Economia: moeda Real, dinheiro e calculadora | Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Revista online | Muito além da Selic

Henrique Mendes Dau*, economista, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

A recente animosidade entre o presidente Lula e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, despertou um velho e mal resolvido debate na sociedade brasileira: o papel da taxa de juros. As principais instituições de excelência e os mais renomados economistas entendem que a política monetária tem efeito neutro sobre a economia no longo prazo. Ainda assim, há um ruidoso debate sobre o assunto. O objetivo deste artigo não é fazer uma defesa de qualquer uma das duas posições defendidas, nem mesmo opinar sobre as decisões de política monetária que observamos no Brasil de hoje. O intuito é chamar atenção para o fato de que esta discussão sobre política monetária é desnecessariamente barulhenta e estamos negligenciando discussões muito mais urgentes.

Essencialmente, a riqueza de um país é a soma da produtividade de cada indivíduo. A produtividade é uma função de muitas variáveis, como regras tributárias, qualificação da mão de obra e investimentos. A discussão sobre a taxa de juros é ambígua, pois juros menores estimulam investimentos, mas tendem a desvalorizar o câmbio e prejudicar a importação de bens intermediários, fundamentais para o desenvolvimento das atividades econômicas domésticas. Nos países desenvolvidos, observamos juros baixíssimos. Seria esse um argumento contra a elevação da Selic? Não, pois o fato de que os países ricos tendem a ter juros baixos não implica que sejam ricos por esse motivo. O Brasil tem inflação alta, e a elevação da Selic é o principal instrumento de contenção das pressões inflacionárias, que, dentre outros males, agrava a desigualdade e gera estagnação econômica. Entretanto, a apreciação cambial subsequente pode reduzir a competitividade das exportações nacionais.

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Fica evidente que todos os caminhos possíveis apresentam pesos e contrapesos, explicitando a complexidade do assunto. É claro que os bancos centrais utilizam sofisticados modelos econômicos para estimar os efeitos da política monetária e tomar decisões ótimas. Ainda assim, não é um exercício trivial e está sujeito a muitas imprecisões, além de envolver preferências subjetivas que podem gerar conflitos políticos. Diante das ambiguidades inerentes à política monetária, devemos nos concentrar em soluções estruturais para elevar a produtividade e combater a inflação. Como dito antes, a produtividade depende de fatores que vão além da taxa de juros. Precisamos lembrar que a economia é formada por indivíduos, os quais dedicam tempo para trabalhar. Se pagar impostos for uma tarefa árdua, tempo e energia que poderiam ser ocupados com atividades produtivas são desperdiçados com tarefas que não geram riqueza. Da mesma maneira, se a educação vai mal, os indivíduos produzem menos e assim por diante. Além disso, se a elevação da taxa de juros é um instrumento de combate à inflação, devemos buscar entender os motivos para que o país padeça desse mal e como resolvê-lo.

Os problemas econômicos do Brasil são de natureza estrutural e exigem reformas profundas em diversas áreas. Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil é um dos países com maior complexidade tributária do mundo, o que além de desperdiçar tempo e recursos, leva à distorção dos preços relativos. Tornou-se corriqueiro para o Estado conceder benefícios tributários a grupos de interesse sob o pretexto de contribuir para o desenvolvimento de um determinado setor. Nesse processo, cria-se a sensação de que a atividade desonerada é mais atraente do que de fato é, induzindo os agentes a empreenderem de forma ineficiente e tornando o país mais pobre no longo prazo. 

ICMS o que é como funciona e o que muda com a nova regra | Foto: QuoteInspector
Gráfico da ibovespa | Foto: QuoteInspector
Faixada do Ministério da Economia | Foto: reprodução
Cartão bolsa família | Foto: Agência Brasil
Como a queda da bolsa de valores afeta o Brasil | Foto: Reprodução
Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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Reg. 050-21 Dinheiro. Moedas de Real. 2021/10/86 Foto: Marcos Sa
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Como a queda da bolsa de valores afeta o Brasil
Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo
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Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo
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A complexidade tributária também é responsável pelo oceano de contencioso tributário e infindáveis disputas judiciais entre empresas e governo sobre a interpretação dos valores devidos, algo que afeta substancialmente a segurança jurídica brasileira. Com relação à educação, o Brasil não vai nada bem. Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o país ocupa a 63ª posição em leitura, a 66ª em matemática e a 59ª em ciências, em um ranking com 77 países. Como consequência desse cenário, enquanto um trabalhador americano produz 74 dólares por hora trabalhada e um francês, 66 dólares, em 2020, a produtividade brasileira foi de 28 dólares. A irresponsabilidade fiscal agrava esse cenário. Gastos excessivos e medidas inconsequentes, como a PEC dos Precatórios, contribuem tanto para a elevação artificial da demanda, como para a desvalorização cambial, ambos causadores de inflação. Até mesmo políticas sociais mal calibradas podem prejudicar justamente os mais pobres, como é o caso do Auxílio Emergencial, cujo elevado valor levou a aumentos de preços nos locais onde havia maior concentração de beneficiários. 

