Eliane Cantanhêde: Ciclo virtuoso?

Leilão de aeroportos, Bovespa em 100 mil pontos e acerto nos EUA (?) abrem novo ciclo

Foi um alívio quando a visita oficial do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos começou efetivamente ontem, com os principais recados dados e os primeiros atos assinados. E por que o alívio? Porque a prévia da viagem tinha sido assustadora.

O guru Olavo de Carvalho xingou o vice Hamilton Mourão de “idiota”, disse que adora Bolsonaro, mas não tem ideia do que ele pensa, e previu que, “se continuar como está, o governo acaba em seis meses”. Coisa de amigo ou inimigo?

Mas, no dia seguinte, lá estava o autor da múltipla grosseria sendo reverenciado pela comitiva brasileira. Como se Bolsonaro endossasse ou fizesse vista grossa para o ataque ao vice, ele foi ladeado no jantar por Olavo de Carvalho, guru tupiniquim, e Steve Bannon, guru planetário. Ambos, porém, são polêmicos e enfrentam fortes reações, um no Brasil, outro nos EUA.

Olavo não se satisfaz em mirar no vice e usa sua metralhadora giratória (com apoio dos filhos do presidente) inclusive contra os militares, decisivos na eleição e pilar mais sólido do governo. E Bannon, estrategista da campanha de Trump, atribui a si a vitória, bateu de frente com a filha e o genro dele, Ivanka Trump e Jared Kushner, e já foi chamado de “traidor” pelo presidente norte-americano.

Bem, mas a viagem de Bolsonaro começou de verdade ontem, depois desse festival ideológico, e os resultados começaram a aparecer. No Brasil, o Diário Oficial da União, como previsto, dispensou de visto não apenas turistas, empresários, artistas e desportistas americanos, mas também japoneses, australianos e canadenses, por um período de 90 dias, prorrogáveis por mais 90. Nos EUA, os dois lados assinaram o acordo para uso comercial da Base de Alcântara, bom para eles, bom para nós, e discutido por 20 anos.

Tanto a dispensa unilateral de vistos quanto o lançamento de satélites americanos a partir de Alcântara já foram rechaçados pela diplomacia e pelas Forças Armadas no Brasil, com base no mesmo princípio: a defesa da soberania nacional. Os tempos, porém, são outros e ambas as decisões estão sendo facilmente assimiláveis.

Apesar da enorme resistência do Itamaraty à inexistência de reciprocidade na concessão de vistos – a dispensa daqui corresponderia à dispensa lá –, o embaixador aposentado Marcílio Marques Moreira, ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Collor de Mello, defende a medida e até a abertura unilateral do comércio.

“Ambas as iniciativas merecem ser respeitadas e mesmo aplaudidas, pois irão trazer bons benefícios para nosso país.” No caso dos vistos, acrescenta: “Trazer mais turistas para o Brasil não significa só trazer relevantes ganhos em moeda forte em favor do consumo e da nossa balança em conta-corrente, mas também para futuros investidores”. Uma coisa puxa a outra.

Quanto ao uso da Base de Alcântara, os termos do Acordo de Salvaguardas foram longamente discutidos, sofreram incontáveis mudanças e são considerados positivos tanto para os EUA quanto para o Brasil.

Nos discursos de ontem, Bolsonaro e Paulo Guedes criticaram os anos de esquerda no Brasil e fizeram a pregação da abertura da economia, das privatizações, do pragmatismo, do fim dos entraves para investimentos e negócios. Tudo que os investidores querem ouvir.

Bolsonaro acertando o tom nos EUA, o sucesso do leilão de aeroportos (desenhado no governo Temer) e a Bovespa batendo nos 100 mil pontos abrem um novo ciclo virtuoso, com efeito, inclusive, na aprovação da reforma da Previdência.

Se for assim, o tal guru, o besteirol dos filhos, as chantagens de evangélicos e as suspeitas sobre as reais intenções dos militares ficam para trás. Mas Bolsonaro precisa querer.


Eliane Cantanhêde: Nas terras do Tio Sam

O Jair Bolsonaro dos EUA precisa superar em muito o Jair Bolsonaro de Davos

O Brasil de Bolsonaro e os EUA de Trump fazem juras de amor e assinam atos importantes a partir de hoje, quando Bolsonaro desembarca em Washington com tratamento vip, direito a hospedagem na exclusiva Blair House e entrevista ao lado de Trump no Rose Garden, que são deferências especiais, concedidas a muito poucos.

Em compensação, Bolsonaro deverá fazer um anúncio que diplomatas tremem só de ouvir: a dispensa unilateral de vistos para americanos (além de canadenses, australianos e japoneses), sem exigência de reciprocidade. Significa que eles poderão vir livremente ao Brasil, mas os brasileiros não poderão ir ao país deles.

A ideia já tinha sido apresentada pelo ministro do Turismo de Michel Temer, Henrique Eduardo Alves (que acabou preso), mas só valeu para a Olimpíada do Rio, como forma de incentivar a vinda desses estrangeiros – que têm baixo índice de risco e carteiras recheadas. Mas foi temporário, agora será permanente. Diplomatas acham que é coisa de país sem autoestima e Bolsonaro pretende negociar a dispensa de visto para brasileiros irem aos EUA. Duvido que o Tio Sam tope.

O principal anúncio deverá ser o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para uso da Base de Alcântara (MA) para fins comerciais, negociado há uma década. Os EUA ganham, porque Alcântara é um ponto estratégico que permite economia de até 30% nos lançamentos de satélites. E o Brasil também lucra, porque entra no mercado de cooperação espacial.

Na comitiva, Augusto Heleno, Paulo Guedes, Sérgio Moro, Ernesto Araújo (chanceler), Tereza Cristina (Agricultura), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Ricardo Salles (Meio Ambiente), com agendas diferentes. Guedes está interessado em medidas, lá e cá, para destravar investimentos e negócios. Moro vai ao FBI para acordos de inteligência, segurança pública e combate ao crime organizado.

