Eliane Cantanhêde: Queimando a largada

Estreia do governo mostra confusão, desinformação e um desmentido atrás do outro

A estreia do governo Jair Bolsonaro produziu menos decisões e metas do que recuos e confusões. A sociedade, o mercado e o próprio governo não sabem até agora qual será a proposta para a Previdência, nem mesmo as idades mínimas para homens e mulheres e o regime para as três Forças. Mas todo mundo descobriu que o presidente fala sem pensar e estar devidamente informado, os ministros são obrigados a desmenti-lo e está uma confusão.

Dificuldades são comuns em qualquer começo, especialmente num governo que traz tantas mudanças, mas é além do razoável que a lista de equívocos e desmentidos cresça todo dia e seja maior do que a de projetos e metas. Os ministros parecem falar muito, mas dizer pouco. E alguns parecem ter como função desmentir os erros do presidente.

Mesmo a reunião do Conselho de Governo, que inclui o presidente, o vice e os 22 ministros, foi decepcionante. A expectativa era de que, no final, algum dos ministros (na falta de um porta-voz) desse uma luz sobre as prioridades em cada área: Educação, Saúde... Mas tudo o que anunciaram foi um projeto – que não é meta de governo – para flexibilizar a posse de armas, o que, aliás, pode aumentar o já alto número de mortes por armas de fogo.

Sem que o governo diga exatamente o que pretende, são inacreditáveis os erros da largada. Bolsonaro fala em IOF, IR e idade mínima para a Previdência e é desmentidopelo primeiro e segundo escalões, gerando mal-estar entre as equipes política e econômica. Acena com Base Militar dos EUA em solo pátrio e deixa os militares em choque, tentando resumir tudo a um “auê”.

Bolsonaro também suspendeu a reforma agrária, depois suspendeu a suspensão; jogou no ar restrições ao acordo Boeing-Embraer e só depois foi discutir o assunto com os ministros; o chanceler postou no Twitter que o presidente da Apex tinha pedido demissão, mas ele foi trabalhar normalmente; um vídeo antigo da ministra da Família contra a Teoria da Evolução provocou crítica até do colega de Ciência e Tecnologia.

Enquanto isso, o filho do presidente, seu ex-assessor Fabrício Queiroz e a família deste se recusam a prestar esclarecimentos ao Ministério Público e o filho do vice-presidente triplica salário em banco público. Sem falar no chefe da Casa Civil, que não explica por que as notas dos gastos de seu gabinete de deputado vieram de uma única empresa, da qual era o único cliente.

Nesta terceira semana, que o trem entre nos trilhos, Bolsonaro passe a falar com conhecimento do que está falando, os ministros comecem a anunciar seus planos e metas, cessem as confusões e o governo assuma alguma normalidade. Já está mais do que na hora.

Mães Dinah
Foi ao ar ontem na BBC World News o primeiro de três episódios sobre o Brasil de junho de 2013 a Jair Bolsonaro. Repórter, entrevistador e produtor executivo da série, intitulada “O que aconteceu com o Brasil”, o jornalista Kennedy Alencar ouviu as expectativas de quatro ex-presidentes sobre Bolsonaro. As respostas:

Temer: “Ou você vive numa democracia, e democracia significa convivência harmônica do Executivo, Legislativo e Judiciário, ou você vai para uma ditadura. Eu acho que ele vai preservar a democracia”.

Dilma: “Eu espero que seja possível a gente ter um governo de extrema-direita sem comprometer a democracia. Eu espero, mas nós estamos vivendo um momento que eu acho muito difícil internacionalmente para a democracia”.

Lula: Vamos ver para onde Bolsonaro irá levar o País. A razão da vitória dele é sabida por quem conhece história: quando se nega a política, o que vem depois é sempre pior”.

FHC: “Eu acho que ele simplifica tudo e pensa que a força resolve. Esse é o maior medo que eu tenho, é dele ser um incapaz de governar”.


Eliane Cantanhêde: Soberania e autoestima

Será que Bolsonaro confundiu o centro de Alcântara (MA) com base militar? Tomara!

Os primeiros quatro dias foram suficientes para apontar a principal fonte de problemas na “nova era”: Jair Messias Bolsonaro, que não só surpreendeu como chocou militares, diplomatas e políticos ao lançar a ideia de uma base militar americana em território brasileiro no futuro. Um prato feito para a oposição.

Bolsonaro podia falar o que quisesse na campanha, mas precisa aprender que não pode mais como presidente. Qualquer palavra e vírgula fora do lugar podem dar confusão. Aliás, já deram, quando ele jogou ao vento não só uma, mas três ideias que ou estão só na sua cachola ou não foram adequadamente discutidas com quem de direito nem estão prontas para virar decisão de governo. Acabou desautorizado em público por auxiliares e criticado intramuros até pelos sempre disciplinados militares.

Dentre as três ideias, a mais explosiva foi a de oferecer de mão beijada para o governo Donald Trump a instalação de uma base militar dos EUA em solo brasileiro. Como assim?

Essa questão, delicadíssima, envolve soberania, defesa, segurança e amor próprio nacional, além de relações internacionais, particularmente regionais. Até por isso, militares ficaram de cabelo em pé, diplomatas demoraram a acreditar no que ouviam e não falta quem lembre que é expor o Brasil e, por extensão, toda a América do Sul, como alvo de confrontos entre os EUA e China ou Rússia, por exemplo.

Na hipótese (remotíssima, claro) de uma guerra entre eles, chineses e russos estariam tentados a jogar uma bomba na base? Ou seja, no Brasil e na América do Sul? Em tese, poderia ser.