A explicação para que os países desenvolvidos gozem de baixas taxas de juros está relacionada à instituições fortes, que não cedem a pressões de grupos de interesse, e à qualificação da mão de obra. Isso proporciona um ambiente fértil para a alocação eficiente de recursos em atividades econômicas altamente produtivas, exercidas por indivíduos qualificados. Além disso, o controle fiscal garante que não haja inflação, evitando a necessidade de taxas de juros que atrapalhem o surgimento de novos investimentos no país. O Brasil precisa de reformas em questões como a tributária, a fiscal e a educacional. Essas são as discussões que deveriam tomar as capas dos jornais e o debate público, em vez do excessivo debate sobre política monetária, que embora seja importante, certamente não é a solução para os nossos desafios.

Saiba mais sobre o autor

*Henrique Mendes Dau é economista pelo Insper, diretor executivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista.

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Carnaval na Sapucaí, Rio de Janeiro | Foto: divulgação Riotur

Revista online | Carnaval da democracia

Henrique Brandão*, jornalista, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

No longínquo ano de 1919, ocorreu no Brasil o primeiro Carnaval após a pandemia da Gripe Espanhola, que, no ano anterior, havia vitimado milhares de pessoas. Pela euforia dominante nas ruas e salões do Rio de Janeiro da época, o Carnaval daquele ano foi considerado o “maior da história”.

Agora, 104 anos depois, em pleno 2023, após dois anos sem folia por conta de outra pandemia, a da covid-19, as ruas voltaram a ser de novo tomadas pelos foliões, ávidos por retomar seu lugar na festa popular. Desta vez, a comemoração foi dupla: além de tirar o atraso carnavalesco causado pelo confinamento, comemorou-se a virada de página política do país, com a derrota do capitão e de seu projeto protofascista. A musiquinha “tá na hora do Jair já ir embora” era cantada por grupos de foliões nas esquinas do Rio de Janeiro.

O Carnaval sempre foi uma manifestação de desafogo para os infortúnios da vida. Contra o cotidiano opressivo, a brincadeira, o escracho e o delírio se transformam em válvula de escape das cruezas do mundo. Nos quatro dias de folia, as ruas receberam o afeto que se encerra no peito juvenil da rapaziada: são abraços, beijos e risos que traduzem o encontro coletivo carregado de alegria.

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A Riotur, empresa que organiza o Carnaval carioca, estima que mais de 400 blocos, bandas e cordões fizeram a festa da galera em todas as regiões da cidade. Essa estimativa é somente para as agremiações oficiais – aquelas que receberam autorização do poder público para pôr o cortejo na rua.  Tem ainda um sem-número de blocos que saíram por conta própria, sem carro de som e trajeto definido.

Como amante do Carnaval, todos os anos saio às ruas, não apenas no Simpatia É Quase Amor, bloco do qual sou fundador. Por gosto e diversão, vou a vários desfiles e bailes populares nos quatro dias de folia.  Em todos os encontros de que participei este ano, oficiais ou não, pude constatar a felicidade estampada no rosto das pessoas. Um misto de alívio e ânimo novo para a vida recarregou as baterias dos foliões.  As fantasias criativas voltaram a ocupar com força as praças e ruas. A purpurina saiu do armário para cintilar nos corpos, o confete e a serpentina deram o ar de sua graça, os transportes públicos ficaram lotados de foliões.

O clima foi de descontração e convivência harmoniosa e até o assédio de playboys, que em outros carnavais incomodava as meninas, em particular, e a todos, em geral – por seu caráter violento, machista e muitas vezes misógino –, foi bem menor, o que ajudou a tornar a festa mais colorida e diversificada. Sem exageros, é possível dizer que a diversidade da comissão que subiu a rampa do Palácio do Planalto na posse de Lula, emocionando o Brasil, pareceu estar representada nas ruas em uma comunhão de alegria e vibração contagiante.

E não foi só o Carnaval de rua que brilhou. Os desfiles na Sapucaí foram excelentes, com uma boa safra de sambas e, principalmente, enredos com temáticas criativas e cada vez menos chapa branca, que buscaram histórias ligadas as raízes das suas comunidades, as temáticas da cultura popular ou até mesmo leituras críticas de datas oficiais, como foi o caso da Beija-Flor, que mostrou na avenida uma versão “ao avesso” do Bicentenário da Independência. A campeã Imperatriz Leopoldinense, com seu belo desfile em homenagem a Lampião, representou bem essa tendência. Aliás, basta olhar para as histórias contadas pelas escolas que voltaram ao Sambódromo no desfile das campeãs para constatar a variedade dos temas apresentados.

Não há dúvida de que o fato de termos nos livrado de um período de trevas, carregado de tristeza e de intolerância, fez a diferença neste Carnaval.  Não à toa, em muitos blocos, a folia deste ano foi chamada de “Carnaval da democracia”.

E que continue assim. O Carnaval, a maior manifestação cultural do país, combina com alegria, senso crítico, diversidade e afeto. Coisas que, nos últimos anos, estava em falta no Brasil.

Carnaval e democracia são sinônimos de uma festa onde o povo impera e dá as ordens.

