Eliane Cantanhede: Quase lá
De onde Haddad pode tirar votos para tentar virar o jogo no segundo turno?
As últimas pesquisas foram recebidas com alívio, até com discreta comemoração, na campanha de Jair Bolsonaro, do PSL, que não só continua liderando com folga como mantém a diferença do fim do primeiro turno. Era de 17 pontos, agora é de 16. Ou seja, ele e Fernando Haddad, do PT, cresceram praticamente a mesma coisa, 12 um, 13 o outro, o que cristaliza o favoritismo de Bolsonaro. Só o “imponderável”, ou uma “hecatombe”, tiraria a vitória do capitão.
O pior já passou. Esse é o clima entre os bolsonaristas, que esperavam ansiosamente as primeiras pesquisas, temendo uma transferência maciça de votos de Ciro Gomes (PDT) para Haddad. Ciro ficou em terceiro lugar, com 12%, e isso poderia reduzir significativamente a distância entre o capitão e o petista. Mas não aconteceu e Ciro está voando para o exterior.
No PT, a conta é a seguinte: com 16 pontos de diferença, basta mudar oito pontos para um empate. Aritmeticamente está certo, porque, se um voto sai de um para o outro, a diferença entre eles cai dois pontos. Mas a questão não é aritmética, é político-eleitoral. E, aí, a conta não fecha. Numa eleição radicalizada como a atual, dificilmente haverá uma migração de votos de Bolsonaro para Haddad ou de Haddad para Bolsonaro. Quem votou num não vota no outro de jeito nenhum.
Logo, o desafio do PT para dar a volta por cima não é tirar voto do adversário, mas pescar votos dos candidatos derrotados. O principal deles é Ciro, porque teve mais votos e porque 70% dos seus eleitores, segundo o Datafolha, tendem a votar em Haddad.
Em seguida vem Geraldo Alckmin, do PSDB, que chegou em quarto lugar, com menos de 5% dos votos. Para piorar, 54% dos seus eleitores, segundo a pesquisa, preferem Bolsonaro a Haddad. O resto é o resto, inclusive Marina Silva, que tem peso simbólico, mas perdeu relevância eleitoral, ao cair do segundo para o oitavo lugar, com 1%.
A pergunta que não quer calar, portanto, é: de onde Haddad poderá, ou poderia, tirar votos para virar o jogo?
Marinha
Do comandante da Marinha, almirante de esquadra Eduardo Leal, em conversa com a coluna: “O candidato ‘x’ ou ‘y’ pode ter muitos eleitores nas FA, mas as Forças Armadas não têm candidato. Repito: as FA, particularmente a Marinha do Brasil, não têm candidato. Não há nenhuma atividade, nenhuma campanha interna, nenhuma ação que possa nos associar a um dos dois candidatos. Estamos, institucionalmente, neutros”.
Ele é ainda mais enfático ao falar sobre a hipótese, ou temor, de uma futura intervenção militar: “Não há ambiente nem condições para qualquer tipo de golpe, muito menos para um golpe militar. As instituições são fortes, a iniciativa privada é forte, a mídia é forte e as FA cumprem suas atribuições dentro da Constituição”.
Heleno
Ao ser anunciado ontem como futuro ministro da Defesa de um eventual governo Bolsonaro, o general Augusto Heleno foi ao “Forte Apache” visitar o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, de quem é velho amigo. Pouco antes, ele disse à coluna que pretende “cumprir a Constituição, procurando atender as aspirações das FA e garantindo os interesses nacionais estratégicos, sob comando do presidente da República”.
Heleno, que na ativa foi comandante militar na Amazônia e das tropas brasileiras no Haiti, repetiu um bordão militar ao dizer que ainda não foi oficialmente convidado, mas não titubeará quando for, se Bolsonaro for eleito: “Missão dada é missão cumprida”. E acrescentou: “Cumprir a missão é ajudar o Brasil neste momento difícil e de acordo com o que for acontecendo. Estou preparado para o que acontecer e para o que eu for chamado”.
Eliane Cantanhêde: ‘Fica, Temer!’
Na eleição, democracia versus autoritarismo. Depois, todos são populistas e gastadores
A melhor sacada do fim do primeiro turno foi o “Fica, Temer!”, que viralizou na internet, foi um dos assuntos mais comentados do Twitter mundial e resume bem a sensação no Brasil de 2018: “Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come”.
Num segundo turno totalmente atípico, como em tudo nesta campanha tão cheia de surpresas, haverá menos festa e mais irritação, menos apoio e mais crítica do que jamais se viu. E o medo do autoritarismo estará pairando no ar, soprado pelos ataques mútuos das campanhas.
Já nas primeiras horas após o primeiro turno, o petista Fernando Haddad conclamava “os democratas” a aderirem à sua candidatura. A insinuação é clara: ele é o lado da democracia, o outro é o do obscurantismo. Com 4 milhões de votos para o Senado, Flávio Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, reagiu dizendo que “o lado das trevas” – o PT – não terá governabilidade.
Essa guerra para carimbar o outro de mais autoritário, perigoso, obscurantista e antidemocrático é estimulada por uma outra peculiaridade da eleição: os altíssimos índices de rejeição dos dois candidatos do segundo turno, mais de 40%. Mas há também dados concretos para o discurso do medo.
Bolsonaro, capitão reformado do Exército, tem uma visão de mundo, e de direitos humanos, muito particular. E seu vice, um general que passou há pouco para a reserva, tem ideias exóticas. Já defendeu intervenção militar, condenou a “indolência dos índios” e a “malandragem dos negros” e está orgulhoso do “branqueamento” do neto. Hitler sorriu no túmulo.
