras. Mentindo em nome de combater a mentira, eles arrebanham seus fiéis.

Para os tiranos, a prioridade não é conquistar a credulidade dos incautos, mas fazer com que o maior número de incautos não deposite mais um pingo de confiança em nenhuma instituição da democracia. Vieram para destruir. Seus apelos mais inflamados repousam não em projetos afirmativos, positivos, construtivos, mas na promessa de devastar qualquer resistência que encontrarem pela frente. É verdade que esses apelos costumam vir camuflados em retóricas aparentemente edificantes em torno de entidades mágicas como a “Pátria”, a “Grande Rússia”, “Deus”, “família” ou qualquer Shangri-lá que simbolize idílio ou virtude (sua fantasia de futuro é sempre a restauração de uma glória mística e militar que teria existido no passado), mas, no fundo, o que leva as sociedades a se entregarem a estes demagogos da força bruta é a paixão por dizimar o que, na democracia, tem parte com a verdade.

Voltemos, agora, à jornalista Margaret Sullivan. Ela nos lembra que a filósofa Hannah Arendt (1906-1975) já havia nos alertado, numa entrevista concedida há cinco décadas, para este truque maligno dos líderes autoritários. Em seu artigo A nova tática de controle da Rússia é aquela que Hannah Arendt apontou há cerca de 50 anos, ela recupera uma frase mais do que luminosa da pensadora alemã: “Se todo mundo sempre mente para você, a consequência não é que você acredite nas mentiras, mas sim que ninguém mais acredite em nada”.

É por isso que a indústria da desinformação a serviço dos regimes de força não se envergonha de espalhar falácias e fraudes. Ela não constrói credibilidade em ponto algum, não precisa disso, apenas semeia o descrédito generalizado. As fake news servem exatamente para incinerar as vias de acesso à verdade factual. O próprio conceito de verdade dos fatos vai se perdendo. As correntes de apoio ao presidente da República não falam em fatos, mas apenas em “narrativas”. Para elas, a verdade dos fatos não existe, só o que existe são versões. No credo das milícias virtuais, não há mais diferença entre juízo de fato e juízo de valor (entre fatos e opiniões). No lugar do pensamento objetivo e do debate racional, quem entra em cena é o fanatismo. Assim, a indústria da desinformação consegue, pouco a pouco, fazer com que, nas palavras de Hannah Arendt, “ninguém mais acredite em nada”.

Pronto: aí está o canteiro ideal para que modelos de inspiração fascista venham a florescer. “Com um povo assim”, dizia a filósofa (conforme lemos no artigo de Margaret Sullivan), “você pode, então, fazer o que quiser”. Se o povo se convencer de que todo enunciado que tinha o estatuto de verdade factual se reduz a impostura e manipulação, aclamará o primeiro maluco facínora que prometer atear fogo em tudo.

Logo, os pregadores das tiranias só precisam produzir confusão e mais confusão. O resto virá como consequência.

*Jornalista, é professor da ECA-USP

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-confusao-que-favorece-a-tirania,70004017550


Bolsonaro e Milton Ribeiro: o governo em troca de uma barra de ouro

Malu Gaspar / O Globo

É difícil prever no que vai dar o escândalo que se abateu nos últimos dias sobre o Ministério da Educação. Mas é fácil perceber que, nesse caso, demitir Milton Ribeiro pode não ser suficiente para fazer o escândalo se distanciar do Palácio do Planalto. E não apenas porque Ribeiro diz, na reunião com prefeitos que teve o áudio exibido pela Folha de S.Paulo, que atender os pedidos de liberação de verba do pastor e lobista Gilmar Santos "foi um pedido especial" do presidente da República.

Os registros públicos das agendas de Bolsonaro mostram que, quando Milton Ribeiro assumiu o cargo, o pastor já tinha acesso livre ao Palácio do Planalto. Gilmar já havia sido recebido duas vezes antes de Ribeiro chegar ao ministério. E depois da terceira visita a Bolsonaro, deixou o Palácio e foi direto para o MEC falar com Ribeiro.