Saia mais sobre o autor

*Henrique Brandão é jornalista e fundador do bloco Simpatia É Quase Amor

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Caio Gomez/CB/D.A Press

Nas entrelinhas: fusões partidárias fortalecerão ainda mais o Centrão

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Temos atualmente 28 partidos. Formalmente, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com um deputado, requer a fusão com o Patriota (quatro deputados) para formar o partido Mais Brasil. Solidariedade (quatro deputados) pede a incorporação do Partido Republicano da Ordem Social, o PROS (três deputados). O Podemos (12 deputados) solicita a incorporação do Partido Social Cristão, o PSC (seis deputados). Mas a movimentação mais importante é a federação ou fusão do PP (47 deputados) e do União Brasil (59 deputados), que resultará na formação da maior bancada da Câmara, com 106 deputados.

Dos 28 partidos e federações que concorreram nas eleições passadas, apenas 13 receberão recursos do Fundo Partidário em 2023, 15 não elegeram deputados federais, nem obtiveram votos suficientes para alcançar a chamada cláusula de desempenho. Os partidos que sobreviveram estão canibalizando os demais. As maiores bancadas na Câmara são do PL, de Jair Bolsonaro, com 99 deputados, e da federação PT-PV-PCdoB, com 81 deputados, que protagonizam a polarização entre o governo Lula e a oposição.

A fusão ou formação de uma federação do PP, liderado pelo ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), com o União Brasil, sob comando do deputado Luciano Bivar (PE) e o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, consolida a hegemonia do Centrão no Congresso, alicerçado no controle sobre a distribuição de emendas do relator no Orçamento da União.

Essa hegemonia no Congresso cria condições mais favoráveis para o Centrão arrancar concessões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja na ocupação de cargos do governo, seja na aprovação de seus projetos, que geralmente caminham lado a lado. Além disso, o controle sobre as emendas, ao lado das mordomias e privilégios dos detentores de mandatos, além dos recursos dos fundos partidário e eleitoral, desequilibrarão a disputa nas eleições municipais.

Outras fusões e incorporações também deverão ocorrer e compor um espectro partidário mais reduzido e de perfil político mais claro. Considerando o perfil das legendas, a direita mais ideológica será representada pela aliança do PL com o Republicanos, sob forte influência do ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja capacidade de transferência de votos nas eleições ficou provada em 2018, 2020 e 2022.

MDB e PSD, com 42 deputados cada, são as forças mais importantes de centro e centro-direita, respectivamente, o que deixa muito pouco espaço para o surgimento de um partido social-liberal, ao centro. PSB, PDT e a Federação Rede-PSol ocupam o espaço da centro-esquerda, ao fazer aliança com Lula. A federação PSDB-Cidadania, com 18 deputados, saiu muito enfraquecida da eleição e vive uma indefinição em relação ao rumo a tomar, uma vez que a opção de ampliação da federação com o Podemos não se consolidou e o projeto da “terceira via” subiu no telhado, com a participação de Simone Tebet no governo Lula. Além disso, suas bancadas se deslocaram da centro-esquerda para a centro-direita.

Crescer ou crescer

Quando Lula se refere à “cooperativa de partidos”, está passando recibo de que essa movimentação pode se tornar uma dor de cabeça nesse começo de mandato. A grande maioria do Congresso se move por interesses, velhas práticas como o patrimonialismo, o fisiologismo e o clientelismo estão vivíssimas. Tudo converge para as emendas de relator, nas quais os verdadeiros autores não são conhecidos. Mesmo nos partidos mais programáticos, o transformismo se impôs durante a gestão de Lira, reconduzido ao cargo com amplíssima maioria. Não existe mais “baixo clero” porque, agora, quem manda são suas principais lideranças, muitas das quais desconhecidas do grande público.

Nesse contexto, Lula navega em meio à calmaria que antecede a borrasca. Haverá uma queda de braço entre o governo e a oposição, na qual o Centrão será o fiel da balança. A mão pesada do governo sempre influencia as votações, ainda mais com um presidente recém-eleito, mas isso depende da preservação da popularidade de Lula, que venceu por estreita margem e enfrenta uma oposição radical nas redes sociais, que já demonstrou ser capaz de ganhar as ruas.

A maior ameaça à governabilidade é a situação da economia, principalmente o baixo crescimento, que inviabiliza as promessas de campanha de Lula. As medidas tomadas pelo governo até agora, tanto na área econômica — como a cobrança de impostos sobre combustíveis — quanto na área social — caso do novo Bolsa Família —, não têm sustentabilidade enquanto a taxa de juros estiver em 13,75%.