De tão esdrúxula, a proposta foi recebida por diplomatas e militares como um “equívoco” do presidente, que teria confundido o Centro de Lançamento de Alcântara (MA) com uma base militar. O que está em estudo é um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (TSA em inglês) para permitir o uso comercial de Alcântara em lançamento de satélites, aliás, não apenas pelos EUA, mas também por outros parceiros. Base militar é outra coisa, totalmente diferente. É abrir mão do controle de uma parte do território para um outro país, no caso os EUA.

Quando a Venezuela ameaçou sediar uma base russa, em 2009, gerou uma gritaria estridente não só do Brasil, mas de toda a região. Se condena uma base russa na Venezuela, ou uma americana no Equador, por que permitir que o Brasil hospede uma dos EUA?

O único registro de base militar estrangeira no Brasil foi na Segunda Guerra, quando Getúlio Vargas autorizou, em 1942, que os americanos usassem o geograficamente estratégico Rio Grande do Norte para reabastecimento de aeronaves e decolagem rumo à África. Outros tempos...

Hoje, ceder território para uma base militar estrangeira é de uma subserviência constrangedora, que os militares e os diplomatas não podem aceitar em nenhuma hipótese. Aliás, nem eles nem o Congresso Nacional a quem, pelo artigo 49, inciso II da Constituição, cabe aprovar qualquer tipo de base temporária em solo nacional. Nessa, Jair Bolsonaro não apenas deu palanque para o ex-chanceler Celso Amorim – inimigo número 1 da “nova diplomacia” –, como pode unir oposição, situação, esquerda e direita. Contra o governo.

O secretário da Receita, Marcos Cintra, e depois o ministro Onyx Lorenzoni vieram a público desmentir, ops!, tentar explicar as declarações de Bolsonaro sobre IR, IOF e idade mínima de aposentadoria.

Já o chanceler Ernesto Araujo não se fez de rogado e, em Lima, não excluiu a possibilidade de uma base americana, “dentro de uma agenda mais ampla com os EUA”, e foi além. Na sua opinião, “não haveria problema numa base”. Isso é que é alinhamento automático! Com os Estados Unidos e com os erros do chefe.


Eliane Cantanhêde: A volta do Tio Sam?

Com Bolsonaro e guinada à direita, volta a influência dos EUA na América do Sul

A decisão do Grupo de Lima de não reconhecer um novo mandato para Nicolás Maduro na Venezuela – aliás, por todos os motivos do mundo – marca a volta firme e determinada da influência direta dos Estados Unidos nos rumos da América Latina, particularmente da América do Sul. Washington, que não integra o grupo, participou ativamente da articulação.

É por essas, e por muitas outras, que o secretário de Estado Mike Pompeo disse em entrevista ao Estado que os EUA estão “entusiasmados” com a guinada à direita na região. Para ser exata: “Estamos muito entusiasmados diante dessa perspectiva e vislumbramos grandes oportunidades”.

Além das questões mais objetivas, comércio, negócios, investimentos e cooperação, essas “oportunidades” incluem uma presença política efetiva de Washington na região, com reflexos óbvios sobre posições conjuntas nos arranjos regionais, como no caso do Grupo de Lima, ou em organismos multilaterais, como a própria ONU.

Pompeo se encontrou com os presidentes Jair Bolsonaro e Iván Duque, da Colômbia, no dia seguinte à posse de Bolsonaro, ou seja, justamente dois dias antes de 12 dos 13 países do Grupo de Lima tomarem a necessária, mas igualmente audaciosa decisão de rejeitar a manutenção de Maduro no poder. Há a versão de que ele inclusive telefonou e manifestou a posição americana no meio da reunião na capital peruana.

Dos 13 países, o único a não subscrever a declaração enxotando Maduro da convivência regional foi o México, onde a eleição de López Obrador foi na contramão da América Latina. Brasil, Argentina, Paraguai, Chile e de certa forma o Equador aderiram à “direita, volver”, somando-se à Colômbia e Peru, mas o México foi para a esquerda. Não, diga-se, a ponto de pular no naufrágio do “bolivarianismo”.

O papel do Brasil nesse novo ambiente, tão favorável – ou entusiasmante – para os EUA, é decisivo. Não só como o maior, mais populoso e mais rico país da região, mas principalmente pela ascensão de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Ernesto Araújo, com Olavo de Carvalho pairando sobre eles.

Não é trivial ter um chanceler de um país dessas dimensões assumindo publicamente que só Deus pode salvar o Ocidente e seus valores cristãos e, no fim, nomear o presidente Donald Trump como esse Deus tão poderoso. Também não é nada trivial, mas sim pueril, que o presidente eleito mande o próprio filho como a cara e a voz do Brasil em visitas até a membros da Casa Branca em Washington. Os sinais são de alinhamento automático aos EUA e de veneração a Trump.

Registre-se, porém, a cautela com que Pompeo respondeu sobre a conveniência e oportunidade de um alinhamento automático do Brasil aos EUA já. Em vez de fogos e comemorações, disse sóbria e vagamente que os dois países terão “um bom alinhamento nas suas políticas”.

Como bastidor: antes de saber exatamente a que Bolsonaro veio e até onde pode chegar, não convém a Washington um engajamento tão simbólico com o governo que está só começando. Forte aproximação, com certeza, mas o momento é de observação, acompanhamento, para ver como as coisas caminham.

