Eliane Cantanhêde: Isolados e sob ataque
De economistas a generais, há quem arrisque a saúde e a imagem para o País não afundar
A renúncia de Pedro Parente tem lá seus motivos, mas faltou algo essencial: senso de oportunidade. Ele sai a poucos meses das eleições e na pior hora não só para o governo como para ele próprio. Em vez de levar para casa o troféu de quem reconquistou o primeiro lugar do pódio para a Petrobrás, leva a queda espetacular nas Bolsas e o recuo à quarta colocação nacional.
Excelente gestor, um dos três pilares tucanos na economia de Michel Temer e lustroso integrante do “dream team” original do governo, Parente renunciou justamente no primeiro dia do fim da greve dos caminhoneiros, atrapalhando a comemoração e o descanso de fim de semana de uma equipe e um País exaustos. E foi assim que ele jogou luzes sobre um outro lado da moeda: os homens públicos que, isolados e sob feroz ataque, mantêm o barco navegando.
Nesses tempos de raiva e indignação contra tudo e contra todos, há que se reconhecer o esforço quase heroico dos homens de Estado que estão trabalhando 20 horas por dia, dando a cara a tapa na TV e enfrentando um rombo crescente no casco fiscal para levar o barco até 31 de dezembro, sob o lema de que o Brasil não pode parar.
Além de Eliseu Padilha (gestor) e Moreira Franco (formulador), do MDB e da entourage de Temer, há uma tripulação que sacoleja, mas não arreda pé da sua missão, como Raul Jungmann, Ilan Goldfajn, Eduardo Guardia, Sergio Etchegoyen, Eduardo Villas Bôas, Silva e Luna, Ademir Sobrinho e uma única mulher, Grace Mendonça.
O governo é o mais impopular da história, o presidente Michel Temer continua sob pressão da Justiça, há milhões de desempregados, o cobertor dos recursos é curtíssimo, o Congresso é rebelde, e a mídia, implacável. E lá estão eles, por motivações e interesses distintos, mas com a disposição inarredável de não pular do barco e deixar o País afundar de vez.
Fora da Lava Jato, destaca-se Jungmann, que era deputado do PPS, ex-partidão, tomou posse na Defesa e estava pronto para disputar a reeleição por Pernambuco quando deu meia volta para assumir a nova pasta de Segurança e, agora, a linha de frente contra a crise dos caminhoneiros. Pela personalidade e determinação, lembra Nelson Jobim, que passou por Executivo (com FHC, Lula e Dilma), Legislativo (no então PMDB) e Judiciário, no Supremo.
São homens de Estado, como Ilan Goldfajn e Eduardo Guardia, que foram da equipe de Pedro Malan na Fazenda, ao que se saiba nunca se meteram em negociatas e têm como ambição servir como homens públicos, acertar nos seus propósitos e merecer reconhecimento. Economistas podem concordar ou criticar suas políticas, mas sem desmerecer seu talento e dedicação.
O senso de missão está impregnado nos generais, almirantes e brigadeiros da atual cúpula militar, que vêm de uma cultura de ordem e hierarquia e estão, pela Constituição, a serviço das autoridades constituídas e do presidente da República. O barco sacode, as ondas são assustadoras, não há frestas nas nuvens escuras e eles têm um objetivo: evitar que o Brasil afunde.
E surge um novo personagem que cresce, aparece e conquista não só assento no gabinete de crise do Planalto, mas também interlocução – e respeito – no Supremo, no STJ, na PGR, na área militar e na mídia. Trata-se de Grace Mendonça, da Advocacia-Geral da União (AGU).
Com tanta desgraça, tanto ódio, o governo está ilhado, em meio ao dilúvio, e é preciso lembrar que nem todo mundo é ladrão, mal-intencionado e opera para afundar o Brasil. Há muito marinheiro arriscando a saúde e a imagem para entregar o leme para o próximo presidente. Não é fácil, nessas condições de tempo e temperatura, botar a cara na TV e falar por este governo. Mas o mote deles não é um governo, é um País, o nosso País.
Eliane Cantanhêde: Nem golpe nem Venezuela
A greve deixa uma conta altíssima, mas as instituições funcionam
A bandeira da “intervenção militar já” é mais nociva do que o refrão “o Brasil vai virar uma Venezuela”. Nenhuma das duas coisas vai acontecer, mas pregar a ditadura é grave e perigoso, enquanto falar em venezuelização é apenas marketing leviano. Logo, uma mobiliza desmentidos e esconjuros até das Forças Armadas, enquanto a outra não passa de papo de botequim.
A paralisação dos caminheiros sacudiu o governo, acionou o Legislativo e o Judiciário e deixou um rastro de prejuízos bilionários, mas ensinou duas lições: 1) diferentemente do que ocorre na Venezuela, as crises são pontuais, enfrentadas por instituições sólidas e solucionadas; 2) a insatisfação é generalizada, inclusive nos meios militares, mas não há lideranças dispostas a transformar o caos em inferno.
Os radicais são ruidosos, muitas vezes ruinosos, mas são sempre minoria. Têm força para aproveitar uma paralisação com motivos justos para fazer um movimento político sem pé nem cabeça e com pedradas contra os que se dão por satisfeitos e só pensam em voltar para casa com o troféu – e as vantagens – da vitória.
Diante dos gatos pingados que pedem “intervenção militar já”, num país traumatizado pela longa história de ingerências militares na política e uma ditadura que deixou vítimas e ódio, as Forças Armadas assumiram elas próprias a missão de rechaçar a ideia de golpe.
Até a minha entrevista com o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, de dezembro de 2016, foi tirada do baú. E lá está ele, como a mais reluzente liderança militar nesses tempos difíceis, ironizando “os malucos, os tresloucados” que batem às portas dos quartéis pedindo intervenção.