Depois de desperdiçar Davos e ocupar seis dos 45 minutos a que tinha direito para atrair o interesse do mundo para o Brasil, Bolsonaro terá novamente todos os holofotes e não pode amarelar, fugir de entrevista e posar de “simplesinho”, mas, sobretudo, é preciso afastar a ideia de um alinhamento automático com os EUA.

Bolsonaro gosta da ideia, assim como seu filho Eduardo, o chanceler Araújo e o guru Olavo de Carvalho, que já trocou o Brasil pelos EUA. Já os diplomatas de várias gerações se opõem e o que conta mesmo no governo é um outro foco de resistência ao tal alinhamento automático: os militares, que prezam muito a noção de soberania. Aliás, nem aos próprios EUA encanta a ideia de se jogar de cabeça num governo que está mal começando. Pode ser um sucesso, pode não ser. Logo, aproximação é ótimo; alinhamento automático é excessivo.

Além das relações bilaterais, que avançam muito, Bolsonaro e Trump vão discutir questões regionais (Venezuela, por pressuposto) e internacionais, as mais cabeludas. China, Oriente Médio, Coreia do Norte e Irã estão na agenda, mas Bolsonaro deve ter algumas coisas em mente. A China é o maior parceiro comercial brasileiro, o Brasil desde sempre independente na disputa Israel-Palestina e... nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.

Depois dos EUA, ele vai ao Chile e no final do mês a Israel, onde Benjamin Netanyahu é um aliado e fez a gentileza de vir ao Brasil para prestigiar a vitória de Bolsonaro, mas agora está às voltas com a Justiça. Tudo bem ir a Israel, a questão é de oportunidade.

O avião está decolando e lança Bolsonaro no seu primeiro teste realmente diplomático. Vai precisar de inteligência, sorte, jeito, discursos escritos e muitos conselhos para se superar. O Bolsonaro de Washington tem de ser muito melhor do que o Bolsonaro de Davos.


Eliane Cantanhêde: Legítima defesa

Pessoas, grupos e instituições cansaram de apanhar calados nas redes sociais. E reagem

Um por um, lentamente, os atingidos por fake news e calúnias pela internet começam a reagir. O Estado abriu a fila, depois de uma deturpação grosseira da declaração de uma repórter. Agora, é o próprio Supremo Tribunal Federal que cansou de “apanhar” nas redes e resolveu abrir investigação para identificar os criminosos. É uma postura corajosa, que não é apenas um direito como um dever.

Essa guerra pela internet começou lá atrás com o PT criando um feroz exército virtual para atacar todos e qualquer um que ousassem questionar o partido ou o governo do então presidente Lula. Com o tempo, como fatalmente iria acontecer, essa prática virou corriqueira entre os partidos e veio o efeito bumerangue: de estilingue, o PT passou a ser alvo.

A tropa bolsonarista aprofundou a prática e ganhou adesões pelo país afora. Foi um sucesso na eleição. Está sendo particularmente danoso no exercício do governo, quando é difícil distinguir o que é coisa de malucos agindo por conta própria e o que é movimento articulado e executado sob orientação de gente do próprio governo.

Isso tudo ganha ainda mais peso quando os ataques não são apenas contra a imprensa, contra o Supremo, contra inimigos (reais ou não), mas atingem até o vice-presidente e os militares, genericamente, com mensagens contendo impropérios. O que se pretende com isso?

Não é prudente, nem conveniente, reproduzir aqui as graves agressões disparadas por robôs e multiplicadas por irresponsáveis nas redes contra o STF, pilar da democracia. Seu presidente, Dias Toffoli, justificou a abertura de investigação com “a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações (...) que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo, de seus membros e familiares”.

É razoável supor que, após a reação corajosa do Estado e agora da investigação do Supremo – ambos em legítima defesa –, que outras vítimas se sintam animadas a dar um basta, não importa de onde, de que partidos, de que forças, eles partam. Tudo tem limite. Vamos ver se as fake news também.

Por trás da decisão do Supremo, está também a irritação diante de uma investida crescente contra o tribunal, contra ministros, contra até familiares. Essas coisas são assim: começam daqui, evoluem para ali e, de repente, contaminam a sociedade e ficam fora de controle. Aliás, já atingem o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ninguém lucra com isso, nem o Judiciário, nem o Executivo, nem o Legislativo.

Ninguém está acima da lei, ninguém pode sair por aí fazendo o que bem entende e as autoridades estão sujeitas a fiscalização e a críticas públicas. Mas... de fiscalização e críticas a agressões e mentiras, calúnias e difamação vai uma diferença enorme.

Quem circula na área econômica do governo detecta ânimo, energia, uma sensação de que “agora vai”. A reforma da Previdência vai passar sem problemas na CCJ da Câmara, o presidente Jair Bolsonaro entrou em campo, os presidentes da Câmara e do Senado jogam um bolão, a sociedade percebe que chegou a hora da reforma. É agora ou nunca. E nunca significa o colapso.

Há ali, também, uma frenética conexão com as outras áreas do governo, como Infraestrutura, Minas e Energia, Agricultura e Justiça, até para preparar o “day after” da reforma: iniciar o regime de capitalização, desindexar o orçamento, destravar investimentos, garantir crescimento (hoje estagnado) do País.

Paulo Guedes, que se articula também com os demais Poderes, prevê e comemora um “círculo virtuoso”, mas guerra pela internet, ataques à mídia e ao STF, manifestações fora de propósito, nada disso ajuda. Não atrapalhem, por favor!


Eliane Cantanhêde: Maduro, larga o osso!