O ministro mal tinha completado dois meses de mandato quando o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) agradeceu ao pastor pelo apoio à família, num vídeo publicado nas redes sociais: "Se não fossem pessoas como o senhor, certamente a nossa guerra aqui na disputa do poder em Brasília seria muito mais complicada".

Talvez esses antecedentes expliquem por que, mesmo com toda a pressão que a bancada evangélica e o Centrão fizeram num primeiro momento pela demissão de Ribeiro, Bolsonaro tenha mandado avisar que não vai tirá-lo do cargo assim tão facilmente. Disposição que se manteve firme mesmo depois que um prefeito maranhense relatou ter recebido do pastor que atuava com Gilmar, Arilton Moura, um pedido de propina de R$ 15 mil antes e um quilo de ouro depois da liberação dos recursos.

Assim que o presidente deixou claro que não cederia, fontes ligadas ao Centrão e a parlamentares evangélicos começaram a procurar os jornalistas para tentar emplacar algumas ideias. A primeira, que o ministro foi "ingênuo" ao se deixar gravar – mas não necessariamente ao permitir que os pastores indicados por Bolsonaro formassem um "gabinete paralelo" dentro do MEC.

Uma segunda frase muito repetida era a de que o ministro da Educação não é problema dos evangélicos, mas uma questão que concerne exclusivamente a Bolsonaro. "Esse é um problema do executivo", disse o líder da bancada evangélica, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). "Não fomos nós que colocamos, não somos nós que vamos pedir para tirar."

Outra conversa corrente, ainda, era sobre o temor de que o ministro saísse atirando, caso percebesse que havia sido abandonado. Com que munição e contra quem, exatamente, ninguém disse. Analisando o que está em disputa, porém, é possível imaginar.

O dinheiro sobre o qual os pastores estavam sentados no MEC era do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, que financia a construção de escolas, creches e quadras de esportes, a compra de ônibus escolares e equipamentos de tipos variados.

São realizações bem visíveis, o chamado "dinheiro na veia", bem mais palpável para os eleitores dos grotões do que a lendária diretoria da Petrobras que fura poço, tão almejada em governos anteriores. Mais precisamente R$ 10,1 bilhões em 2022, destinados majoritariamente a emendas parlamentares, incluindo o orçamento secreto comandado por Arthur Lira (PP-AL).

Os principais cargos do fundo são preenchidos pelos três partidos que compõem o Centrão de Bolsonaro: PP, Republicanos e PL. Mas eis que, quando um prefeito precisa ir ao ministério pleitear a liberação da verba para sua obra ou equipamento, encontra lá um pastor cobrando pedágio que não era nem do Centrão e nem ligado às principais lideranças evangélicas que compõem o governo.

Considerando que, pela lei eleitoral, o dinheiro precisa ser gasto até o início de julho, fica evidente que os pastores ligados a Bolsonaro atravancaram o caminho de muita gente em um momento crucial. Não era preciso ter dotes divinos para saber que, em algum momento, ia dar no que deu.

Nada disso tem a ver com religião, com a guerra cultural que o presidente buscou travar no Ministério da Educação e nem com a presença dos evangélicos no governo. Quem conhece bem o eleitorado evangélico afirma que tampouco o episódio será capaz de fazê-los deixar de votar em Bolsonaro.

É – isso sim– mais um capítulo deplorável na história de um governo que começou celebrizado pelas rachadinhas, passou pelos coronéis lobistas de vacinas e agora torna célebre a propina em barra de ouro. E que pode custar à Bolsonaro, já bastante cercado pelo Centrão e outros tipos de pastores, bem mais do que um quilo de ouro.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/bolsonaro-e-milton-ribeiro-o-governo-em-troca-de-uma-barra-de-ouro.html


Merval Pereira: Aparelhamento evangélico

Merval Pereira / O Globo

Há quem considere que a deterioração do nosso sistema eleitoral teve início quando os partidos políticos descobriram uma maneira certa de eleger mais candidatos sem precisar de tantos votos quanto o quociente eleitoral exige. Passaram a procurar primeiro artistas, radialistas e jornalistas televisivos, depois jogadores de futebol, e atualmente os candidatos evangélicos têm a predominância.