Também o ministro da Defesa, general Silva e Luna, disse agora a Tânia Monteiro que as Forças Armadas “trabalham 100% apoiando a legalidade, com base na Constituição e sob a autoridade do presidente da República”. E ratificou: “O único caminho de acesso ao poder é pelo voto”.
Fazendo coro, o chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Ademir Sobrinho, desdenhou, no plural: “Não temos concordância com isso (intervenção), seguimos a Constituição, a democracia”. E, no Planalto, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, outra estrela militar, disse que não vê nenhum militar pensando nisso e ironizou: “Esse assunto é do século passado”.
Que assim seja e a história registre todas essas manifestações enfáticas, mas, pelo sim, pelo não, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, usou a primeira sessão do plenário após o início da greve para fazer uma declaração que, sem citar caminhoneiros, militares ou “vivandeiras de quartéis”, teve um objetivo claro: condenar ditaduras e fazer uma defesa enérgica da democracia, regime que prevê instrumentos e remédios legais para as crises mais difíceis.
É assim que vamos atravessando crises sucessivas, incrédulos, confusos, indignados e sem saber o que nos reserva uma eleição totalmente imprevisível, mas com a certeza de que nossos “Venezuela’s days” confirmam que temos energia institucional, econômica e social para enfrentar crises e o Brasil jamais será uma Venezuela.
E, por mais que os “tresloucados” não saibam nada ou tenham memória curta, o trauma da ditadura não é só civil, é também militar, e não há lideranças nem vontade nas Forças Armadas para aventuras sem saber como depois sair delas.
Está difícil encontrar homens-bomba contra a democracia. Há militares com liderança e força, mas não querem e sabem que não podem nem devem. E, se há militares que queiram e acham que podem e devem, não têm liderança nem força. Sem unir liderança, força e vontade, não tem golpe. Aliás, não terá golpe nenhum. Que venham as eleições!
Eliane Cantanhêde: Brincando de golpe
Tentar derrubar Temer da Presidência é o típico, e inútil, ‘chutar cachorro morto’
Assim como nos aviões, são duas as decisões mais tensas de uma greve: quando e por que começar, quando e por que parar. A greve dos caminhoneiros começou na hora certa, jogou luz nas agruras do setor, criou um caos no País e foi um estrondoso sucesso. Os caminhoneiros, porém, estão perdendo o timing de acabar a greve e capitalizar as vitórias.
As pessoas apoiaram a revolta, mesmo sofrendo diretamente as consequências, porque se identificaram com as dificuldades dos caminhoneiros e, como eles, estão à beira de um ataque de nervos diante de tanta corrupção. Mas é improvável que apoiem agora, simultaneamente, o “Fora Temer”, o “Lula livre” e a “Intervenção militar já”.
É uma salada indigesta. Pepino, abacaxi e pimenta não combinam e, cá para nós, focar o protesto na queda do presidente Michel Temer raia o ridículo, é como “chutar cachorro morto”. Faltando seis meses para o fim do governo? Com Temer já no chão? É muita artilharia para pouco alvo.
O governo cedeu exatamente em tudo que eles pediam: preço do diesel, redução de impostos, previsibilidade nos reajustes, tabela mínima de fretes e mudança nos pedágios federais, estaduais e municipais. Uma brincadeira que vai custar de R$ 9,5 bilhões a R$ 13,5 bilhões ao Tesouro. Leia-se: a você, leitor, leitora. Agora, a munição do governo acabou. Não há o que fazer.
Eles exigiam mais do que 30 dias de suspensão de aumentos, o governo admitiu o dobro. Exigiam aprovação já, o governo assinou medidas provisórias, que entram em vigor imediatamente. Exigiam publicação do acordo no Diário Oficial da União, o governo fez uma edição extra. Depois de tudo, eles passaram a exigir o corte de R$ 0,46 nas bombas, antes de voltar à ativa. Estão enrolando. Com outras intenções?
Uma coisa é a paralisação de caminhoneiros com reivindicações justas. Outra coisa, muito diferente, é um movimento político com exigências difusas, até contraditórias, e absolutamente inexequíveis. A paralisação deixa de ser justa, perde a legitimidade e passa a ser um ataque oportunista, não a um governo agonizante, mas às instituições e a toda a sociedade.
Ontem, manifestantes já circulavam pela Praça dos Três Poderes e confrontavam o Palácio do Planalto, como ocorreu em junho de 2013. Amanhã, os petroleiros podem começar uma greve sem pauta, movida a ódio e a política. No que isso vai dar? Há um clima de insegurança, de temor, de exaustão, no qual o que mais falta é racionalidade. Não estão medindo as consequências.
Estão todos brincando com fogo: governo, caminhoneiros, os que amam Lula, os que odeiam Temer, os saudosos da ditadura militar... Mas todos eles, que comemoram e se divertem hoje, poderão ter muito o que chorar e espernear amanhã, porque todo esse ódio e essa “revolução” miram um governo em fim de festa, mas podem acabar fazendo a festa de quem menos eles esperam em outubro.
Diz a inteligência, e confirmam os estrategistas, que você só dá passos sabendo onde quer chegar. E deve saber o momento de parar, para renovar energias, ou até recuar, para não bater com a cara na parede. O que se vê hoje, nos radicais que ameaçam as vitórias dos caminhoneiros, e na turba que os aplaude maliciosa ou ingenuamente, é justamente a falta de objetivos, de propósitos. É se jogar de cabeça, sem pensar nos riscos, nos perigos.
Derrubar Temer e colocar Rodrigo Maia na Presidência não pode ser um objetivo sério, um propósito de boa-fé. É uma manifestação irracional de ódio, um desserviço ao Brasil, uma aventura com repercussões nefastas. Quem gosta de brincar com fogo parece torcer por um golpe, mas um golpe de verdade. Que não venham depois chorar sobre o leite derramado, tarde demais.