De outro lado, grandes diplomatas e especialistas em política externa lembram que nem no regime militar houve sempre alinhamento automático aos EUA. E mais: alertam que, se Bolsonaro ainda é uma incógnita aqui, Trump vive tempos conturbados lá, perdendo subordinados um atrás do outro, sob acusações de relações heterodoxas com a Rússia e leniência com a Arábia Saudita.

Logo, o melhor é também observar e acompanhar, até por reciprocidade subjetiva. Como diziam nossas velhas tias, “prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”. Taí, elas dariam boas diplomatas.


Eliane Cantanhêde: O capitão e os generais

Bolsonaro é instrumento dos militares, ou os militares é que são de Bolsonaro?

Antes, discutiu-se se o carismático Lula era instrumento do PT e de suas bases para instalar um projeto de esquerda no Brasil, ou se o PT e suas bases sindicais, acadêmicas e católicas eram instrumento de Lula para chegar e manter o poder. A história mostra que Lula venceu o PT.

Agora, o Brasil vive o mesmo dilema, mas com personagens opostos: o capitão-político Jair Bolsonaro é instrumento das Forças Armadas e seus seguidores para instalar um projeto de direita, ou são os militares e seus seguidores que se tornaram instrumento de Bolsonaro e seus filhos para chegar ao poder?

Por isso, a transmissão de cargo mais instigante e concorrida foi a do general Fernando Azevedo e Silva na Defesa. De tão disputada, foi no Clube do Exército. De tão importante, foi a única com discurso do presidente.

Diante do dilema, sobressaiu-se o enigma jogado no amplo salão por Bolsonaro. Dirigindo-se ao comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, confidenciou: “O que nós conversamos morrerá entre nós”. Ato contínuo, agradeceu: “Obrigado. O sr. é um dos responsáveis por eu estar aqui”.

O que eles conversaram não se sabe, mas sabe-se que Villas Bôas, infelizmente acometido de uma doença degenerativa, é o maior líder militar, um homem inteligente, articulado, simpático e que, bem antes das eleições, já vinha assuntando sobre quem seria o candidato ideal para trazer a direita de volta ao poder. Bolsonaro? O ruralista Ronaldo Caiado? Algum empresário?

Pode nem ter sido a primeira opção, pode nem ter sido o ideal, mas quem enfrentou o desafio, viabilizou-se para a tarefa e conquistou o apoio dos integrantes das três Forças foi o capitão que saiu pela porta dos fundos do Exército, integrou o baixo clero da Câmara 28 anos e agora se cerca de militares nos cargos mais sensíveis.

No mesmo discurso para seus velhos pares, Bolsonaro fez questão de esclarecer uma outra dúvida: quem enfiou o general da reserva Hamilton Mourão na vice? Há quem jure que foram os militares, mas Bolsonaro disse que ouviu outras pessoas, mas a decisão foi dele, pessoal. “Não tem mais capitão nem general. Agora, somos todos soldados a serviço do Brasil.”

O novo ministro Fernando Azevedo e Silva admitiu que “são tempos difíceis de escassez”, mas já defendendo a “urgente reestruturação” e “novos atrativos” para a carreira militar. E Bolsonaro acenou com a revisão da MP de 2001 que acabou com a promoção automática dos militares que passam para a reserva, além do auxílio-moradia e do adicional de inatividade dos militares.

Se há algo que separa Bolsonaro e Villas Bôas, parece ser a relação com Fernando Henrique Cardoso, que é pródigo de elogios ao comandante do Exército e tem uma velha rixa com o atual presidente. Depois de citar Sarney, Collor e Itamar e suas decisões relativas aos militares, desdenhou: “Depois, tivemos o outro governo, os senhores sabem qual foi. Tivemos alguns problemas, em especial comigo”.

Para Bolsonaro, as Forças Armadas são “obstáculo para quem quer usurpar o poder”, mas quem se apossou do poder político e alijou os civis por 20 anos foram elas. E há quem veja no novo governo a volta dos militares. Observando as posses, os discursos e a bajulação, porém, os ministros militares estão entre os mais sensatos, menos bajuladores e se comportam como quem veio não pelo gosto pelo poder, mas para ajudar a resgatar a ordem no País e na gestão pública. Ao jeito deles.

Destaque-se, aliás, a compreensão do general Fernando sobre a imprensa: “Mais do que reproduzir notícias, ela nos avisa, nos cobra quando necessário e sempre ajuda a dar transparência às nossas atividades”. Vamos combinar: melhor do que muito civil e bem melhor do que muito bolsonarista de internet.


Eliane Cantanhêde: ‘Vamos restabelecer a ordem no País’

Jair Bolsonaro inovou com um discurso rápido e com a forma clara e direta com que reafirmou a guinada à direita no Brasil

Conclamar um “pacto nacional” virou lugar comum em posses presidenciais, mas Jair Bolsonaro inovou com um discurso rápido e com a forma clara e direta com que reafirmou a guinada à direita no Brasil. “Vamos restabelecer a ordem nesse País!”, pregou, sacudindo a Praça dos Três Poderes.

Direito à legítima defesa e respeito às regras, contratos e propriedades, além de combate ao gigantismo do Estado, ao politicamente correto e ao “viés ideológico”, às “amarras ideológicas” e à “ideologia nefasta” que, segundo ele, destroem nossos valores e a família.

Foram firmes compromissos com princípios liberais na economia, posições conservadoras em costumes e guinadas na política externa, na educação e na segurança – que “vai deixar de defender bandidos e criminalizar a polícia”. Assim, o presidente convocou a sociedade a “libertar o País do socialismo” e “reerguer a Pátria”, bradando: “Nossa bandeira jamais será vermelha!”.