Desde já, avaliação é de que os EUA são o grande vitorioso da queda iminente de Maduro

Os gravíssimos problemas da Venezuela foram afunilando para uma única cara, uma única voz: as do presidente ilegítimo Nicolás Maduro, incapaz de admitir a obviedade de que suas condições de governabilidade se esgotaram e agarrado a uma lasca de poder como cão faminto, quando faminta de fato está a população.

Como disse ontem o vice Hamilton Mourão, que participou da reunião do Grupo de Lima, na Colômbia, não existe a possibilidade de intervenção militar e a estratégia é manter uma ação conjunta e a pressão financeira e econômica, até asfixiar o regime. O resto, quem tem de fazer são os próprios venezuelanos.

Depende da opinião pública, das lideranças políticas, do comando do Judiciário e das Forças Armadas do país garantir a deposição do ditador, que impediu a entrada de remédios e alimentos que aliviariam a dor de seu povo e perde os apoios que lhe restam. Maduro é um cadáver político e deve acordar de sua insanidade, antes que um tresloucado transforme a metáfora em realidade.

Uma tragédia dessas não está fora do horizonte. Os inimigos e adversários de Maduro não suportam mais sua audácia e podem estar a um passo de “mandar às favas os escrúpulos de consciência”, o que não seria inédito na história do continente. Do outro lado, os ainda aliados dele sabem que não há luz no fim do túnel e podem passar a preferir um Maduro “mártir” a um Maduro podre e fora de si.

Seja como for, por renúncia ou ação institucional, a queda parece iminente e já começa uma outra etapa: a da avaliação de perdas e ganhos. Quem mais lucra são os Estados Unidos, que voltam com tudo para a América do Sul, agora “saneada” dos regimes de esquerda e embalando a direita, como no Brasil.

O vice americano, Mike Pence, postou-se ao lado do autoproclamado presidente Juan Guaidó e tornou-se a estrela do Grupo de Lima em Bogotá. Ameaçou os militares venezuelanos – “Vocês serão responsabilizados” – e incitou as outras nações a seguirem o exemplo dos EUA, congelando ativos dos líderes chavistas e da petroleira PDVSA em seus países.

Enquanto Pence brilhava na Colômbia, a subsecretária de Estado para o Hemisfério Sul, Kimberly Breier, desembarcava no Brasil para encontros com o presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e... o deputado Eduardo Bolsonaro. Em pauta, a Venezuela.

Por que o deputado? Porque ele não é só filho do presidente da República, como também “o cara” da política externa da “nova era”, que sabatina os candidatos a chanceler, bate o martelo no de sua preferência, foi o primeiro enviado do novo governo à Casa Branca.

Não satisfeito em meter na cabeça um boné da campanha de reeleição de Donald Trump, Eduardo Bolsonaro acaba de divulgar um vídeo dele próprio apoiando ardorosamente, ao microfone, um muro entre os EUA e os mexicanos.

Seria ótimo saber o que Forças Armadas, os grandes diplomatas, os nacionalistas e os simplesmente de bom senso pensam disso no Brasil. Inclusive o vice Mourão, que teve uma participação devidamente prudente em Bogotá. Aliás, essa é a palavra-chave: prudência.

O Grande Irmão. A colega Renata Cafardo informa que o MEC enviou e-mail a escolas públicas e particulares, exigindo, ops!, recomendando que elas leiam diante da Bandeira, gravem e enviem ao ministério o vídeo da leitura de uma mensagem do ministro Vélez Rodrigues para alunos, professores e funcionários, que termina com o lema bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!” Uso das crianças para fins políticos, seja para que lado for, é o fim da picada.


Eliane Cantanhêde: Maduro e os militares

Maduro só não caiu porque tem sustentação das Forças Armadas, altamente corruptas

É altamente constrangedor, mas a verdade é que o último elo de sustentação do agonizante regime de Nicolás Maduro são as Forças Armadas da Venezuela e elas são, antes mesmo de Hugo Chávez, incluídas entre as mais corruptas das Américas.

Essa avaliação percorre os gabinetes militares do governo Jair Bolsonaro, que busca portas e atalhos para manter-se informado não apenas sobre a situação e os movimentos do próprio Maduro, como também sobre a disposição e as divisões dentro das Forças Armadas, que têm mais de mil generais. Um espanto!

Maduro é tratado no Brasil, no governo e fora dele (exceto em parte do PT), como patético, mas, ainda assim, perigoso. As Forças Armadas são fundamentais para apagar esse último adjetivo, mas insistem em apoiá-lo.

Um dia depois do grande momento de Bolsonaro, com o lançamento da “nova Previdência”, a quinta-feira foi tomada pela surpresa e pela discussão sobre a decisão de Maduro de fechar as fronteiras entre os dois países para impedir a entrada de caminhões com alimentos e medicamentos.

De certa forma, é uma declaração de guerra, ao menos de guerra branca. Curiosamente, o vice Hamilton Mourão vai participar da reunião do Grupo de Lima, em Bogotá, e Bolsonaro se reuniu com os ministros Augusto Heleno (GSI) e Santos Cruz (Secretaria de Governo), além de Onyx Lorenzoni (Casa Civil), sem convocar o chanceler Ernesto Araújo, só contatado por telefone. Depois, o porta-voz Rêgo Barros evitou um tom beligerante ou qualquer vestígio de ameaça, só avisando que a “Operação Acolhida” está mantida.

A situação é delicada por vários motivos, principalmente porque há um cerco de 50 países à Venezuela, isolada, desabastecida, em desgraça, mas ninguém sabe, ou diz, qual a saída de fora para dentro. Em articulação, ou até arregimentados pelos EUA, o Brasil e a Colômbia atraíram para si não apenas os holofotes, mas a responsabilidade pela solução do problema, e sem a via diplomática, implodida por Maduro. Sem a via diplomática, o que resta?