Eliane Cantanhêde: Escolhendo o inimigo
Governo e PT poupam caminhoneiros e partem para cima de transportadoras
Quase ninguém percebeu, mas o governo Temer e o PT assumiram um discurso parecido diante do caos que a paralisação dos caminhoneiros gerou no País inteiro. Para os dois ex-parceiros de poder, agora inimigos ruidosos, o protesto dos caminhoneiros é “justo” e os verdadeiros culpados são os donos das transportadoras. A uns, solidariedade; aos outros, a lei.
Em nota, o partido de Lula condenou as empresas de transporte, “que se aproveitaram do movimento para realizar um locaute”. Em entrevista no Planalto, ministros destacaram que greve de trabalhador é legal, mas locaute de patrão é crime. Raul Jungmann, da Segurança, enumerou imputações e penas: incitação à violência, tantos anos, ameaça à segurança dos trabalhadores, mais tantos...
O presidente Michel Temer abriu a sexta-feira anunciando o uso de “forças federais” e atacou a “minoria radical” que ignorou o acordo com o governo e manteve a paralisação. Seus ministros, porém, deixaram os radicais para lá e, cuidadosos com os caminheiros que impõem ao País falta de comida, remédios, água e combustíveis, anunciaram medidas duras contra seus patrões.
Carlos Marun, da Articulação Política, disse que o governo optou pela negociação “por entender justas as reivindicações”. Eliseu Padilha, da Casa Civil, até elogiou: “O movimento foi plenamente exitoso”. Enquanto isso, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) investiga as empresas de transportes e a Polícia Federal convoca vinte empresários do setor para depor.
E por que os adversários PT e governo assumiram esse mesmo discurso? Primeiro, porque a população, já exausta de corrupção e abusos, e também atingida diretamente pelos aumentos de combustíveis, identifica-se com os caminhoneiros, trabalhadores e vítimas como ela própria.
Mas a coisa muda de figura quando a população percebe, ou é devidamente informada, que são patrões oportunistas e aproveitadores que estão criando o caos, impondo as filas em postos de combustíveis, cancelando ônibus e voos e ameaçando hospitais, o fornecimento de comida e água.
Até por isso, uma palavra mágica no Planalto foi “desabastecimento”. Quem fica feliz e aplaude a falta de tudo? Nesse espírito, e bem treinado antes, o primeiro militar a assumir a Defesa, general Silva Luna, justificou assim o uso das Forças Armadas em todo o território nacional: “Para garantir o abastecimento”.
As reações do governo e do PT têm um alvo poderoso: a opinião pública. Mas o governo esconde, e o PT assumiu explicitamente, um temor de “aventuras autoritárias”. E, evidentemente, o efeito nas eleições de outubro. Como o movimento remexeu o mau humor nacional, e a esquerda e as bandeiras vermelhas de PT, CUT, MST... estão ausentes nos caminhões parados de Norte a Sul, é razoável supor que tudo isso possa favorecer Jair Bolsonaro. Aí, bate o pânico.
Nesse inferno, o governo ficou entre a cruz e a espada também ao negociar suspensão e “previsibilidade” de reajustes, mas sem piorar as perdas da Petrobrás, de muitos bilhões na Bolsa e também de credibilidade: voltou a ingerência populista na política de preços da companhia, que, em horas, deixou novamente de ser a número 1? Assim, o governo interfere nos reajustes, viu, caminhoneiro, viu, sociedade? Mas arcando com o grosso do prejuízo, viu, investidor, viu, acionista?
Há, porém, um problema aí: essa engenhosa negociação é para o diesel. E a gasolina, que bate direto no bolso do cidadão e da cidadã? A resposta do governo é que não é por causa da gasolina, e sim do diesel, que sobem os preços da carne, dos ovos, de toda a cadeia produtiva. Ok. Agora, vai lá combinar com os russos. Ou explicar o litro a R$ 5 para quem tem pouca opção e precisa encher o tanque para tocar a vida.
Eliane Cantanhêde: Injustas e ilegítimas
O Brasil não é e nunca será ‘uma Venezuela’, como bradam setores nacionais
Sabem quando o Brasil vai virar “uma Venezuela”? Nunca, jamais, em tempo algum, porque a Venezuela não produz nada além de petróleo e o Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do mundo e exporta de aviões, ônibus e automóveis a petróleo, minério de ferro e sapatos.
A Venezuela é castigada há décadas por uma elite mesquinha e antinacionalista, que se lambuzou do petróleo exuberante, estabeleceu-se nos EUA e nunca se preocupou com o desenvolvimento do país e a criação de uma planta industrial – e de empregos.
No Brasil, a elite é elite, com todos os seus defeitos e mesquinharias, mas aprimora-se, estuda fora, investe nas amplas potencialidades do País: clima fantástico, sol o ano inteiro, água doce e salgada, florestas abundantes. O agronegócio é moderno e sofisticado, a Embraer está sendo cobiçada pela Boeing, a Marcopolo exporta carrocerias de ônibus para toda parte.
Enquanto na Venezuela as instituições estão aos frangalhos, no Brasil elas funcionam, seguem regras, são transparentes, até expostas, com os julgamentos mais importantes no Supremo e no Congresso transmitidos ao vivo. A imprensa é livre e atuante. São muitas críticas, até exacerbadas.
Corrupção? Sim, a Venezuela é escandalosamente corrupta, desde as poderosas autoridades até os mais simples agentes públicos. Até para tomar vacina tem-se de pagar propina.
No Brasil, como nós assistimos quase que diariamente, a corrupção é medida aos milhões de dólares, com uma promiscuidade doentia entre público e privado e corruptos tão audaciosos que são (ou foram, não se sabe ainda) capazes de destruir um Estado inteiro, como o Rio de Janeiro, e a principal estatal, a Petrobrás. Mas há uma diferença fundamentam entre Brasil e Venezuela: a Lava Jato!