Além de Deus, foco em duas estrelas. Michelle Bolsonaro, linda, elegante e cheia de si, surpreendeu, não só ao fazer um discurso, mas fazê-lo na linguagem de Libras e se comprometer com a inclusão de deficientes. E Carlos Bolsonaro, que abriu o dia criticando os que usaram o pai como “papel higiênico”, recebeu elogio de Michelle e ganhou uma vaga exclusivíssima no Rolls-Royce presidencial. Esse “pitbull” vai longe!


Eliane Cantanhêde: Sem reinventar a roda

Nunes Ferreira: política externa até pode mudar, mas ‘não vai acabar o mundo’

“O Brasil é um transatlântico navegando em mares internacionais turbulentos e precisa ser conduzido com prudência, numa rota que a gente conhece e a diplomacia brasileira sempre seguiu, com a Constituição, as leis, o bom senso e a altivez.”

Assim, o atual chanceler, Aloysio Nunes Ferreira, resume o que se espera da política externa do governo Jair Bolsonaro nesses tempos de Donald Trump nos EUA, Vladimir Putin na Rússia, Brexit no Reino Unido, mas o Brasil forte e em boas condições de atrair investimentos.

Segundo ele, que termina seu mandato no Senado e não disputou a eleição, “a mudança no Brasil é muito forte, muito importante, até mais do que as alternâncias anteriores, porque é até uma mudança cultural”. Logo, diz, “é natural que haja ajustes na política externa, como em qualquer área, porque a política é um ato do tempo”.

Ele, porém, ressalva que “o Itamaraty é uma escola, a nossa diplomacia é altamente qualificada e isso, certamente, será levado em conta pelo novo chanceler Ernesto Araújo”. Trata-se de uma clara defesa dos diplomatas e uma resposta à acusação do núcleo duro bolsonarista de que o Itamaraty está “infestado de petistas” ligados a Celso Amorim, chanceler de Lula.

Para Nunes Ferreira, política e ideologia nem sempre se confundem, os diplomatas têm carreira de Estado e, como os militares, trabalham com todos os governos, de esquerda, direita ou centro. O Barão do Rio Branco, ex-chanceler e ícone da política externa brasileira, era ideologicamente monarquista, mas atuou politicamente para consolidar a República.

Citou ainda os grandes diplomatas da época do general Ernesto Geisel e do chanceler Azeredo da Silveira, que eram ironizados como “os barbudinhos do Itamaraty”, mas “fizeram uma excepcional inflexão na política externa, com base no pragmatismo responsável que perdura até hoje”.

Diplomatas estão por trás das reportagens condescendentes com Lula e Dilma e críticas a Bolsonaro? “Isso é uma grande bobagem”, responde. “O PT é o único partido que construiu e cultiva conexões externas com partidos, jornais, organizações e universidades.” Por isso, não pelo Itamaraty ou por diplomatas, prevaleceu no exterior uma visão equivocada do impeachment de Dilma e da prisão de Lula.

O único líder que tentou furar esse bloqueio foi Fernando Henrique Cardoso, já como ex-presidente, mas sem sucesso. Além dele, o DEM, ainda quando PFL, começou a construir conexões com partidos liberais, especialmente da Europa, mas essa tentativa também não se consolidou.

O chanceler releva a mania de Bolsonaro e Araújo de seguirem Trump em tudo e prega bom senso. “Nós já nos livramos de um antiamericanismo ginasiano de certas esquerdas”, diz, destacando que a guinada na política externa começou com Michel Temer, que mudou o tom e a ação em relação à Venezuela e avançou em convergências, acordos e cooperação com os EUA, como na Base de Alcântara.

Para Nunes Ferreira, o futuro governo pode mudar muita coisa, mas tenderá a recuar em outras frentes, porque não é razoável sair do Acordo de Paris e do Pacto Global de Imigração, virar as costas para a ONU, a OMC e o Mercosul e confrontar o mundo árabe com a embaixada em Jerusalém, tudo ao mesmo tempo.

De toda forma, ele tem uma certeza: “O mundo não vai acabar. O Brasil vai continuar sendo a grande segurança alimentar, o grande exportador de minérios, um País amigável. E vai continuar na América Latina, não vai mudar nem de hemisfério nem de continente”.

Traduzindo: Bolsonaro pode quase tudo, Araújo pode muito, mas ninguém vai virar o País de pernas para o ar, nem reinventar a roda.

Bom Natal!


Eliane Cantanhêde: Os aplausos vão para...

Além da Economia e da Justiça, Bolsonaro acerta na Agricultura e na Infraestrutura

Apesar do foco na Economia, com Paulo Guedes, e na Justiça, com Sérgio Moro, a formação de pelo menos duas outras áreas merecem aplauso no futuro governo Jair Bolsonaro: a Agricultura e a Infraestrutura. Além de serem grandes geradoras de empregos, o que é urgente, ambas são fundamentais para o desenvolvimento, a recuperação da nossa combalida economia.

Na Agricultura, a agrônoma Tereza Cristina é dessas que não faz estardalhaço, não se mete em confusão, trabalha muito e ganhou respeito e interlocução na Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e na Frente Parlamentar do Agronegócio. Não chegou ao Ministério da Agricultura por outra coisa senão mérito.

Na Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, capitão reformado do Exército, como Bolsonaro, tem três troféus: passou num concurso para a única vaga de consultor legislativo da Câmara, foi o primeiro de turma no Instituto Militar de Engenharia (IME) e tem a maior média de notas de engenharia civil na história da instituição.