No mais, a gravíssima crise na Venezuela envia claros sinais para o Brasil, até porque, lá, o regime Chávez surgiu de um acordo entre a cúpula das Forças Armadas e parcelas da esquerda, sendo o próprio Chávez o instrumento e uma síntese dessa aliança. No Brasil, a “nova era” é resultado da indignação das Forças Armadas, muito particularmente do Exército, e de parcelas da direita, sendo Bolsonaro o instrumento e uma síntese dessa aliança.

Lá e cá, o estopim foi a exaustão, dos militares, de setores políticos e da própria população, diante da desordem, da corrupção, dos abusos das elites. Logo, os objetivos foram os melhores possíveis, mas, entre a teoria e a prática, entre a intenção e a execução, há um inferno cheio de variados demônios.

Como todo autoritário, convicto de que é dono da verdade, da pureza, das melhores intenções e da solução, Chávez foi cometendo um erro atrás do outro, até chegar ao mais dramático deles: não preparou um sucessor e, ao morrer, jogou o seu país no colo de Maduro, despreparado e irresponsável.

O mais chocante é que, assim como deram suporte à aventura Chávez, os militares garantiram a ascensão de Maduro. Logo, como lamentam generais brasileiros, os dois fatores confluíram: a velha corrupção arraigada nos comandos venezuelanos e a nova e doce sensação de poder, com a política entrando e inundando os quartéis.

Os militares brasileiros não têm absolutamente nada a ver com os venezuelanos. Profissionais, muito bem treinados, respeitados no mundo todo e sempre líderes das pesquisas, eles estão no centro das discussões sobre as saídas para o país vizinho, mas com uma certeza: o uso da força não é uma dessas saídas.


Eliane Cantanhêde: Quem é o ‘oponente’?

Bebianno é lutador de jiu-jítsu, conhece e treina técnicas para golpear os ‘oponentes’

O governo Jair Bolsonaro repete os governos de Lula e Dilma Rousseff: quando alguma coisa vai mal, a culpa é da mídia. Os presidentes fazem tudo certo, os ministros são impecáveis, as coisas vão sempre às mil maravilhas e só quem não reconhece isso são tevês, rádios, jornais, revistas. Os “inimigos do Brasil”.

É como se houvesse um complô midiático pronto a derrubar qualquer governo, coitado, tão frágil, tão desprovidos de canais de comunicação e propaganda. Mas o pior de tudo isso é que tem muita gente que acredita. Ou quer acreditar.

Esse script da vitimização, usado com muito êxito por Lula nos seus oito anos, passa por jogar eleitores, eleitoras e incautos em geral contra a mídia que divulga informações – na maioria oficiais –, relata fatos muitas vezes desagradáveis sobre os poderosos, publica entrevistas de adversários e de antigos aliados cheios de mágoa.

A virulência dos bolsonaristas equivale à dos petistas e Bolsonaro repete Lula, só que não se limita a jogar sua tropa contra a mídia e usa diretamente um instrumento poderoso nessa guerra: as redes sociais, um mundo virtual com uma “verdade” própria, uma realidade paralela entre “bons” e “maus”.

A novela Gustavo Bebianno tem esse script. O presidente da República grava entrevista chamando o ministro de mentiroso e dizendo que ele pode “voltar às origens”. O filho do presidente, vereador Carlos Bolsonaro, reafirma que o ministro é mentiroso e divulga o áudio de um “não” do pai para ele. E, a partir daí, Bebianno vira uma fera ferida, cheio de ameaças.

E de quem é a culpa? Do presidente? Não. Do filho? Não. Do ministro? Não. Do PSL? Não. A culpa, gente, é da imprensa, que divulgou todas essas etapas sem retoque, a verdade como ela é.

Circulam textos falando que a imprensa faz uma “defesa apaixonada” de Bebianno porque tem uma ideia fixa: derrubar o presidente Bolsonaro. Seria cômico, não fosse trágico, que muita gente “esclarecida” acredite e divulgue esse tipo de coisa. É jogar os fatos fora, tampar bocas, olhos e ouvidos para não enfrentar a realidade e poder engolir qualquer coisa que o “Grande Irmão” diga ou mande dizer.

Fatos são fatos e, contra fatos, não há argumentos. Bebianno era um ilustre desconhecido, virou advogado de Bolsonaro, depois presidente do PSL durante a campanha e – diferentemente do que dizem – foi um dos primeiros ministros anunciado por Bolsonaro após se eleger presidente. E com gabinete no Palácio do Planalto, um dos dois únicos civis no coração do poder.

Fosse o governo de A, B ou C, de direita ou esquerda, a queda e a troca de desaforos em público seriam um escândalo e ocupariam as capas dos jornais e os horários nobres, ainda mais pelas circunstâncias: é a primeira crise de um governo que só começou há um mês e meio, um dos pivôs é um amigo do presidente e outro é um dos filhos dele, em meio ao constrangimento e a uma saraivada de críticas ao excesso de poder do 01, do 02 e do 03.

Saem os (poucos) amigos, aumentam os (muitos) militares. Quem assume a vaga do ex-amigo Bebianno é o general de divisão Floriano Peixoto, que é o oitavo militar no primeiro escalão do governo Bolsonaro e deixa o ministro Onyx Lorenzoni na incômoda posição de único civil com destaque no Planalto e adjacências. Uma ilha.

Bebianno vai, mas as dúvidas ficam. Ele vai falar tudo o que sabe? Vai manter a versão de que Bolsonaro é “muito fraco”? E a investigação sobre o “laranjal” do partido do presidente, o PSL, vai evaporar?

Como lembrança, Bebianno luta jiu-jítsu, arte marcial japonesa que utiliza golpes de alavancas, torções e pressões para derrubar e dominar os oponentes. Bolsonaro passa a ser o grande oponente. Jogar a culpa na mídia não resolve nada.