Com boa vontade e alguma leitura, é possível entender como Hugo Chávez uniu a direita militar e a esquerda nacionalista e seu regime vicejou na Venezuela. O projeto Chávez fazia sentido, contra instituições falidas, corrupção crônica, inépcia, desvio das riquezas para os Estados Unidos.
No Brasil, apesar de todas as crises, da longa ditadura, de dois impeachments e, agora, 14 milhões de desempregados e uma violência urbana fora de controle, não há clima nem tanto motivação para golpes como o de Chávez na Venezuela.
Mas essa não é a principal diferença na política. A principal diferença é que, como no início deste texto, nunca, jamais, em tempo algum, um sujeito como Nicolás Maduro iria tão longe aqui. Tão longe no poder, tão longe na sua sanha destruidora do seu país, afundado numa crise política, econômica, social e humanitária sem precedentes.
Maduro acaba de ser eleito com 67,7% dos votos, mas só dos votos confirmados, porque a abstenção foi superior a 50%. E as eleições são questionadas gravemente não só dentro, mas também fora da Venezuela. Ácidas críticas chovem dos EUA, da Europa, das Américas, num crescendo em que só se excluem países como Rússia, China e o peculiar Irã.
Além de assinar uma nota duríssima do Grupo de Lima, que reúne países desde a Argentina até o Canadá, passando pela América Central, o Brasil foi além. Numa nota que foge ao padrão da diplomacia, via Itamaraty, o governo lamentou que a reeleição de Maduro, por mais seis anos (uma eternidade!), “carece de legitimidade e credibilidade”.
Acusou o país de não ter atendido aos insistentes chamados da comunidade internacional por eleições “livres, justas, transparentes e democráticas”. Logo, acusou-as de serem justamente o oposto. Não falou sozinho. E vai ficando claro que agora é guerra contra o regime Maduro e a favor do povo venezuelano, vilipendiado, faminto e sem futuro.
Eliane Cantanhêde: Fundo do poço
Alguém precisa dizer a PT e PSDB que um não é mais o pior inimigo do outro
Como a política brasileira chegou a esse fundo de poço? Uma das origens está em 1994, quando o PT e o PSDB ficaram muito próximos e, depois, não apenas se separaram como passaram a se odiar. E a se destruir, abrindo espaço para legendas oportunistas, conchavos escandalosos no Congresso, toda sorte de desmandos e corrupção. O resultado é o esfacelamento do PT, o imenso desgaste do PSDB, uma indefinição preocupante para outubro e um exército de “coxinhas” e “mortadelas” se atacando irracionalmente pela internet, incapazes de entender que estão entregando o campeonato de bandeja para os reais inimigos.
O grande líder e candidato do PT está preso, o mais poderoso ex-presidente do partido acaba de voltar para a prisão com uma nova condenação, de 30 anos, a atual presidente é alvo da PF e tem horizontes nebulosos no Supremo. Sem candidato e sem comando, fica difícil fechar alianças e traçar estratégias. E o tempo está correndo.
No PSDB, o único candidato de “centro” com alguma viabilidade não sai do lugar, os ex-candidatos enfrentam processos graves na Justiça e na próxima terça-feira um de seus ex-presidentes pode estar a caminho da prisão. E o partido se contorce no eterno dilema de ser ou não ser qualquer coisa. Uma ala pragmática defende alianças. Seu maior líder lança manifesto por alianças restritas.
A cada petista enroscado na Lava Jato, o PT reage com o mesmo refrão: “Mas o PSDB....” A cada tucano enrolado, o PSDB reclama: “Não somos iguais ao PT...”. O PT só pensa no PSDB, o PSDB só pensa no PT. Enquanto isso, o inimigo comum Jair Bolsonaro é o segundo nas pesquisas, o ex-PDS Ciro Gomes se lança como esquerda e cisca à direita e a ex-PT Marina Silva atrai os perplexos.
Em 1993 e 1994, o PSDB admitia abrir mão da cabeça de chapa para Lula, então considerado imbatível. Mas o PT, que é o PT, não retribuiu na mesma moeda quando Fernando Henrique patrocinou o Plano Real e o jogo se inverteu. O PT, que aceitava de bom grado a aliança a seu favor, nem sequer considerou ser a favor dos velhos parceiros de combate à ditadura.
Isso empurrou o governo Fernando Henrique para os braços do então PFL, hoje DEM, para o PMDB, hoje MDB, e para o desgastante e perigoso jogo do toma-lá-dá-cá no Congresso. Sem 308 votos na Câmara e 54 no Senado, nenhum presidente aprova reforma e avanço nenhum. E, quando veio o PT, Lula mergulhou alegremente nessa farra e ultrapassou todos os limites. Como pano de fundo, a luta feroz entre petistas e tucanos e o vale tudo nas campanhas, com o confronto direto entre eles em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014.
O resultado é que PT e PSDB estrebucham no fundo do poço da política brasileira, enquanto o inimigo comum esfrega as mãos. O Centrão se prepara para, ou pular no barco vitorioso, ou até lançar candidatura própria, mas com um objetivo: fazer do próximo governo um novo refém no Congresso. Nada passa sem DEM, PP, PRB e Solidariedade, que ainda negociam com PR, PSC e Avante. E eles só crescem...
Em algum momento, alguém precisa dizer ao PT e ao PSDB que um não é mais o principal inimigo do outro, até porque nunca, jamais, em tempo algum, os dois estiveram tão fracos e tão sem horizontes com neste 2018 cercado de incertezas. E de temores.
Temer
Do secretário de Comunicação do Planalto, Márcio de Freitas, sobre a coluna de sexta, 18 de maio, Murro em ponta de faca: “O governo Temer nunca parou de trabalhar. (...) Trouxe para o País o menor índice de taxa Selic e de juros básicos e a menor inflação desde o Plano Real. (...) O líder da agência Moody´s para a América Latina, Mauro Leos, declarou: “(...)Temer fez em apenas dois anos o que muitos presidentes não fizeram em quatro ou oito”.
