Eliane Cantanhêde: Toffoli cá, Haddad lá

Campanha ganha novo ingrediente: o movimento para soltar Lula em 2019

Nenhum candidato diz isso claramente, mas a posse do ministro Antonio Dias Toffoli na presidência do Supremo Tribunal Federal reforça um discurso crescente na campanha eleitoral: o de que a eleição do petista Fernando Haddad seria a porta aberta para a volta ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva.

Os dois movimentos, Toffoli no STF e o crescimento de Haddad nas pesquisas (8% pelo Ibope), convergem na mesma direção: a desconfiança de que Lula será solto de alguma forma em 2019.

A intenção de Toffoli é pôr em pauta no plenário, logo no início do ano, a prisão após condenação em segunda instância. A antecessora Cármen Lúcia encerrou seu mandato cumprindo a promessa de não fazê-lo. Toffoli o fará. Como a última decisão sobre a questão foi por um único voto, não é impossível mudar.

E Haddad presidente seria não apenas Lula dando as cartas, como a possibilidade real de soltar Lula por indulto. Aliás, ele ou Ciro Gomes (PDT), que já admitiu publicamente a hipótese durante a campanha.

Há, porém, outros aspectos a serem considerados nos dois casos. Um deles é que, não raro, as pessoas se superam ao assumir imensos desafios e prezam, antes de seus compromissos políticos ou partidários, o seu próprio nome e a sua imagem para a história.

Toffoli, 50 anos, é o mais novo presidente da história do Supremo. Sua nomeação por Lula como ministro da Corte causou surpresa, perplexidade e crítica, não só pela idade, mas porque ele fora reprovado em duas provas para juiz, não era um nome brilhante no meio jurídico e tinha como credenciais ter sido advogado do PT, assessor da Casa Civil de José Dirceu e advogado-geral da União de Lula.

Toffoli, porém, de bobo não tem nada. Ao assumir a cadeira, informou-se, aproximou-se dos colegas, ganhou passe livre no gabinete de Gilmar Mendes, nomeado por FHC, identificado com o PSDB e considerado, goste-se ou não dele, um dos mais preparados e técnicos ministros do Supremo.

Foi assim também, na busca de reconhecimento e de negociação com os extremos, que Toffoli saiu do seu gabinete no STF, cruzou o Eixo Monumental e foi até o Quartel General do Exército conversar com o comandante, general Eduardo Villas Bôas.

Saiu dali com o nome do respeitado general Fernando de Azevedo e Silva para sua assessoria especial na presidência.

Gesto inteligente, sobretudo num momento em que o comandante do Exército alerta para a legitimidade do próximo presidente da República, o candidato líder nas pesquisas é um capitão reformado e seu vice é um general de quatro-estrelas que acaba de deixar a ativa. Sem maldade, apenas como constatação, Toffoli atraiu o “inimigo” para bem perto dele. E tem um canal direto com as Forças Armadas.

Quanto a Haddad: ele assumiu simultaneamente a candidatura pelo PT e uma vaga no “segundo pelotão”, aquele que disputa chegar ao segundo turno contra Jair Bolsonaro (PSL). E, assim, passa a ser alvo natural de todos os demais concorrentes, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Marina Silva.

A diferença é que Ciro disputa o espaço de esquerda diretamente com Haddad e não pode bater em Lula, para não afugentar votos principalmente do Nordeste, onde já lidera com 18%. Marina bate na polaridade PT x PSDB e Alckmin não tem restrições, está livre para bater. No seu discurso, Bolsonaro é “passaporte para a volta do PT” e Haddad, para a volta de Lula.

Logo, os três procuram uma brecha ao centro para furar o embate Bolsonaro-Haddad, que caracteriza a chegada da direita radical ou a volta do PT, Lula e Dilma. Em suma, Ciro, Alckmin e Marina são os candidatos do mesmo partido, o “voto útil”.


Eliane Cantanhêde: Todos por um

Se Lula pode fazer campanha da prisão, por que Bolsonaro não poderia fazer do hospital?

A foto que circula por toda parte de Jair Bolsonaro na sala de cirurgia, de peito nu, anestesiado e ligado a aparelhos, é a confirmação contundente de que sua campanha continua, e continua ainda mais forte. Se Lula faz campanha da prisão, por que ele não pode fazer do hospital? Todos os demais candidatos estão imobilizados, Bolsonaro é o único que está realmente em campanha.

Na base de “todos por um”, Marina Silva, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Guilherme Boulos, todos enfim capricharam no discurso pela democracia e na emocionada solidariedade ao adversário. E estão sem estratégia, de mãos atadas. Têm de confrontar o líder nas pesquisas, mas não podem confrontar a vítima de um ataque feroz.

Que estratégia política haveria diante de uma facada para valer, com graves consequências, exigindo duas cirurgias? Qualquer coisa soando como estratégia seria, além de profundo mau gosto, um tiro pela culatra. A opinião pública, que adora tragédias e mártires, ficaria imediatamente indignada, talvez enojada.

O PSDB, aliás, deu azar. Não teve tempo de mudar suas peças publicitárias da sexta e do sábado e elas são carregadas de críticas a Bolsonaro. Contra o candidato do PSL seria legítimo, talvez até necessário, mas à vítima de um ataque brutal e covarde, no meio da multidão, gravado e espalhado aos quatro ventos?

Bolsonaro passa por momentos dolorosos, com risco de morte, cirurgias, ambulâncias, transferência para São Paulo, mas andam cuidando diligentemente de fazer uso político máximo do crime e de suas dores. Ao lado de fotos da intimidade do, afinal, paciente, seus seguidores tentam massificar a versão de que ele, “o mártir”, foi esfaqueado “por contrariar interesses inconfessáveis de ricos, poderosos e corruptos”.

