Eliane Cantanhêde: "Strike” de Toffoli

Ministro livrou Demóstenes, Maluf e Picciani para justificar HC de Lula?

No recesso branco da semana passada, o Supremo fez um “strike” ao libertar condenados que, há tempos, são arroz de festa e símbolos no noticiário da corrupção. Aplainou, assim, o caminho para o habeas corpus (HC) a favor do ex-presidente Lula na próxima quarta-feira e para a revisão da prisão em segunda instância mais adiante.
O procurador e ex-senador Demóstenes Torres, uma espécie de funcionário de luxo do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Congresso, foi cassado, condenado e estava inelegível até 2023, mas obteve uma liminar para disputar as eleições deste ano. Um espanto!
O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, conhecidíssimo há décadas por suspeitas de corrupção e tráfico de influência, ganhou um HC para sair da cadeia de Benfica e curtir sua condenação no lar, doce lar, da Barra da Tijuca, sem tornozeleira. Uma mudança e tanto.
Na quarta-feira, o (ainda) deputado Paulo Maluf, que frequenta o noticiário policial desde os anos 1980 e foi condenado por crimes de quando era prefeito de São Paulo – de 1993 a 1996! –, passou mal de madrugada e ganhou um presentão no início da tarde: um HC para sair da Papuda, pegar uma UTI móvel e pousar anteontem na sua mansão dos Jardins, em São Paulo. Também sem tornozeleira.
Picciani, 62, tirou um câncer e tem sequelas importantes. Maluf, 86, tem problemas cardíacos e diabetes. Mas por que eles estavam presos nessas condições? Porque usaram de seus cargos, de suas fortunas ou de uma infinidade de recursos para não serem presos quando deveriam ter sido. Agora, quando são, alegam que não podem mais ser...
Por trás das decisões a favor de Demóstenes, Picciani e Maluf, o mesmo ministro, com a mesma caneta: José Antonio Dias Toffoli, que não tinha doutorado nem mestrado, tinha levado duas bombas para juiz e só virou ministro da mais alta corte porque Lula quis. Ex-advogado do PT e advogado geral da União no governo Lula, ele pode até ser uma boa figura, mas lhe faltavam predicados para o Supremo.
Nos HCs de Picciani e Maluf, Toffoli foi contra a posição do relator da Lava Jato, Edson Fachin. Especificamente no de Maluf, foi além: desautorizou uma decisão em sentido contrário dada em dezembro por Fachin, o que não chega a ser inédito, mas também está longe de ser trivial. Fachin mandou prender Maluf, Toffoli mandou soltar três meses depois.
Essa onda de bondades de Toffoli gerou projeções. A primeira é sobre o HC preventivo que pode livrar Lula da prisão na quarta-feira. Decisão difícil: o réu é Lula, a prisão em segunda instância passou por 6 a 5 em 2016, há pressões de todos os lados e 1,5 mil juízes e procuradores entregam manifesto amanhã à corte na linha de Sérgio Moro: contra a mudança.
Ao beneficiar Demóstenes, Picciani e Maluf, o ex-advogado do PT Dias Toffoli estava aplainando o terreno para amenizar o impacto de uma decisão pró Lula? Sem falar que ele é da segunda turma do STF, que livrou o líder do governo, Romero Jucá, e o empresário Jorge Gerdau no inquérito da operação Zelotes. Em seu voto, Toffoli acusou a denúncia da PGR de tentativa de “criminalizar a política”.
A outra projeção é sobre o STF após setembro, quando Toffoli substituirá Cármen Lúcia na presidência, num momento crucial para a Lava Jato e para políticos com mandato, do PT, PSDB, PMDB, PP, PTB.... Aliás, o mesmo Toffoli tinha pedido vistas do fim do foro privilegiado e o tema voltará à pauta em maio.
O foco estava em Cármen, Gilmar, Barroso e Rosa Weber, mas é Toffoli quem agora atrai todos os holofotes, a meses das eleições e quando está em jogo o destino do padrinho Lula. Audácia o ministro mostrou que tem. Até ao assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, apesar de tudo.

Eliane Cantanhêde: Os homens do presidente

Prisão de Yunes e Lima ameaça Temer e cresce polarização esquerda-direita

Não bastasse seus ministros, assessores, operadores e amigos fazendo fila diante da cadeia, o presidente Michel Temer ainda é obrigado a engolir a provocação do ex-procurador geral da República Rodrigo Janot: “Começou?”. Não, não começou, apenas continuou o cerco a Temer e a (quase) todos os homens do presidente. O grande risco é uma terceira denúncia da PGR na reta final do governo.
Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Henrique Alves têm vínculos partidários com Temer, mas os presos de ontem, o coronel João Baptista Lima e o advogado José Yunes, têm outro status nas relações presidenciais: eles são do grupo pessoal, como foi Rodrigo Rocha Loures, o assessor da mala de R$ 500 mil.
Além disso, o alvo é o Porto de Santos, que paira sobre a longeva carreira política de Temer, deputado federal durante décadas e presidente da Câmara três vezes. Esse fantasma começa a se materializar com o pedido de prisão dos amigos feito pela procuradora-geral Raquel Dodge e autorizado pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso – que já tinha mandado quebrar o sigilo bancário do presidente da República.
Assim, Temer se lança candidato à sucessão, mas deve se dar por satisfeito se chegar inteiro até a eleição e passar o bastão para o sucessor no ano que vem. Serão longos oito meses com as notícias sobre o Porto de Santos e o “Quadrilhão do MDB” borbulhando, mas amortecidas pelo foro privilegiado. E depois do fim do mandato? Temer vai no mesmo o caminho do ex-presidente Lula, de processo em processo?

