Eliane Cantanhêde: Inimigos da democracia

Eleição de 2018 ameaçada por crime organizado, criptomoedas e Fake News

Enquanto na superfície se discutem presidenciáveis, partidos e alianças, nas profundezas a busca é por algo cada vez mais complicado: o financiamento das campanhas de 2018, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou as doações privadas e a opinião pública rejeitou fundos realistas para as eleições. Sem uma coisa nem outra, o que sobra?

Campanhas são sofisticadas e caras. E quem tem dinheiro para campanhas neste País? O crime organizado, as igrejas com seus dízimos e os partidos que ainda conseguem esconder fortunas em algum lugar do planeta. A Polícia Federal já trabalha com a hipótese de dinheiro vivo em iates, contêineres, caminhões e depósitos, além de apartamentos como aquele com R$ 51 milhões do ex-ministro e agora presidiário Geddel Vieira Lima.

O chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen, não esconde o temor da influência do crime organizado na eleição, que projeta influência também nos próximos governos e legislativos. Lembra, inclusive, de episódios de eleições recentes, como a morte de uma dezena de candidatos e cabos eleitorais na Baixada Fluminense, criminosos incendiando locais de votação no Maranhão e avisos de “aqui mando eu” em escolas que recebiam urnas eletrônicas.

O GSI integra uma força-tarefa com TSE, Defesa, Justiça e PF, para tentar dar, sem garantia de sucesso, alguma ordem a esse caos, que inclui não só a infiltração de quadrilhas (comuns...) como também novas formas de comprometer o resultado. Uma delas são as criptomoedas, como o bitcoin, que crescem exponencialmente e sem controle. São legais, mas dependem da ética de cada um, algo para lá de abstrato. Qual é o Banco Central para esse tipo de dinheiro? Quem fiscaliza? Quem pode rastreá-las? “A criminalidade migrou para as criptomoedas”, diz Etchegoyen, reconhecendo a força do inimigo, que representou um grande fluxo de dinheiro, por exemplo, nas eleições municipais de 2016. Com um detalhe: a dificuldade de monitoramento, que pode caracterizar quebra de sigilo, invasão de computadores... Ou seja, um prato feito para criminosos e para verbas de campanha.

Outro alvo da força tarefa são as chamadas “fake news”, que usam a tecnologia, particularmente a internet, para espalhar mentiras que se propagam com uma velocidade estonteante. Em minutos, atingem milhões de pessoas em diferentes partes do mundo e transformam-se em verdade. Sempre perigoso, nas eleições é capaz de inverter resultados. As “fake news” tanto podem ser a favor do candidato-cliente quanto contra os seus adversários.

Depois que o estrago é feito, especialmente na reta final da eleição, não há como revertê-lo. O estrago propaga-se rapidamente, mas a correção é lenta como a justiça brasileira e, até ser feita, Inês é Morta e o candidato, derrotado. Junto com sua biografia, sua imagem e seu conceito público.

Assim como no caso das criptomoedas, rastrear as “Fake News” é como procurar agulha no palheiro. Na greve de policiais no Espírito Santo, em fevereiro, as mensagens “viralizaram” do nada. Soube-se depois que se originavam em Portugal e eram multiplicadas por “robôs”.

O Centro de Tecnologia da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) já avançou muito na detecção dessa prática, assim como o Comando de Defesa Cibernética do Exército vem treinando, com sucesso, desde a Copa e a Olimpíada. Mas combater esse inimigo quase invisível não é fácil.

Os candidatos a presidente, portanto, são apenas uma parte das eleições, num momento de financiamento curto, denúncias intermináveis, desenvoltura do crime organizado e novas formas, não de fazer política, mas de cometer crimes a partir da política. E seja o que Deus e a tecnologia quiserem!

 


Eliane Cantanhêde: Estouro da boiada

 

Revisão do foro vai livrar o Supremo do peso e jogar 90% na primeira instância

Vem aí um grande estouro da boiada com o fim anunciado do foro privilegiado para deputados e senadores em caso de crimes comuns e anteriores ao mandato. O Supremo se livra de cerca de 800 privilegiados, a vida dos juízes de primeira instância vai mudar um bocado e muitos parlamentares vão começar a refletir se vale mesmo a pena disputar a reeleição.