Do outro lado, o que dizer do ex-presidente do PT José Dirceu e da atual presidente Gleisi Hoffmann? Ele avisa que não basta ganhar a eleição, o objetivo é “tomar o poder”. Ela é reincidente no apoio público a Nicolás Maduro na Venezuela, o que seria patético, não fosse trágico. Ou seria sádico?
Para sorte do pobre Brasil, 69% das pessoas já reagem a essas extravagâncias do PT e do bolsonarismo manifestando apoio à velha e boa democracia. Pode parecer pouco, mas é o maior índice desde a redemocratização.
Nessa disputa entre quem é mais autoritário e antidemocrático, o fato é que Bolsonaro virou moda, primeiro, e tsunami, no final, e entra no segundo turno como franco favorito. Teve 46% dos votos, mudou as eleições para os governos estaduais, varreu petistas como Dilma Rousseff, Eduardo Suplicy, Lindbergh Faria e Jorge Viana do Senado e pôs sua turma no lugar.
E que turma! Flávio no Rio, Major Olímpio em São Paulo, Carlos Viana em Minas. Ganhe ou não, Bolsonaro já tem uma superbancada também na Câmara: o insignificante PSL será a segunda força, atrás do PT, e ele fecha acordos no atacado, não no varejo. Em vez de convencer PP, PTB, PR, etc., negocia com a frente BBB – Bíblia, Boi e Bala. Assim, ele anula a crítica de que não teria maioria no Congresso e já se sente pronto a aprovar todo o seu programa, caso suba a rampa do Planalto, como tudo indica. O problema é saber qual é o seu programa, o que ele pretende aprovar...
O programa de Haddad é populista, intervencionista, um recuo do PT no tempo, mas pelo menos sabe-se qual é. Já o programa de Bolsonaro é uma incógnita envolta nas idiossincrasias entre a alma, o coração e as crenças do candidato e a alma, o coração, as crenças e o sólido conhecimento de seu homem para a economia, Paulo Guedes.
Até o dia 28, todos estarão falando abstratamente de autoritarismo versus democracia. Em janeiro, dê no que dê, o papo será outro: como combater concretamente o déficit do Estado e a crise econômica. Guedes quer pragmatismo e tesoura, mas Bolsonaro é estatizante e corporativista, logo, gastador. Nisso, sem dúvida, o capitão Bolsonaro e o professor Haddad são bem parecidos.
Eliane Cantanhêde: Dúvida do PSDB: como sobreviver à derrota e a Bolsonaro?
Depois de se debater entre três líderes, o partido pode não ter nenhum
Entre os mortos e feridos das eleições de 2018, não se salvam todos. Uma das vítimas mais atingida é o PSDB, que não só perdeu a Presidência e agora a vaga no segundo turno das eleições como sai da eleição profundamente derrotado e com uma dúvida atroz: tem ou não condições de sobreviver?
Depois de se debater entre três líderes, o partido pode não ter nenhum. José Serra saiu do Itamaraty, refugiou-se no Senado e, aos 76 anos, não tem mais horizonte eleitoral. Aécio Neves implodiu sua imagem e seu futuro com o áudio em que pedia R$ 2 milhõespara o empresário Joesley Batista. Geraldo Alckmin leva o troféu de pior desempenho tucano numa eleição presidencial.
Fernando Henrique Cardoso, o grande nome e a maior referência do PSDB, tem 86 anos e funciona hoje mais como um consultor, quase um terapeuta para tucanos com os nervos à flor da pele. Muito acima do partido, tem disposição próxima de zero para reabilitar o PSDB que o levou à Presidência da República duas vezes, em 1994 e 1998.
Quem será, ou quem seria, um líder emergente capaz de providenciar uma tábua de salvação para o PSDB? Se o ex-prefeito de São Paulo João Doria pensou algum dia em ocupar esse espaço, pode tirar o cavalinho da chuva, depois de tentar solapar a candidatura do padrinho Alckmin, sair prematuramente da principal prefeitura do País e pular no barco Bolsonaro antes da hora.
Bolsonaro, aliás, pode ser considerado duplamente algoz do PSDB. Foi para ele que os votos tucanos voaram, primeiro do Sul e do Centro-Oeste, depois do País todo. E é em torno dele que o partido vive as dores, não do crescimento, mas do envelhecimento. Ainda no primeiro turno, tucanos já discutiam, ardorosamente, quem apoiar no segundo: Bolsonaro ou o petista Fernando Haddad, o novo ou o velho adversários de sempre? Ou seria melhor a “neutralidade”?
Não havia, como não há, uma resposta para essa dúvida existencial dos tucanos, que se arrastam em círculos e conscientes de que o partido não caminhará unido nem para um lado nem para o outro. Será cada um por si, cada um seguindo sua ideologia, seu interesse, suas prioridades. Isso, convenhamos, não é coisa de partido, mas de aglomeração, em que cada um faz o que quer.
Criado em 1988, sob os ventos da redemocratização e da “Constituição Cidadã”, promulgada naquele ano, o PSDB reuniu os quadros considerados mais respeitáveis, preparados e reverenciados do País: o próprio Fernando Henrique, que seria o primeiro e único presidente do partido; Mário Covas, que disputou, e perdeu, a primeira eleição direta após a ditadura militar; Franco Montoro, símbolo de ética e patrono dos principais tucanos; José Serra, economista e ex-presidente da UNE; José Richa e Euclides Scalco, do Paraná; Pimenta da Veiga, de Minas; Sérgio Motta, o “trator”, o que transformava as formulações intelectuais em práticas, seja do partido, seja do governo FHC.
Alguns morreram, outros morreram politicamente, e o PSDB nem soube enaltecer e tirar proveito eleitoral da herança bendita de Fernando Henrique, nem soube investir em novas lideranças que arejassem o partido e lhe garantissem um futuro. Aécio e Alckmin, mais novo do que os demais, não deram conta do recado.