Eliane Cantanhêde: A militarização do governo

Enquanto Bolsonaro gera crises, generais executam uma política clara de ocupação de espaços

A queda estrondosa do ministro Gustavo Bebianno e a confirmação de que o Brasil vive a era da “filhocracia” reforçam uma tendência clara: quanto mais o presidente Jair Bolsonaro tropeça nos próprios pés, mais os militares se aprumam, ganham poder e se infiltram em todos os setores do governo, não mais apenas em áreas fortes do Exército, como a infraestrutura, mas até em política externa, educação e meio ambiente.

Ao anunciar nesta semana o fim da Superintendência do Ibama no DF e a substituição de exatamente todos os demais 26 superintendentes estaduais, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem um objetivo muito claro: substituir pelo menos 20 deles por militares.

“Não se pode brincar com isso, os superintendentes é que concedem licenças e alvarás e eu não sou obrigado a conhecer gente confiável em todos os Estados, no Amapá, no Acre, em tantos lugares em que nunca fui”, diz Salles.

Ele pediu ajuda ao Ministério da Defesa e aos generais do entorno de Bolsonaro para sugerir nomes. Como os militares têm boa formação e se aposentam cedo, como coronéis e capitães, não é difícil encontrar mão de obra. Eles, aliás, já ocupam cargos-chave no ministério de Salles, inclusive a chefia de gabinete.

No caso da Educação, houve até quem sonhasse em ter um general no MEC, mas a ideia não vingou porque a reação poderia ser de surpresa, primeiro, e de confronto, depois. Mas o que não falta no governo é gente enaltecendo os colégios e institutos militares, que de fato são de excelência, e articulando um processo de longo prazo para militarizar o ensino público.

A experiência-piloto pode ser no Distrito Federal, onde o governador Ibaneis Rocha criou por portaria a “gestão compartilhada” das escolas, entre as secretarias da Educação e da Segurança, e assim empurrar policiais militares e bombeiros da reserva para 40 escolas até o fim do ano. Isso implica “mais disciplina”, com Hino Nacional todo dia, alunos de fardas e marchando.

Assustados com a violência que grassa no DF – quanto mais violenta a região, mais violenta a escola –, pais e mães até se animam com a ideia, mas os pedagogos, assustados, argumentam que “militarização” das escolas é muito diferente de policiamento ostensivo para garantir a segurança de alunos e professores.

Aliás, fica uma dúvida: se o presidente da República pode usar chinelo e camiseta de time de futebol em reunião com ministros, com foto distribuída publicamente, por que alunos têm de vestir fardas, as meninas precisam andar de coque e os meninos de cabelo curto?

Os generais que cercam (em vários sentidos) Bolsonaro no Planalto também têm posições muito claras sobre política externa e agem para o fim das maluquices e a volta do pragmatismo. Se combatem a “esquerdização” do Itamaraty após a era Lula, eles também não gostaram dos excessos do chanceler Ernesto Araújo para o outro lado e trataram de reequilibrar as coisas.

Enquanto recebiam representantes da China e do mundo árabe para amenizar o mal-estar causado pelo novo governo, também amansavam o próprio Araújo, que foi escolhido por Eduardo Bolsonaro, o 02 do presidente, e agora parou de escrever aquelas excentricidades. Ele parece bem mais razoável ao vivo do que por escrito.

Por fim, foram os generais Hamilton Mourão, Augusto Heleno e Santos Cruz que se investiram de uma função política ao tentar – inutilmente, aliás – apagar o incêndio que está torrando o ministro Gustavo Bebianno, um dos dois únicos civis com algum poder no Planalto de Bolsonaro. O outro é Onyx Lorenzoni. Ele que se cuide, enquanto Paulo Guedes, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre se blindam da crise e tocam o que interessa: a reforma da Previdência e a recuperação da economia.


Eliane Cantanhêde: Saúde, presidente!

Febre e pneumonia nunca é bom, muito menos para presidente recém-empossado

Elogiável o presidente Jair Bolsonaro manter a sociedade informada sobre o seu quadro clínico, com boletins e entrevistas do porta-voz, Otávio Rêgo Barros. Dito isso, não é possível achar que a situação está absolutamente sob controle, após dez dias no hospital Albert Einstein. Não é tão tranquila e reconhecer isso não é “sensacionalismo”, como advertiu Bolsonaro pelo Twitter, mas sim trabalhar com a realidade.

Normalmente, fechar uma colostomia é um procedimento rápido, de baixo risco, sem complicações. Não é o que vem ocorrendo no caso do presidente, esfaqueado grave e covardemente num comício em que era carregado pela multidão.

A bolsa seria retirada em dezembro, mas adiaram para janeiro. A cirurgia era estimada em três horas, mas durou sete. Ele sairia do hospital na quarta-feira passada, mas os médicos adiaram a alta, sem nova previsão. Primeiro, enjoo e vômitos. Depois, febre. Em seguida, volta ao semi-intensivo. E, ontem, a notícia de que, apesar dos antibióticos, os exames de tórax detectaram pneumonia. Bom não é.

Do ponto de vista do governo, o impacto é quase imperceptível, já que Bolsonaro vem recebendo todas as informações no hospital, os dois ministros-chave, Paulo Guedes e Sérgio Moro, estão a mil por hora e o Planalto e o próprio governo estão sob o controle do ministro Augusto Heleno, do GSI.

Guedes cumpre uma agenda cheia, com governadores, presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo, assuntando, sentindo o ambiente político, vendendo a reforma da Previdência. E Moro repete o script, estreando inclusive numa seara que não costuma ser muito fácil para neófitos em política: o corpo a corpo com parlamentares, para ouvir mais do que falar e garantir viabilidade ao seu pacote – que, na verdade, são dois em um, contra a corrupção e contra o crime organizado.