Os advogados terão muito trabalho e seus honorários polpudos estão garantidos. O primeiro cálculo é em que casos vale ou não a pena tirar seus clientes poderosos do Supremo para enfrentar a primeira instância nos Estados. Para alguns investigados, pode ser o paraíso. Para outros, o inferno. Depende das relações que tenham na Justiça local e, obviamente, o caráter e compromisso de cada juiz.

Em tese, um juiz amigão pode ajudar bastante, mas um que seja amigão do adversário pode ser tentado a usar sua prerrogativa de autorizar quebra de sigilos telefônicos, fiscais e bancários. E há muitas dúvidas de ordem prática.

Antes de pedir vista, o ministro Dias Toffoli já antecipou algumas dessas dúvidas em perguntas ao relator Luís Roberto Barroso que vão virar uma enxurrada de embargos, petições e questionamentos ao STF. Por exemplo: o que acontece com o deputado acusado de receber propina como prefeito, mas que continuou recebendo na Câmara?

Hoje, há um sobe e desce de instância dependendo de qual mandato o político tem em cada momento. Mas, apesar do adiamento do resultado final e das dúvidas, o fato é que o Supremo deu um passo não apenas para acabar com um de tantos privilégios e tornar a Justiça mais igual, como também um passo de reencontro com a opinião pública.

Note-se que o STF é dividido ao meio, mas a decisão é inegavelmente majoritária. Ao decidir antecipar o seu voto, o decano Celso de Mello teve a evidente intenção de sedimentar uma decisão praticamente consensual e dar uma resposta, e um alívio, para a sociedade. Foi um sinal, um símbolo.

A decisão é comemorada de Norte a Sul por movimentos de combate à corrupção e por cidadãos e cidadãs exaustos com a extensão e os valores desviados do público para o privado. Entretanto, a questão não é tão simples assim. Os princípios de igualdade são inquestionáveis, mas todos sabemos o quanto, entre o discurso e a prática, vai uma distância enorme. Passada a festa, vai ficar claro que acabar ou revisar o foro não é uma panaceia para todos os males da Justiça nacional.

O que move a ira da sociedade contra o foro privilegiado é principalmente a lentidão do Supremo, mas a Corte julgou, condenou e mandou prender rapidamente no mensalão, enquanto o ex-governador Eduardo Azeredo está sendo julgado até hoje em Minas, seu Estado, por eventos de 20 anos atrás.

Já era previsto um placar com margem folgada (considerando o ministro Ricardo Lewandowski, que está de licença) e o pedido de vista. Se houve uma surpresa foi a força da argumentação dos vitoriosos e o isolamento de Toffoli e de Gilmar Mendes.

Eles foram acompanhados em parte por Alexandre de Moraes, criando uma situação curiosa: Gilmar tem relações diretas com o presidente Michel Temer, Toffoli teve um encontro em particular com Temer às vésperas da votação e Moraes foi ministro da Justiça do atual governo, que o indicou para o STF.

O presidente trabalha para manter o foro privilegiado tal como está? E com que objetivo? A resposta pode estar no Congresso, que vota simultaneamente uma emenda à Constituição que revisa o foro não só para parlamentares, mas para quase todas as autoridades, até mesmo juízes. E pode fazer o contrário com ex-presidentes: hoje, eles não têm foro privilegiado, mas passariam a ter. Já imaginaram Lula sem Sérgio Moro nos calcanhares?

 


Eliane Cantanhêde: Apresentador vira o ‘novo’ com Doria fora

 

Luciano Huck está no jogo e a sociedade continua em busca de um nome de centro

As duas principais conclusões do salto da aprovação a Luciano Huck são, primeiro, que ele está no jogo e, segundo, que a sociedade continua em busca de um nome de centro que signifique o “novo”, uma alternativa aos políticos tradicionais. Saiu João Doria, entrou Huck no foco político e eleitoral.

Em política não há vácuo. Doria vai deixando o campo, mas a torcida insiste em alguém com as mesmas características e expectativas. Huck está no aquecimento. Apesar de reclamar das pressões e do frio na barriga, tem deixado claro que “tem responsabilidade com o País”.