Até prova em contrário, nada confirma que tenha sido isso e tudo indica que o ataque não foi obra de “poderosos”, mas de tresloucados, “por questões pessoais”, “a mando de Deus”. De doentes inconsequentes, um deles com passagem pelo PSOL e pela polícia. Transformar uma ação insana num atentado político de grandes proporções é perigoso.

Assim, o Brasil vai vivendo de solavanco em solavanco. As denúncias de Rodrigo Janot contra o presidente da República interromperam as reformas e o reaquecimento da economia, a greve dos caminheiros jogou todos os indicadores ladeira abaixo, arrastando mais uma arrancada da economia e recuperação de empregos. E, por perversidade e descaso, as labaredas do Museu Nacional acabam por incinerar o resto de amor próprio brasileiro.

E pode piorar. A eleita em 2014 foi um desastre e caiu, o segundo lugar pode parar na cadeia, o líder nas pesquisas de 2018 já está entre as grades, seu substituto na liderança foi esfaqueado e os demais estão embolados, disputando quem será a “onda” da vez para tentar o segundo turno.

A queda do avião de Eduardo Campos, antes do início do horário eleitoral, teve importante impacto sobre as eleições passadas, mas jamais saberemos como teria sido se ele não tivesse morrido. O ataque a Jair Bolsonaro, com a propaganda no ar e os indecisos começando a se definir entre praticamente todos os candidatos, tem, obviamente, impacto na eleição deste ano. Logo saberemos exatamente qual é, e em que dimensão, mas ficaremos eternamente nos perguntando: e se Bolsonaro não tivesse sido esfaqueado?

PSOL. Criado a partir de uma costela à esquerda do PT, o PSOL não anda nos seus melhores dias. Cabo Daciolo ter sido do partido (depois, expulso) é só engraçado. O esfaqueador de Bolsonaro ter sido filiado é muito mais grave, não tem graça nenhuma. Para piorar, a UFRJ, responsável pelo Museu Nacional, está nas mãos de quem mesmo?


Eliane Cantanhêde: Campanha catatônica

A facada em Bolsonaro atinge uma pessoa, o líder nas pesquisas e a própria eleição

O ataque contra Jair Bolsonaro é de extrema gravidade porque atinge uma pessoa, um deputado, o líder nas pesquisas presidenciais. E mais: afeta diretamente as eleições e joga a pobre democracia brasileira no perigoso terreno das fake news, do oportunismo político e do jogo das acusações levianas, recheadas de interesses os mais diversos e danosos.

O mais importante, neste primeiro momento, é a solidariedade humana com Bolsonaro. Goste-se ou não das suas ideias e do que projeta caso seja eleito presidente, ele é a vítima. Jamais podemos transformar vítimas em réus, como muitas vezes ocorre com mulheres estupradas, espancadas e até mortas. Vítimas são sempre e, simplesmente, vítimas.

Mas, a menos de um mês da eleição, e tratando-se de quem se trata, é fundamental também investigar eventuais motivações políticas, evitar a contaminação mortal das eleições e, principalmente, uma metralhadora giratória contra “culpados” que só têm “culpa” nas irresponsáveis ou manipuladas redes sociais. Se já estão fora do controle normalmente, imagine-se onde podem parar depois dessa tragédia...

O fato, em si, é lamentável e condenável sob todos os aspectos e une os candidatos dos diferentes partidos e tendências na indignação. Mas é preciso, a bem do processo, a bem da democracia, que fique restrito ao que é, não ao que querem que seja.

O criminoso atribuiu sua ação a “questões pessoais”, mas toda a sua vida e todas as suas ligações ou preferências políticas estão sendo levantadas, para que não pairem dúvidas nem fantasmas que às vezes duram anos ou décadas, aqui e lá fora. Vide os assassinatos de John Kennedy, na maior democracia do planeta, e de Celso Daniel e de PC Farias, nas nossas barbas.

No caso de Bolsonaro, nenhuma versão política está autorizada, não apenas pelo mero bom senso como pela gravidade que tudo isso assumiu. Não se invente que os bolsonaristas tentaram criar um “mártir”, nem que as esquerdas tentaram eliminar à faca um candidato que cresce à custa de armas, nem que sei lá quem tenta incriminar o partido tal ou qual para demonizá-lo no eleitorado, na opinião pública.

Até este momento, tudo isso não é apenas elucubração, é o mais torpe uso político de um ataque que poderia ter custado a vida de alguém, e alguém que lidera as pesquisas – e a rejeição – na corrida à Presidência da República.

O atentado ocorre justamente no dia seguinte à divulgação da pesquisa Ibope que mostra o crescimento de dois pontos nas intenções de votos de Bolsonaro, de 20% para 22%, confirmando a consolidação de sua liderança. Quem esperava que ele “esfarelaria” com a campanha enganou-se.

Mas, se é campeão de intenções de votos, ele é também campeão de rejeição. E, neste caso, a subida não foi apenas de dois pontos, mas de sete pontos: de 37% para 44%. Dizem os experts em pesquisas que uma rejeição acima de 40% costuma ser fatal para candidatos e o próprio Ibope ilustra com clareza essa constatação.

Se é o favorito no primeiro turno, Bolsonaro perde no segundo, de nove a onze pontos, para Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin. E empata em 37% a 36% com o petista Fernando Haddad, que só assumirá oficialmente a candidatura no dia 11, terça-feira.

De toda forma, Jair Bolsonaro já conquistou o título de grande fenômeno destas eleições e a facada que o atingiu ontem atinge também todo o processo eleitoral, que está em suspenso. Ciro Gomes, Marina e Alckmin já tinham cancelado seus compromissos de campanha desde ontem e, se a eleição já era imprevisível, agora está catatônica.

Tudo parou, tudo congelou e o País inteiro só fala numa coisa: Bolsonaro. Inclusive, ou principalmente, os próprios adversários dele.