Tereza Cristina anuncia três prioridades. Primeiro, reformular e ampliar o seguro para os produtores rurais e, com isso, poder ampliar o crédito, hoje limitado e restrito ao Banco do Brasil. E está obstinada com a ideia, como Bolsonaro, de flexibilizar regras, desburocratizar, acelerar concessões de alvarás.

Nos agrotóxicos, é pragmática: a questão não é usar ou não, é calibrar o uso com segurança e eficácia. “Ninguém planta nada sem defensivos agrícolas, isso não existe. O que precisamos é racionalizar o uso e preservar as garantias.” Esse debate é uma guerra, mas ela prefere diplomacia, está costurando apoios, explicando, convencendo.

Outra questão-chave para o agronegócio, um dos mais poderosos do mundo e essencial para manter o Brasil flutuando na recessão de 2014, 2015 e 2016, é a infraestrutura. Sem estradas, pontes, ferrovias e portos, não tem como escoar a produção. No mínimo, com segurança e competitividade. E aí entra o ministro Tarcísio Freitas.

Ele já assume com o PPI a pleno vapor no governo Temer, com R$ 239 bilhões à mão. Assim, Bolsonaro fará dois golaços já na largada, com a concessão, em março, de mais doze aeroportos, inclusive Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), e a licitação da concessão da Ferrovia Norte-Sul. A expectativa é a conexão ferroviária de Mato Grosso à Norte-Sul, unindo os portos de Itaqui, ao norte, e de Santos, ao sul. “Sem um real do orçamento”, diz ele, um privatista convicto.

Suas prioridades: 1) transferência de ativos à iniciativa privada (privatização, concessão...); 2) tirar os esqueletos do armário, como passivos de concessões que falharam, caso de Viracopos (SP); 3) decidir o que fazer com as obras públicas paradas (uma das tragédias brasileiras) e garantir eficácia nas futuras. Suas palavras de ordem: planejamento, racionalidade, previsibilidade e credibilidade, tudo o que os brasileiros precisam e os investidores internacionais exigem. O momento é favorável ao Brasil, com México adernando à esquerda, Argentina em crise, ambiente político duvidoso em alguns e falta de escala nos demais. Onde investir? No Brasil, claro.

Assim caminha o futuro governo, com grandes nomes e expectativas na economia de Guedes, no combate à corrupção com Moro, mais segurança na agricultura e audácia na infraestrutura. Agora, é cuidar para que a política não atrapalhe. Na reforma da Previdência, é aprovar ou aprovar.

Além disso, Bolsonaro precisa ter consciência de que seus filhos estão excessivamente sob os holofotes e isso nunca dá certo. Com um funcionário atrás do outro assombrando a família no submundo da Alerj e pairando sobre o próprio pai em Brasília, ninguém vai falar de agricultura e infraestrutura, só de fantasmas.


Eliane Cantanhêde: Vidraças de Bolsonaro

Foi a pior semana após a vitória, mas o mais grave está por vir: a pressão por aumento de soldos

A lua de mel do presidente Jair Bolsonaro com o poder está acabando cedo demais e ele sai hoje de sua pior semana depois da euforia da vitória e de abrir imensas expectativas na população brasileira, tão machucada pela decepção com a política, erros crassos de governo, corrupção galopante, a divisão do “nós e eles”. A promessa era fazer “tudo diferente”. E agora?

Bolsonaro começa a sentir o peso do poder antes mesmo de assumir, acuado pela abertura de investigação contra seu chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e pela movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de um ex-assessor de Flávio Bolsonaro, seu filho e senador eleito. Sem falar, como revelado também pelo Estado, no cheque de R$ 24 mil desse assessor para Michelle, a futura primeira-dama.

O pivô é o PM Fabrício Queiroz, o que remete à ligação muito próxima e agora explosiva do presidente Michel Temer com o coronel aposentado também da PM João Baptista Lima Filho, apontado como “operador” de Temer para mil e uma utilidades, inclusive a reforma da casa da filha. Um PM pode não ter nada a ver com o outro, mas é importante a história ser muito bem esclarecida.

Se isso não bastasse, a nova Legislatura só começa em fevereiro, mas o PSL já está dando dor de cabeça e comprovando a velha máxima de que tamanho não é documento, ou que quantidade não significa qualidade. E aí está a troca de desaforos por WhatsApp entre os campeões de votos Joyce Hasselmann e Major Olímpio, aliás, mais um policial militar.

Hasselmann, que não tem papas na língua, nem sutileza na escrita, quer ser líder do partido do presidente na Câmara e partiu para cima do Major Olímpio. E mais: quando o racha vazou, ela subiu ainda mais o tom, postando na internet que ele “comanda o partido com truculência, aos gritos, com ameaças”.

Para tentar manter a tropa unida, Bolsonaro reúne a bancada do PSL na quarta-feira, depois de MDB, PSDB, PRB e PR. Mas, se repetir o script com os demais, vai dizer à sua própria bancada que o fim do “toma lá, dá cá” é para valer e não vai se meter em disputa no Congresso. Ou seja, não esperem muito dele.

Para piorar, o outro filho do presidente eleito, o deputado e chanceler extraoficial Eduardo Bolsonaro, está no centro da confusão. É Joice quem adverte, em conversa também pelo WhatsApp e revelada pelo O Globo: “Filho de presidente carrega o peso de ser filho de presidente e isso pode prejudicar o partido e até mesmo virar vidraça para o presidente”. Quem haveria de discordar?