Quanto mais a aprovação de Doria cai, mais a de Huck sobe. Em julho, com sua pré-campanha a todo vapor, o índice de aprovação de Doria (38%) quase empatou com o de desaprovação (45%). A distância disparou: a aprovação despencou para 19% e a desaprovação subiu para 63%, aproximando-se dos índices dos políticos tradicionais do quais ele pretendia se descolar.

Os que demonstravam simpatia por Doria foram transferindo o sentimento para Huck, que tem enorme exposição pública e deu sinais de estar no páreo: conversa com líderes políticos e privados e participa de movimentos que chama “do bem”, como o Agora! e o Renova-BR, para estimular a renovação política.

Doria e Huck servem como teste para as chances do governador Geraldo Alckmin, que venceu o embate com o prefeito e se prepara para enfrentar uma celebridade com todas as vantagens, mas também com todas as desvantagens, das celebridades. Se vencer mais essa, Alckmin herdará a aprovação a Huck. Se perder, vai ter um duro adversário nas forças de centro.


Eliane Cantanhêde: Alerta geral!

Jogar os políticos na primeira instância, com superintendentes camaradas da PF, é risco

O discurso de posse do delegado Fernando Segovia na Direção-Geral da Polícia Federal foi bem recebido, mas ele desperta dúvidas sobre o destino da Lava Jato e joga o foco em duas questões entrelaçadas: o fim do foro privilegiado para políticos e a substituição dos superintendentes da PF nos Estados. Pelo sim, pelo não, convém ficar de olho.

O risco é o deputado ou senador investigado sair da alçada do Supremo Tribunal Federal (STF) e o governador escapar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para cair no colo de um juiz amigo e de um superintendente da PF camarada.

A PF tem sete diretores. Um deles, o corregedor, tem mandato e independe da troca do diretor-geral, mas Segovia trocou todos os outros seis. Dois dos novos têm a simpatia do seu antecessor, Leandro Daiello, e os demais foram escolhas diretas do próprio Segovia, até mesmo na área de inteligência.

A dúvida maior é quanto aos superintendentes estaduais, lembrando que Segovia, apadrinhado por políticos, não pela cúpula da corporação, já foi superintendente no Maranhão dos Sarney. Se ele desanda a nomear superintendentes indicados por políticos, especialmente por investigados, a sinalização será clara: ele foi posto lá para “estancar a sangria”, como prega o líder do governo no Senado, Romero Jucá, referindo-se à Lava Jato.

É justo dar um voto de confiança a Segovia, que é jovem, tem boa ficha funcional, prometeu reforçar o time da PF no STF e fez um giro pelos gabinetes da presidente do Supremo, Cármen Lucia, e da procuradora-geral, Raquel Dodge, para mostrar a que veio. Só ficou estranho o encontro dele com o presidente Michel Temer. O chefe do diretor-geral da PF é o ministro da Justiça.

Mas é bom acompanhar a escolha dos superintendentes, em especial do próprio Maranhão, onde os Sarney têm lá suas encrencas, e no Rio Grande do Sul, onde se destaca o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, citado na Lava Jato e um dos padrinhos de Segovia. Os novos superintendentes têm de ser como a mulher de César: além de serem, eles têm de parecer honestos e profissionais.

Quanto ao foro privilegiado para 513 deputados federais e 81 senadores, há consenso de que é mesmo um privilégio, como o próprio nome já diz. Daí uma forte pressão da opinião pública e da própria cúpula da Lava Jato para rever isso. O curioso é que tanto investigadores quanto investigados defendem o fim do foro. E por que quem desfruta do privilégio quer acabar com ele? Pelo combate à corrupção, ou por que preferem ser investigados e julgados nos seus Estados?

É por isso que, em vez do “fim” do foro privilegiado, é melhor a sua “revisão”, com regras, limites e quem deve ou não ser alvo do STF e STJ. Tarefa para especialistas do direito e da política.

É fato, e é óbvio, que a primeira instância é muito mais célere do que o STF, soterrado por uma avalanche de processos e sem os meios para os casos de colarinho-branco, altamente complexos. Mas nem todo o juiz de primeira instância é um Sérgio Moro, de Curitiba, um Marcelo Bretas, do Rio, ou um Vallisney de Souza, do DF.