Até lá, o foco dele será se manter vivo e com o governo funcionando. A intervenção no Rio ainda não mostra resultados e o cérebro da economia, Henrique Meirelles, deixa a Fazenda e filia-se ao MDB na próxima semana, tentando viabilizar uma difícil candidatura à Presidência. O mercado não gostou da brincadeira. Sente firmeza em Meirelles como ministro, mas não nas chances eleitorais dele.
O dólar sofreu um solavanco, enquanto o desemprego continua resistente e inclemente. Logo, Temer seguiu a sugestão de Meirelles e nomeou o seu segundo, Eduardo Guardia, para a Fazenda. Uma sinalização de continuidade e um gesto de prudência que devem prevalecer também, por exemplo, na sucessão no BNDES.
O padrão será o mesmo para a reposição de ministros que se desincompatibilizarão até 7 de abril, mas não para sinalizar continuidade ao mercado ou à sociedade, mas para não melindrar os partidos aliados ao governo, que não têm mais utilidade para a reforma da Previdência, mas podem ser vitais numa eventual terceira denúncia da PGR. O PTB tinha e tem o Ministério do Trabalho.
O PP, o da Saúde. O PR, o dos Transportes. Tudo muda, mas nada muda.
O sonho, ou estratégia, de lançar a candidatura de Temer em outubro ruiu de vez com a prisão dos homens fortes do presidente, envolvidos justamente com o Porto de Santos. Se foi sonho, foi um sonho de verão. O verão acabou, veio o outono e Temer nem consegue manter-se candidato, nem tem um candidato para chamar de seu.
Meirelles? Rodrigo Maia? Possivelmente nem eles mesmos acreditem em suas chances e não é absurda a hipótese de acabarem disputando, entre eles, a vaga de vice do tucano Geraldo Alckmin, tendo como padrinho o próprio Temer.
Esse jogo se arrasta além do razoável, com Temer tremendo diante da Justiça e seus presidenciáveis sem sair do lugar. Enquanto isso, os ovos, pedradas e tiros na caravana de Lula no Sul acabaram por acentuar a polarização entre a esquerda, que voltou a se reunir em torno dele, e a direita, que tenta atrair todo o resto. Quanto mais Lula e Jair Bolsonaro trocam acusações e ofensas, mais ocupam espaço na mídia e cristalizam seus nomes no eleitorado. Uma guerra horrenda.

Eliane Cantanhêde: Corretivo no elemento?

Eleição ou guerra? Socos em repórteres, ovos e pedras, a ameaça de cadáveres...

O ex-presidente Lula saiu da sua zona de conforto e foi se meter na Região Sul, onde a recepção à sua caravana tem sido bastante diferente da que encontrou no Nordeste. Pedras, ovos, gritos e estradas bloqueadas estão mostrando não só a irritação contra Lula e o PT, mas também o grau de radicalização da campanha, que tende a piorar.
Soou estranho, até uma provocação, Lula sair em caravana no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina justamente quando o TRF-4, de Porto Alegre, estaria confirmando a sua condenação a 12 anos e 1 mês. Primeiro, porque ele se pôs perigosamente próximo ao palco da decisão. Segundo, porque o Sul é refratário a Lula – e não é de hoje. Terceiro, porque a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que está na primeira fila das ações no STF, é do Paraná.
Rejeite-se qualquer tipo de violência e agressividade contra candidatos, que pode ir num crescendo e acabar virando uma nova modalidade de guerra de torcidas que, nos estádios, já coleciona feridos e mortos. Se Lula sobe no palanque antes da hora (e a Justiça Eleitoral não vê nada de mais), deixa o homem falar. Ouve quem quer.
Feita a ressalva, preocupa também a reação de Lula, que não poupa ameaças de revide e, em São Miguel do Oeste (SC), recorreu a uma expressão nada democrática ao atiçar a polícia para entrar na casa de um manifestante e “dar um corretivo” nele. Como assim? Invadir a casa do cidadão? Dar um corretivo? Lula quer que a PM encha o “elemento” de pancada?
Pela força, simbologia e significado, vale a pena transcrever a fala do ex-presidente, que, um dia, décadas atrás, já foi alvo da polícia por defender a democracia e os direitos dos trabalhadores: “Tem um canalha esperando que a gente vá lá e dê uma surra nele. A gente não vai fazer isso. Eu espero que a PM tenha a responsabilidade de entrar naquela casa, pegar esse canalha e dar um corretivo nele”.
Os petistas e seus satélites nunca jogaram ovo em ninguém? Nunca atiraram pedra em protestos contra adversários? E Lula nunca ameaçou convocar o “exército do Stédile”, referindo-se a João Pedro Stédile, do MST? Então, é aquela velha história: pimenta nos olhos dos outros...
Se a campanha oficial nem começou e já chegamos à fase de ovadas e pedradas, o risco é a eleição sair do controle, estimulada pelo excesso de candidatos versus a falta de ideias e programas, pelos processos, condenações e salvos-condutos envolvendo um ex-presidente que é o líder das pesquisas.
Uma coisa não está clara, mesmo quando se lê o noticiário: quem são os que protestam contra Lula na Região Sul? Eles são vinculados a algum setor, igreja, movimento? E estavam ou não a serviço de uma outra candidatura e partido? Espontaneamente ou a soldo? Na versão de petistas, eles são da “extrema direita”. Apoiadores de Jair Bolsonaro, por exemplo?
Uma coisa é protesto contra mensalão, petrolão, triplex, sítio... Outra é o surgimento de milícias movidas a ideologia que querem confronto e pavor. Ainda mais depois de Gleisi dizer que, “para prender o Lula, vai ter que matar gente”.
Ela falou isso quando a condenação de Lula já conduzia à conclusão lógica – e jurídica – de que ele acabaria sendo efetivamente preso. Só não foi, frise-se, por um salvo-conduto do STF que contraria o próprio entendimento do STF autorizando a prisão após segunda instância.
Se um lado ameaça com cadáveres e esmurra repórteres, enquanto outro reage com ovos e pedras, será eleição ou guerra campal?
(In)coerência. Os indignados com O Mecanismo, de José Padilha, são os mesmos que aplaudiram a cadeira “O Golpe de 2016”, na UnB, uma universidade pública. É a história da pimenta, de novo...