É assim que o PSDB chega ao momento mais dramático da política sem saber para onde correr. Ou se vale a pena correr. De tanto se engalfinharem, ele e seu antagonista PT se enfraqueceram, se esvaziaram e são dois dos grandes responsáveis pelo “fenômeno Bolsonaro”. E pelo que virá.
Eliane Cantanhêde: As duas seitas
O confronto é entre duas seitas, lulistas e bolsonaristas, mas viva a democracia!
Jair Bolsonaro (PSL) virou onda sob os ventos conservadores que assolam o Brasil, mas a vitória em primeiro turno, se não impossível, parece improvável. A perspectiva é de um segundo turno entre duas seitas políticas, o bolsonarismo e o lulismo, alheias à crítica, à autocrítica e às divergências. A eleição passa, mas essa guerra vai continuar.
Fernando Henrique, em 1994, e Lula, em 2002, tinham uma certa lógica, até onde a política consegue ter alguma lógica. Mas 2018 lembra mais 1989, com o “caçador de marajás” Fernando Collor (seria cômico, não fosse trágico), e 2014, com a “gerentona” Dilma Rousseff (o que é só trágico).
Collor crescendo, crescendo, e os brasileiros acreditando, festivamente, nos jargões, no teatro, sem refletir sobre o passado do candidato nem projetar o futuro presidente. Dilma liderou do início ao fim, sem que os eleitores, expostos a um marketing de muita qualidade técnica e pouca ética, enxergassem as pedaladas para driblar a realidade e cair no precipício logo ali.
Assim chegamos a este 7 de outubro com o País sem racionalidade, dividido entre antipetismo e antibolsonarismo. Os eleitores só veem, ouvem e sentem o que querem, sem a dúvida, os prós e contra. Se a seita PT obedece a tudo o que seu mestre Lula mandar, a seita bolsonarista bate continência a todas as ordens do capitão Bolsonaro.
Para o PT, a Justiça, o MP, a PF, a Receita e a mídia estão errados, só Lula está certo. Não interessa que ele tenha dividido o País em “nós e eles”, mergulhado alegremente nas benesses de empreiteiras e bancos, institucionalizado a propina e fatiado a Petrobrás. Só que ele usou os ventos internacionais para dar crédito, consumo e bolsas à vontade e é adorado por um terço da população.
E por que Bolsonaro? “Porque sou contra o PT.” Sim, mas e o Bolsonaro? O que ele já fez, faz, é capaz de fazer? O que ele é, o que pensa? A equipe dele? O risco? Aí, a resposta é um muxoxo, uma certa preguiça para pensar, admitir que o candidato foi péssimo militar, é péssimo político, meteu a família inteira na política, nunca administrou nem padaria. Um “defensor da família” que já se separou quantas vezes mesmo? Algumas, aliás, de forma bem tumultuada.
Na hora do “vamos ver”, quando passam a festa e a transição e o eleito senta na cadeira para governar, começam os problemas. Em meio à tempestade, com 13 milhões de desempregados, pior ainda. Há, porém, uma diferença clara entre o que poderá ser o início Bolsonaro e o início Haddad. O capitão vai meter o pé na porta, botar pra quebrar, como gostam seus apoiadores. Mas Haddad vai chegar com jeito de professor, fala mansa, agregador. Quando todo mundo se acostumar, quem sabe até gostar, aí é que o PT “toma o poder”. Está na alma do partido aparelhar o Estado: bancos públicos, empresas, instituições, até organismos internacionais.
Quando Bolsonaro vier com tudo, o PT será de grande utilidade. Quando o PT intervier no governo Haddad, se for ele o vitorioso, a militância de Bolsonaro, forjada em junho de 2013 e encorpada pelas redes sociais, estará a postos. O confronto entre governo e oposição é saudável, democrático, mas como não aprofundar a polarização e o ódio que vai se instalando, replicado até mesmo no próprio Supremo?
Tempos difíceis virão: um provável segundo turno entre candidatos com índices inéditos de rejeição e um governo, seja qual for, que assume com déficit monumental, falta de dinheiro para tudo, necessidades urgentes, reformas inadiáveis, empresas fechando, milhões de desempregados e... uma oposição armada até os dentes.
Mas tem boa notícia: quanto maior a ameaça do autoritarismo, mais os brasileiros se lembram do valor da democracia. Bom voto e viva a democracia!
Eliane Cantanhêde: Os antagonistas
Bolsonaro reina entre mais ricos e escolarizados; Haddad, entre mais pobres e sem instrução
A melhor expressão do antagonismo entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) está no perfil dos seus eleitores e, particularmente, num dos segmentos das pesquisas: enquanto o favorito encanta os mais ricos e escolarizados, que acreditam no velho que se diz “novo”, o petista consolida a posição entre os de menor renda e instrução, que creem piamente no Pai Lula. Até nisso os dois representam os extremos.
Pelo Ibope/Estado/TV Globo, Bolsonaro, que virou o queridinho do mercado, cresceu cinco pontos e atingiu 51% entre os eleitores de maior renda familiar mensal. Na outra ponta, Haddad perdeu seis pontos entre os mais ricos, mas cresceu sete pontos e atingiu 33% entre os de menor renda.
Bolsonaro continua subindo e está com 43% entre os que têm maior nível de instrução, enquanto Haddad disparou oito pontos e foi para 34% no campo oposto, dos menos escolarizados, além de também crescer seis pontos entre os que têm só ensino fundamental completo.
Se Haddad lidera no Nordeste, com 36%, Bolsonaro está na frente em todas as demais regiões, inclusive no populoso Sudeste, onde o petista cresceu cinco pontos, mas só chega a 18%.