Vamos pensar sobre as relações entre o governador, o prefeito, o juiz, o superintendente da PF e o padre em capitais menores e em cidades do interior. Será que não se conhecem? Não frequentam as mesmas festas e restaurantes? Os filhos não são amigos? Aliás, não são padrinhos dos filhos uns dos outros?

No Senado, muitos já foram governadores e prefeitos e são pais de quem hoje ocupa essas posições. É melhor para um senador ser julgado no STF ou por juízes das suas relações? Então, a Lava Jato está num momento decisivo, com a nova procuradora-geral, o novo chefe da PF e o Supremo julgando a questão do foro nesta semana. Alerta geral!

 


Eliane Cantanhêde: Huck é para valer

Parecia brincadeira, mas candidatura Luciano Huck está virando coisa séria

Luciano Huck deve se filiar ao PPS até o dia 15 de dezembro, encerrando as dúvidas sobre sua intenção de se candidatar à Presidência da República em 2018. O que parecia brincadeira começa a ficar sério, num ambiente de polarização entre Lula e Bolsonaro e a ansiedade por uma opção de centro. Ele, porém, precisa mostrar que, além de celebridade, é capaz de assumir esse desafio monumental: não ainda o de ser presidente, mas o de meramente ser candidato.

O movimento Agora! lança Huck como “o novo”, o PPS disponibiliza a legenda e quadros de ponta, como Armínio Fraga, topam a parada, mas todos eles conscientes de que, se há alguma chance na empreitada, é atraindo intenções de voto nas pesquisas, simpatias em diferentes segmentos da sociedade e o apoio de um bom leque de partidos. Quatro letrinhas chaves são PSDB.

Passado o pior momento de disputa com João Doria no PSDB, Geraldo Alckmin terá pela frente o embate com Huck nas forças de centro. Alckmin é do ramo, do principal Estado e de um partido consolidado. É a “segurança”, o “político tradicional”. Huck é um homem de massas, conversa bem com “o povo”, vem de uma família de intelectuais e tem diplomas respeitáveis. É “o novo”, a expectativa.

Em pesquisas internas, Huck já passa dos 10%, graças à classes C e D e à sua audiência na TV. Agora, “é preciso vencer o preconceito”, diz o presidente do PPS, Roberto Freire, que tem longa carreira política, foi candidato à Presidência em 1989 e reconhece o quanto a classe média escolarizada torce o nariz para soluções, digamos, heterodoxas – apesar da exaustão com os políticos tradicionais.

A batalha contra o preconceito passa pela dissociação entre a pré-candidatura Huck e a do também apresentador Silvio Santos, lançada em 1989 para tentar barrar o meteoro Fernando Collor de Mello. Não custa lembrar que foi um voo de galinha: Collor venceu a eleição e os patrocinadores da aventura entraram para a história como “os três porquinhos”.

Huck não é um Silvio Santos e tem a USP no DNA. Formado em Direito e Jornalismo pela universidade, é filho de Hermes Marcelo Huck, Professor de Direito Internacional e Econômico, e de Marta Dora Grostein, professora de Arquitetura e Urbanismo. É também enteado do uspiano Andrea Calabi, ex-ministro interino do Planejamento, e ex-BB, Ipea e BNDES. Ah! E ex-secretário do governo Alckmin. Além disso, é casado com Angélica e irmão do cineasta Fernando Grostein.

Como arcabouço teórico e político, a candidatura Huck é “um projeto reformista”, quando a crise ética, política e econômica é uma faca de dois gumes: potencializa a ojeriza à política tradicional e aos partidos, ao mesmo tempo em que acende a vontade de participação, de renovação. Até por isso, o Agora! oferece bolsas para quem tem vocação e capacidade política em mais de dez Estados.

Freire lembra que a crise do sistema político não é exclusividade do Brasil e se produziu um Donald Trump nos EUA, Emmanuel Macron, eleito na França pelo En Marche!, criado meses antes como alternativa aos partidos tradicionais e replicado, por exemplo, na Itália (M 5 Estrelas) e na Espanha (Podemos). O importante, diz ele, ainda com ares de Dom Quixote, é usar o passado só como reflexão e mirar o futuro, com novas formas de representação política e conexão com as redes sociais para buscar “uma nova era de civilização, pós-sociedade industrial, mirando na ciência, na tecnologia, na inovação”.