Eliane Catanhede: Todos por um

Se fim da prisão após segunda instância vale para um, valerá para mil?

 

A garantia de liberdade para o ex-presidente Lula foi adiada por mais treze dias, porque os ministros do Supremo tinham pressa para pegar o avião, mas é só uma questão de tempo. Resultado do plenário não se arrisca de véspera, mas tudo indica que o habeas corpus será concedido em 4 de abril, livrando Lula da cadeia e abrindo a avenida que leva ao fim da prisão em segunda instância e a uma encruzilhada para a Lava Jato.

Em vez de esperar a boa notícia sentado, de camarote, Lula aproveita para fazer o que mais gosta: campanha eleitoral. Em Brasília, ministros do Supremo se estapeavam por causa do HC de Lula. No Sul, ele seguia em caravana e, apesar de alguns percalços e vaias, fingia que não era com ele. Provavelmente já sabendo que, fizesse sol ou chuva, a conclusão do julgamento no TRF-4, amanhã, não o levaria para cadeia.

A história, porém, não acaba aí. Toda essa tempestade sobre o STF é por causa de uma só condenação de Lula, mas o triplex do Guarujá é apenas a primeira ação contra o ex-presidente, que responde ainda pelo sítio de Atibaia (aquele que tem a cozinha igualzinha à do triplex), o Instituto Lula, a Zelotes e... o que mais? São tantas que a gente nem consegue lembrar.

 E tem mais: o front penal é um, o eleitoral é outro e Lula passa a ser tecnicamente ficha suja a partir de amanhã, confirmando que a sua candidatura à Presidência é pouco mais de uma ficção e que estará pronta para ser impugnada assim que registrada.

Dado o salvo conduto para Lula e os ministros atravessarem a Páscoa em paz e confirmada daqui a pouco a vitória dele no julgamento do mérito do HC, estarão dadas as condições para a votação, mais cedo ou mais tarde, de uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) que confirme a liberdade de Lula e a amplie para os demais condenados em segunda instância.

Vem aí uma enxurrada de HCs, mas o Supremo terá tempo para eles, já que o ato seguinte desse script será o fim do foro privilegiado no dia 26. A partir daí haverá uma movimentação frenética: no Supremo, os HCs salvadores, não da Pátria, mas de quem foi condenado por espoliá-la; nos Estados, deputados, senadores e ministros avaliando seus juízes. Eles são ou não da turma do Moro, do Bretas e do Vallisney?

Quem for do Paraná, do Rio e do DF reza pela manutenção do foro privilegiado. E quem não é? Deve ter muito político acendendo velas pelo contrário, para sair do Supremo e cair no seu hábitat natural, onde ele costuma nadar bem mais à vontade. Vai virar uma loteria. Cada juiz uma sentença.

Isso, porém, não é o fim, é só o começo. Vem a primeira instância, vem a segunda, fase crucial, a das provas. E aí? Aí, depende. Se mantido o atual entendimento do Supremo, o sujeito e a sujeita, se condenados, já poderão ser presos. Se esse entendimento mudar, como preveem o mundo político e o jurídico, não acontece nada. O (a) condenado (a) esperneia, culpa a imprensa, xinga a justiça, diz que é golpe e vai curtir a vida, livre, leve e solto (a), enquanto seus advogados vão em frente, por anos e anos, de recurso em recurso, até que o processo dê a volta ao mundo e acabe de volta ao lugar de partida, o Supremo. Só que... vinte anos depois.

Resumo da ópera: como já dito aqui, neste mesmo espaço, a combinação de fim da prisão em segunda instância e fim do foro privilegiado é explosiva. Até porque deverá haver uma explosão de fogos e de champanhe para os réus da Lava Jato. Uma festa, o melhor dos mundos.

Por falar nisso, o fim do mundo será quando Collor virar candidato à Presidência e quando o ex-senador Luís Estevão entrar com um HC exigindo equiparação com o caso Lula. São casos diferentes, mas se o STF é camarada com um, por que não seria com os outros?


Eliane Cantanhêde: O Brasil despertou

Marielle Franco é mártir da guerra, contra a violência e o ódio, que é de cada um de nós

Nem o impeachment de Dilma Rousseff, nem a condenação de Lula, nem as duas denúncias contra Michel Temer, nem as reformas da Previdência ou trabalhista... O que realmente causou comoção nacional e levou os brasileiros às ruas foi o assassinato brutal de Marielle Franco.

Mortes de mulheres e crianças há a todo momento no Rio, como em todo o País. Mas Marielle era uma síntese dos desvalidos e uma ativista das boas causas. Mulher, negra, homossexual e pobre das favelas, ela conquistou uma vaga na universidade e um diploma de socióloga, elegeu-se vereadora e dedicava a vida a defender a igualdade, os direitos e as chances das mulheres, dos negros, dos homossexuais e dos pobres das favelas, como ela foi.

Era uma guerreira da igualdade, dos direitos humanos e da responsabilidade do Estado em cada uma dessas frentes. Vereadora, filiada ao PSOL, Marielle lutava dentro do sistema e da legalidade, com imensa legitimidade.

As circunstâncias indicam que houve uma execução fria, planejada: um carro segue outro, emparelha com ele, dispara nove tiros, mata Marielle e o motorista Anderson Pedro Gomes e foge sem levar dinheiro, um único celular ou carteira.

Pergunta básica de qualquer inquérito: a quem interessa a execução? Uma dedução lógica, a ser apurada e comprovada, é que Marielle usava até as redes sociais para combater os excessos das polícias e das milícias que barbarizam o Rio, matam e perseguem negros e pobres de favelas, fantasiadas com uniformes do Estado.