Eliane Cantanhêde: Sem Lula lá

Fachin ficou isolado no TSE ao forçar a elegibilidade de um inelegível

É de uma ironia incômoda que tenha sido justamente do relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, o único voto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a favor da candidatura à Presidência da República de alguém condenado e preso pela própria Lava Jato. Fachin perdeu de 6 a 1 no julgamento que impediu o ex-presidente Lula de continuar brincando com a Justiça e o eleitor.

O voto de Fachin surpreende, e de certa forma choca, por partir de quem partiu e pela incongruência. O ministro reconheceu que Lula, como ficha suja, é flagrantemente inelegível. Mas considerou que uma recomendação de um comitê quase diletante da ONU se sobrepõe às leis brasileiras. Advogado, professor de Direito, relator da Lava Jato, ministro do Supremo e agora também do TSE, Fachin não sabe que:
1 – O Comitê de Direitos Humanos da ONU não representa Estados, apenas reúne peritos independentes, e não pode determinar nada, obrigar nada, só fazer relatórios?

2 – Dos 18 integrantes do comitê, apenas dois (dois!), segundo o relator do registro de Lula no TSE, Luiz Roberto Barroso, subscreveram o texto do comitê que pretendia manter Lula candidato fazendo campanha a partir da cela da PF de Curitiba?

3 – Ao produzir uma recomendação de tamanha ousadia, os dois peritos estrangeiros nem sequer se deram ao trabalho de ouvir o contraditório, de pedir informações ao Estado brasileiro sobre o que se passava internamente?

4 – A delegação permanente do Brasil em Genebra se manifestou oficialmente contra qualquer consequência prática da recomendação do comitê sobre as eleições no Brasil?

5 – O comitê, segundo Barroso, não tem nenhum papel jurisdicional e suas recomendações não têm efeito vinculante, não se sobrepõem às leis brasileiras, não são obrigatórias e, portanto, nem preveem alguma sanção caso ignoradas?

6 – O comitê é uma coisa, o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU é outra coisa? Esse, sim, representado por Estados?

No seu voto, Barroso lembrou que a definição dos candidatos é indispensável para a segurança jurídica da eleição. Logo, ao esticar ao máximo todas as etapas para manter a candidatura fake de Lula, o PT estava criando insegurança jurídica. Em bom português, tumultuando propositalmente o processo.

Todos os demais ministros, exceto Fachin, acataram o voto do relator, que barra a candidatura Lula, seus atos de campanha, sua propaganda na TV e seu nome na urna eletrônica, dando ao PT dez dias para trocar o candidato, ou seja, para assumir finalmente Fernando Haddad.

Muito respeitado no Paraná, Fachin ficou conhecido fora dele ao discursar em evento eleitoral de Dilma Rousseff. No STF, tem altos e baixos desde que acatou, de um dia para o outro, a denúncia de Rodrigo Janot contra o presidente da República, Michel Temer, baseada numa fita que não fora sequer submetida a perícia e cuja degravação da PGR não correspondia exatamente ao áudio.

Depois, o ministro passou a brilhar na opinião pública, por ser voto vencido, uma espécie de vítima, na segunda turma do Supremo, enfrentando Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que “soltam todo mundo” e até garantiram elegibilidade para o inelegível Demóstenes Torres.

Agora, Fachin ficou em posição inversa, pois foi ele quem tentou garantir elegibilidade para o inelegível Lula e ficou isolado no plenário do TSE. Assim, volta a alimentar uma dúvida: afinal, quem é Edson Fachin?

Apesar de eventuais recursos, a eleição enfim ganha sua forma definitiva, com todos os candidatos assumidos e em condições de luta por uma vaga no segundo turno. Lula continua com imensa relevância no processo e, da cela, jogará todo o seu peso para eleger Haddad. Essa não é uma questão jurídica, é política e eleitoral. Ele é bom nisso.


Eliane Cantanhêde: Arrastão do Bolsonaro

O candidato do PSL à Presidência avança sobre agronegócio, evangélicos e malufistas, eleitorados que pareciam ter 'dono', ou 'dona'

Nas pesquisas sem o ex-presidente Lula, Jair Bolsonaro (PSL) lidera em todas as regiões, menos no Nordeste, e avança sobre votos que seriam naturalmente de seus adversários em três segmentos ao menos: agronegócio, evangélicos e, como mostrou o Estado, até os velhos malufistas de São Paulo. Mas, se tem 20% a seu favor, ele precisa amansar os 37% que não votam nele de jeito nenhum e disputar os incríveis 38% ainda sem voto.

Na opinião de Marina Silva (Rede), a segunda colocada, a transferência de votos para um neófito em disputas presidenciais como Bolsonaro, inclusive ou principalmente de setores evangélicos, se deve a um “populismo de extrema direita”. Ela reforça o perigo do populismo, tanto à direita quanto à esquerda, mas o difícil é o eleitor e a eleitora se darem conta disso.

Não fosse a solidez da agricultura, a recessão dilmista teria ido ainda mais fundo, teria sido mais danosa, e o agronegócio brasileiro não é apenas um dos mais competitivos do mundo como tem líderes, máquinas e logística modernos e sofisticados, mas continua sendo fortemente conservador em termos de costumes. Nada como um candidato que fale em ordem, tradição, família, Deus e... armas.

Pelo Ibope, Bolsonaro lidera no Centro-Oeste, no Norte e no Sul, tirando votos que escaparam do PSDB. Há poucos dias, enquanto o tucano Geraldo Alckmin prometia tratores para a agricultura, ele acenava com liberação das armas, num discurso que anima mais a plateia, além de render mais reportagens e manchetes. Tratores eles já têm, mas a questão das armas ainda é polêmica e enfrenta muita resistência no Brasil. Ainda bem.