Um projeto liberal? “Não. A defesa de uma economia de mercado, mas com profunda preocupação social”, responde. Soa como Social Democracia, mas a Social Democracia não está com o PSDB? Depende. Está, ou estava? A campanha vai dizer.

 

 


Eliane Cantanhêde: O Rio de Janeiro chora

Governadores, secretários, deputados, membros do TCE, empresários... Quem escapa?

Aos que até hoje condenam a transferência da capital da República, ironizam a “ilha da fantasia” e imaginam que Brasília é a origem de todos os males e o centro da corrupção brasileira: já imaginaram se a capital continuasse no Rio de Janeiro?

A Lava Jato explodiu esquemas em vários Estados do País, inclusive no DF, mas nada tão avassalador quanto no Rio, pela abrangência, pelos valores e pela diversidade de órgãos, partidos, personagens. Onde o MP, a PF e a Justiça mexem, há escândalos. Nada escapa.

O símbolo disso é o ex-governador Sérgio Cabral, que se arvorava até candidato à Presidência da República, enquanto dilapidava o patrimônio público e vivia como magnata com sua mulher, Adriana Ancelmo. Só faltou um apartamento com R$ 51 milhões em dinheiro vivo.

Não escapam nem os secretários de Cabral, nem mesmo Sérgio Côrtes, da Saúde. Da Saúde!!! Mas o Rio não tem só um, mas pelo menos três ex-governadores enrolados. Além do megalomaníaco Cabral, estão na mira Anthony e Rosinha Garotinho que, diante do sucessor, parecem ladrões de galinha, mas também são de colarinho-branco e têm fama de espertos.

Os desmandos no Rio, que continua lindo, não se resumem ao Executivo. O presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, foi preso com dois outros deputados estaduais e é a ponta de um iceberg. Dá para imaginar as falcatruas na Alerj? E na família Picciani? São três filhos: Leonardo, ministro de Dilma e de Temer, Rafael, deputado estadual, e Felipe, empresário, que também foi preso. Agora, é saber se os pares dos Picciani na Alerj vão impedir a prisão do chefão. Chegariam a tanto?

É também do Rio o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, um outro peixe graúdo a cair na rede da Lava Jato na Baía da Guanabara e agora passando um tempo em Curitiba. Mas grandes, médios e pequenos empresários brilham nesse cardume.

Como o espaço é curto, fiquemos nos grandes, como Eike Batista, do grupo X, e Jacob Barata Filho, o “rei do ônibus”. E o vice-almirante da reserva Othon Silva, que presidiu a Eletronuclear, controlada pela Eletrobrás? Difícil entender como alguém que entraria para a História como pai do programa nuclear brasileiro joga tudo no lixo por corrupção, pelo vil metal.

O que dizer do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que, de acordo com o TCU, gerou um prejuízo de US$ 12,5 bilhões à Petrobrás? A própria Petrobrás, aliás, tem sede no Rio, uma coleção de ex-diretores e gerentes condenados e três ex-presidentes respondendo por corrupção e/ou má gestão, como Aldemir Bendine, que Dilma tirou do Banco do Brasil e jogou na petroleira, apesar da Lava Jato e da má fama do nomeado.

E já que se falou de TCU, que tal o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ)? Dos sete conselheiros, cinco, inclusive o presidente, Aloysio Neves, são acusados de corrupção pela Operação O Quinto do Ouro, por aceitarem propinas à época do governo Sérgio Cabral. A eles se junta mais um ex-conselheiro. Por enquanto...

Haveria ainda muito a dizer sobre o passado macabro do lindo Estado do Rio, mas é preciso também refletir sobre o presente e o futuro. No presente, o governador Pezão negocia dívidas com o mesmo empenho com que precisa se descolar do padrinho Cabral. E o futuro é incerto e não sabido, com Eduardo Paes, César Maia e Rodrigo Maia, todos três batendo na trave da Lava Jato e seus desdobramentos.