Se pensavam em apenas “dar um susto”, os assassinos de Marielle e de Anderson enganaram-se redondamente. Acabaram despertando a ira, a indignação e a revolta não apenas de um partido e um movimento, mas de toda a sociedade brasileira e da mídia internacional. O “povo” não vai para a rua defender condenados, mas vai para gritar contra um crime inaceitável contra todos os símbolos de Justiça, liberdade, igualdade e direitos humanos.

Se andam às turras por variados motivos, o Executivo, o Judiciário e o Legislativo se unem para enfrentar o crime organizado que extrapolou todos os limites ao confrontar o Estado e as autoridades com esse crime bárbaro.

Curiosamente, o personagem que menos apareceu durante todo o dia extremamente tenso de ontem foi o governador Pezão e houve até uma tentativa de jogar a crise no gabinete do presidente Temer, além de atacar e desacreditar a intervenção no Rio. Mas é o contrário: o que a execução de Marielle e Anderson confirma é exatamente a necessidade da intervenção.

Pelas redes sociais, grupos petistas tentaram tirar uma casquinha da tragédia, dizendo que foi “resultado do fascismo que avança com o golpe dado na democracia”. E acusando: “Quem tirou Dilma matou Marielle”. Seria só patético, não fosse um marketing equivocado. A sociedade não vai aceitar a partidarização do crime, nem esse tipo de oportunismo.

Se há alguma consequência política, além da mobilização dos poderes e do despertar da sociedade, é que o ataque deve gerar reflexões sobre algumas bandeiras da eleição presidencial que são o oposto das defendidas por Marielle, mas podem ser muito próximas das que pregam seus assassinos.

O mais urgente, porém, é saber quem matou Marielle e Anderson, por que e com que objetivos. O temor, alerta o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), é de que possa ter sido o início de “uma escalada do caos”. Se for assim, o recado está dado: os assassinos de Marielle e Anderson despertaram o gigante adormecido e os três poderes, a mídia e a sociedade vão reagir. Uma mulher negra e homossexual virou a mártir de uma guerra, contra o crime e o ódio, que é de todos e de cada um de nós.

 


Eliane Cantanhêde: Uma bagunça

Se a eleição presidencial tem tantos candidatos, é porque nenhum convence até agora

Tem alguma coisa errada quando o líder das pesquisas é um condenado e está com o pé na cadeia, o segundo colocado se empolga (e empolga) com uma “bancada da metralhadora”, o presidente mais impopular da história recente quer entrar na campanha e um ex-presidente que é réu e caiu por impeachment se lança candidato como se fosse a coisa mais natural do mundo. A sucessão tem nomes demais e candidatos viáveis de menos. Seria cômico, não fosse trágico.

Está difícil decorar os nomes dos quase 15 candidatos e é improvável que todos eles vão em frente. No tão falado “centro”, o presidente Michel Temer dificilmente enfrentará uma campanha, o ministro Henrique Meirelles não encanta nenhum partido e o deputado Rodrigo Maia tem resistências do próprio pai, o ex-prefeito César Maia. Logo, o mais provável é que Temer, Meirelles e Maia acabem desistindo e afunilando para Geraldo Alckmin, do PSDB. E não é impossível que o MDB, com Meirelles, e o DEM, com Mendonça Filho ou o próprio Maia, venham até a disputar a vice do tucano.

Apesar dos pesares e do futuro incerto, o PSDB é considerável. Tanto que, na véspera de se lançar, Maia praticamente esqueceu os demais adversários e disse à Rádio Eldoradoque a rejeição ao PSDB é tão grande que solapa as chances de Alckmin. Se o partido fosse tão irrelevante, ele não se daria a esse trabalho.

No mesmo dia, o ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes (PDT, ex-PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB e PROS) também se lançou, com a expectativa de herdar os votos de Lula e prevendo o oposto de Maia: que o segundo turno será entre ele e Alckmin.

O que diz o próprio tucano sobre o veredicto de Maia? Com seu sorriso de esfinge, releva. Sua prioridade não é bater boca com adversários de hoje, mas transformá-los em aliados amanhã, exatamente como fez com João Doria e Luciano Huck.

Meirelles tem até 7 de abril, prazo das desincompatibilizações, para decidir se vai ser candidato, conquistar a vice de Alckmin (sua melhor hipótese) ou ficar onde está. Já Temer e Maia têm muito tempo, porque podem concorrer nas posições que já ocupam e não têm muito a perder enquanto testam suas chances e observam os cenários.

Amigos e interlocutores juram que Temer é candidatíssimo, mas já imaginaram a imagem daquela corridinha de Rocha Loures com a mala todo dia na propaganda eleitoral? E a sonora com o “mantém isso aí, viu?”? Já os de Maia acham que ele empacar em 1% nas pesquisas não será grave, porque disputar um novo mandato de deputado e voltar à presidência da Câmara está de bom tamanho.

Também ao centro, mas fora do bolo de alguma forma governista, Álvaro Dias (Podemos, ex-PSDB) e Marina Silva (Rede, ex-PT), um muito regional, a outra sem estrutura partidária sólida. E, pela esquerda, há os “nanicos” Manuela d’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL), enquanto o nome real do PT não vem. À direita, concorrem o deputado Jair Bolsonaro (PSL), com ares de azarão e pronto a colher dissidentes do MDB e DEM, o banqueiro João Amoêdo (Novo), esquecendo-se de que o eleitor nem entende, mas não gosta do liberalismo puro, e o empresário Flávio Rocha, de que partido mesmo?

Quanto a Fernando Collor: ele voltou como senador por Alagoas e jogou a segunda chance fora ao se unir ao então presidente Lula, seu inimigo em 1989, para participar do butim da Petrobrás. Com uma Lamborghini, um Porsche e uma Ferrari enfeitando a Casa da Dinda, é acusado de se beneficiar de R$ 22 milhões (sem correção) no “petrolão”.

Collor se apresenta como “progressista e liberal”, mas há adjetivos melhores para defini-lo e sua candidatura só pode ser piada, mas ilustra bem uma eleição que está uma verdadeira bagunça. Aliás, nos Estados também.