Com um crescimento do PIB de 2,9% em 2022, o mercado começa a projetar uma inflação da ordem de 4,9% para este ano, bem abaixo do último Boletim Focus, que era de 5,9%. Se isso ocorrer, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, estará na berlinda novamente, porque a taxa de juros se tornará uma ameaça ainda maior ao governo Lula. Não por acaso, a artilharia petista novamente se voltou contra ele, porém, sua blindagem é o Centrão.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-fusoes-partidarias-fortalecerao-ainda-mais-o-centrao/

Astrojildo Pereira | Foto: reprodução/HH Magazine

Quem foi Astrojildo Pereira, crítico que viu marxismo em Machado de Assis

Alcir Pécora, professor titular de teoria literária da Unicamp, em texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo

[RESUMO] O escritor Astrojildo Pereira, um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil, tem sua obra relançada com esmero pela Boitempo. Nos dois volumes de crítica literária, ele expressa sua relação visceral e apologética com Machado de Assis, em quem via um símbolo da sociedade brasileira do Segundo Reinado e um "dialético espontâneo" que, embora nunca tenha se referido a Marx, a seu ver operava intuitivamente um método de materialismo dialético em seus romances.

A reedição das obras completas do escritor e líder comunista Astrojildo Pereira (1890-1965) é uma surpresa, dado o esquecimento em que parecia mergulhado o autor, mas coerente com o catálogo de uma editora de esquerda como a Boitempo.

Coleção Astrojildo Pereira lançamento em Brasília | Foto: Cleomar Almeida/FAP
Coleção Astrojildo Pereira lançamento em Brasília | Foto: Cleomar Almeida/FAP

De minha parte, li com gosto os dois volumes mais ligados à literatura, "Machado de Assis: Ensaios e Apontamentos Avulsos" (1959) e "Crítica Impura" (1963), pois evidenciam outro fato quase esquecido: a vida intensa do pensamento marxista no Brasil, muito antes dos anos 1960 ou dos seminários universitários.

Confira debate sobre Astrojildo Pereira no 7º Salão do Livro Político

Veja vídeo de lançamento da Coleção Astrojildo Pereira, em Brasília

Começo pelo livro sobre Machado, autor com quem Astrojildo manteve sempre uma relação visceral, precocemente assinalada por Euclides da Cunha em famosa crônica, ao vê-lo, ainda rapaz, beijar reverencialmente a mão do escritor moribundo em 1908, gesto que pareceu transfigurar o ambiente da vigília, até então desalentado pela indiferença dos meios culturais.

São sete ensaios e 16 artigos, aos quais Astrojildo se refere como escritos de circunstância, sem "plano prévio de conjunto", publicados em diferentes épocas, situações e veículos da imprensa.

O mais conhecido deles vem logo na abertura: "Machado de Assis, romancista do Segundo Reinado", cuja hipótese é a de que o autor, na vida como na obra, foi uma "conjunção de contrastes": solitário e pessimista, mas vivendo em "sociedade e cenáculos literários"; "tipo sensual", mas "modelo de bons costumes"; "analista rigoroso e frio" e, ao mesmo tempo, "criador empolgante".

Para o crítico, há uma consonância íntima entre a literatura machadiana e a evolução histórica do Segundo Reinado, em cuja base estavam os negros escravizados e a monocultura dos latifúndios, surgindo, depois, uma nova classe dirigente burguesa.

Tal transição explicaria o fato de Machado eleger como núcleo das intrigas a base familiar da vida em sociedade, na qual quase tudo se passava em torno de um "coração contrariado", vencido pela conveniência.

Analogamente, Astrojildo propunha que o romancista dava cunho sentimental à narrativa, submetendo-a então a um "laboratório de análise" que reunia virtuosismo, vigor e crueldade, movido por um "espírito de vingança", explicado basicamente por sua origem de classe, a gerar "sutil devastação" no ambiente em transformação das elites.

No ensaio seguinte, a propósito do célebre "instinto de nacionalidade" machadiano, Astrojildo reitera que o Brasil e o escritor crescem juntos, dado que a década de 1870 apresenta grandes mudanças no país, sintetizadas no movimento abolicionista, e muita agitação no exterior, com várias guerras em curso na Europa e o surgimento de novas correntes do pensamento, como o positivismo, o darwinismo, o naturalismo etc.

Machado, para ele, produzia a sua literatura em momento de transição dialética do que era ainda instinto para o que viria a ser uma real "consciência da nacionalidade", enquanto projeto de unidade e de soberania do país.

O "problema da nacionalidade" seria, para Astrojildo, o mais constante motivo de Machado e aquilo que o faria, em termos literários, um crítico severo da "imitação dos modelos franceses" e, em relação à língua, alguém tão preocupado em estudar os clássicos como em filtrar o "linguajar do povo brasileiro" a fim de incorporá-lo à "nossa língua literária", com base no critério decisivo da sua espontaneidade.

Astrojildo também rebate o lugar-comum a respeito do suposto absenteísmo de Machado em matéria política, cuja acusação mais dura, como a de Mário de Andrade, era de indiferença face à escravidão.

O crítico admite a falta de vocação de Machado para a militância, mas discorda que isso signifique alienação ou desprezo pela política, pois está nítido em seus escritos o empenho com que acompanhava a situação do país, aspecto que fazia da crítica o núcleo do seu engenho.

O seu humorismo tampouco seria apenas divertimento, mas "método de crítica social", o que justificaria chamá-lo de "escritor realista", sem ser da "escola realista". A conclusão de Astrojildo, contrária à suposta alienação de Machado, o propõe como o mais nacional dos escritores brasileiros, porque era o que mais pensava a realidade nacional.