Assim, o que incomoda na internação de Bolsonaro, mais longa do que o previsto e mais difícil do que o desejável, é que ele continua sendo coadjuvante no seu governo, assim como na sua campanha à Presidência. Após a facada, a campanha andou sozinha e Bolsonaro se limitava a posts pelas redes sociais e a entrevistas pontuais à mídia mais camarada. Com a terceira cirurgia, ele está comandando o País a partir do hospital e do Twitter e o governo também anda sozinho.

Na campanha, o resultado foi a forte entrada em cena de seus três filhos mais velhos, Flávio, agora senador, Eduardo, o deputado metido em política externa, e Carlos, o responsável pela imagem do pai. No governo, o resultado é um constrangimento: a desenvoltura do vice Hamilton Mourão.

General de quatro estrelas, bem preparado, com opiniões fortes sobre tudo e sem papas na língua, Mourão deu de ombros à ordem de Bolsonaro para todos calarem a boca durante as eleições e também dá de ombros à sugestão (em falta de uma palavra melhor) de Augusto Heleno, seu colega de farda e de Alto-Comando do Exército, no mesmo sentido. Não calou a boca na campanha, não cala agora no governo.

Bolsonaro e seu entorno providenciaram um “gabinete de emergência” no hospital, mas as visitas estão vetadas, as videoconferências não deslancharam e eles não estão conseguindo evitar o protagonismo do vice-presidente.

Se mudança houve, foi no tom de Mourão. Na eleição, conservador e polêmico. No governo, equilibrado e até surpreendente. Já falou com naturalidade sobre aborto, embaixada em Israel e ameaças contra o ex-deputado Jean Wyllys. E, ontem, recebeu a CUT, nada mais nada menos. Mourão politicamente correto?

Homem saudável e razoavelmente jovem, Jair Bolsonaro deve estar louco para ter alta logo e assumir, de fato, a Presidência. Bons votos!


Eliane Cantanhêde: O líder da oposição

Com Senado dividido, Renan vai dar o troco e Alcolumbre terá dificuldade para virar protagonista

Diante da derrota iminente, Renan Calheiros renunciou à disputa por um quinto mandato na presidência do Senado e automaticamente vira candidato a líder da oposição ao governo Jair Bolsonaro, reunindo parte da esquerda, do centro e da direita. Será um teste de força para um dos últimos líderes políticos remanescentes, num momento de grande fragilidade do Congresso. Renan tanto pode estar nos estertores de seu poder quanto diante de uma janela de oportunidade na oposição.

Experiente e audacioso, o senador alagoano foi considerado favorito até a quinta-feira, quando começou a receber um turbilhão de más notícias: a vitória apertada (7 x 5) para a senadora Simone Tebet no MDB, 50 votos do plenário a favor da eleição aberta, a determinação do opositor Davi Alcolumbre (DEM-AP) e a histeria de Kátia Abreu, que teve efeito oposto.

Renan não acordou otimista nem mesmo depois que Dias Toffoli, do STF, providencialmente determinou o voto secreto. Os senadores deram de ombros a Toffoli, ao STF e ao próprio regimento do Senado e, um a um, abriam seu voto, desafiadoramente. Na segunda votação, quando os apoiadores do próprio Renan começaram a fazer o mesmo, só restou jogar a toalha.

Ao contrário da Câmara, a renovação foi decisiva no Senado, não só contra Renan, mas contra o que ele representa, como campeão de investigações entre os que têm foro privilegiado no Supremo. De um lado, ficaram os que defendem a Lava Jato e Sérgio Moro e, de outro, os que preferiam blindar o mundo político. Pena as cenas lamentáveis: Alcolumbre na dupla condição de juiz e competidor, Kátia Abreu apropriando-se da pasta com questões de ordem, o vexaminoso voto a mais, o festival de manobras.

O presidente Jair Bolsonaro foi prudente e sai ileso da guerra pelas presidências da Câmara e do Senado, mas é cedo para se dizer o mesmo do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Ele bancou Alcolumbre, que ganhou por um mísero voto, e cutucou um adversário implacável. Como bem sabem FHC, Lula e Dilma, Renan é um precioso aliado ou um temível adversário.

Onyx torceu o nariz para a reeleição de Rodrigo Maia e, quando o Planalto abriu o olho, Maia já tinha cristalizado sua vitória. O PSL aderiu e Jair Bolsonaro reagiu bem, mas Maia pode exibir orgulhosa independência. Outro erro de Onyx foi optar pelo desconhecido Alcolumbre e dar a chance ao seu partido, o DEM, de levar três ministérios importantes, mais a presidência das duas Casas. Se o partido ratear, a culpa vai cair no chefe da Casa Civil.

O foco de poder de Onyx é Jair Bolsonaro, o que, obviamente, não é pouco. O presidente é grato a ele porque, lá atrás, aquele gaúcho do DEM jogou todas as suas fichas na campanha do capitão, contra o seu partido e todas previsões. Comprou na baixa. Já o vice Mourão deixa claro que não tem nada a ver com Onyx, o general Heleno (GSI) mantém distância e olhar crítico, Eduardo Bolsonaro já bateu de frente, Paulo Guedes corre por fora, Bebianno (Secretaria-Geral), padrinho do recente casamento de Onyx, tem lá seus próprios planos de poder e vem, discretamente, ganhando espaços na articulação política.

O Legislativo sabe para onde os ventos sopram, tem canal direto com Paulo Guedes e Bebianno e tem à disposição Flávio e Eduardo Bolsonaro, para emergências. Todo mundo sabe para onde os ventos sopram. Onyx respira aliviado com o resultado de ontem, mas que se prepare para a independência e os canais próprios de Maia, o troco de Renan num Senado dividido ao meio e as dificuldades que o coadjuvante Alcolumbre vai enfrentar para assumir protagonismo. A vida de Onyx não parece fácil nem no governo nem na nova composição da Câmara e do Senado.