 


Eliane Cantanhêde: O Alckmin do PT

Como o PSDB, o PT anda em círculos e Fernando Haddad se torna o nome do partido

O PT anda tão em círculos na sucessão presidencial quanto o PSDB, e os dois vão acabar chegando exatamente ao ponto de partida, com o governador Geraldo Alckmin e o ex-prefeito Fernando Haddad disputando a eleição, ambos com chances de ir ao segundo turno.

A sociedade sonhou, falou e tentou alavancar “o novo” para outubro, mas começa a cair a ficha de que a eleição de 2018 tende a repetir o enfrentamento entre PSDB e PT que vem, asperamente, desde a vitória de Fernando Henrique em 1994.

Há resistências ao nome de Haddad no próprio PT? Há, mas também houve, e mais forte, a Dilma Rousseff em 2010 e ao próprio Haddad em 2012. Quem dá as cartas é Luiz Inácio Lula da Silva. Os petistas resistem, mas acabam engolindo. E artistas e intelectuais douram a pílula.

Há quem duvide de que Lula tenha efetivamente pensado no ex-governador da Bahia Jaques Wagner como candidato. E, mesmo que tivesse pensado, a operação da Polícia Federal na casa dele, com pedido de prisão (negado), enterrou qualquer chance de Wagner.

Desde o início, Haddad despontava como preferido, num embate que parecia ser com João Doria, do PSDB. Doria perdeu fôlego, Haddad se manteve firme, apesar de ter contra ele não só o PT, mas também uma dúvida: se nem sequer se reelegeu prefeito, tem como disputar a Presidência? Talvez sim, talvez não, mas vem novamente a comparação com Alckmin: se não ele, quem?

Além disso, Haddad, ou quem quer que seja o candidato do PT, vai ter uma dificuldade enorme: o desgaste do partido, que só elegeu um prefeito de capital nas últimas eleições, na pequena e distante Rio Branco, no Acre. A campanha vai ser de lascar, com acusações, pressões e brigas internas duríssimas.

O principal fator tem cara e nome: Lula. E com diferentes cenários. Se Lula ganhar o habeas corpus preventivo e escapar por ora da cadeia, vai esticar ao máximo a versão de que é candidato, mas pondo Haddad debaixo do braço e fazendo do professor paulista um nome conhecido e palatável no País, sobretudo no Nordeste.

Se Lula for preso e ficar dois meses atrás das grades, ele sai como o maior cabo eleitoral da história e nem precisa ter tanto trabalho de fazer maratona com Haddad. Basta dar uma entrevista atrás da outra e gravar bons programas eleitorais para a TV. Essa hipótese, a de prisão rápida, é considerada diante da iminência de o STF derrubar a execução da pena após condenação em segunda instância, já com Lula preso.

O pior dos mundos para Fernando Haddad, como candidato do PT, seria o terceiro cenário: Lula preso ao longo do segundo semestre, durante toda a campanha. Com Lula fora de combate, sem rebelião das massas e o PT sob ataque, tudo ficará mais difícil para qualquer candidato petista. Com Lula, Haddad é um, sem ele é outro, sem dúvida bem mais frágil.

Mesmo assim, as esquerdas não devem nutrir esperanças. Manuela D’Ávila, do PCdoB, e Guilherme Boulos, do PSOL e líder em ascensão nos movimentos populares, não terão tempo de TV, nem suporte, nem alianças suficientes para deslanchar. E Ciro Gomes, do PDT, jamais teria apoio do PT, além de ter um inimigo poderoso: ele próprio. Se alguém pode herdar eleitores, até pelo “recall”, é Marina Silva, da Rede.

É assim que a eleição vai chegando ao dia 6 de abril, das desincompatibilizações, empurrando para a linha de frente o PSDB e o PT. Alckmin, o “chuchu”, e Haddad, o “mais tucano dos petistas”, estão indo devagar e sempre, numa campanha que não deve privilegiar nomes, mas o que representam. A estratégia do PT é gerar a ideia de dois times em campo, um que “quer manter direitos dos trabalhadores”, outro que “quer tirar esses direitos”. É mentira, mas vai que cola...

 


Eliane Cantanhêde: Meirelles vice de Alckmin

Ministro queria ser vice de Aécio e pode virar de Alckmin com apoio de Temer

Está em gestação a jogada mais pragmática de toda essa campanha eleitoral tão desajeitada: uma chapa com Geraldo Alckmin na cabeça e Henrique Meirelles na vice. Um pelo PSDB, outro pelo MDB, reativando a aliança entre os dois partidos interrompida nos anos do PT e agregando à candidatura Alckmin os êxitos econômicos do governo Temer, mas trazendo como contrapeso sua carga de denúncias e dívidas na Justiça.

As conversas avançam e podem ter evoluído na sexta-feira no encontro do presidente Michel Temer com o tucano Fernando Henrique Cardoso, já que uma costura assim só tende a evoluir com o aval de FHC e o patrocínio de Temer. Se FHC tem sido seguidamente azedo com o governo, vai ter que adoçar o tom.

A operação exige acordos delicados, mas não chega a ser tão complicada. Nem Meirelles é homem de partido, nem o seu partido, o PSD, deu a mínima bola para as pretensões presidenciais dele. Logo, o divórcio será amigável, com todos, ao final, participando da mesma campanha: a de Alckmin.

Se Meirelles é um candidato em busca de uma sigla, o MDB é uma sigla em busca de um candidato. Tenha os problemas que tiver, o MDB é precioso para Alckmin, pelo tempo de TV, ramificação nacional, bancadas no Congresso, governos estaduais e prefeituras. Bem... os emedebistas ajudam a manter o Brasil como a terceira maior população carcerária do planeta, mas que candidato despreza uma aliança assim mesmo?