Na mesma linha apologética, dedicada a retirar das costas de Machado as acusações mais pesadas que lhe faziam alguns contemporâneos, Astrojildo nega que ele seja um autor abstratizante, incapaz de paisagem, o que é desmentido, por exemplo, pela poesia de "O Almada", que celebra, com grande cuidado documental, um episódio do Rio seiscentista.

Em outro ensaio, Astrojildo considera as muitas metáforas dos olhos na obra de Machado e defende que elas demonstram o seu viés materialista, com "olhos tocando, apalpando, pegando coisas que viam". O processo seria similar ao pensamento dos "dialéticos gregos", como Heráclito, cujas noções-chave eram discórdia e contradição, que se ajustavam ao seu temperamento "inspirado, isolado e melancólico".

Sobre a questão —e, por vezes, acusação— de Machado nunca haver referido Marx, Astrojildo contrapõe a percepção de que era um "dialético do tipo espontâneo" e mesmo "um materialista a contragosto". É o que o faria anotar que "a contradição é deste mundo" e muitas vezes criar tanto a "transformação gradativa de um sentimento no seu contrário", como a relatividade da opinião segundo a posição social ocupada pelas personagens.

Machado seria a encarnação inata do "homem dialético" e, se não chegou a sê-lo plenamente, a causa estava nas circunstâncias e nas condições do país em que viveu.

Outra larga questão machadiana revista por Astrojildo é a "mudança de qualidade" da sua obra com "Memórias Póstumas". Não a entendia como "ruptura pura e simples", mas sim como "soluções de contradições" que vinham do passado e que representavam um longo enterro do "idealismo romântico", necessário para que Brás Cubas ressuscitasse materialista e galhofeiro, ainda que temperado de melancolia.

Por fim, Astrojildo examina a questão um pouco absurda, mas debatida à época, de saber se Machado era mesmo um homem mau, como alguns o julgavam. Na sua visão, havia uma dualidade demoníaca e angélica em Machado, típica da sua personalidade e do seu pensamento dialético.

Na sua obra, manifestava-se como "demônio da inteligência" e "dissecador de almas e caracteres", interpretado erroneamente como insensível e anticristão. Se no humorismo e na ironia os críticos colhiam provas de sua crueldade, para Astrojildo tratava-se mais de um "latejar de dor", repleto de "simpatia humana".

Do conjunto, ressaltam dois aspectos: primeiro, Astrojildo defende Machado em todas as frentes em que o via ser questionado; segundo, esforça-se para insinuar nele um germe de marxismo, dentro da consciência possível do seu tempo, como se o escritor operasse intuitivamente um método de materialismo dialético na análise da história e no desenrolar de suas intrigas.

Nesses termos, não deixa de ser dissonante a insistência no nacionalismo de Machado, assim como a sua aplicação abundante do pronome "nosso" a tudo que fosse do país, cujo resultado gera um híbrido estranho de marxismo patriótico. Parece acertar Carpeaux, quando o chama de "tradicionalista e revolucionário ao mesmo tempo", no qual convivem interpretação social e significação moral.

O segundo livro, "Crítica Impura", de 1963, testemunha o gosto de Astrojildo pela miscelânea, de que confesso participar inteiramente. Reúne um conjunto de "ensaios, artigos, notas de leitura, quase tudo publicado antes em revistas e jornais", sem maior preocupação de unidade, a não ser a do "fio ideológico". As suas três partes —ensaios e resenhas, testemunhos da China revolucionária, notas sobre cultura e sociedade— são todas boas de ler, tanto pela variedade dos assuntos quanto pela linguagem nítida e a crítica direta.

Nos ensaios, nos quais vou me deter aqui, há constantes fáceis de identificar, como a valorização do gênero da crônica, usualmente considerado menor, graças à propriedade de captar a atmosfera dos eventos —o que não se estende à apreciação de cronistas como Rubem Braga ou Fernando Sabino, detonados por ele ("ficam borboleteando na superfície das coisas"; "ajudando a mistificar", manipulando "bobas ironias").

Destaca, porém, as crônicas de Eça de Queirós, cujas "Cartas de Inglaterra" julga rivalizar com os seus romances, e, acima de tudo, as de Lima Barreto, que considerava o "maior cronista de sua geração", seja pelo "agudo poder de observação", seja por sua militância em temas sociais, como a defesa da classe operária, da reforma agrária, dos negros e, enfim, da "força invencível do povo".

Dos escritores estrangeiros destacados, pode-se dizer que Astrojildo tem geralmente olhos benignos para os comunistas, como Howard Fast e Louis Aragon, sem que pretenda negar o "caráter específico da arte" ou o fato de que "a ideia por si só não salva a obra de arte". Para ele, sem "transposição estética do conteúdo ideológico socialista" —isto é, sem "vibração emocional", "conexões com a própria vida" e, enfim, "talento"—, a obra não poderia ser bem-sucedida.