É com esse discurso também, de ordem, família..., que o capitão da reserva foi se infiltrando no eleitorado evangélico, fatiado em diferentes designações, espalhado por todo o País e mais engajado nas eleições do que qualquer outro grupo religioso. Apesar de ser a única candidata evangélica, Marina está sendo vítima direta desse ataque especulativo.

Em 2014, Marina teve 43% de votos evangélicos, mas hoje está com 12%, enquanto Bolsonaro abocanha 26% difusamente, ou seja, nos diferentes Estados e regiões. Com um detalhe: os evangélicos não são apenas fortes, eles continuam em ascensão. E, assim como há a Frente Parlamentar da Agricultura, há no Congresso uma forte bancada evangélica que tende a aumentar a partir de 2019 e ser uma mão na roda para qualquer presidente, em especial um que seja de um pequeno partido e não tenha feito coligações consistentes na eleição.

Pela reportagem do Estado, também os velhos e resilientes malufistas de São Paulo estão sendo fisgados pelo discurso de extrema direita de Bolsonaro. Com o declínio político do indescritível Paulo Maluf, eles vinham nas últimas eleições se bandeando para os candidatos do PSDB, que mandam e desmandam no Estado há décadas. Mas, enfim, parecem ter encontrado um substituto à altura para seu ídolo, agora em prisão domiciliar, com tornozeleira e tudo.

Curiosidade: uma das bandeiras de Bolsonaro é o combate à corrupção, mas vamos convir que Maluf não se encaixa aí. Nenhum Sérgio Cabral, nenhum Eduardo Cunha, ninguém tira o troféu de Maluf nessa área, porque “quem já foi rei nunca perde a majestade”. Assim, os votos malufistas vão para Bolsonaro pela a identidade de direita, a tradição, as armas, nada a ver com anticorrupção.

Além de 30% no Norte-Centro Oeste e dos 23% no Sul, Bolsonaro tem 21% no Sudeste, onde se concentram 43% dos eleitores, e só no Nordeste, com 13%, ele perde para Marina (17%) e Ciro Gomes (14%). Mas não se esqueçam: quanto mais Bolsonaro cresce nesses setores, mais ele aumenta sua rejeição em vários outros. No segundo turno, rejeição pode ser fatal.


Eliane Cantanhêde: PT: mídia, internet e TV

Lula, Bolsonaro e Alckmin têm artilharia; mas Lula tem, além da própria, a dos adversários

Lula é imbatível ao usar (e abusar) da mídia e estar sempre nos jornais, rádios, TVs e revistas. Bolsonaro viu antes de todos o poder multiplicador das redes sociais. Alckmin dispõe de um latifúndio da propaganda eleitoral no rádio e na TV. Marina e Ciro vão ter de enfrentar essa artilharia no gogó.

Lula foi condenado e preso, o PT afundou até vencer numa única capital – a pequena Rio Branco, no Acre – e, apesar de tudo isso, o ex-presidente foi se recuperando e hoje é o campeão nas pesquisas de primeiro e segundo turnos. Como explicar?

Fácil. Ele e o PT são mestres no marketing, na propaganda, sabem criar notícia, garantir visibilidade e usar a patrulha para acuar os críticos. Lembram do “Fome Zero”? Um plano vazio, mas de efeito midiático acachapante. No final, virou um selinho escondido nos programas sociais da era PT, na verdade uma fusão dos herdados de FHC.

Aliás, que tal a “herança maldita”? Como diz Marina Silva, Fernando Henrique escancarou o seu governo para Lula, na mais civilizada transição pós-redemocratização, mas a primeira coisa que Lula fez ao assumir foi escrachar a “herança maldita”. Colou, apesar do Plano Real, da blindagem do sistema financeiro, das agências reguladoras e dos planos sociais, como o Bolsa Família. Tudo que Lula “vende” cola.

E, aí, temos Lula campeão de votos, mesmo preso, mas Jair Bolsonaro não é bobo. Político medíocre, do “baixo clero” da Câmara, ele foi esperto e viu antes o poder multiplicador da internet. Enquanto os adversários trabalhavam ou se viam às voltas com a Justiça, como Lula, ele amealhava multidões na nuvem e mergulhava nelas viajando pelo País afora.

O resultado é que ninguém dava bola para Bolsonaro e ele hoje não é apenas o número um no cenário sem Lula como tem 5,5 milhões de seguidores só no Facebook. Lula, que lá atrás, há muitos anos, foi o primeiro a usar as redes para reagir a notícias negativas e detratar críticos e jornalistas, tem 3,7 milhões. Geraldo Alckmin, na lanterna, 913 mil. Perdeu essa guerra. Por teimosia e por uma visão antiquada das campanhas – ou do mundo? –, o candidato tucano dava de ombros para esse negócio de Facebook, Twitter, WhatsApp... “Quem ganha eleição é a televisão”, dizia. Além da rima pobre, há controvérsias...

Alckmin tem 5 minutos e 434 inserções de TV para usar como palanque: falar o que bem entende, sem ser contestado. Bolsonaro tem 8 segundos e onze inserções. O que dizer em 8 segundos? “Meu nome é Jair”? Ele deveria controlar o pavor de controvérsia e ir a debates e entrevistas, inclusive à do Estadão-Faap, nesta semana, para não sumir. Marina vai muito bem nessa fase e é a segunda colocada no cenário sem Lula. O risco é perder fôlego na fase decisiva, como em 2014, mesmo sem o PT jogando sujo com a versão de que ela “tiraria a comida do prato do povo”.

E Ciro, depois de jogado fora pelo PT e recusado pelo DEM, não se destaca nem na mídia, nem nas redes, nem na propaganda gratuita: tem 38 segundinhos e 51 inserções. Talvez por isso, ele está mais leve, mais simpático. O pânico de vencer passou? Como me disse a psicanalista Marta Suplicy: “Ciro, claramente, não quer ganhar”.