De outro lado, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, é um pragmático flexível e não tem do que reclamar. Tinha horror de Alckmin, mas encomendou a fantasia para ser vice de João Doria em São Paulo e, se “ceder” Meirelles para a coligação do próprio Alckmin ao Planalto, aumenta ainda mais suas fichas para 2019.

O sonho de Meirelles é ser político e a realidade é que ele sempre recua. Saiu do BankBoston para disputar a Presidência da República, mas se elegeu deputado pelo PSDB e virou mesmo foi presidente do Banco Central do PT. Desde então, colhendo troféus e reconhecimento no Executivo, nunca parou de sonhar com a adrenalina das campanhas.

Meirelles se lançou ao governo de Goiás em 2006 e 2010 e chegou a namorar a ideia de ser vice de Aécio Neves em 2014, mas não teve espaço. É natural que agora desça um degrau para trocar a própria candidatura pela vice de Alckmin, aliás, num País em que ser vice é uma aposta e tanto, que o digam Sarney, Itamar e o próprio Temer, em apenas trinta anos. E Meirelles não seria um candidato a vice qualquer, muito menos um vice qualquer.

A candidatura Alckmin tem sobrevivido de solavanco em solavanco, mas vai se afirmando em cima de uma constatação límpida: não apareceu ninguém melhor para unificar o tal “centro”. Doria queimou a largada e vai caminhando para seu Plano B, o governo de São Paulo. Luciano Huck era para valer (apesar do sarcasmo dos mal informados), mas amarelou na hora de acelerar. Rodrigo Maia mal engatou a primeira. E Álvaro Dias, um ex-tucano, não sai do Sul.

O projeto Alckmin avança e tem uma peça chave: Michel Temer. O presidente vive numa gangorra estonteante, ora lá em cima, com intervenção no Rio, dados econômicos, leve recuperação de empregos; ora lá em baixo, com decisões da PGR e do STF sobre o porto de Santos e as relações perigosas do MDB com a Odebrecht. Um fato, porém, é inquestionável: ele recuperou força política.

Temer tem o que mostrar, demonstrou capacidade de iniciativa e, com certeza, será “um player”. O beneficiário tem tudo para ser Alckmin, mas o apoio tem preço: a defesa do seu “legado”. É assim que, nem amado nem odiado, como os bons candidatos, Alckmin vai pela estrada largando concorrentes e colhendo aliados a partir de uma dura conclusão: “Se não tem tu, vai tu mesmo”.

 


Eliane Cantanhêde: Nem inferno, nem céu

Michel Temer deu uma cambalhota, mas nem por isso vira santo ou candidato

O presidente Michel Temer deu uma cambalhota. Deixou de ser o presidente mais impopular desde a redemocratização, sem horizonte e carregando nas costas o defunto da reforma da Previdência, para passar a ser o presidente que interveio no Rio de Janeiro, deflagrou uma guerra à violência e passou até, vejam só, a ser considerado candidato a um novo mandato.

Nem ao inferno, nem ao céu. Temer enfrentou uma pedreira desde o impeachment de Dilma, com a pecha de golpista e as denúncias de Rodrigo Janot, e sacou a arma que sabe manejar bem: a negociação com partidos e políticos, chegando a excrescências como nomear, e desnomear, Cristiane Brasil, sob intenso tiroteio da mídia e com o Ministério do Trabalho vago. Nem por isso era o diabo.

Mas também não vai virar santo – ou candidato –, de uma hora para outra, só com a intervenção na segurança. Apenas ganha fôlego, possivelmente alguns pontos nas pesquisas e discurso para enfrentar os áridos meses até a eleição e a passagem de cargo, com os holofotes nos candidatos, não num governo nos seus estertores.

Antes da intervenção, Temer só entrava mal na mídia. Com a intervenção, entra na boa e ganhando colunas, notinhas e análises sobre uma possível candidatura. Na eleição, tende a sair das manchetes, minguar, tendo de fugir de denúncias e dos malfeitos de companheiros do PMDB e de assessores no governo. Portanto, das páginas policiais.

O que dizer do encaminhamento de Gustavo Perrella como futuro ministro dos Esportes? Não é aquele famoso pela apreensão de um helicóptero da família com cocaína no Espírito Santo? Agora, Temer não tem mais a desculpa de ter de ceder tudo, anéis e dedos, por três ou quatro votinhos a mais para a Previdência. Livre, ele pode escolher melhor, certo? Sua própria equipe acreditava nisso.

E Henrique Meirelles? Presidente do Banco Central de Lula, ileso no desastre Dilma e ministro da Fazenda de Temer, ele só deixou o primeiro time do BankBoston e voltou ao Brasil com uma única ideia fixa: ser presidente da República. Faltou combinar com os adversários. E com ele próprio, sua falta de jeito e de talento para a política.

Além disso, Meirelles pode capitalizar os avanços positivos na economia, com previsão de crescimento acima dos 3% em 2018, inflação e juros historicamente baixos e balança comercial animada, mas... a pior herança de Dilma foi a cratera fiscal e isso continua sem solução. E teve azar. Sem ter quem lançá-lo, ele decidiu lançar-se. No mesmo dia, a agência Fitch rebaixou a nota do Brasil pela falta da reforma da Previdência e de perspectivas de sair do atoleiro fiscal.

É assim que o governo que não tinha nenhum candidato passou subitamente a ter dois, mas nenhum deles é capaz de convencer de que tem as condições de decolagem, voo seguro e pouso garantido. Tudo pode mudar, mas a expectativa é de que se gaste muita tinta e gogó com as candidaturas Temer e Meirelles para nada. Assim como se gasta com as de Lula, ficha suja, e Jair Bolsonaro, aquele que faz que vai, mas não vai.