Enquanto isso, quem sofre é a população carioca, sem salários, sem 13.º, sem saúde e educação e ameaçada por ladrões e assassinos sanguinários. Nem uma inofensiva moradora de rua escapou da barbárie. Só falta o Cristo Redentor chorar.

 


Eliane Cantanhêde: Bruxas? Fogueiras?

A crise política, econômica e ética induz a um contra-ataque do conservadorismo?

Há ou não uma onda conservadora no Brasil, arrastando a política, a economia, o comportamento e a visão de mundo das pessoas? Essa questão é impulsionada pela ascensão do deputado Jair Bolsonaro ao segundo lugar nas pesquisas presidenciais, pelos assassinatos de mulheres (pelo menos quatro horrendos na semana passada!) e por militantes que botam fogo num boneco representando a pensadora Judith Butler, defensora da identidade de gênero. Fogueiras?! Bruxas?!

É daí a importância de uma pesquisa do movimento Agora!, com o instituto Ideia Big Data, feita face a face com 3 mil brasileiros e brasileiras de 38 cidades de todas as regiões, entre 31 de outubro e 6 de novembro. A grande maioria desdenhou de um salvador da Pátria na política, mas quase metade concorda que “bandido bom é bandido morto”.

Diante da pergunta sobre o “salvador da Pátria”, 72,8% concordaram que não há isso em política, enquanto, na pregação do “bandido morto”, impressionantes 44,8% disseram sim, 22,2% ficaram em cima do muro e 31,4% discordaram. E quanto à pena de morte? Dividiram-se exatamente ao meio: 47,9% defendem para crimes hediondos, 47,3% são contra mesmo assim.

Significa que cidadãos e cidadãs estão mais bem informados sobre a política, suas práticas e seus personagens, mas reagindo enviesadamente à violência de Norte a Sul, com bandidos armados até os dentes. No Rio, já são 117 policiais mortos neste ano (até anteontem). Se até a polícia está à mercê, imaginem-se trabalhadores, idosos e crianças, até em escolas?

O resultado também reflete essa exaustão com a violência quando a pergunta é sobre direitos humanos. Devem valer para todos, até mesmo para bandidos? 62,4% concordam que sim, mas a resposta contrária teve um alto índice, em se tratando de uma área tão fundamental: 33,8% acham que não. Como se estivesse aí a solução do problema. Não está, muito pelo contrário.

Pessoas do mesmo sexo devem ter o direito de se casar? Para 65,5%, sim. Para 29,7%, não. Mas nem todos os favoráveis aprovam que esses casais adotem crianças: 62,6% sim, 34,6% não. Já no caso da legalização do uso da maconha, há equilíbrio: 55,4% são contra, mas 41,2% já se manifestam a favor.

Por coincidência, mas justamente quando uma comissão especial da Câmara tenta voltar à estaca zero e impedir o direito ao aborto até nos três casos em que já é legal (estupro, anencefalia e risco de morte para a grávida), a Ideia Big Data perguntou se mulheres que fazem aborto devem ser punidas criminalmente. Para 60%, não. Mas, para 31%, sim. Parece pouco, mas não é. Até porque os grupos contrários à descriminalização são mais organizados e têm maior poder de pressão sobre o Congresso, como as igrejas.

Numa eleição, políticos engolem suas convicções e crenças para papagaiar o que as pesquisas dizem, sobretudo as pesquisas qualitativas. O candidato defende a descriminalização do aborto? Depende. Em casa e in pectore, pode ser. Na campanha, pode ser ou não, dependendo do que os eleitores querem ouvir.

Uma pena e um desserviço, porque campanhas são para debates, divergências, confronto de ideias, e devem servir para educar cidadãos e cidadãs para a igualdade, a liberdade, a justiça e o bem comum, acima dos privilégios individuais. Políticos são líderes e líderes têm de ter coragem e responsabilidade com avanços, não com recuos populistas.

A americana Judith Butler, recebida com gritos e agressões em São Paulo (que vergonha!), avisa que pode demorar mais ou menos, mas a vitória sobre a intolerância é certa: “As pessoas querem viver com liberdade, com alegria, não com vergonha e com censura. Temos a alegria e a liberdade do nosso lado. Por isso, vamos vencer”. Amém.