Na conversa, Eduardo alegou que não pode “botar a cara publicamente” (só nos EUA?) para não atiçar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que só pensa em manter o cargo. Qual o temor? Que Maia, desagradado, use esse restinho de ano para por em plenário pautas bombas que podem explodir as contas públicas em mais R$ 50 bilhões.

Por falar nisso, Bolsonaro está às voltas com os filhos, a conta do assessor, o PSL, os demais partidos, o Meio Ambiente e a reforma da Previdência, mas o medo de Rodrigo Maia é fichinha diante da reverência aos militares. Eles estão calados em público, mas nos bastidores há enorme ebulição por aumento dos soldos, há anos defasados. O capitão da reserva Jair Bolsonaro vai dizer “não”?

Ele, aliás, cancelou a ida a Pirassununga para uma cerimônia justamente da FAB, a prima pobre no novo governo, porque precisa se cuidar, descansar, manter as energias. Nunca se pode esquecer - ele próprio, principalmente -, que foi esfaqueado, passou por cirurgias complexas, carrega uma bolsa de colostomia e ainda sofre resquícios de infecção. Quem tem proximidade com o futuro presidente diz que ele está “muito pálido”. Vamos combinar que motivo não falta.


Eliane Cantanhêde: Os enjeitados

Para que servem Direitos Humanos, Meio Ambiente, mulheres e Funai?

Não foi por acaso que a Funai virou batata quente e os ministérios de Meio Ambiente e de Direitos Humanos ficaram no fim da fila da composição do futuro governo. Simplesmente, esses são temas desconhecidos pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, e por todo seu grupo de poder. Eles rejeitam tudo o que foi feito nas três áreas, mas não sabem exatamente o que por no lugar.

Em suas declarações, Bolsonaro reclama que índio não pode ser tratado como “animal de zoológico”, tem de ser assimilado, ter direitos iguais aos de todos os cidadãos e poder explorar e plantar ou arrendar as suas terras. E reclamou que a Funai atrasa e dificulta os alvarás para empreendimentos e obras no País.

Se o chefe pensa assim, nenhum chefiado queria assumir a Funai, as reservas, os índios, os alvarás. Sérgio Moro (Justiça) já está “muito sobrecarregado”, segundo o próprio Bolsonaro. Tereza Cristina (Agricultura) ponderou que não seria adequado cuidar de dois polos tão conflitantes (agricultura e índios vivem de terras, ou melhor, disputam terras). A sensação era de que o abacaxi acabaria no Planalto. Caiu em Direitos Humanos.

Quanto ao Meio Ambiente, ficou realmente difícil arranjar alguém para desmontar tudo o que foi feito nessa área. Que ambientalista assumiria jogar para o alto a candidatura do Brasil para sediar a COP 25? Ou discutiria a retirada do Acordo de Paris, para o qual o País se empenhou tanto? Logo, o futuro ministro teria de ser do agronegócio, evangélico, da bancada da bala ou delegado.

Na opinião do presidente eleito, meio ambiente existe para duas coisas: atravancar o progresso, impondo obstáculos à construção de estradas, pontes e viadutos, e enriquecer essas ONGs esquerdistas que não servem para nada a não ser tomar dinheiro público. Por isso, sua primeira tentativa foi submeter a área à Agricultura. Como não deu certo, mantém-se o ministério. Mas que ministério?

Já as manifestações do seu futuro ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, denotam uma aversão mais grave e profunda. O “ambientalismo” seria instrumento do comunismo internacional para subjugar os países e dominar o mundo. Logo, o ministro do Meio Ambiente teria de ser alguém radicalmente contra o meio ambiente? Fica a dúvida.

Quanto aos Direitos Humanos, a questão é ainda mais complexa, porque em todos os governos pós-redemocratização o foco esteve na reabertura dos arquivos da ditadura militar e na denúncia aos desaparecimentos, mortes e torturas. Obviamente, não será mais assim, não só porque Bolsonaro é militar reformado como se cercou de generais e fez manifestações de apoio à tortura e ao coronel Brilhante Ustra.

Então, manter ou não um ministério para Direitos Humanos? A discussão afunilou para o Ministério de Família, Mulheres e Direitos Humanos, com a Funai de apêndice, mas a coisa encrencou quando o pastor e senador Magno Malta, que perdeu a eleição, foi preterido para o cargo e a agora poderosa bancada evangélica resolveu se meter. O senador não podia, mas a pastora Damares Alves, assessora dele, pôde. Por tabela.

Montagem de ministério – como, de resto, de qualquer equipe – é sempre difícil, mexe com interesses, ambições, vaidades, amizades, inimizades. Logo, é compreensível que Bolsonaro tenha varado novembro sem conseguir fechar todos os 22 nomes e passado a ouvir muito antes de decidir.

Mas, mais do que nomes, aguardam-se informações sobre as intenções do novo governo para meio ambiente, índios, direitos humanos, família, mulheres. Vamos combinar, entra governo, sai governo, e todos esses temas têm a ver diretamente com as pessoas, o Brasil de hoje e o do futuro. Aliás, não só o Brasil, mas o mundo.


Eliane Cantanhêde: Cadê o bom senso?

Seguir Trump em tudo e eleger o filho como versão brasileira de Jared Kushner não são boas ideias

De Marina Silva, respeitada pelo mundo afora por suas posições a favor do meio ambiente: “é mais do que constrangedor, é vergonhoso” o presidente eleito, Jair Bolsonaro, retirar a candidatura do Brasil para sediar a COP 25 e alardear que vai sair do Acordo de Paris. Pois não é que ela tem razão?