Assim, Lula, Bolsonaro e Alckmin têm artilharia, mas Lula tem mais. Abusa de ações, questionamentos e habeas corpus para efeito jornalístico e vai bem nas searas de Bolsonaro e Alckmin. Líder no uso da mídia, é o segundo na internet (3,7 milhões no Facebook) e na TV (2 minutos e 189 inserções). Tudo somado, Fernando Haddad já entra na guerra armado até os dentes. Nem pode reclamar da real “herança maldita”.

‘Bravura’. Não bastasse o atual número de mortos, Bolsonaro propõe condecorar quem reagir a assaltantes. Haja medalha para tanto defunto!


Eliane Cantanhêde: Militares na berlinda

Lamentável que a campanha resgate velhos estigmas e preconceitos, como o de que militares são toscos, turrões, alheios ao mundo fora da caserna - uns “brucutus”.

Se alguém acha que a atual campanha para a Presidência da República está sendo uma boa propaganda para a imagem dos militares, está redondamente enganado. Depois do capitão Jair Bolsonaro, o general Hamilton Mourão e agora o inacreditável Cabo Daciolo, que foi do PSOL e concorre a presidente pelo Patriota. Bom para quem? Na fala dele, sobra Deus e falta a letra “S”.

As Forças Armadas são a instituição mais admirada pela população em todas as pesquisas e os oficiais fazem sofisticados cursos na carreira, passam por escolas superiores de excelência, estudam geopolítica e estratégia. Demoraram anos para se livrar das marcas da ditadura, apesar de ainda não confortáveis com a abertura dos arquivos, e concluir esse ciclo da história.

Lamentável que a campanha resgate velhos estigmas e preconceitos, como o de que militares são toscos, turrões, alheios ao mundo fora da caserna - uns “brucutus”. Eles não são nada disso, mas o que dizer de Bolsonaro? Militar, largou a carreira como capitão por indisciplina e para ser vereador. Deputado desde 1991, no sétimo mandato, nunca se destacou no plenário, nas comissões, nem por projetos: dois em 27 anos. Candidato, demonstra evidente despreparo para governar um País complexo e mergulhado em crise como o Brasil.

Tem-se, pois, que o líder nas pesquisas, quando o nome do ex-presidente Lula não entra, é um militar que não é militar há quase 30 anos e um deputado que critica os colegas, mas é do “baixo clero”, usa imóvel funcional indevidamente e é acusado de desviar funcionários pagos pela Câmara para cuidar de sua casa no Rio. Ele, o filho mais velho, o segundo e o terceiro são políticos e até a ex-mulher tentou ser. Se a política é tão abjeta, o que a família inteira faz dentro dela? Um mistério.

Bolsonaro procurou seu vice entre astronauta, príncipe, pastor, general, socialite, advogada polêmica... O risco seria um príncipe presidindo nossa República ou o Brasil indo para o espaço com o astronauta. Prevaleceu o general Mourão, que já defendeu intervenção militar e já estreou como vice decretando a “indolência” dos índios e a “malandragem” dos negros. E o Exército é justamente reduto e símbolo dessa rica miscigenação brasileira.

Para piorar, os eleitores acabam de descobrir o Cabo Daciolo, que nem chegou a sargento, mas já se imagina presidente. Bombeiro, foi expulso da corporação depois de tentar invadir um quartel. Do PSOL, foi expulso por querer incluir Deus na Constituição. Uma piada, mas uma piada de mau gosto.

Antes mesmo de Daciolo aboletar-se no debate de presidenciáveis na Rede Bandeirantes, o ministro da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, já tinha dado o primeiro alerta de que as Forças Armadas não têm nada a ver com essas maluquices. Disse que vê “com naturalidade” Mourão na vice de Bolsonaro, mas frisando que não se trata de “uma chapa de militares”. Leia-se: “Não temos nada a ver com isso”.

Quem conhece de dentro as Forças Armadas e os generais Luna e Silva, Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, e Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, aplaudiu a fala: “Eles têm de se distanciar rapidamente dessa aventura do Bolsonaro, porque, depois que cola, não descola mais”.

Bolsonaro atraiu legiões de seguidores nas redes sociais com a condenação à corrupção e um discurso conservador e caro à expressiva parcela da população, senão à maioria, na área de costumes: família tradicional, papel das mulheres, drogas, aborto. Ok, é um direito de quem prega e de quem segue. Só não se pode transformar essa embalagem de comportamento social numa candidatura militar e menos ainda numa promessa de governo militar. Além da ameaça para o Brasil, é um enorme risco para as próprias Forças Armadas.


Eliane Cantanhêde: Sul, o queridinho da vez

Nem do Nordeste nem de Minas Gerais, os vices miram os 52% de votos femininos e os 14,5% do Sul

As novidades da eleição de 2018 vêm sendo todas derrubadas, mas eis que surge uma de onde menos se esperava: os vices não saíram nem do Nordeste nem de Minas Gerais. A turma deixou de dar murro em ponta de faca para arrancar votos nordestinos do PT, e o PSDB avalia que os votos mineiros estão em boas mãos com o tucano Antonio Anastasia disputando o governo.

Se há algum vice nordestino no primeiro pelotão é Eduardo Jorge (PV), na chapa de Marina Silva (Rede), mas ele só nasceu na Bahia e fez toda sua vida política em São Paulo, que tem 33 milhões de eleitores.

Prevaleceu a corrida pelo forte e desconfiado voto feminino, que soma 52% do eleitorado e a tentativa de evitar a dispersão dos 21,4 milhões de votos do Sul entre os presidenciáveis. Nada menos que quatro candidatos a vice são do Rio Grande do Sul: Ana Amélia (PP), de Alckmin; Manuela d’Ávila (PCdoB), de Fernando Haddad, ops!, de Lula; Germano Rigotto, de Meirelles; Hamilton Mourão, de Bolsonaro.