Esse dado combina com o desempenho dos candidatos do PT aos governos estatuais. Eles comem poeira em São Paulo, Rio e Espírito Santo e o governador Fernando Pimentel, que disputa a reeleição, está em segundo lugar em Minas.
Sem partido e coligações importantes, Bolsonaro não tem candidatos oficiais fortes nesses Estados, mas os favoritos já pulam no seu barco em São Paulo, por exemplo, onde ele lidera com folga para a Presidência. Vide João Doria, do PSDB.
Se teve três péssimas notícias na semana anterior – estagnação, rejeição e derrota para todos no segundo turno –, Bolsonaro inverteu o jogo na reta final do primeiro turno, em que voltou a crescer, está em empate técnico com Haddad no segundo turno e conquista apoios relevantes, não só para vencer a eleição, mas também para governar.
Assim como cresceu entre os mais ricos e escolarizados, ele também chegou a 43% entre os evangélicos e a 35% nas capitais, que têm maior poder de influência na eleição e sobre o Congresso.
Se não tem apoio formal de partidos nem sabe lidar com eles – já passou por nove, em sua longa, apesar de apagada, carreira política –, Bolsonaro recebeu a adesão oficial da considerável Frente Parlamentar da Agropecuária e, informal, da Frente Evangélica e da “bancada da bala”, que defende o armamento da população como forma de combate à violência. São todas frentes suprapartidárias, formadas por deputados e senadores de centro e, principalmente, de direita. E, se são fortes hoje, devem vir mais fortes ainda em 2019, surfando na clara onda de direita que assola o País e resulta em Bolsonaro. Ele é causa e, mais ainda, efeito dessa onda.
De qualquer forma, as pesquisas ainda não confirmam o entusiasmo e o discurso da campanha bolsonarista de que é possível vencer em primeiro turno. Pelo Ibope, ele tinha 38% dos votos válidos até quarta-feira. Impossível nada é, mas é bastante difícil que consiga 12 pontos nesses quatro dias para fechar a eleição já no domingo.
Pode ser um alento para Haddad, já que o segundo turno é uma segunda eleição, com tempo igual de TV e com intensa movimentação de políticos e eleitores para se recolocarem. Mas uma coisa é certa: Bolsonaro atravessou todo o primeiro turno em vantagem e chega ao segundo demonstrando força e colhendo adesões. Haddad herdou boa parte dos votos que seriam de Lula, mas está herdando também a imensa rejeição ao PT. A organicidade, a estratégia e a disciplina do partido não estão dando conta de reagir à altura.
Eliane Cantanhêde: Pandemônio institucional
Ministros do Supremo desautorizam uns aos outros e juiz Moro entra na confusão
Exatamente na última semana das eleições, a Justiça toma decisões de deixar juristas, analistas e políticos de cabelo em pé. Em Brasília, o ministro Ricardo Lewandowski insiste em liberar o ex-presidente Lula para dar entrevistas, o que significa fazer campanha para o candidato do PT. Em Curitiba, o juiz Sérgio Moro retira o sigilo da delação premiada de Antonio Palocci, que atinge em cheio justamente Lula.
A “base teórica” dessa guerra de nervos vale para os dois lados: Lula nem é candidato, oras! Logo, pode dar entrevista da sua cela. Logo, não precisa de sigilo para a delação de Palocci, que foi o homem da economia e um dos personagens centrais de seu primeiro mandato na Presidência.
Lewandowski, amigo pessoal do casal Lula e Marisa Letícia e nomeado pelo então presidente para o Supremo, causou uma enorme surpresa na sexta-feira ao autorizar as entrevistas, mesmo sabendo (ou exatamente porque sabe) o peso de Lula na campanha de Fernando Haddad. Os demais ministros levaram um susto, considerando que uma decisão com tamanho impacto político deveria ter sido submetida ao plenário, não tomada individualmente, e por alguém tão ligado a Lula e ao PT.
Ao receber um questionamento sobre a decisão, o ministro Luiz Fux, numa outra canetada, desfez o que Lewandowski fizera. Outra surpresa. Afinal, não é trivial um colega desautorizar o outro, e tão rapidamente. O que Lewandowski fez? Deixou passar o fim de semana e ontem voltou à carga. Ficamos assim: Lewandowski autoriza, Fux desautoriza, Lewandowski autoriza novamente. E agora?
O Supremo repete assim a “Operação Tabajara” do TRF-4 de Porto Alegre, quando o desembargador Rogério Favreto – outro ligadíssimo ao PT – mandou soltar Lula num mero plantão. O juiz Moro negou, o relator negou, o presidente do tribunal negou. Um vexame histórico, com críticas das então presidentes do Supremo e do STJ e da procuradora-geral da República.
A PF ficou feito barata tonta: obedecer a Favreto, a Moro, ao relator ou ao presidente do TRF-4? E agora, obedece ao ministro X ou Y do Supremo? Durma-se com um barulho desses, enquanto o presidente Dias Toffoli articulava uma saída e bateu o martelo: não tem entrevista.
Foi nesse clima que Moro liberou a divulgação das delações de Palocci, relatando como Lula participou do fatiamento da Petrobrás entre os partidos e fazia um teatro com interlocutores para fingir que não sabia de nada, enquanto as campanhas de Dilma Rousseff atingiam até R$ 800 milhões, grande parte não declarada. Foi ou não foi uma retaliação de Moro à audácia de Lewandowski? Audácia se paga com audácia?
Some-se tudo isso às operações contra os governadores tucanos Beto Richa (PR), Marconi Perillo (GO) e Reinaldo Azambuja (MS), num momento crítico das campanhas e com curto espaço de tempo entre elas. Richa foi preso, inclusive, e seus índices nas pesquisas para o Senado despencaram. Foi por acaso? Atingindo governadores? De um único partido? A dias das eleições?