O Brasil tem limites claros em embates políticos e econômicos internacionais, mas é um líder natural quando o tema é meio ambiente, importante em todo o mundo desenvolvido e democrático e tratado com ligeireza e com viés claramente ideológico pelo governo que vem aí.

Bolsonaro despreza e seu chanceler, Ernesto Araújo, ironiza a questão como “climatismo”. Assim como o “globalismo” e o “antinatalismo”, o “climatismo” e outros ismos seriam parte de um complô perverso contra o Ocidente. Já que o marxismo não conseguiu dominar o mundo pela economia, raciocina o futuro ministro, tenta via domínio cultural.

Esses posicionamentos seguem os do único líder “capaz de salvar o Ocidente”, Donald Trump, e isso não tem graça nenhuma. Ótimo o Brasil se reaproximar dos EUA, mas daí a seguir todos os passos de Trump, além de “constrangedor e vergonhoso”, pode ser desastroso, com altíssimo custo.

A União Europeia, por exemplo, condicionou a aliança com o Mercosul ao Acordo de Paris e o presidente Temer já assumiu o compromisso de Estado nesse sentido, mas Bolsonaro torce o nariz para esse acordo e Araújo explica por que em seus textos. E agora? Tudo combinado? Também é difícil entender o motivo para se meter numa guerra de gigantes, EUA e China, só porque Trump quer barrar o avanço chinês e impôs sobretaxas ao país. O que ganhamos, tomando partido? Nada.

O saldo comercial com a China foi de US$ 50 bi em 2017, maior do que com UE e Mercosul, com superávit de US$ 32 bi a nosso favor. O PT pode até ter “eleito” a China como parceiro número um por ideologia, mas há também pragmatismo e complementariedade. A China é o grande comprador e o Brasil um grande vendedor de commodities. Aliás, reataram relações em 1974, no regime militar.

O mesmo vale para a mudança da embaixada do Brasil para Jerusalém. Trump mudou a dos EUA? Problema dele. O Brasil mantém desde sempre a neutralidade no Oriente Médio, tem profundos laços afetivos, culturais e econômicos com o mundo árabe e, mesmo com a má vontade do PT com Israel, manteve livres as fronteiras comerciais e de cooperação. Bolsonaro pode ampliar essas fronteiras sem dar um tapa na Palestina.

Foi o filho do presidente eleito, deputado Eduardo Bolsonaro, quem se comprometeu com isso em solo americano. Aliás, por que alçar o próprio filho à condição de gênio e interlocutor na política externa, capaz de fazer a primeira viagem internacional e até de sabatinar o futuro chanceler?

Até isso lembra Trump nos EUA, onde a filha Ivanka e o genro Jared Kushner são os únicos com real desenvoltura na Casa Branca, enquanto o presidente vai jogando ao mar um homem atrás do outro e uma mulher atrás da outra de sua equipe. Detalhe: a “expertise” de Kushner, assessor sênior, é justamente a área externa e... o Oriente Médio.

No encontro com John Bolton, no Rio, Bolsonaro quis mostrar a imagem de homem simples e uma falsa intimidade, com um café da manhã sem toalha, com copo de geleia, suco de caixinha e biscoitos, como se fosse para um parente, um velho amigo. Mas era um encontro de trabalho entre um futuro presidente da oitava economia do mundo e o secretário de Segurança da maior potência.

O correto é não trocar a ideologia do PT pela de quem quer que seja, nem caneladas por “relação carnal” com os EUA (como a Argentina tentou), nem punhos de renda por copos de geleia. Aliás, não se trata só de diplomacia, mas de puro bom senso.


Eliane Cantanhêde: Governo verde-oliva

Bolsonaro monta governo de generais e a única surpresa é na articulação política

Taí, essa ficou difícil de entender no futuro governo Jair Bolsonaro: um general na articulação com o Congresso? Duas explicações plausíveis: ou vai mudar tudo ou pôr um general é para intimidar deputados e senadores e inibir pedidos de verbas e cargos que os militares – como, de resto, a sociedade – consideram pouco republicanos.

É assim que o futuro governo “não é militar”, como dizem generais, brigadeiros e almirantes, mas cada vez mais vai assumindo o jeito, a cara, a cor e o cheiro dos militares do Exército, que somam sete no primeiro escalão, por ora.

Além do próprio presidente, que passou para a reserva como capitão, temos o vice Hamilton Mourão, general de Exército (quatro estrelas) que saiu recentemente do Alto-Comando e ainda tem um pé, e amigos, lá dentro.

Também general de quatro estrelas da reserva, Augusto Heleno não apenas tem muita influência sobre Bolsonaro como foi deslocado da Defesa para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para ficar bem perto do gabinete do presidente e com acesso à maior fonte de poder: informação.

Entram para a linha de frente do governo também os generais Fernando Azevedo Silva, na Defesa, Carlos Alberto Santos Cruz, na Secretaria de Governo, e Joaquim Brandão, a ser anunciado para a Infraestrutura, juntando Transportes e Comunicações.

E tem mais: um dos homens fortes na formatação do projeto de poder é o general Sérgio Etchegoyen, atual chefe do GSI, homem inteligente, preparado, de grande linhagem militar e boa capacidade de articulação com políticos e sociedade civil. Não faz sentido deixá-lo fora do governo. Só falta saber exatamente onde se encaixará.

Uma falha na montagem é o excesso de verde-oliva, ou seja, de Exército, e a ausência do branco da Marinha e do azul da Aeronáutica, que teve uma espécie de prêmio de consolação: o futuro ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, é tenente-coronel da reserva da Aeronáutica e formado em engenharia pelo ITA, o instituto de excelência da Força Aérea. Mas ele não foi escolhido por nada disso, mas por ser astronauta, uma estrela.