A Frente Parlamentar Evangélica tem hoje 115 deputados federais, 13 senadores e uma meta ambiciosa: chegar a 30% do Congresso, acrescentando 40 deputados e 11 senadores à sua bancada. É um projeto de poder político preocupante, que chegou a escalar o governo da cidade do Rio de Janeiro como passo importante. Mas essa primeira empreitada foi um fracasso fenomenal com a gestão do bispo Marcelo Crivella, sobrinho do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal.

Com as coligações proporcionais, em boa hora extintas, bastava que cada partido tivesse um ou dois puxadores de votos para garantir a eleição de mais candidatos. O palhaço Tiririca teve 3 milhões de votos desde que se candidatou pela primeira vez à Câmara dos Deputados, em 2010. Com isso, estima-se que tenha levado no seu vácuo de cinco a dez candidatos menos votados. Além da extinção das coligações, o Congresso Nacional aprovou mudanças nas regras eleitorais para evitar que candidatos com poucos votos nas eleições proporcionais sejam eleitos pelos “puxadores de votos”.

Agora, os candidatos precisam atingir individualmente 10% do quociente eleitoral de seus estados, o número mínimo de votos que cada partido precisa ter para conquistar uma vaga no Legislativo. São tentativas de retirar das eleições influências que desvirtuem o voto popular. Mas a ação dos evangélicos continua inabalável.

A situação em que se meteu o ministro da Educação, Milton Ribeiro, entregando a pastores a destinação de verbas públicas a pedido do presidente Bolsonaro mostra uma face vergonhosa do aparelhamento político da máquina pública. Na CPI da Covid, já tinha ficado clara a existência de um gabinete paralelo no sistema de saúde pública, a partir da influência de lobistas no Ministério da Saúde. Cansamos de criticar os governos do PT, do MDB, do Centrão que nomeavam pessoas ligadas aos partidos sem capacitação para os cargos. E agora vemos que o Ministério da Educação se utiliza de critério religioso para tomar decisões. É o pior dos mundos, um governo que é guiado pelos interesses de uma religião.

É uma situação inadmissível, seja a religião que for. Pelo jeito, a prática de ter assessores informais existe em todos os ministérios — e, pior, assessores ligados a determinada linha de pensamento, que agem por fora, sem cargos oficiais. Na CPI da Covid, vimos que muitas pessoas trabalhavam dentro do ministério vendendo vacinas, e outras coisas, sem nenhum cargo no governo. É um governo informal, e a informalidade no governo não pode existir.

Pastores não têm nada a ver com o Estado, e sim com suas igrejas. Tanto que a contrapartida de soltar verbas oficiais para prefeitos era a construção de igrejas nos municípios beneficiados. Temos uma novidade na relação público-privada que chega ao extremo. Diante de todo o escândalo no Ministério da Educação, é quase certo que o ministro Milton Ribeiro saia do governo. O Centrão pode não ter força para fazer o sucessor, mas tem força para tirá-lo, porque o escândalo será explorado na campanha, e o governo precisa tomar uma providência.

Pode ser até uma primeira crise entre Centrão e Bolsonaro, que não abre mão de nomear um ministro para ter a garantia de que os valores tradicionais serão ensinados nas escolas, muito mais que a garantia de um projeto de educação organizado e necessário para o país. Por isso, a pasta já teve quatro ministros em seu governo.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/aparelhamento-evangelico.html


Luiz Carlos Azedo: O tucano Eduardo Leite e sua “sombra do futuro”

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense 

O tempo urge para o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que precisa se decidir entre permanecer no PSDB ou migrar para o PSD, a convite do ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Em ambos os casos, para ser candidato a presidente da República, Leite precisaria se desincompatibilizar do cargo até 2 de abril.

Na primeira opção, essa seria a única decisão sobre seu controle, pois sua candidatura dependerá da desistência do governador paulista João Doria. Na segunda, teria legenda garantida para disputar a Presidência, mas isso não significaria o apoio efetivo dos deputados e senadores do PSD.