A lógica da escolha da senadora Ana Amélia é clara, porque ela tem o objetivo de segurar as traições do PP, recuperar os 4% de intenções votos de Alvaro Dias (Podemos) no Sul para o PSDB e evitar que a tropa sulista marche para Bolsonaro. Três dos ex-presidentes do regime militar eram gaúchos: Costa e Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel.

Aliás, Bolsonaro teve de tudo para vice, de príncipe a astronauta, de pastor a general, de socialite rica à advogada Janaína Paschoal, mas ele acabou chovendo no molhado. O que o general Mourão acrescenta à chapa do capitão Bolsonaro? E quem bate continência para quem? A chapa miliar “puro-sangue” pode até segurar as intenções de votos recolhidas até aqui, mas dificilmente amplia o seu horizonte.

Do outro lado do espectro político, o PCdoB jurou que iria com candidata própria para a Presidência pela primeira vez, depois de ficar sempre a reboque do PT, e chegou até a fazer convenção em Brasília para lançar Manuela Dávila. Acreditou quem quis.

Mais esta “novidade” foi por água abaixo quando o PCdoB desistiu da gaúcha para continuar sendo satélite do PT. Criou, assim, uma figura interessante: a vice do vice. Como assim? Manuela deixou de ser candidata a presidente para ser vice do ex-presidente Lula, que, como todos sabemos, está tecnicamente impedido de disputar. Então, Manuela é vice de Haddad, que é “vice de Lula”. O teatro continua.

Ciro Gomes, jogado às traças por Lula, pelo PT, pelo PSB e pelo DEM, teve de se contentar com uma chapa puro-sangue, mas só em se tratando de partido, não exatamente de ideologia. Ciro é do PDT, sua vice Kátia Abreu também. Mas Ciro jura que é de esquerda e tudo que Kátia Abreu não é, e nunca foi, é de esquerda. Trata-se de uma líder ruralista competente e determinada, que se elegeu para o Senado e já presidiu a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Sua única e fugaz incursão pela “esquerda” foi o voto passional contra o impeachment da amiga Dilma Rousseff, o que jogou Kátia num limbo ideológico: perdeu toda a força política que realmente tinha na CNA e no mundo do agronegócio e nem por isso ganhou apoio, simpatia e cumplicidade nas esquerdas, nem mesmo no PT.

É assim que, depois de tanto se falar em Joaquim Barbosa, João Doria, Luciano Huck, Flávio Rocha e Paulo Rabello de Castro, a eleição afunila para políticos experientes e tradicionais. E não me venham dizer que Bolsonaro não é político, depois de um quarto de século na Câmara dos Deputados e com três filhos na política.

Com esse fim das “novidades”, já não é mais impossível o velho e conhecido Fla-Flu entre PT e PSDB. Ainda tem muito jogo, mas parece até cada vez mais provável.


Eliane Cantanhêde: Larga o osso, Lula!

Haddad tem de parar de fingir que não é candidato; Manuela, de fingir que é

Fecha-se o tabuleiro presidencial hoje, com aquela peça disforme e mal colocada que segura o jogo e imobiliza o próprio lado: Lula, preso há 100 dias, sem conseguir dar o sinal verde para Fernando Haddad parar de fingir que não é candidato e para Manuela Dávila parar de fingir que é.

Com a avalanche de convenções no fim de semana, vai se fechando a escolha dos vices com dois focos claros, resultados não de amor ou de saudável afinidade ideológica, mas do puro pragmatismo. Daí a preferência por mulheres e/ou nomes do Rio Grande do Sul.

A síntese disso é a senadora gaúcha Ana Amélia, que entra na chapa do tucano Geraldo Alckmin não apenas como três em um, mas seis em um. É mulher, do PP, do Sul, da área de comunicação, assumidamente de direita e crítica contundente das maracutaias na política.

Ana Amélia não está aí para só embelezar as fotos do PSDB, mas para conquistar os 80% do eleitorado feminino ainda indecisos ou dispostos a anular voto e para tentar frear o ímpeto do PP gaúcho para Jair Bolsonaro e do PP do Piauí para o PT. Além disso, ela tem uma missão específica: resgatar os 4% de votos surrupiados do PSDB no Sul pelo paranaense Alvaro Dias, ex-tucano hoje no Podemos.

E ela também cumpre funções mais subjetivas. Alckmin tem de se firmar à direita, para disputar com Bolsonaro a vaga de principal contraponto ao PT. Ana Amélia, clara e contundente, tem ação e discurso que calam fundo no agronegócio e no eleitorado irritado com os políticos e conservador nos costumes. Ou seja, nos bolsões do Bolsonaro (com perdão do trocadilho).

Assim como ela, são ou foram consideradas para vice, de olho nas mulheres, sempre desconfiadas: Janaína Paschoal, a advogada e professora histriônica, na chapa de Bolsonaro, e Manuela d’ Á vila, a jovem e aguerrida “candidata” do PCdoB, que espera sentada o anúncio para ser vice de Lula, ops!, do PT.

Manuela é outra do Rio Grande do Sul, que foi governado pelos petistas de raiz Olívio Dutra e Tarso Genro e onde o PT mantém núcleo forte, mas fraco eleitoralmente. Também gaúcho e ex-governador, Germano Rigotto é opção de vice para Henrique Meirelles. Atualmente, ele é.... o que mesmo? Bem, Rigotto anda sumido, mas resta a Meirelles chapa puro sangue (MDB-MDB) e quem quer ter mandato em 2019 pula fora.

Se o grande MDB só atraiu o pequeno PHS, quais são os aliados do PDT e as opções de vice de Ciro Gomes? Sufocado pela aliança do Centrão com Alckmin e o ataque frontal do PT, que garantiu a neutralidade do PSB, Ciro tenta colher os dissidentes de um lado e do outro, enquanto o PT parte para a terceira etapa de aniquilar Ciro: a investida final para reunir as esquerdas. Viva-se – no caso de Ciro, sobreviva-se – com um barulho desses. Na GloboNews, Ciro se declarou “um cabra marcado para morrer”.