Não bastasse a polarização entre PT e extrema direita, o primeiro turno de 2018 caminha para o fim com interferência do MP, da Justiça e, talvez, da própria PF. É como se dissessem: não pegaram o PT? Então tem de pegar o PSDB bem na campanha.
Quem lucra com esse pandemônio institucional é... Jair Bolsonaro. Após revolucionar as redes sociais, atrair eleitores de alta escolaridade com um discurso vazio e juntar uma equipe um tanto atrapalhada, ele agora consegue agitar as ruas com manifestação contra e a favor. Essa é novidade. Aliás, como tudo nessa eleição, centrada num preso doido para falar e num esfaqueado que só lucra ficando calado.
Eliane Cantanhêde: PT versus PSDB
PT ressurge das cinzas e o que está em jogo é a sobrevivência do PSDB
Há apenas dois anos, o PT estava liquidado e só venceu em uma das 27 capitais, a pequena Rio Branco, no Acre, enquanto o PSDB invadia o “cinturão vermelho” e vencia espetacularmente na capital de São Paulo, alçando o então governador Geraldo Alckmin à condição de principal vitorioso individual do País. O mundo dá voltas e tudo se inverteu.
O ex-presidente Lula cresceu nas pesquisas no mesmo ritmo em que a Justiça o condenava em primeira e em segunda instâncias, até levá-lo à cela em Curitiba. Com Lula batendo em 30% para a Presidência, apesar de ficha suja, o PT ressurgiu das cinzas do mensalão, do petrolão e das prisões de seus presidentes, ministros e tesoureiros.
Beneficiado pelo impeachment de Dilma (livrou-se de um fardo), na eleição o partido garantiu a hegemonia na esquerda, pondo o PCdoB no seu devido lugar e aniquilando as chances de Ciro Gomes. Da cadeia, Lula escolheu o nome, a estratégia, o timing, os alvos e até o adversário. A fé cega dos lulistas fez o resto.
No caminho oposto, o PSDB foi atropelado pela divisão do centro, a decantada deslealdade tucana, a revelação do real Aécio Neves e as operações contra seus governadores – inclusive, a dias das eleições. Daí surgiu um atalho: Jair Bolsonaro, militar e político medíocre. Quanto mais ele crescia a olhos vistos, mais seus adversários se recusavam a ver. Pois é...
Se o PT virou uma “religião”, o que dizer do bolsonarismo, apoiado num salvador da pátria, no manjado discurso de ser o novo, de fazer tudo diferente, de não se misturar com os políticos? Uma recriação do caçador de marajás, mas as pessoas esquecem rápido.
Espremido entre um e outro, e enrolado nas suas mazelas e contradições, o PSDB teve, de quebra, três ataques especulativos: Meirelles, Alvaro Dias e Amoêdo. De onde e de quem mesmo eles tiram votos? Tudo isso conspirou contra o centro, a favor dos extremos.
Na semana final das eleições, o PT é o maior cabo eleitoral de Bolsonaro e Bolsonaro é o do PT. O pavor da volta do PT, um exército bem treinado e pronto para “tomar o poder” (como diz José Dirceu), impulsiona a candidatura do capitão. E o pânico diante de Bolsonaro, Hamilton Mourão e Paulo Guedes, um exército de trapalhões sem a menor ideia do que fazer no Planalto, alavanca a de Fernando Haddad.
Efeitos imediatos: de um lado, os eleitores de Alckmin, Meirelles, Amoêdo e Dias rumam para Bolsonaro; de outro, o fortalecimento dos candidatos do PT. Os governadores Camilo Santana (CE), Rui Costa (BA) e Wellington Dias (PI) se reelegem em primeiro turno. A senadora Fátima Bezerra (RN) é favorita ao governo e o senador Humberto Costa (PE) assumiu a dianteira para o Senado. Como contraponto, três governos tucanos (PR, GO e MS) estão às voltas com a polícia, não só com as urnas.
Se vencer o PT, os bolsonaristas farão uma oposição implacável nas redes sociais e nas ruas, atiçados pela democracia a la Bolsonaro: a eleição só vale se ele vencer. Se o vitorioso for Bolsonaro, os petistas e seus braços armados, MST, CUT, MTST – e, dizem, o “novo” STF – vão, primeiro, soltar Lula. Depois, à forra. Nos dos dois casos, a mídia que se cuide.
Quanto ao PSDB, o que está em jogo não é a vitória ou não de Alckmin, mas a sobrevivência do partido. O PT tem Lula, ordem unida, governos e disciplina. O PSDB perdeu o Sul, o Centro-Oeste e o eleitorado tucano, não tem mais Serra e Aécio, não terá Alckmin, e Fernando Henrique pensa mais nele do que no partido. Sobra o quê?
O único consolo é que a eleição passa, mas a rejeição fica e o Brasil não é um País de extremos. Depois de se dividirem e darem a vitória a Lula ou a Bolsonaro, os líderes de centro vão ter de se reinventar. E o Centrão? Estará onde sempre esteve: no poder, ganhe quem ganhar.
Eliane Cantanhêde: Morrendo pela boca
PT constrói a vitória, Bolsonaro e PSDB armam as suas próprias derrotas
Depois vão dizer que é implicância da imprensa, mas como não publicar e não comentar essa profusão de notícias negativas para a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência? Quem cria os fatos, as notícias e os vexames não é a imprensa, é ele e a própria campanha.
Depois de admitir que não entende nada de nada, muito menos de economia, Bolsonaro saiu-se com uma gracinha: “Chama o Posto Ipiranga!”. Depois, esfaqueado brutalmente e internado no hospital, foi poupado de debates e entrevistas, mas toda hora dá uma bronca, ora no vice, ora no próprio Posto Ipiranga.