Eliane Catanhêde: Murro em ponta de faca
Nada do que Temer fala, faz ou anuncia cola; tudo o que é contra ele vira um sucesso
Tudo o que o presidente Michel Temer diz, faz ou anuncia se volta contra ele, como se batesse num muro intransponível. A própria “festa” pelos dois anos de governo sucumbiu diante de um slogan inacreditável e das longas reportagens sobre um ano do áudio com Joesley Batista. Só cola o que é contra Temer.
Depois do “Bora, Temer”, agora uma nova piada pronta: “O Brasil voltou, 20 anos em 2”, ou “o Brasil voltou 20 anos em 2”? Dezenas de páginas de discurso do presidente versus uma frase de uma infelicidade gritante. Adivinhe quem ganhou essa disputa na internet e na mídia... E a nova peça publicitária, com um afogado, além de inoportuna nesses tempos difíceis, é de mau gosto incrível.
Até quando Marcela Temer se meteu no lago Paranoá para salvar a cachorrinha não houve tempo para capitalizar e humanizar a imagem presidencial. O Planalto sabotou uma reação simpática, punindo a agente responsável pela segurança da primeira-dama.
No discurso de segunda-feira, Temer elencou todos os avanços da economia, os juros em queda, a inflação mínima, o fim da recessão. O resto da semana, porém, foi derrubando, um a um, os dados do presidente. O Banco Central interrompeu o processo de queda dos juros, o dólar passou ontem dos R$ 3,70 e a Bolsa caiu 3,37%. E a subutilização atingiu 24,7% da força de trabalho, algo em torno de 30 milhões de brasileiros – 30 milhões!
E o fim da recessão? Na conversa com o presidente, na sexta-feira, ele falava animadamente da recuperação econômica e citou um crescimento de 3% neste ano. Questionei, porque o mercado já estava revendo essa previsão para baixo. Pois é. Com o resultado negativo do primeiro trimestre, a perspectiva agora é só de 2,3%.
Tudo parecia ir muito bem para Temer, que convocou um “dream team” para a economia e aprovava tudo o que queria no Congresso Nacional. Até que, exatamente há um ano atrás, veio explodir a degravação da conversa com Joesley Batista, da J&F, com a frase que acompanhará Temer para todo o sempre: “Tem que manter isso, viu?”.
Afora o fato de que o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, editou a sequência do diálogo – o que é, não apenas pouco profissional, mas imoral –, aquele áudio veio acompanhado de uma imagem demolidora: a da corridinha ridícula do então assessor Rodrigo Rocha Loures com a mala entupida com R$ 500 mil.
Em sua primeira manifestação pública, Temer usou o tom e a argumentação de jurista, com uma comparação constrangedora para Janot. Se a presunção era de que a mala de Rocha Loures seria na verdade do próprio Temer, era legítimo deduzir também que os milhões que o procurador Marcelo Muller recebia como advogado seriam também do próprio Janot.
Assim como Rocha Loures era assessor dileto de Temer no Planalto, Muller era o braço direito de Janot na PGR. E acumulava duas funções incompatíveis por definição: em metade do expediente, era o procurador que investigava a J&F e fechava o acordo de delação com Joesley; na outra metade, o advogado pago a peso de ouro para ensinar a Joesley como engabelar a PGR e se dar bem.
É dessas histórias em que não há mocinhos e em que ninguém se sai bem, mas quem mais perdeu, sob todos os aspectos, foi Temer. Com ele, perdeu o governo, que acabou precocemente. E perdeu o País, que interrompeu bruscamente sua recuperação e a chance de aprovar a reforma da Previdência.
Temer está rouco de tanto falar das vitórias do seu governo, mas ninguém lhe dá ouvidos. O que fica são o “tem que manter isso, viu?”, o vídeo de Rocha Loures, o “Brasil voltou 20 anos em 2”... E, agora, a reviravolta na economia. Seria só melancólico, não fosse trágico. E 2019 vem aí.
Eliane Cantanhêde: ‘Vaquinha virtual’
Doar para campanhas mobiliza e engaja o eleitor no projeto de seus candidatos
Começa hoje uma etapa das eleições que envolve diretamente o eleitor, ou seja, o senhor, a senhora, você. Entra em vigor oficialmente a “vaquinha virtual”, ou “crowdfunding”, pela qual a pessoa física pode participar ativamente da campanha, não só votando, mas contribuindo financeiramente para o candidato que julgar melhor para o País.
Nos seis cenários traçados pelo Datafolha após a prisão do ex-presidente Lula, os votos brancos e nulos variaram de 23% a 24%, mais do que todos os demais candidatos. Logo, os nulos e brancos “ganhariam a eleição”, confirmando a desilusão, o cansaço e o desprezo pela política, pelos partidos e pelos candidatos.
Isso é bom? É péssimo. Péssimo para o eleitor, que se omite numa decisão tão importante, para o candidato, que perde legitimidade, para os melhores, porque abrem espaço para os piores, e para a própria democracia, que é “do povo, pelo povo e para o povo”.
A “vaquinha virtual” é uma forma de mobilizar a sociedade e de engajar o eleitor no projeto do seu candidato a deputado, senador, governador ou presidente da República. Além de ser uma forma irrisória, mas objetiva, de cobrir a lacuna deixada pelo veto ao financiamento de empresas às campanhas. É um recurso a mais, de fonte limpa e com significado todo especial: o eleitor, a eleitora.
Segundo o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, “a possibilidade de impulsionar o seu candidato, através do voto e do financiamento, gera no eleitor o desejo da vitória, a sensação de disputa e de que está integrado ativamente no processo eleitoral”.
É isso aí. E não se esqueça: não votar no melhor é favorecer o pior. Por isso, o fundamental é se informar sobre o candidato, seu partido, seus companheiros, suas propostas, seu passado, seu compromisso, se cumpriu as promessas de campanhas anteriores. A partir da convicção, por que não contribuir com o candidato que mais representa o que você defende e quer para seu Estado, para o Brasil?