O Palácio do Planalto e seu anexo (onde é a Vice-Presidência) vão ficar lotados de militares, mas, além do incômodo nas duas outras Forças, há um outro problema: os civis, Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil) não estariam ficando asfixiados nessa composição?

Lorenzoni já está perdendo a coordenação dos ministérios para o vice Mourão e nunca se viu vice coordenar ministros. Além disso, ele pode estar sofrendo novo ataque especulativo, porque atua desde já como articulador político do governo, promovendo encontros, almoços e jantares com líderes partidários, mas o secretário de Governo, que será o general Santos Cruz, é que vai coordenar os projetos. Até onde vai a atuação de um e até onde vai a do outro? Não está claro.

Essa questão é chave para o êxito do futuro governo, que assume com um baita rombo nas contas públicas, já levou uma lambada do Senado com o aumento dos salários dos ministros do Judiciário (sancionado ontem por Temer) e pode ficar refém de um Congresso sempre insubordinado, que sabe usar o seu poder e já ameaça impor nova derrota a um governo que nem começou.

Em 2017, muitos parlamentares renegociaram suas dívidas com o governo obtendo descontos de até 90% de juros e 70% de multas. Quem sai perdendo é o Tesouro. E o Estado alerta que os congressistas de 2019 têm R$ 660 milhões de dívidas com a União, a começar de Jader Barbalho (R$ 135 milhões). Ou a articulação política do Planalto joga unida, azeitada e competente, ou vem aí mais uma derrota. Aí, já pode esquecer a reforma da Previdência.


Eliane Cantanhêde: Sujeito (não tão) oculto

Talvez fosse melhor Jair Bolsonaro trocar a metafísica do distante Olavo de Carvalho pelos critérios de Paulo Guedes

Assim como o “Escola sem Partido” significa na verdade trocar um partido por outro, a nova ordem está trocando a “ideologização da esquerda” pela “ideologização da direita”, sob a mesma inspiração, grandiloquência, antipetismo, atingindo em cheio duas das áreas mais sensíveis: Relações Exteriores, com o diplomata Ernesto Araújo, e Educação, com o filósofo Ricardo Vélez Rodríguez.

A inspiração vem de fora, do também filósofo Olavo de Carvalho, ideólogo da direita brasileira, que mora desde 2005 nos Estados Unidos, tem Twitter em inglês e já avisou que até topa um cargo no governo do qual ele é mentor, mas com uma condição: que seja lá, nos EUA, como embaixador. O PT já era e Jair Bolsonaro está chegando, mas bom mesmo continua sendo a Virgínia.

Assim como Ernesto Araújo causou enorme perplexidade ao ver o “globalismo” como complô interplanetário liderado pela “China maoista” para exterminar o Ocidente e os valores cristãos, Vélez Rodríguez se coloca como um Dom Quixote na guerra pela preservação do “valores tradicionais de nossa sociedade”. Ambos, aliás, pelo mesmo veículo: seu blog anti-PT e pró-Bolsonaro.

Professor emérito da Escola de Comando do Estado Maior do Exército e professor colaborador de Pós-graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, o futuro ministro da Educação se destaca por ser contra o PT, o Enem, as cotas, a ideologia de gênero e, claro, a favor do “Escola sem Partido”, mas sem pressa.

Nascido na Colômbia, está convencido de que as escolas brasileiras vêm sendo usadas para impor à sociedade uma doutrinação marxista e desmontar os valores tradicionais “no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em suma, do patriotismo”.

Ou seja: na visão do novo governo, o Itamaraty e as escolas estão infestados de comunistas, contaminados pela ideologia marxista, servindo de instrumentos para o “climatismo” e o “antinatalismo”, conceitos criados por Araújo para explicar como os ambientalistas, abortistas e ateus se articulam para, ardilosamente, destruir o mundo.

No “Novo Brasil”, portanto, há o risco de expurgos, dedos em riste, dossiês, acusações, suspeitas, danças estonteante de cadeiras, sabatinas para apurar a ideologia de servidores e professores concursados e “depurar” o Estado. Ou é só impressão, um temor delirante? Tomara que sim.

Num campo mais concreto: assim como o futuro chanceler deve explicações sobre como projetar a imagem do Brasil, atrair investimentos, melhorar as condições de comércio e fortalecer parcerias, espera-se que o ministro da Educação diga com clareza o que ele pretende fazer pela... educação.

Pela valorização dos professores, qualidade do aprendizado, a escola como fator de igualdade de oportunidades, a qualificação dos jovens, a excelência das universidades. No primeiro texto depois de anunciado, ele prometeu focar nos municípios, na perspectiva individual e nas diferenças regionais. E terminou com a saudação bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Com Mozart Neves, sabia-se o que ele significava e pretendia, porque ele não divaga sobre ideologias e ameaças fantasmagóricas e é, sim, uma reluzente referência do Instituto Ayrton Senna. Precisa dizer mais? Por isso, foi descartado com tanta ligeireza e escorraçado pela bancada evangélicas, que testou forças e ganhou.

Talvez fosse melhor Jair Bolsonaro trocar a metafísica do distante Olavo de Carvalho pelos critérios de Paulo Guedes. Vamos combinar que as escolhas do ministro da Fazenda para salvar a economia do País estão sendo bem mais pragmáticas, úteis e consensuais do que as do filósofo erudito para salvar o mundo e o Brasil dos próprios demônios dele.