Fonte: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bruxas-fogueiras,70002081336


Eliane Cantanhêde: Sinal amarelo para Doria

Prefeito de São Paulo sofre de excesso de exposição, Bolsonaro corre por fora dos holofotes

- O Estado de S.Paulo

O ácido bate-boca entre o novato João Doria e o veterano Alberto Goldman não é nada engrandecedor, nem para eles, nem para o PSDB, nem para a política e deixa claro, claríssimo, a que nível chegamos, além de ilustrar como o ambiente de 2018 é nebuloso. Tudo que sobe cai. Todo candidato que sobe cedo demais tende a cair com igual rapidez.

Eleito espetacularmente em primeiro turno para a principal, mais rica e mais complexa prefeitura do País, João Doria atribuiu-se um personagem e saiu em desabalada carreira para pular vários obstáculos de uma só vez e chegar direto à raia presidencial. Dez meses depois da posse, ele já começa a sentir os efeitos do excesso de exposição.

A bem do prefeito, diga-se que ele é um bom produto eleitoral: razoavelmente jovem, criou um estilo, oscila entre o político e o não político, é de um partido que, mal ou bem, está entre os primeiros do País e é craque em marketing. Mas, de outro lado, ele não sabe dosar o ritmo de sua gestão e o da sua corrida presidencial.

Como já alertara Rodrigo Maia, presidente da Câmara, “o Doria está correndo uma maratona como se fosse uma corrida de cem metros. Pode não ter fôlego para chegar ao final”. Aliás, para alegria do governador Geraldo Alckmin, mais frio, menos afoito. Esse, sim, se preparou para uma maratona.

A nova frase que tende a ser carimbada na testa de Doria parte de um outro autoproclamado candidato tucano à Presidência, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio: ao partir para cima de Goldman, Doria revelou um temperamento que mistura Donald Trump e Ciro Gomes, dois políticos do confronto, de veia belicosa. Para quem já foi comparado a Fernando Collor, as novas comparações não melhoram muito as coisas.

Enquanto centrava seus ataques no petista Lula, Doria não incomodava tanto o PSDB. O problema é que ele ampliou os alvos para incluir Goldman, ex-deputado, ex-governador e integrante da cúpula tucana paulista que não engole Doria, aí incluídos Aloysio Nunes Ferreira, José Serra e Fernando Henrique, este mais diplomaticamente.

Quem começou a briga foi Goldman, ao dizer que Doria “é político, sim, e um dos piores que nós já tivemos em São Paulo”. Talvez já cansado das estocadas de tucanos paulistas, o prefeito reagiu espumando e acusou o correligionário de “improdutivo, fracassado e medíocre”. A tréplica veio com novos adjetivos nada edificantes, com Goldman acusando o prefeito de “raivoso, prepotente, arrogante e preconceituoso”.

À parte os adjetivos, há a questão objetiva de que está se espalhando a percepção de que Doria cuida mais da sua campanha presidencial do que da gestão de São Paulo. Se pôde xingar Goldman, não convém a Doria xingar as pesquisas – nem brigar com a realidade.

Pelo Datafolha, o prefeito caiu nove pontos entre os paulistanos e tem o pior índice desde a posse. E, se perdeu apoios em São Paulo, nem por isso cresceu na disputa presidencial. Perdeu daqui, não ganhou de lá e 55% dos entrevistados não votariam nele para presidente. Sinal amarelo!

Se Doria apostou no excesso de exposição na mídia e nas viagens – até oito Estados por mês –, o deputado Jair Bolsonaro fez o contrário. Ignorado pela mídia, tanto quanto Trump foi nos EUA, e ignorando as elites intelectuais e políticas, como Ciro Gomes já fez em campanhas passadas, Bolsonaro é o campeão nas redes sociais, vive de selfies e improvisa comícios onde põe os pés.

Enquanto Doria corre o risco de perder precocemente o fôlego, Bolsonaro está se consolidando no segundo lugar das pesquisas. A eleição está no estágio de monólogos paralelos, com todos imaginando que Bolsonaro vá se desmilinguir no primeiro embate. Já imaginaram um debate ao vivo entre ele e Ciro Gomes? Mas... e se não?