Astrojildo valoriza igualmente os artigos de opinião na imprensa, como os reunidos por José Veríssimo, em "Homens e Coisas Estrangeiras"; as biografias, como a de Monteiro Lobato, por Edgard Cavalheiro, e a de Mario Penaforte, por Onestaldo de Pennafort; os discursos acadêmicos, como o de Álvaro Lins na recepção de Roquete Pinto na ABL; os panfletos políticos, como os do padre Lopes Gama, de Gondin da Fonseca, de Lourival Fontes; as memórias, sobretudo as que valem como depoimento de época e da cidade, como as de Oliveira Lima, Vivaldo Coaracy e Luís Edmundo; os guias, como "No Termo de Cuiabá", de M. Cavalcanti Proença —gêneros pouco prestigiados literariamente, mas que Astrojildo lê gostosamente, elogiando a "comunicabilidade coloquial", o "conhecimento direto, exato e enxuto da realidade vivida" ou o "cheiro muito brasileiro", desde que produzido com "visão realista, sem embelezamentos".

Monografias também o interessam, como "Mutirão", de Clóvis Caldeira, que trata da "variedade das formas que o mutirão assume nas diversas regiões do Brasil"; "O Movimento Sindical no Brasil", de Jover Telles, com uma importante história das greves; "Brasil Século XX", de seu companheiro de partido Rui Facó; assim como relatos de experiência direta como "Minha Experiência em Brasília", de Oscar Niemeyer; enfim, ensaios filosóficos como "Furacão sobre Cuba", de Sartre, que reconhece ser "escritor poderoso", de "extrema sensibilidade", apesar das discordâncias teóricas e políticas.

Pensei até em economizar caracteres nessa multidão de nomes e títulos, mas depois percebi que era a última coisa que deveria fazer. Pois não há nada melhor nos escritos de Astrojildo que essa proliferação de livros e coisas que é, primeiro, o que há de mais próprio em uma miscelânea e, segundo, o que mostra de mais duradouro em sua crítica: não o fio da ideologia, mas a rede distendida de curiosidade e de leitura, o nítido desejo de dar notícias de todas as coisas, o que empresta graça e sociabilidade à erudição.

Não é difícil ver que algumas das questões de Astrojildo permanecem relevantes no cenário brasileiro. A forma de militância que repudiava as desigualdades, como os sectarismos, é uma delas. Outra é o fervor da vida literária, para lembrar o termo de Brito Broca. A paixão revolucionária funde-se com o afã dos livros, a responsabilidade histórica com a bibliomania.

Ainda quando falte fineza teórica ou consistência metodológica em suas análises críticas, tal como apontadas por José Paulo Netto e Leandro Konder, nunca deixa de haver a mais genuína vibração pelo debate cultural.


Charge de JCaesar

Revista online | Lula e Banco Central: charge destaca impasse

JCaesar, chargista*, para a revista Política Democrática online (52ª edição)

Em nova charge, JCaesar aborda o imbróglio entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Banco Central, comandado por Roberto Campos Neto.

O assunto ganhou ainda mais relevância nas últimas semanas depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticar a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de manter a taxa de juros a 13,75% pela quinta vez seguida. Segundo ele, a decisão influencia no crescimento do país.

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A guerra entre favoráveis e contrários ao presidente se acirrou também depois de ele afirmar que iria cobrar o Banco Central . Lula ainda chamou a independência da instituição de “bobagem”.

Além da fixação da taxa de juros, o Banco Central é responsável pela emissão de moedas e atuação no câmbio e em modalidades como controle de garantias – depósitos compulsórios e mais).

A independência do Banco Central, discutida por mais de 30 anos, ocorreu para evitar interferência política nas decisões econômicas, além de intercalar os mandatos do presidente da instituição com o do presidente do país.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por exemplo, fica no posto até o fim do ano que vem, no meio do governo Lula. Ele tomou posse no cargo em fevereiro de 2019, logo após reunião privada com o então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), dentro do Palácio do Alvorada.

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Revista online | Regulação das mídias digitais: o que fazer?

Marcos Cavalcanti*, professor da UFRJ e especialista em ciência das redes, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição: fevereiro de 2023)

O melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada. O segundo melhor é uma empresa de petróleo mal administrada. (John D. Rockefeller)

O mundo de Rockefeller não existe mais. Em 2022, das cinco maiores empresas do mundo, só uma é de petróleo (Saudi Aramco). As outras quatro são de tecnologia: Apple, Microsoft, Google (Alphabet) e Amazon.

Se no século passado as guerras e as disputas pelo poder eram fortemente influenciadas pelos interesses das empresas financeiras e de petróleo, hoje são as empresas de tecnologia que comandam a luta política. 

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Durante a crise financeira (subprimes) de 2008, muitos diziam que os grandes bancos e empresas envolvidas eram “muito grandes para poder falir” e que a falência destas empresas seria ainda mais traumática para o mercado. A mesma discussão ocorre agora com as grandes empresas de tecnologia. Muita gente acha que elas são “muito grandes para serem controladas”.