E, no Estado, Marta Suplicy ponderou que Ciro pode ser o melhor candidato, mas “talvez não queira ser presidente, porque ele se sabota. Como psicanalista, vejo isso claramente”.

Alvaro Dias compôs chapa insossa com o ex-BNDES Paulo Rabello de Castro e Marina fugiu ao mero pragmatismo de seus adversários. O médico e ex-deputado Eduardo Jorge é do PV, que tem tudo a ver com a Rede Sustentabilidade – ao menos no nome. Se há cálculo na escolha, é que ele fez carreira em São Paulo, onde reluzem 33 milhões de eleitores. Agora, só faltam duas coisas: Lula largar o osso e os candidatos convencerem quem mais importa, Sua Excelência, o eleitor, de que o vice é para continuar sendo só vice até o fim, sem impeachment. Que os céus nos protejam!

Fim de uma era
Depois de militar apaixonadamente no PT por 33 anos e de passar pelo MDB, Marta Suplicy abandona a vida pública, mas jamais a política e as boas causas da igualdade.


Eliane Cantanhêde: O diabo está solto!

O PT rifa seus nomes por hegemonia e alianças, mas nem todos vão engolir calados

Em 2004, com Lula a todo vapor na Presidência da República, a cúpula nacional do PT ignorou, desprezou e, de certa forma, humilhou a jovem petista Luizianne Lins para favorecer Inácio Arruda, do PCdoB, na eleição para a prefeitura de Fortaleza. Galega arretada e atrevida, ela empinou o nariz, enfrentou tudo e todos e venceu a eleição. No segundo turno, até ganhou uns adesivos do PT – mas teve de pagar o frete.

Quatorze anos depois, com Lula imobilizado numa cela em Curitiba, a cúpula do PT repete a primeira parte da história, atingindo em cheio Marília Arraes, neta do mito Miguel Arraes e candidata favorita ao governo de Pernambuco contra a reeleição do governador Paulo Câmara, do PSB.

Não por uma causa, mas por um projeto de poder, Lula e o PT decidiram rifar Marília em troca da neutralidade do PSB na disputa presidencial. Em outras palavras, cortaram a cabeça da petista para matar a candidatura de Ciro Gomes, do PDT. Sem PT, sem DEM, sem PSB e muito provavelmente sem a Rede, Ciro perde fôlego, míngua.

A tal Marília, porém, não parece muito diferente daquela Luizianne atrevida. Primeiro, ela desmentiu tudo num vídeo, atribuindo a versão a um “ataque especulativo”. Confirmado que tal ataque era real e partira da própria Comissão Executiva do PT, também empinou o nariz e avisou que não vai engolir em seco, nem chorar num canto. Como Luizianne, vai à luta, vai bater chapa na convenção do PT.

Bem longe dali, o ex-prefeito de Belo Horizonte Marcio Lacerda, do PSB, era também vítima do acordão entre o seu partido e o PT para desidratar Ciro Gomes, que se lança como opção das esquerdas após a crise do PT e a prisão de Lula – a quem sempre defendeu e agora acusa. Mas, se não é nordestino, nem mulher, nem valente e atrevido como Luizianne Lins e Marília Arraes, Lacerda igualmente não vai baixar a cabeça e morrer calado. Até porque, como ele alegou ontem para o partido, quem bancou todas as despesas da pré-campanha foi ele, do próprio bolso. Quem vai ressarci-lo?

Assim como tenta fazer com Marília Arraes, o PT também rifa candidatos próprios no Amazonas, no Amapá, no Piauí, no mesmo Ceará de Luizianne e no Maranhão, onde os petistas tentam resistir bravamente à hegemonia de décadas dos Sarney e há 12 anos são incapazes de disputar eleições. Viraram saco de pancada do próprio partido. Tudo pelo pragmatismo, pela neutralidade do PSB, do apoio do PCdoB e até do PP e do MDB de Eunício Oliveira (CE) e de Renan Calheiros (AL).

A ex-vereadora, ex-deputada federal e atual deputada estadual Manuela d’Ávila (RS), outra jovem política com garra, vontade própria e princípios, que se cuide. Ela foi lançada para a Presidência na convenção do PCdoB na quarta-feira. Mas, pelo andar da carruagem, parece só estar esquentando a cadeira enquanto vai se fechando o cerco da Justiça a Lula.

A procuradora-geral, Raquel Dodge, deu parecer a favor de mantê-lo preso e ainda acusou o ex-presidente de frustrar milhões de eleitores. O ministro Luiz Fux (STF e TSE) foi taxativo ao falar na “inelegibilidade chapada” dele. O relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, já se manifestou a favor de decidir esse solta-não-solta Lula ainda em agosto. E tem razão. Enquanto Lula insistir em ser uma (falsa) peça para outubro, o tabuleiro não se mexe.

Aliás, por que o PT rifa todo mundo e atira em Ciro? Por ordem direta de Lula. Sua distração na cadeia é traçar a estratégia, manter o controle total sobre o PT e esticar e relaxar a corda de Fernando Haddad.

Dilma Rousseff é uma fábrica de produzir declarações hilárias, mas estava coberta de razão ao dizer que, “em eleições, faz-se o diabo”. Em todos os partidos, inclusive no PT. E o diabo está solto!


Eliane Cantanhêde: Alianças não são para quem quer, só para quem pode

Na convenção que o lançou ao governo de São Paulo, o ex-prefeito João Doria deu uma resposta que pode parecer atrevida, mas é simplesmente verdadeira, às críticas contra a aliança do também tucano Geraldo Alckmin com o Centrão: “Quem advoga contra alianças é quem não conseguiu fazer”.