Podem doar pessoas físicas que não tenham permissão pública para, por exemplo, ter um táxi ou uma banca de revista. Atenção: o limite é de até 10% do rendimento bruto declarado no Imposto de Renda do ano anterior e a multa é de 100% do valor excedido. Pode ficar salgada para os desatentos.
Qualquer modalidade bancária de arrecadação é válida, boleto, crédito ou débito, mas com duas exigências: a identificação do CPF do doador e, nos valores acima de R$ 1.064,10, o uso de TED bancário, do doador para o candidato. Esses cuidados são importantes para evitar uso de doadores fantasmas, ou de “laranjas”, esses “personagens” tão comuns nas eleições brasileiras até aqui. Com CPF e TED, a fiscalização é mais eficaz, com contas a cada 72 horas para a Justiça Eleitoral.
Partidos políticos e candidatos podem doar sem limites. Se forem muito ricos, poderão bancar integralmente suas campanhas (que estão pela hora da morte). Mas e o candidato que é um líder, tem ideias claras e legitimidade para disputar, mas não tem recursos? É exatamente para eles que essa forma de financiamento é mais importante. Vai ficar fora por falta de dinheiro?
As “vaquinhas virtuais” começam hoje, mas os candidatos só vão poder usar os recursos a partir de 15 de agosto, com o início oficial do período eleitoral. E se desistirem entre hoje e 15 de agosto? Vão ter de devolver, centavo por centavo.
E há limites de gastos. Pela lei eleitoral, candidatos à Presidência podem chegar a R$ 105 milhões no primeiro turno, mais 50% se chegarem ao segundo. Para deputados federais, R$ 2,5 milhões. Eleições são muito caras, mas não são só “deles”. São de nós todos. Do senhor, da senhora e de você também.
Eliane Cantanhêde: Geisel sem pedestal
Não há ‘meio ditador’, mas Geisel foi um ditador que operou pelo fim da ditadura
Tudo nestes tempos revoltos vira uma guerra insana e até cruel na internet e é exatamente esse o caso, agora, da bombástica revelação da CIA de que o então presidente Ernesto Geisel transformou a execução de opositores em política de Estado. Isso mexe com as mais profundas feridas e as mais arraigadas ideologias, mas a radicalização, para qualquer lado, continua sendo o pior caminho.
Como ponderou o presidente Michel Temer, em conversa comigo na sexta-feira, não se trata de uma versão nacional, mas da CIA, e nem tudo o que a CIA diz é necessariamente verdade. Acrescente-se: os Estados Unidos invadiram e aniquilaram o Iraque, sem aval do Conselho de Segurança da ONU, com base na informação da sua agência de inteligência de que Saddam Hussein desenvolvia sofisticadas armas químicas e biológicas. Foi um erro grosseiro. Ou uma mentira intencional.
O documento trazido à luz pelo professor Matias Spektor é uma nova frente de pesquisa sobre a verdadeira identidade e os reais propósitos do governo Geisel. Mas funciona como uma delação premiada: é uma versão, precisa ser recheada de provas. Dúvidas: como a reunião e a decisão de Geisel jamais vazaram no próprio Brasil? Por que um ou mais generais envolvidos contariam justamente para os norte-americanos, se eles se baseavam no velho nacionalismo que exalava ojeriza aos EUA? Para agradar a Washington?
Mas, “se non é vero, é ben trovato”. Apesar da “distensão lenta, gradual e segura” de Geisel, a ditadura continuou executando e torturando os adversários – ou “subversivos perigosos”, como registra a CIA.
Presidentes não são obrigados a saber tudo (assim como Lula nunca soube do mensalão?) e Geisel poderia até não saber de uma ou duas mortes. Mas de tantas? Ele demitiu o general Ednardo D’Ávila Mello após o assassinato de Wladimir Herzog, mas pelas mortes e torturas? Ou porque ele desafiava a abertura e o que o então presidente mais prezava: sua autoridade?
O fato é que o documento atinge profundamente a biografia de Geisel, com quem eu conversava uma a duas vezes por ano, depois da Presidência. E ele sempre com muito cuidado de não se vender como o “mocinho” lutando contra os “bandidos” do seu próprio regime. Criticava genericamente a “linha dura”, mas nunca foi enfático, indignado, contra seus métodos. Subliminarmente, era como se fossem um “mal necessário”.
A partir da CIA, há dois personagens num só: o ditador determinado a devolver o País aos civis e o pragmático convencido de que tinha de dançar conforme a música dominante no regime: a favor de matar e torturar, inclusive quase meninos, em nome do combate ao comunismo. Esse confronto entre as intenções de Geisel e sua submissão ao regime é claro na obra magistral de Elio Gaspari sobre a ditadura. E foi bem resumido, ontem, por Spektor: “O que Geisel fez foi chamar para si a responsabilidade (da repressão), para poder abrir”.
Ceder para avançar.
Seria mais fácil, e aplaudido, escrever um texto apaixonado contra o ditador assassino ou, muitíssimo pior, em defesa da guerra contra o comunismo. A política e a história, porém, não se fazem com paixão. Se comprovada, a informação da CIA derruba Geisel do pedestal de quem jamais compactuou com os “desaparecimentos”. Mas não apaga a realidade de que ele efetivamente se empenhou pela abertura. Não existe “meio ditador”, mas Ernesto Geisel foi um ditador que operou para derrubar a ditadura.
Que o documento da CIA reabra serenamente a Comissão da Verdade e o debate sobre o reconhecimento de responsabilidade das Forças Armadas, como defende seu último presidente, Pedro Dallari. A verdade às vezes dói, mas nada como a verdade para curar velhas e evitar futuras feridas.