Além deles, João Doria não deu para o gasto, Luciano Huck roeu a corda, ninguém mais fala em Rodrigo Maia, Marina Silva faz campanha escondida, Ciro Gomes ainda não foi assimilado pelo PT, Álvaro Dias é regional. Enquanto o centro e a direita vão de voo de galinha em voo de galinha e a esquerda está imobilizada pelo fator Lula, Geraldo Alckmin vê a Lava Jato avançando pelas searas do PSDB justamente no ano eleitoral. Ele tem as condições objetivas e trabalha com afinco para consolidá-las, aguardando pacientemente o apoio do Planalto. Mas precisa sobreviver e garantir as condições subjetivas: Alckmin precisa alavancar Alckmin.

 


Eliane Cantanhêde: Impunidade no forno

Fim do foro e da prisão em segunda instância beneficiará centenas de réus da Lava Jato

Como o Congresso fracassou e teve de recuar em suas tentativas de “estancar a sangria” da Lava Jato, esse papel pode ser exercido, nada mais, nada menos, pelo Supremo Tribunal Federal. Basta o plenário tomar duas decisões: restringir o foro privilegiado dos políticos com mandato e acabar com a prisão após condenação em segunda instância.

Essas duas decisões, somadas, significam que muitos criminosos de colarinho branco já presos serão soltos e muitos dos que estão na bica para ser presos já não serão mais. Uma equação perfeita cujo resultado tem nome: impunidade.

Como funciona? Assim: 1) o Supremo formaliza o fim do foro privilegiado e empurra os políticos para a primeira instância, em seus redutos eleitorais; 2) o processo praticamente recomeça do zero e pode demorar anos até o acusado ser julgado e condenado pelo juiz e depois pelo TRF; 3) e, com a revisão simultânea da prisão em segunda instância, pelo próprio Supremo, não acontece nada com o réu. Ele vai continuar entrando com recurso atrás de recurso, livre, leve e solto.

Isso tudo com um efeito colateral bastante forte na Lava Jato ou em qualquer investigação, em qualquer tempo, sobre corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Sabem qual? O fim, objetivamente, das delações premiadas que foram fundamentais para desvendar esquemas complexos como o do saque na nossa Petrobrás. Qual envolvido vai fazer delação, sabendo que não corre o risco iminente de prisão?

O fim da prisão após a segunda instância beneficia diretamente o ex-presidente Lula. O fim (ou revisão) do foro privilegiado interessa a todos os políticos com mandato e investigados pelo Supremo. As duas coisas, somadas, dizem respeito a todos eles. Logo, já há especialistas fazendo a seguinte conexão: os antipetistas salvam a cabeça de Lula para salvar todos os aliados; os petistas salvam todos os adversários para salvar a cabeça de Lula. Um “acordão” ou, numa linguagem mais polida, uma “convergência” das forças políticas e dos grandes partidos.

Pode até ser, mas não parece pura coincidência o movimento dos ministros Edson Fachin e Dias Toffoli. Fachin, relator da Lava Jato, delegou ao plenário o pedido de Habeas Corpus preventivo para Lula não ser preso, criando condições para a previsão de prisão após segunda instância. Ato contínuo, Toffoli anunciou que está pronto para julgar a revisão do foro privilegiado, já virtualmente definida, por 7 dos 11 ministros, mas nunca proclamada porque Toffoli pediu vista mesmo após formada a maioria do plenário.

Uma peça-chave é o ministro Gilmar Mendes, que reúne duas condições curiosas: a de principal anti-Lula do Supremo, mas pronto a mudar seu voto e salvar o petista da prisão. Gilmar não tem proximidade com Fachin, mas Toffoli foi advogado do PT, indicado por Lula para o STF e tem bom diálogo com Gilmar e com Fachin.

Especialistas estranharam detalhes fora da praxe quando Fachin despachou o HC de Lula para o plenário: a rapidez (recebeu, despachou); não esperou a análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ); não pediu informações para os juízes do caso; não solicitou parecer da Procuradoria-Geral da República (que se manifestou apesar disso).

No mesmo embalo, Fachin liberou para o plenário também dois outros pedidos de HC para os quais tinha pedido vista no ano passado na segunda turma. Soou assim: não estou privilegiando o HC de Lula...

Diferentemente da revisão da prisão em segunda instância, o fim do foro privilegiado é bem popular. Mas aos dois, juntos, significam que os processos dos poderosos vão rolar, rolar e rolar, de recurso em recurso, e acabar justamente no Supremo. Só que 20 anos depois...

 


Eliane Cantanhêde: Lula: golpe de mestre?

A inclusão de Pertence na defesa de Lula tem poder simbólico e risco aritmético

O ex-presidente Lula deu um golpe de mestre para tentar escapar da prisão depois de o TRF-4, de Porto Alegre, julgar os embargos de declaração contra sua condenação a 12 anos e 1 mês: a contratação do advogado José Paulo Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo.

Pertence é grande amigo de Lula e um dos ícones do Supremo, sempre citado e reverenciado nos votos de ministros dos mais diferentes estilos e correntes. Seu reforço na defesa de Lula não tem apenas esse significado, ou esse peso simbólico, mas pode ter resultados práticos.

Analistas da cena jurídica e política veem na inclusão de Pertence na defesa de Lula (pro bono ou não) uma possibilidade também de um novo equilíbrio de votos no STF quanto à questão mais sensível: a prisão já após segunda instância, ou seja, sem o processo passar pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), chegar ao Supremo e ser considerado “transitado em julgado”.

O que chamou a atenção é que houve dois movimentos simultâneos: enquanto a defesa anunciava o reforço de Pertence, as redes sociais espalhavam que ele é primo da presidente do Supremo, Cármen Lúcia, mineira como ele. Isso foi encarado como uma tentativa de acuar a ministra, que votou sempre a favor do cumprimento da pena após a segunda instância e poderia se considerar impedida para julgar um caso do “primo” Pertence.

A isso se soma uma outra questão: a chefe de gabinete do ministro Luiz Fux é casada com um filho de Pertence, o que poderia gerar o mesmo efeito: o de levar o ministro a se considerar impedido para julgar a questão. Como Cármen Lúcia, Fux também votou a favor da prisão após a segunda instância.