Eliane Cantanhêde: Tragédia sem ideologia

Em Brumadinho, setores público e privado destruíram famílias e atingiram o futuro

Em entrevista à Rádio Eldorado, o ministro Ricardo Salles disse que o meio ambiente “não é questão de direita e esquerda” e “não pode ser capturado por barreiras ideológicas”. Quem haveria de discordar? O ministro tem toda razão, mas nem por isso deixou de jogar pesadas críticas sobre a esquerda.

Segundo ele, a esquerda tem mania de se apossar da defesa do ambiente como se fosse a única preocupada com a preservação do planeta, mas, ora, ora, tanto a tragédia de Mariana quanto a de Brumadinho ocorreram ou durante ou em seguida aos governos da petista Dilma Rousseff em Brasília e Fernando Pimentel em Minas.

Logo, o ministro não quer que a discussão seja entre esquerda e direita, mas ele bem que deu um empurrãozinho para que assim seja. E lembrou que, logo no início, o presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a região mineira e sete ministros foram pessoalmente lá. Tomara que esse empenho no calor dos acontecimentos decante em medidas realmente eficazes. Já imaginaram uma terceira Mariana?

Quem também foi pessoalmente a Brumadinho foi ex-ministra Marina Silva, que é uma das principais referências brasileiras do setor no cenário internacional, mas foi bastante criticada por omissão no desastre de Mariana e desta vez ficou esperta.

Em outras palavras, ela também disse à Rádio Eldorado que a questão não é de direita ou esquerda e apontou o dedo em várias direções. Segundo Marina, “é um erro demonizar os agentes ambientalistas” e há três culpados no rompimento de represas: a ganância do setor privado, a falta de ética na política e a flexibilização oportunista de regras pelo setor público.

Como ministra de Lula, e ainda no PT, Marina vivenciou intensos debates e embates com Dilma, chefe da Casa Civil. Uma exigia rigor nos licenciamentos e na fiscalização. A outra, pretendendo-se mais pragmática, queria apressar licenças e agilizar empreendimentos.

A questão central, portanto, não é ideológica, é o velho embate entre ambientalistas, chamados de “puristas” (ou “sonháticos”?), e os que defendem “passar o trator” e dar toda a prioridade a represas, plantações, pecuária. O “desenvolvimento” a qualquer custo.

Como novo ingrediente, o governo Bolsonaro demonstra desdém pelo meio ambiente, quase empurrou a pasta para a Agricultura e abriga um chanceler que acusa o “ambientalismo” de ser uma espécie de facção da esquerda mundial para destruir o Ocidente.

Para Marina, Brumadinho é um alerta para o governo Bolsonaro, que “sucateou e diminuiu o ministério de alto a baixo”. Ela exemplificou: a Agência Nacional de Águas e o Serviço Florestal saíram da pasta e os contratos com ONGs ambientalistas foram suspensos. E cutucou: “Pela primeira vez um ministro do Meio Ambiente assumiu com discurso de interesse dos ruralistas”.

Para Salles, o alerta é “para toda a sociedade”. Mas, com tantos mortos e centenas de desaparecidos, que Brumadinho sacuda os poderosos, provoque debates, gere punições e, sobretudo, relembre a todos, principalmente ao novo governo, sim, que Meio Ambiente não é uma questão supérflua, diletante nem coisa de esquerdopatas. Assim como mata pessoas e destrói famílias inteiras, ameaça o próprio futuro do planeta e da humanidade.

Discutam muito senhores e senhoras de esquerda e de direita, mas que o setor privado não privilegie a ganância em detrimento da vida, os governos não flexibilizem regras para favorecer negócios e os políticos tenham ética e respeitem seus mandatos e seus eleitores.

Utopia? Pode ser. Mas não há alternativa: é salvar ou salvar o futuro da humanidade. Quem ameaçá-lo e quem for culpado por tragédias e mortes não apenas deve, mas tem de ser punido pesadamente. Aliás, e os culpados por Mariana, por onde andam?


Eliane Cantanhêde: Fux infla especulações

Se Flávio Bolsonaro nem era investigado, por que tanto medo das investigações?

A liminar do ministro Luiz Fux suspendendo as investigações do Ministério Público do Rio sobre as contas do ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro é daquelas que parecem coisa de amigo, mas só podem ser de inimigo. O filho do presidente nem sequer era investigado, mas se jogou no olho do furacão. E, na sofreguidão de agradar ao presidente da República, Fux acabou dando mais um empurrão.

Em vez de “hay gobierno, soy contra”, Fux é adepto do “hay gobierno, soy a favor”. A liminar de ontem, porém, pode ter um efeito prático oposto ao pretendido pela família Bolsonaro. Em vez de suspender, ampliar e apressar as investigações.

Desde o início, as reações à história levantada pelo Coaf e divulgada pelo Estado têm sido erradas do ponto de vista jurídico, político e midiático. Não é admissível que o policial militar e ex-assessor Fabrício Queiroz, sua mulher e suas filhas não apareçam para depor. É um desrespeito inaceitável com as instituições republicanas. Para piorar, Fabrício alegou questões de saúde para não depor, enquanto aparecia bem serelepe em entrevista à TV. Sem falar na dancinha do hospital...

Em vez de esclarecer, os Bolsonaro trataram de complicar e quem cobrou publicamente explicações não foram o PT, a imprensa, a oposição, foram os generais, à frente o vice-presidente Hamilton Mourão. Se nem assim as explicações vieram, é porque provavelmente os envolvidos não as têm.

Depois de também não atender ao chamado do MP-RJ (no caso dele um mero convite), Flávio Bolsonaro agora parte para uma estratégia de altíssimo risco. Ele havia dito que não tem nada a ver com isso e que o assessor do seu gabinete é quem deveria se explicar. Se não tem nada a ver com isso, por que entrar com pedido de suspensão de investigações junto ao Supremo?