Eliane Cantanhêde: Guerra de nervos
De repente, um frenesi para acabar com o foro de todo mundo. Será já? E para valer?
Os atos seguintes à restrição de foro privilegiado de deputados e senadores confirmam que a questão já está madura nas instituições e na sociedade brasileira. Seja retaliação ou não, há mobilização para limitar o foro também para os outros Poderes, o Executivo e o próprio Judiciário. Resta ver se vai andar mesmo.
O próximo presidente do Supremo, Dias Toffoli, não perdeu tempo. No mesmo dia da decisão sobre os parlamentares, um funcionário já entregava no seu gabinete uma caixa de um palmo e meio de altura com os processos contra quem tem mandato. No dia seguinte, ele já enviava nove deles para outras instâncias.
Nesta semana, Toffoli deu um passo ainda mais largo, ao levar para a presidente Cármen Lúcia duas propostas de súmulas vinculantes, ou seja, para submeter todas as instâncias abaixo à decisão do Supremo. Mas com uma interpretação, digamos, ampliada.
A primeira proposta é para a regra que passa a valer para deputados e senadores ser estendida a todos os que têm foro privilegiado no Legislativo, Executivo, Judiciário e Ministério Público. A segunda proposta é para tornar inconstitucionais todas as previsões de foro privilegiado nas constituições estaduais e na Lei Orgânica do Distrito Federal. A intenção é limitar o foro de 55 mil agentes públicos nas esfera federal, estadual e municipal.
No mesmo embalo, o ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), empurrou para a primeira instância em João Pessoa um processo contra o governador Ricardo Coutinho (PSB) por crime que teria sido cometido antes do atual mandato. O ministro usou a decisão do STF, mas a verdade é que essa decisão não gerava vinculação automática.
Logo, ele quis foi jogar luzes para a questão, que agora vai parar na Corte Especial do STJ, que é, ou era, foro privilegiado para governadores, desembargadores e conselheiros dos tribunais de contas dos Estados.
Se o Judiciário pisou no acelerador, o Legislativo não ficou atrás e a Câmara instalou a Comissão Especial para analisar a restrição de foro para todo mundo, inclusive ministros de Estado e ministros de tribunais superiores. Pelo projeto em discussão, só manteriam, ou manterão, a prerrogativa os presidentes da República, do STF, da Câmara e do Senado.
É claro que os parlamentares vão jurar que isso não tem nada a ver com retaliação, mas a data da criação da comissão – na semana seguinte à restrição de foro só para deputados e senadores – indica exatamente o contrário. Soa assim: “Se vale para nós, por que não vale para os outros?”
Tudo parece muito rápido, mas calma lá! Estamos falando de Brasil, de Justiça e de Congresso Nacional. No Supremo, há ainda um longo caminho para as duas propostas de súmulas vinculantes de Toffoli, que ainda irão à análise da Procuradoria-Geral da República e dependem depois de Cármen Lúcia pôr ou não em pauta. Quanto tempo isso pode demorar? Vá se saber...
E, no Congresso, há um obstáculo de ordem prática, objetiva: enquanto durar a intervenção federal na segurança pública do Rio, nenhuma emenda constitucional pode ser votada. E há outros mais prosaicos: com Copa do Mundo, convenções partidárias e campanha eleitoral, quando haverá quórum para uma votação assim? Possivelmente, só no ano que vem. Se houver...
Então, há muita correria, mas não esperem que seja para chegar logo a algum lugar. Por enquanto, é só guerra de nervos, para não falar em confronto entre Poderes.
Lula
Por que, em rara unanimidade, o plenário virtual da Segunda Turma negou o agravo para anular a prisão de Lula? Porque os votos foram estritamente técnicos.
Eliane Cantanhêde: Sem favorito(s)
Hoje, uma aposta seria Ciro e Alckmin no segundo turno. Amanhã? Ninguém sabe
Sabe o que faz esta eleição tão atípica, diferente das demais? A esta altura, já havia um favorito em 1994, 1998 e 2002 e já se sabia quem iria para o segundo turno em 2006, 2010 e 2014. Agora, não. Os candidatos se embolam e se contorcem. Nenhum deles é favorito ou está virtualmente no segundo turno.
Lula está fora. Bolsonaro bateu no teto. O resto é o resto e cada um tenta fechar alianças, ganhar uns minutos a mais na TV, montar equipe, articular um esquema de financiamento sólido (e que não dê problemas depois...), além, claro, de subir nas pesquisas. Está uma pedreira.
Há quem insista na candidatura de Lula, preso em Curitiba, sabendo que se trata de ficção. Há quem defenda Fernando Haddad como plano B. Há quem admita o inadmissível na história do partido: abrir mão da cabeça de chapa para Ciro Gomes, do PDT.
Ora Haddad é presidenciável, ora disputa a vice de Ciro, agora já é opção para o governo de São Paulo. Mais um pouco, vira candidato a síndico de prédio. É o PT enfraquecendo o PT.
Gleisi Hoffmann, aliás, diz que Ciro não passa no PT nem com “reza brava”, mas o fato é que ele se fortalece com a fraqueza do PT e tenta servir de boia para o partido trazer junto o PCdoB de Manuela d’Ávila e o PSOL de Guilherme Boulos e, ao mesmo tempo, tornar-se palatável à elite financeira. Lula gostaria de todos juntos, mas não é uma operação fácil.
De qualquer forma, Ciro vai se habilitando ao segundo turno e seus articuladores devem acender velas e investir em chazinhos e ervas para que ele não saia socando jornalistas e eleitores e matando suas próprias chances.
Quanto a Bolsonaro: com a prisão de Lula, ele nem cresceu, como previam uns, nem esvaziou, como torciam outros. Simplesmente estagnou. E é estagnado que tenta atrair partidos, deputados, tempo de TV e recursos para sua campanha. E deve morrer de medo de enfrentar debates ao vivo, que podem ter um efeito inverso para ele: em vez de crescer, minguar.