Marina Silva (Rede) pode até não vestir a carapuça, já que ela enfrenta dificuldades com seu próprio partido e tem sido seletiva nas suas conversas com outras siglas, como o PDT de Ciro Gomes. Mas a provocação de Doria, em estilo machadiano, atinge em cheio o próprio Ciro.

Ao contrário de Marina, Ciro – que já foi PDS, PMDB, PSDB, PSB e PPS antes de se filiar ao PDT para disputar a Presidência em 2018 – se empenhou publica e ostensivamente por alianças à esquerda e à direita. Até agora, a duas semanas do fim do registro de candidaturas na Justiça Eleitoral, sem êxito.

Errático, Ciro acenava para o PT enquanto, daqui e dali, dava estocadas no ex-presidente Lula. Quando o PT tirou o corpo fora, ele se virou para o lado oposto, o DEM, parceiro do PSDB desde 1994. E, quando o DEM se rendeu à gritante ausência de convergências, o que fez Ciro? Tentou voltar-se novamente para o PT e as esquerdas.

Hoje, Marina Silva e Ciro Gomes conversam, mas sem perspectiva de aliança, enquanto o PDT ainda sonha com algum acordo com o PSB, replicando a nível nacional a aliança em São Paulo a favor da continuação de Márcio França (PSB) no Palácio dos Bandeirantes.

Mas, se Marina e Ciro não conseguiram fazer alianças, o PSB não consegue nem mesmo decidir que caminho seguir. Pode ir para o PDT, pode ir para o PT, pode ter dissidentes para todo lado e pode, simplesmente, tomar uma decisão temerária: liberar geral, cada um votando como bem entenda. Isso, convenhamos, não é próprio de partidos, mas de ajuntamentos de futuro incerto.


Eliane Cantanhêde: Alckmin versus Bolsonaro

Eleição embica para candidato do PT contra tucano ou ex-capitão

As pesquisas ainda não registram, mas a eleição presidencial embicou para três candidatos principais: o sr. X do PT, a ser definido, mas já com a força eleitoral do ex-presidente Lula, contra Jair Bolsonaro, do PSL, ou Geraldo Alckmin, do PSDB. Isso projeta um segundo turno entre esquerda e direita e uma guerra entre Bolsonaro e Alckmin para ver quem chega lá contra o PT. Chova ou faça sol, o candidato do PT parece imbatível no Nordeste e deve colher os votos de Lula no resto do País. Já dá ao menos 20%, suficientes para jogar o partido no segundo turno numa eleição com tantos candidatos. Em sendo Fernando Haddad, agregue-se a boa vontade de não petistas da classe média escolarizada com um professor com jeitão confiável.

Partindo-se da premissa de que o PT estará no segundo, resta a outra vaga. Mais uma vez, Ciro Gomes foi uma boa promessa, mas derrota-se a si próprio pelo destempero e incapacidade de fazer política, de atrair apoios. E Marina Silva tende a, pela terceira vez, inflar no início, murchar no final.

Henrique Meirelles tem campanha azeitada, mas o candidato não ajuda e o MDB cumpre tabela. Álvaro Dias entrou no vácuo do PSDB no Sul, sem ampliar fronteiras. João Amoedo é um desconhecido após meses de campanha. Manuela Dávila e Guilherme Boulos, estão naquela do “tudo que seu mestre mandar”. Assim, sobram Bolsonaro, campeão nas pesquisas sem Lula, e Alckmin, campeão na batalha por alianças.

Bolsonaro consolidou-se entre os mais jovens, os homens, os ricos e os mais escolarizados (aliás, bastante curioso). Mas, segundo o instituto Ideia Big Data, ele não conquistou as mulheres, nada satisfeitas ao ouvir o candidato defender, por exemplo, que têm filhos e, ora, devem ganhar menos que os homens... Seu eleitorado masculino é três vezes maior que o feminino, que prefere o discurso ético e educativo de Marina.

Alckmin, vários pontos atrás de Bolsonaro nas pesquisas, tem potencial nesse eleitorado feminino, sempre mais desconfiado, mais cauteloso, e precisará converter o apoio do establishment em votos do eleitor e da eleitora com curso médio e superior. Todo o cuidado é pouco, porém, para transformar a aliança com o Centrão em ativo, não passivo. Seu ponto forte, particularmente no contraste com Bolsonaro, foi destacado pelo empresário Josué Gomes da Silva, ao recusar a vice, mas anunciar apoio: “Prova de sua (de Alckmin) competência é a maneira firme, serena e eficaz com a qual tem conduzido o governo paulista em meio à gravíssima crise que enfrentamos.” O Brasil e os Estados estão em petição de miséria, mas São Paulo resiste bravamente.

Em linguagem clara, Bolsonaro precisa atacar a alianças PSDB-Centrão, e Alckmin tem de convencer a D. Maria e a Mariazinha da importância de ter dez partidos, tempo de TV e força política. Presidentes sem sólida liderança no Congresso não têm governabilidade, não aprovam projetos fundamentais e ficam sujeitos até a ameaças de impeachment.

Mas, além de convencer o eleitorado feminino, que não embarcou na canoa de Bolsonaro, o candidato tucano terá também de furar a afoiteza do jovem eleitor e a irritação do eleitor escolarizado, encantados com o discurso antipolítica do ex-capitão do Exército. Alckmin terá uma arma poderosa: 40 vezes mais tempo de TV. Mas Bolsonaro tem o mais moderno arsenal de campanhas: as redes sociais.

Assim, as duas grandes apostas que se cruzam são: Bolsonaro está cristalizado ou vai esfarelar por falta de tempo na TV e de consistência nos debates? E Alckmin, que entrou definitivamente no jogo ao fechar o apoio de dez partidos, vai deslanchar ou continuar patinando pela resistência do eleitorado aos “políticos e partidos tradicionais”?