Veja, abaixo, galeria de fotos sobre mídias digitais:

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De fato, a receita combinada das cinco maiores empresas de tecnologia, Google (Alphabet), Apple, Microsoft, Amazon e Facebook, em 2022, que atingiu U$ 1,5 trilhões, é equivalente ao PIB brasileiro. E elas geram muito mais empregos que qualquer empresa petrolífera. Só o Google emprega o dobro de pessoas que a Petrobras, sendo que nenhuma delas faz um trabalho braçal.

O mundo do Rockfeller acabou. Contudo, as leis que nos regem ainda são do século passado. Nós, certamente, precisamos atualizá-la, mas não com um controle das redes sociais.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em diversas ocasiões, manifestou-se favorável à “regulação das redes sociais”. É um equívoco.

Em primeiro lugar porque a expressão mostra um desconhecimento do tema. As “redes sociais” existem desde sempre. Os 12 profetas que saíram pelo mundo divulgando a palavra de Jesus, segundo os católicos, era uma rede social. As igrejas, os clubes de futebol e os partidos políticos são redes sociais. O que devemos discutir não é a regulação de “redes sociais”, mas das mídias digitais.

E isto não é uma questão semântica. Envolve conhecimento técnico e uma discussão sobre as liberdades individuais e a essência da Internet.

Como nos lembra Silvio Meira, “o resultado de regulamentações excessivas pode resultar em uma rede mais fechada, com menos espaço para inovação e para diversidade; deixando de lado um dos aspectos que a caracteriza: a pluralidade e seu aspecto global”. Pior, uma regulação excessiva pode levar à censura e ao surgimento de uma rede paralela, de segunda classe. Depois de experimentar a liberdade e pluralidade da rede, a sociedade não aceitaria ser controlada e ter sua liberdade limitada.

O que fazer?

Felizmente, não precisamos reinventar a roda. A comunidade europeia, depois de uma discussão de mais de três anos, acaba de aprovar uma Lei de Serviços Digitais da União Europeia – Digital Markets Act. O princípio é que nenhuma empresa pode ser “grande demais” no controle das informações geradas pelos cidadãos. Pelo contrário, são os cidadãos que devem controlar o poder destas empresas.

E este não é um problema “brasileiro”. O caminho para o respeito à liberdade e à cidadania é a criação de mecanismos globais que impeçam que dispositivos ou tentações autoritárias acabem por restringir o acesso à rede mundial. Podemos ter uma legislação mais ampla, simples e internacional que preveja que disputas que envolvam tecnologias de comunicação globais sejam julgadas em cortes internacionais.

Por fim, as questões de opinião, difamação e mesmo de notícias falsas (fake news) não são uma novidade trazida pelas mídias digitais. E, para combatê-las, já temos leis. Não precisamos criar nenhum órgão de controle. Não cabe a um governo ou a uma empresa cercear a livre expressão dos cidadãos. Aqueles que se sentirem injuriados ou lesados devem ir à Justiça para impedir a divulgação de inverdades. A regulação necessária das mídias digitais não pode ser um pretexto para aumentar o controle sobre a liberdade de expressão dos cidadãos.

Saiba mais sobre o autor

*Marcos Cavalcanti é professor titular da COPPE/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e especialista em ciência das redes, complexidade e big data estratégico.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF

TSE cria grupo de trabalho com as plataformas digitais 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, se reuniu nesta quarta-feira (1º) com representantes de plataformas digitais e redes sociais para agradecer o trabalho desenvolvido nas Eleições 2022 e ressaltar a importância de uma atuação conjunta para o combate à desinformação. As empresas são parceiras do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação.

Ao final do encontro, por sugestão de Moraes, será criado um grupo de trabalho conjunto para apresentação de propostas de melhoria da autorregulação e para o encaminhamento de sugestões de regulamentação ao Congresso Nacional.

Participaram da reunião realizada no edifício sede do TSE, em Brasília, representantes das plataformas digitais Tik Tok,  Twitter, Meta (WhatsApp, Facebook e Instagram), Telegram, YouTube, Google e Kwai. O grupo aproveitou para informar ao ministro sobre as ações das mídias para impedir a replicação de notícias falsas pela internet, as ações de controle das plataformas e reafirmar o compromisso na construção de iniciativas em conjunto com a Justiça Eleitoral.

Moraes destacou a importância de as empresas atuarem no sentido de prevenir e coibir a disseminação de discursos de ódio, incitação à violência e atentados contra a democracia e as instituições na internet.

Segundo ele, a vivência durante o período eleitoral no combate à desinformação possibilitou, tanto da parte das plataformas quanto da Justiça Eleitoral, a certeza de há necessidade de uma cooperação maior, “uma via de mão dupla”. “Precisamos aproveitar a experiência nessa intensidade vivida, uma vez que nenhum país teve a intensidade de ataques pelas redes que o Brasil teve nas eleições e depois no dia 8 de janeiro, que foi o ápice de ataques ao Estado Democrático de Direito”, destacou Moraes.

O presidente do TSE afirmou que o objetivo do encontro é construir dois planos distintos: o primeiro em torno de uma melhoria na autorregulação das plataformas, e o segundo visando a apresentação de proposta conjunta de pontos importantes como contribuição à regulação que está sendo definida pelo Congresso Nacional.