O economista Paulo Guedes, que é o tal posto (não poste, hein?), já teve de dizer que a ideia de recriar a CPMF não era bem assim e cancelou a ida a todos os debates, um atrás do outro. Já o vice, general Hamilton Mourão, não se emenda. Famoso por ter defendido a hipótese de intervenção militar quando ainda estava na ativa, ele é uma festa para repórteres ávidos por notícias, deslizes e manchetes.
Tem a história da “indolência” dos índios e da “malandragem” dos negros, que deram nisso aqui, o Brasil. Depois, a proposta de mudar a Constituição passando por cima do Congresso eleito por voto direto. Agora essa contra o que chamou de “jabuticabas brasileiras”: o 13.º salário e o adicional de férias para o trabalhador.
Às vésperas de ter alta do hospital, Bolsonaro subiu nas tamancas. Pelo Twitter, o capitão desautorizou o general, dizendo que o que ele andou falando, “além de uma ofensa a quem trabalha, é desconhecer a Constituição”.
O disse, o não disse e a sensação de total descontrole da candidatura confirmam o temor de setores militares responsáveis: essa campanha, com Bolsonaro e Mourão à frente, está tendo um efeito oposto ao que imaginavam. Em vez de ser favorável, pode ser negativa para as Forças Armadas, que não deveriam estar metidas nessa confusão.
Mas, se Bolsonaro fica bravo com Mourão e com Paulo Guedes, quem vai ficar furioso com ele próprio? Bobagem por bobagem, nenhum dos dois consegue ser pior do que o próprio Bolsonaro. No impeachment de Dilma Rousseff, fez loas ao coronel Brilhante Ustra, um dos símbolos da tortura no regime militar, e continuou colecionando manifestações ou patéticas ou escandalosas.
Segundo Bolsonaro, em resumo, mulheres devem ganhar menos que os homens, é melhor ter um filho morto do que gay e o erro das ditaduras foi não ter matado muito mais gente. E ele explica que, apesar de ter apartamento em Brasília, usava imóvel funcional da Câmara “pra comer gente”. E a imagem do candidato ensinando a criancinha a simular uma arma com as mãos?
A pergunta que fica é simples e angustiante: se na campanha já é assim, como seria, ou será, um governo de Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão e Paulo Guedes?
Na campanha de Geraldo Alckmin, as declarações chocantes não são de economia, política, democracia e costumes, como na de Bolsonaro. No caso dos tucanos, são contra o próprio candidato e o próprio PSDB! Fernando Henrique, João Doria, Tasso Jereissati, Arthur Virgílio, Bruno Araujo e Cássio Cunha Lima fizeram fila para esculhambar o partido, a campanha, o candidato. Bem no meio da eleição.
No PT, a presidente Gleisi Hoffmann parou de defender Nicolás Maduro e sumiu. E algum petista abriu a boca contra Fernando Haddad? Muitos eram contra ele, mas todos trabalham a favor, como se faz em partidos com organicidade e objetivo. Se há uma campanha em que todos batem continência ao comandante, não é a de tucanos nem a do capitão e do general, mas a do PT.
Assim se constroem derrotas e vitórias, e o PT sabe construir vitórias.
Não venham praguejar depois.
Eliane Cantanhêde: Quem manda em quem
Lula manda em Haddad, Bolsonaro tenta mandar em Mourão e Guedes
Enquanto Fernando Haddad (PT) não perde uma chance de reforçar que é pau-mandado do ex-presidente Lula, Jair Bolsonaro (PSL) faz o contrário e põe nos seus devidos lugares o vice, general Hamilton Mourão, e o “Posto Ipiranga”, economista Paulo Guedes.
Do hospital, onde continua ativo nas redes sociais, o capitão Bolsonaro cortou as asinhas do general Mourão, que estava doido para substituir o paciente em debates e sabatinas – ou seja, assumir o papel de candidato à Presidência. Bolsonaro foi direto: ou ele vai pessoalmente aos debates, ou ninguém vai.
Também cuidou de conter os arroubos do economista Paulo Guedes, que defende imposto único e avançou o sinal ao admitir a recriação da CPMF. “Chega de impostos”, bradou Bolsonaro, tarde demais. Os adversários estão fazendo uma festa e reforçando a percepção de que, como o candidato não entende nada de economia (aliás, não só de economia...), o governo seria, na prática, de Guedes. Ou do general, que já defendeu intervenção militar.
Todo o episódio confirma o alerta do economista Persio Arida: que o “estatizante e corporativista” Bolsonaro vai para um lado e o privatizante e liberal Guedes vai para o outro. E aí, que governo sai dessa confusão, caso subam a rampa do Planalto? Ou, como indagam os apressados do mercado, que pularam cedo na campanha Bolsonaro por medo do PT: “E a autonomia do Guedes?”. Não é tanto assim, até porque presidente é presidente, ministro da Fazenda é muito importante, mas é só ministro.
Do lado oposto, Lula é a força e a fraqueza de Haddad. A mais contundente confirmação disso foi a forma tortuosa e sofrida com que reagiu à pressão para dizer se, eleito, iria ou não tirar Lula da cadeia via indulto. Foram muitos talvez, quem sabe, muito pelo contrário, até que o governador de Minas, Fernando Pimentel, disse o que parece óbvio: sim, Haddad no Planalto significa Lula fora da cadeia.
Do ponto de vista eleitoral, trata-se do clássico “pregar para convertidos”, porque a ideia agrada a quem já naturalmente vota no PT. E não atrai votos de quem até simpatiza com o jeitão de Haddad, mas não é petista e não quer soltar Lula a qualquer custo, muito menos admite a volta dele no tapetão.
Foi por isso que, na milésima vez que lhe perguntaram a mesma coisa, Haddad jogou a toalha e garantiu que não, não vai dar indulto a Lula. Se é verdade ou não, não se sabe, mas ele mandou um recado para Pimentel, que teve de se retratar: ninguém fala por ele (a não ser Lula, claro).