No caso de Luiz Fux, a situação é mais do que apenas constrangedora, como admitem seus colegas no Supremo. Ferrenho defensor do fim do foro privilegiado, ele usou justamente o foro para privilegiar o filho do presidente. E com argumentações questionáveis, segundo seus próprios pares, que passaram o dia ontem trocando telefonemas, informações e impressões.

Em sua decisão, Fux – que responde pelo STF nessa segunda fase do recesso do Judiciário – alegou que Flávio Bolsonaro foi eleito senador e assumirá o mandato e ganhará foro privilegiado em primeiro de fevereiro e, segundo o ministro, cabe ao plenário decidir o que deve ou não se encaixar no foro.

Só que... a decisão do plenário foi clara: o foro no STF para senadores e deputados vale para crimes cometidos durante o mandato e em função do mandato. No caso de Flávio Bolsonaro: 1) até agora, não há crime; 2) se houve algum foi quando ele era deputado estadual no Rio; 3) nada disso tem a ver com o seu futuro mandato no Senado.

Logo, tudo isso demonstra um certo desespero e joga ainda mais suspeitas, intrigas e especulações sobre os envolvidos. Uma delas, que circulava ontem em Brasília, é de que as investigações estariam evoluindo rapidamente e deixando não apenas Flávio como o próprio pai, agora presidente, numa situação delicada. A conta de Fabrício não seria abastecida só pelos funcionários? E seria um “caixa comum” da família?

O fato é que o tema viralizou na internet – um front em que as tropas bolsonaristas venceram a guerra das eleições e vinham ganhando as batalhas de governo. Isso pode mudar e os generais não estão mais sozinhos ao pedir explicações. Seus soldados nas redes também querem entender o que acontecia no gabinete de Flávio, que dinheiro era aquele, de onde vinha e para onde ia. Os Bolsonaro ganharam as eleições, não um habeas corpus para fazerem o que bem entendem. Ninguém está mais acima da lei, lembram?


Eliane Cantanhêde: Itália, gato escaldado

Bolsonaro perdeu um belo troféu, mas isso não tira seu mérito no desfecho de Battisti

Assim como Lula e Tarso Genro foram os principais responsáveis por manter Cesare Battisti no Brasil, a eleição do presidente Jair Bolsonaro foi decisiva para mudar o destino dele, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos na Itália.

Bolsonaro, porém, não deu sorte ao capitalizar o feito. Ele anunciou já na campanha que o bem-bom de Battisti estava com os dias contados, mas foi sucessivamente atropelado na execução da promessa.

Quem determinou a prisão de Cesare Battisti (aliás, de forma bem atrapalhada) foi o ministro Luiz Fux, do STF, ao revogar em dezembro de 2018 sua própria liminar, de outubro de 2017, que mantinha o refúgio. Quem autorizou a extradição foi o então presidente Michel Temer. E quem mandou Battisti direto para a Itália foi o presidente da Bolívia, Evo Morales.

Gato escaldado tem medo de água fria e a Itália não quis correr riscos, depois de quase 40 anos sendo humilhada por Battisti e de ser desdenhada pelos governos petistas no Brasil. Com a prisão pela Interpol, um avião italiano foi enviado rapidamente para a Bolívia, com plano de voo de volta direto de um país ao outro, sem escala.

Trazer Battisti para o Brasil e daqui enviá-lo para a Itália seria uma concessão política para dar um troféu a Bolsonaro. Mas seria também dar sorte ao azar. Vai que entram com um Habeas Corpus no STF? Vai que, como o Brasil não reconhece prisão perpétua, exigissem o máximo de 30 anos de pena?

Assim, quem mais capitalizou a extradição de Battisti da América do Sul direto para a prisão perpétua foi Morales, justamente um presidente de esquerda, que orbitava o bolivarianismo, ou “socialismo do século 21”, de Hugo Chávez, mas tem se mostrado pragmático, responsável e diplomático, a ponto de participar tanto da posse de Bolsonaro quanto de mais uma posse de Nicolás Maduro na Venezuela.

A fuga para a Bolívia, que durou um mês, foi uma derrapada da Polícia Federal. Corintianos, flamenguistas e marcianos sabiam, tanto quanto o próprio Battisti, que a extradição seria uma questão de tempo e era óbvio ululante que ele faria o que sempre fez em dois terços da vida: fugir. Só a PF não sabia? Não estava de vigília?

Mas a fuga para a Bolívia foi também um erro de cálculo de Battisti, que buscou um refúgio tão óbvio quanto foi a sua própria fuga, não só pela proximidade da Bolívia como também porque esse é um dos últimos países ainda carimbados como “de esquerda” nos arredores do Brasil. O que ele não contava é que Morales pode continuar sendo de esquerda, mas não tem nada de bobo. Bater de frente com Itália e Brasil por uma causa perdida não estava certamente nos seus planos.

Assim, Bolsonaro até se esforçou, mas perdeu a chance de ostentar o troféu Battisti para a Itália, a Europa e o mundo, mas isso não lhe tira o mérito de ter deixado claro todo o tempo que faria justiça contra o condenado e a favor de um país irmão como a Itália. Tudo aconteceu tão rápido exatamente por sua determinação e sinalização política nesse sentido. O que, aliás, as autoridades italianas reconhecem e agradecem.

Como ministro da Justiça, Tarso Genro driblou os pareceres do seu próprio ministério, do Itamaraty e do Comitê Nacional para Refugiados (Conare) para alegar que Battisti era “condenado político” e mantê-lo no Brasil. No apagar das luzes de seu governo, Lula deu de ombros para a decisão do Supremo e confirmou o refúgio. Mas os ventos mudaram e, com eles, a sorte do italiano.

Isso remete ao banqueiro Salvatore Cacciola, extraditado do Mônaco para o Brasil, e ao ex-BB Henrique Pizzolato, que fugiu para a Itália e voltou direto para a prisão. O mundo está ficando muito pequeno para criminosos. A Justiça ainda tarda, mas começa a não falhar.