Vamos por partes. No PSDB, Doria garante que não pretende desistir para outro tucano — se isso vier a ocorrer, será em favor de outro candidato da chamada terceira via que esteja em melhores condições eleitorais, ou seja, Sergio Moro (Podemos) ou Simone Tebet (MDB). O governador paulista se prepara para deixar o cargo, faz entregas e badala suas realizações, como as três mil escolas em horário integral, que considera seu grande legado na Educação. Não pensa na hipótese de disputar a reeleição ao Palácio dos Bandeirantes, garante aos aliados.

A conspiração para remover Doria da disputa presidencial no PSDB, porém, vai de vento em popa. Parte das fichas está no tabuleiro eleitoral de São Paulo, até agora muito adverso para o vice Rodrigo Garcia. Os desafetos do governador imaginam que tão logo deixe o Palácio dos Bandeirantes, os tucanos paulistas se aliarão aos parlamentares de outros estados que defendem sua substituição por Leite, na convenção eleitoral do PSDB, em agosto.

Essa expectativa parte de uma avaliação do cenário eleitoral paulista, em que Garcia aparece bem atrás de Fernando Haddad (PT), Márcio França (PSB) e Tarcísio de Freitas (sem partido). Se os três forem candidatos, será ensanduichado por França e Freitas no interior paulista, e engolido por Haddad na Grande São Paulo.

Essas dificuldades de Garcia estão sendo atribuídas à rejeição de Doria em São Paulo, mas pau que dá em Chico dá em Francisco. Ou seja, a disputa local está sendo muito balizada pela polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Tarcísio e Garcia estão disputando o campo político antipetista, enquanto que Haddad e França trafegam na esteira de Lula.

Apesar de se digladiarem, os tucanos não querem a saída de Leite. Para Doria, que venceu as prévias e acredita controlar a convenção eleitoral, seria um concorrente a menos. Seus dissidentes, porém, fazem um raciocínio mais complexo e trabalham com dois cenários. No primeiro, o governador seria pressionado a desistir pelos aliados do União Brasil e do MDB, que manifestariam apoio a Leite. No segundo, mesmo não sendo o candidato do PSDB, o gaúcho seria a liderança em condições de comandar a federação do PSDB com o Cidadania na reconstrução de uma alternativa social-democrata para o Brasil. Simplesmente porque a sua “sombra de futuro”, em razão da idade, é muito maior do que a de qualquer outro cacique tucano.

A deriva de Alckmin

De certa forma, a deriva do Geraldo Alckmin em direção a Lula reforça esse vácuo de liderança. Herdeiro político de Mario Covas e uma das principais lideranças históricas do PSDB em São Paulo, ao lado de Fernando Henrique Cardoso, José Serra e José Aníbal, a filiação de Alckmin ao PSB, consumada ontem, não pode ser subestimada: o ex-governador tem corpo, cara, coração e cabeça de tucano, mesmo trocando de legenda. Seu discurso não deixou nenhuma dúvida de que pretende agregar ao velho partido do clã Arraes, e à candidatura de Lula, a velha narrativa do PSDB histórico.

Apesar dos questionamentos, a aliança de Alckmin e Lula já foi digerida pelo PT e por toda a esquerda que apoia o ex-presidente. O fato de ter o vice indicado pelo PSB, o maior partido da coalizão de esquerda liderada por Lula, é um ponto final no assunto.

Ao sair da solenidade, os deputados José Guimarães (CE) e Carlos Zarattini (SP), por exemplo, não escondiam o entusiasmo com o discurso do ex-governador paulista, que deixou muito claro seu apoio a Lula. Alckmin falou de esperança e da necessidade de não deixar o passado tolher o futuro. De certa forma, antecipou o discurso que inevitavelmente todos os tucanos de sua geração farão num eventual segundo turno entre o petista e Bolsonaro.

Voltando a Eduardo Leite, essa deriva de Alckmin atrapalha muito os planos de Doria e não pode ser contida por outras lideranças históricas da legenda, que têm apenas uma estratégia de sobrevivência — a maioria em busca de uma vaga na Câmara, como o senador José Serra (SP), por exemplo. Quem poderia resgatar a trajetória do PSDB e conter uma deriva eleitoral, segundo essas lideranças? O governador gaúcho, mesmo que não seja candidato. Por óbvio, esses tucanos dão como certa a cristianização de Doria.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-tucano-eduardo-leite-e-sua-sombra-do-futuro/