Pelo centro, um centro com cara e jeito de esquerda, concorrem Joaquim Barbosa e Marina Silva. Uma chapa entre os dois seria poderosa, mas... Joaquim e o PSB brincam de gato e rato, Marina nem admite conversar sobre ser vice e ninguém, na verdade, sabe o que o ex-presidente do STF pensa sobre economia, crise fiscal, reforma da Previdência. Sem isso, o País não sai do fundo e continua asfixiando justamente os mais pobres – que são a maioria.
Geraldo Alckmin, que não atinge dois dígitos e precisa crescer em São Paulo, continua atraindo as atenções (e a aflição) de quem não pula no barco das esquerdas nem no da direita bolsonarista. Ele pode não encantar, mas se beneficia da percepção de que é o único candidato que, apesar de tudo, ainda pode trazer oficialmente o MDB e o DEM, com seus preciosos minutos de TV e sua forte capilaridade.
Michel Temer é tão candidato hoje quanto era no início, ou seja, zero candidato. E, por isso, ele comanda as negociações PSDB-MDB com desenvoltura e até descuido. Ou o presidente esqueceu que Henrique Meirelles saiu da Fazenda para disputar o Planalto pelo MDB?
Como Temer, Rodrigo Maia não chegou em algum minuto a crer nas suas chances. E, sem ele, o DEM tende a somar com PSDB, MDB e PSD em torno de Alckmin. Mas, atenção: em todos haverá dissidentes.
Como eles, também Flávio Rocha, João Amoêdo e o próprio Meirelles tenderão a apoiar Alckmin, principalmente num eventual segundo turno entre ele e Ciro, por exemplo. Mas, juntos, terão de tourear Álvaro Dias, uma peça-chave nessa arena. Dias não tem força para ganhar, mas pode ter para derrotar Alckmin, que, de quebra, para complicar, convive com um fantasma: Paulo Preto, o Palocci do PSDB.
Eliane Cantanhêde: Lula solto?
Não é provável, mas tudo é possível no plenário virtual da Segunda Turma
Pergunta que não quer calar, inclusive dentro do próprio Supremo: por que o ministro Edson Fachin enviou para o plenário virtual da Segunda Turma um agravo regimental da defesa do ex-presidente Lula? Por que não para o plenário real da Turma ou para o próprio plenário do tribunal? Afinal, o que está em jogo é grave: manter ou não Lula na cadeia.
Com o Supremo pegando fogo e a Segunda Turma a toda hora botando mais lenha na fogueira com decisões no mínimo polêmicas, a sensação – ou suspeita? – é de que recorrer ao plenário virtual foi para proteger os ministros e evitar que se exponham ao vivo e em cores durante a votação. Ou seja, possam tomar uma decisão até mesmo esdrúxula sem a exposição direta à opinião pública.
A votação virtual, por escrito, foi aberta na última sexta-feira e vai até a próxima quinta-feira, com o anúncio do resultado no dia seguinte. Depois disso, os votos estarão abertos, mas voto escrito é muito diferente de voto com a cara, a voz e as expressões do ministro, e sem debates desgastantes ao vivo. Digamos que é menos constrangedor – se o voto, evidentemente, for constrangedor.
Primeiro, a defesa de Lula entrou com uma reclamação, alegando que o TRF-4, de Porto Alegre, havia descumprido a determinação do STF de só prendê-lo após o fim do julgamento, até dos embargos dos embargos. Como o próprio Fachin negou provimento (embargos dos embargos não têm efeito suspensivo, são considerados meramente protelatórios), os advogados entraram com o agravo que recebe os votos virtuais dos cinco ministros da Segunda Turma.
Tecnicamente, conforme especialistas, o agravo perdeu o objeto, porque a reclamação foi antes da análise dos embargos dos embargos, agora já concluída pelo TRF-4. Seria, assim, uma votação simples e, em favor de Fachin, esse teria sido o motivo para que ele optasse pelo plenário virtual, que é justamente para casos simples. Mas será simples mesmo?
A defesa de Lula tem o objetivo explícito de anular a autorização de prisão dada pelo TRF-4 e aplicada pelo juiz Sérgio Moro. Logo, de anular a própria prisão. E esses recursos estão no mesmo embalo da decisão da própria Segunda Turma de tirar de Moro os trechos sobre Lula nas delações da Odebrecht.
Com base nela, a defesa entrou com pedido para retirar de Moro não só esses trechos, mas todo o inquérito sobre o sítio de Atibaia – que, segundo o juiz, foi calcado em outras provas e começou antes mesmo das delações da Odebrecht. Relator, o ministro Dias Toffoli negou o pedido, argumentando, em tradução livre, que uma coisa (os trechos da delação) é uma coisa, outra coisa (o inquérito do sítio) é outra coisa.
Como Toffoli tem tomado decisões consideradas extravagantes até por alguns colegas – como a autorização para Demóstenes Torres concorrer em outubro, mesmo após a cassação pelo Senado –, paira uma dúvida no lindo prédio de vidro e concreto do Supremo: Toffoli negou monocraticamente aquele pedido da defesa de Lula para reduzir preventivamente o impacto da decisão do plenário virtual da Segunda Turma?
Vamos saber em alguns dias, mas a avaliação de quem vive nesse clima é que, se for uma decisão técnica, o agravo da defesa de Lula será derrubado por unanimidade, por cinco a zero. Mas será tão técnica assim? Pelo histórico da turma, que se contrapõe à Primeira, dá sempre 3 a 2 ou 4 a 1, com Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski de um lado, Fachin do outro e o decano Celso de Mello como pêndulo. Logo, tudo pode acontecer. Inclusive Lula ser solto.
Foro
A favor da restrição do foro privilegiado, Cláudio Lamachia (OAB) compara com a indústria e admite que não será uma festa: “A capacidade instalada da Justiça está aquém da demanda”.