Com essa balbúrdia, os dois favoritos dão farta munição a Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede). “O Brasil não aguenta mais um presidente fraco, que tenha de consultar o seu mentor”, atacou Ciro, ao lembrar o desastre Dilma Rousseff, outro “poste” de Lula. Ciro perdeu o segundo lugar para Haddad, mas tem uma vantagem sobre Alckmin e Marina: não caiu. Assim, se torna a opção mais à mão em caso de uma onda pelo “voto útil” de centro, contra os extremos.
Marina insiste numa campanha considerada elegante por uns e ingênua por outros, enquanto perde votos principalmente para Haddad. Ao contrário, Alckmin acordou, deu um pulo da cama e partiu para a guerra contra Bolsonaro e, no rastro, também contra Haddad. Suas peças na TV agora são duras, com cenas fortes, fazendo até conexão entre o Brasil e a Venezuela e entre Bolsonaro e Chávez. E foram reforçadas por uma carta de Fernando Henrique Cardoso contra a polarização.
Parece improvável que a guinada reverta a favor de Alckmin, mas pode quebrar a convicção antecipada de que a eleição será entre Bolsonaro e Haddad. No mínimo, é um alerta sobre o que pode vir por aí.
Eliane Cantanhêde: Guerra entre petismo e antipetismo
O segundo turno está sendo antecipado e por uma disputa voto a voto entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad
Apesar dos xingamentos pelas últimas colunas, elas estavam corretas: o segundo turno está sendo antecipado e por uma disputa voto a voto entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, o que caracteriza ou a chegada da extrema direita ou a volta do PT ao poder. O eleitorado de Bolsonaro e de Haddad é bastante diferente. Enquanto o capitão atinge 41% com renda familiar mensal acima de cinco salários mínimos, o petista dispara de 10% para 27% entre os que têm renda de até um mínimo. A curva dos dois também se cruza quando se fala em escolaridade. Enquanto Bolsonaro sobe de 29% para 36% entre os mais escolarizados, Haddad pula de 6% para 24% entre os menos escolarizados. Grosso modo, um é preferencialmente candidato dos “ricos com diploma” e o outro, dos “pobres e mais ignorantes”.
A pergunta é se Bolsonaro e Haddad bateram ou não no teto. Se é para apostar, a resposta é não, pois o candidato do PSL sobe de pesquisa em pesquisa e, com 28%, logo bate 30%. E Haddad, que deu salto de 11 pontos, ainda está com 19%, bem longe do porcentual de Lula com sua candidatura fake. O resultado prático do Ibope é que o PT já despacha emissários para os partidos adversários, especialmente PDT de Ciro, PSDB de Alckmin e MDB de Meirelles, em busca de compromissos e apoios no segundo turno. E, obviamente, no governo.
O segundo turno é uma segunda eleição, com tempo de TV igual, busca de alianças e embate cara a cara entre os candidatos. Isso tudo fará diferença, até porque, pelo Ibope, o segundo turno está ainda mais indefinido do que o primeiro foi durante todos esses meses, com empate entre Bolsonaro e Haddad. Mas uma coisa é certa: vai ser uma guerra entre petismo e antipetismo.
Eliane Cantanhêde: Amor e ódio na eleição
Erros nas campanhas no 1.º turno e guerra de rejeições no 2.º: quem você odeia mais?
Jair Bolsonaro (PSL) é campeão de intenções de votos, mas também de rejeição. Fernando Haddad (PT) é quem mais cresce nas pesquisas, mas isso tem preço: quanto mais é conhecido e mais cresce, mais sua rejeição aumenta, praticamente na mesma rapidez e proporção.
Assim como encanta eleitores homens e de alta escolaridade, Bolsonaro é rechaçado por jovens, metade das mulheres e boa parte do eleitorado de baixa renda. E Haddad, assim como colhe os votos do ex-presidente Lula, herda a rejeição ao PT, que é muito forte, consolidada.
É nesse clima de “amor e ódio” aos dois líderes das pesquisas que o primeiro turno vai chegando ao fim, com os candidatos nervosos, suas equipes batendo cabeça e todos cometendo erros gritantes. A ansiedade bate à porta de uns e o desespero, à porta dos demais. O risco é o vale-tudo.
No hospital, Bolsonaro se livra de debates e sabatinas em que exibia todo o seu desconhecimento de economia, crise fiscal, investimentos, educação... Ao se preservar, porém, também sai do foco e deixa de fazer campanha numa hora decisiva e abre o flanco para o seu vice, general Hamilton Mourão, que está botando as asinhas de fora e acaba de produzir uma das pérolas da eleição: segundo ele, casa só com mãe e avó é “fábrica de desajustados” para o tráfico. O que é isso, minha gente?
Ao gravar um vídeo no leito hospitalar, Bolsonaro demonstrou duas fragilidades: a física e o medo do crescimento de Fernando Haddad. Acusou o golpe e saiu falando em “fraude” nas urnas, o que soa assim: “As urnas só são legítimas se eu vencer. Se eu perder, é fraude”. Bem democrático...
Haddad, que tem a campanha mais calculada e estratégica, ficou entre a cruz e a espada e optou. Para atrair os fiéis seguidores de Lula, ele se assume como pau-mandado do padrinho, diz que, se eleito, vai sempre pedir a bênção a ele na cela de Curitiba e deixa no ar a intenção de, no Planalto, conceder indulto para tirá-lo da cadeia. Mas, se isso aumenta a intenção de votos de Haddad, igualmente infla a rejeição a ele. Atiça o antipetismo, que não se esquece de que Lula, Dirceu, Palocci e todos os tesoureiros petistas foram presos pelo desmanche da Petrobrás.