Pertence foi o patrono da indicação de Cármen Lúcia para o Supremo no governo do amigo Lula, cheio de elogios para aquela procuradora de Minas, que tinha sido boa aluna de Direito e cultivava a fama de ser dura e “de esquerda”. Um é de Sabará, a outra é de Espinosa, na região de Montes Claros, e um parente distante da ministra tinha o sobrenome Pertence. Por isso os dois se cumprimentavam como “primos” no Supremo, mas eles não são primos nem têm parentesco direto.

Aliás, já há um precedente para manter Cármen Lúcia no julgamento de questões que tenham Pertence na bancada de defesa. Ela julgou normalmente um processo contra o banqueiro André Esteves, que era defendido pelo ex-ministro, sem nenhum motivo para se declarar impedida.

A questão tem um aspecto praticamente aritmético. Como, em 2016, o plenário do Supremo aprovou, por seis a cinco, a prisão após condenação em segunda instância, qualquer mexida pode inverter o placar e impedir a prisão. Seria o caso, por exemplo, do impedimento de Cármen Lúcia e de Fux, dois dos votos vitoriosos.

Uma das dúvidas que havia foi respondida nesta semana, quando o ministro Alexandre de Moraes, que assumiu na vaga de Teori Zavascki, morto em acidente aéreo, votou pela primeira vez sobre a questão e se manifestou a favor da prisão após a segunda instância num outro processo, o do deputado João Rodrigues (PSD-SC), condenado pelo mesmo tribunal de Lula, o TRF-4.

Isso tudo significa que os dois personagens-chave no destino de Lula no STF passam a ser Sepúlveda Pertence, que pode levar ao impedimento de Fux, e, ora, ora, o ministro Gilmar Mendes, que votou a favor da execução da pena em segunda instância, mas admitiu mais de um vez rever sua posição. Logo, eis mais um dilema típico da confusão que o Brasil vive: Lula está nas mãos de um grande amigo, Pertence, e de um adversário público, Gilmar Mendes.

 


Eliane Cantanhêde: O País do carnaval

 

Os milhões que não vão às ruas por Lula e pela política se esbaldam no carnaval

Dois milhões de brasileiros foram às ruas de São Paulo no sábado e, no domingo, um milhão invadiu a Rua da Consolação, no centro da capital paulista. As fotos são impressionantes e dão muito o que falar e o que pensar. O “povo” não quer só desgraça, o “povo” quer festa e carnaval!

Eles protestavam contra ou a favor da condenação do ex-presidente Lula na Justiça? Ou da ameaça de prisão do maior líder popular do Brasil? Ou seria contra ou a favor do governo Michel Temer? Da reforma da Previdência? Da reforma trabalhista? Da privatização da Eletrobrás ou da combinação da Embraer com a Boeing dos Estados Unidos?

Seria então contra ou a favor da posse da deputada Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho? Do auxílio-moradia de juízes, procuradores e parlamentares? Ou da falta de julgamento dos políticos com mandato pelo Supremo?

Ah! Foi por causa do aquecimento global, da crise hídrica, das peripécias de Donald Trump, da implosão da Venezuela? Senão, foi contra o Aedes aegypti, que continua dando um banho nas autoridades brasileiras? Ou diretamente contra as doenças transmissíveis? Num ano, zika, chikungunya, H1N1. No outro, febre amarela. Febre amarela, que se combate com vacina???

Não, nada disso. Milhões de pessoas estão indo às ruas de São Paulo, do Rio, de Salvador, do Recife... para pular o carnaval e mostrar que o Brasil é muito maior do que sua corrupção e seus poderosos. Aliás, uma semana antes de o carnaval começar, como os deputados e senadores, que abriram o Ano Legislativo ontem já com um pé no avião para a folia nos seus Estados ou para uma “folga” numa cidade bem bacana ou em praias paradisíacas.

O fato é que, como a gente sempre fala aqui neste espaço, tem sempre alguém prevendo protestos, quebra-quebras, incêndios e mortes se Dilma Rousseff cair, se mudarem as regras do pré-sal, se o Congresso derrubar as denúncias da PGR contra Temer, se a reforma isso ou aquilo passar, se...

Nada disso aconteceu, nem mesmo quando o TRF-4, de Porto Alegre, não apenas manteve a condenação de Lula como aumentou a pena imposta pelo juiz Sérgio Moro, de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês, pedindo cumprimento de pena após tramitação dos recursos no próprio tribunal. Um punhado de militantes desfilava com suas bandeiras vermelhas, enquanto a Bovespa batia recorde e o dólar caía. Tudo dentro dos conformes.

O presidente do TRF-4 circulou por gabinetes de Brasília, o ministro da Justiça foi a Porto Alegre, o centro da capital gaúcha foi isolado, atiradores de elite foram acionados. Muito ruído por nada. Nem os apoiadores de Lula nem os críticos de Lula queriam guerra nem “mortes”.

O povo brasileiro está cansado de escândalos, de roubos, de crises, de cortes, de todos os partidos embolados numa grande nuvem de confusões. Mas o povo brasileiro nunca se cansa de carnaval.

Aliás, não apenas nos tradicionais Rio, Salvador, Recife, porque o carnaval de rua cresce, ano a ano, em São Paulo e as fotos do Estado de ontem mostram a força não só dos blocos de rua, mas também da alegria e da disposição do brasileiro para a folia, para as festas populares.

Se houve fotos impactantes assim na política foi nas Diretas-Já e em junho de 2013, quando um aumento de centavos nas passagens urbanas detonou um protesto gigantesco, surpreendente, sem lideranças, partidos, alvos diretos. Mas que continua provocando efeito.

Aquela manifestação foi apartidária e um alerta geral aos poderosos. E é altamente improvável que se repita contra a prisão de condenados por corrupção, mesmo que esse condenado seja Lula. O “povo” é anticorrupção e pró-carnaval!