Ciro Gomes continua sendo Ciro Gomes, expondo enfaticamente suas virtudes, mas incapaz de dissimular seus defeitos. E não é que o cabra macho cearense foi xingar, ameaçar e pedir a prisão de um repórter em Roraima?! Por uma pergunta mais do que legítima?! Mas o pior erro da campanha de Ciro é a estratégia errática.
Ele tentou Lula, que bateu com a porta na cara dele. Tentou o PT e as esquerdas, que lhe surrupiaram o PSB. Concentrou baterias contra Geraldo Alckmin e jogou todas as culpas das mazelas do País no PSDB, defendendo Lula contra a prisão e Dilma contra o “golpe”. Só que seu “inimigo” não era Alckmin, eram o PT e Haddad, como fica claríssimo agora.
Já a campanha de Alckmin é bombardeada inclusive por tucanos, mas também por aliados, adversários, à direita e à esquerda. Um bom conselho seria o PSDB fazer fila, à frente Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, para aprender todos um pouco de política com... o economista Persio Arida.
Enquanto o PSDB, o PP, o MDB, etc. só abrem a boca para puxar Alckmin para baixo, Arida deu ao Estado a entrevista mais política, contundente e eficaz da campanha tucana, dizendo que Bolsonaro é um “engodo liberal”, como Hugo Chávez foi na Venezuela, e lembrando a esquizofrenia da campanha do capitão: o candidato é “estatizante e corporativo”, já o seu “Posto Ipiranga”, o economista liberal Paulo Guedes, é “mitômano” e não vai mandar nada.
E Marina Silva? O problema da campanha dela não é estratégia errada, mas a total falta de estratégia.
Eliane Cantanhêde: Ventos pró-PT
Depois de passar Alckmin e Marina, Haddad tende a ultrapassar Ciro
A cada dia sua agonia e a cada uma das campanhas seu desafio, faltando apenas três semanas para as eleições mais tensas, agressivas e incertas desde a redemocratização de 1985. A consolidação de Jair Bolsonaro e o avanço de Fernando Haddad projetam a chegada da extrema direita ou a volta do PT ao poder e isso mexe com a alma e os escrúpulos dos demais candidatos, principalmente dos que estão embolados na disputa por uma vaga no segundo turno.
Bolsonaro (PSL) está confortável nas pesquisas, mas tem o desafio de fazer campanha depois de esfaqueado e de duas grandes cirurgias. Não pode se atirar nos “braços do povo” como faz há tempos em aeroportos e centros de cidades, não pode nem ao menos gravar vídeos para a propaganda eleitoral e não tem prazo para voltar à atividade política. Pior: sem o comandante, a tropa bate cabeça e seu vice, general Hamilton Mourão, já quer assumir o controle.
No lado oposto, Haddad (PT) vira o novo fenômeno de 2018 e enfrenta dois problemas. Um é ter de falar no ex-presidente Lula de manhã, de tarde, de noite e de madrugada, aumentando a percepção de que seria uma marionete de Lula, uma escada para a volta do próprio Lula à Presidência. O outro problema é que todos os candidatos batiam em Geraldo Alckmin (PSDB), mas agora desviam suas baterias para Haddad. E a artilharia mais pesada é justamente a forte rejeição ao PT em boa parte da sociedade.
Atropelado por Haddad, Ciro Gomes (PDT) deve recuar para o terceiro lugar já na próxima rodada. Seu desafio é bater em Haddad – para manter sua posição, sobretudo no Nordeste –, sem atingir Lula, de quem pretende herdar votos de esquerda em todas as regiões. Ou seja, tem de bater em Haddad, mas endeusando Lula. O segundo problema de Ciro é... ele mesmo. Como pretende negociar reformas, programas e o bem do País com Congresso, opinião pública, empresários, trabalhadores e mídia, com seu temperamento explosivo? Numa hora, simpatia; na outra, destempero.
Alckmin precisa reverter a postura autodestrutiva dos tucanos, que persegue sua candidatura dia a dia, mês a mês, há mais de um ano, e acaba de gerar a entrevista do ex-presidente do PSDB Tasso Jereissati, criticando o passado, o presente e o futuro do PSDB. Numa hora dessas? Com aliados assim, e com um MP que manda prender e devassar governadores tucanos no auge da eleição, Alckmin não precisa de adversários. Mas ele conta com um efeito que ocorre em todas as eleições: a definição de voto de na reta final, nos últimos dias, até nas últimas horas. Esse movimento tende a ser pragmático, movido pela rejeição aos extremos e a favor do centro.
Marina Silva (Rede) reclama que, quando estava em segundo lugar, ninguém considerava um feito, mas bastou cair para o terceiro para já darem a sua candidatura como perdida, o que só intensifica a queda. O fato, porém, é que Marina tem um discurso poderoso, mas tem uma articulação política e partidária frágil e passa a sensação de que seria uma presidente fraca. Candidata forte, presidente fraca. Isso, que pesou decisivamente contra ela em 2010 (pelo PV) e 2014 (PSB), se repete em 2018. Com uma curiosidade (ou injustiça): ela tem a segunda maior rejeição. Por quê?
Há aflição e angústia também nas campanhas de Meirelles (MDB), Alvaro Dias (Podemos) e João Amoedo (Novo), que têm juntos 9% e, sem condições de virar o jogo e de vencer, cumprem o papel de derrotar um nome de centro e ajudar a polarização entre a extrema direita e a volta do PT. O mais prejudicado foi Alckmin, mas uma desistência dos três agora tenderia a favorecer Jair Bolsonaro, que, por ironia, é a melhor garantia de vitória de Haddad no segundo turno. Os ventos, portanto, sopram a favor do PT. Quem diria?