“Não tenho dúvidas de que, se não for algo construído em conjunto e, principalmente, com base na autorregulação das próprias plataformas, a chance de ser eficiente é muito pequena”, ressaltou.

Filtros

De acordo com o presidente do TSE, duas questões são importantes dentro dessa definição, que deve sempre garantir a liberdade de expressão. A primeira é aproveitar o que as próprias plataformas têm de mecanismos e ferramentas para a realização do autocontrole em alguns temas, como por exemplo pedofilia, pornografia infantil, e ampliar para o controle de discurso de ódio e atentados antidemocráticos.

O segundo ponto importante é fixar o nível de responsabilidade das plataformas, principalmente para os conteúdos onde há monetização e impulsionamento pelos algoritmos.

Participantes

Além do presidente do TSE, representaram a Justiça Eleitoral na reunião o corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, as ministras Isabel Gallotti e Maria Claudia Bucchianeri e o ministro André Ramos Tavares, além do secretário-geral da Presidência do TSE, José Levi, e assessores diretos do presidente.

O Programa

O Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação do TSE conta atualmente com mais de 150 parceiros, como redes sociais e plataformas digitais, instituições públicas e privadas, entidades profissionais, entre outras entidades. Criado em agosto de 2019, o programa tem como finalidade prevenir e combater a disseminação de notícias falsas e desinformação sobre o processo eleitoral, principalmente na internet.

Em agosto de 2021, o programa se tornou uma ação permanente do TSE. Os parceiros dividem com a Justiça Eleitoral as seguintes atribuições: monitorar notícias falsas, combatendo a desinformação com informação correta sobre a questão abordada; ampliar o alcance de informações verdadeiras e de qualidade sobre o processo eleitoral; e capacitar a sociedade para que saiba identificar e denunciar conteúdos enganosos.

Fonte: TSE


Luiz Inácio Lula da Silva

Nas entrelinhas: Lula governa sob pressão desde a posse

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Com dois meses de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve a tradicional trégua de 100 dias concedida aos governantes pela mídia e pela oposição, sem falar no “fogo amigo” de aliados e até mesmo dos petistas, por causa das divergências e disputas de poder na sua equipe de governo. Na primeira semana de gestão, Lula vivia ainda o inebriante clima gerado pela festa da posse, cuja sacada de subir a rampa do Palácio do Planalto com os representantes das minorias proporcionou imagens históricas, de repercussão internacional.

Pensava-se que estava tudo certo, ninguém da sua equipe imaginava que o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) seriam invadidos sete dias depois. O presidente da República passava um fim de semana em São Paulo, porém, no domingo, decidiu viajar a Araraquara, para ver pessoalmente os estragos causados pelas chuvas, ao lado prefeito petista Edinho Silva. Entretanto, naquele 8 de janeiro, “nuvens negras” — como aquelas que antecederam o golpe de 1964, que destituiu o presidente João Goulart — encobriram o Planalto Central. Lula decretou intervenção no Distrito Federal, delegando ao ministro da Justiça, Flávio Dino, a responsabilidade de conter os danos. O governador Ibaneis Rocha foi afastado do cargo.

A decisão de não decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), recorrendo às tropas do Comando Militar no Planalto, não fora por acaso. Desde o quebra-quebra bolsonarista de 12 de dezembro, dia de sua diplomação, quando os “patriotas” acampados em frente ao QG do Exército incendiaram ônibus e até tentaram invadir o prédio da Polícia Federal, sabia-se que havia uma tentativa de golpe em marcha. No estado-maior de Bolsonaro, os generais Braga Netto, seu candidato a vice, Augusto Heleno (GSI) e Luiz Ramos (Secretaria de Governo), o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que está preso, e o deputado Eduardo Bolsonaro apoiavam a decisão de Bolsonaro de não reconhecer o resultado da eleição.

Derrapagem

A minuta do decreto presidencial apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça, que destituiria o ministro Alexandre de Moraes da presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e convocaria novas eleições, por muito pouco não fora assinada por Bolsonaro, que resolveu viajar para Miami, bastante deprimido. Fora convencido a sair de cena num jantar na casa do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, articulado pelo ex-ministro das Comunicações Fabio Faria. Os ex-ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávio Rocha (Secretaria de Assuntos Estratégicos), um almirante da ativa, e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira, contrários a qualquer tentativa golpista, atuaram como bombeiros no episódio.

Não conformados, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Anderson Torres viajaram para Miami, onde passaram o ano-novo com Bolsonaro. Hoje, as investigações da Polícia Federal estão apurando as responsabilidades sobre graves falhas no dispositivo de segurança da Esplanada dos Ministérios, que estava a cargo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), da Guarda Presidencial e da Polícia Militar do Distrito Federal. Na crise, por terem impedido que os vândalos fossem presos no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, na madrugada de 9 de janeiro, o comandante militar do Planalto (GMP), Gustavo Henrique Menezes Dutra, e o comandante do Exército, general Júlio César Arruda, foram substituídos. Outras mudanças nos comandos militares do Planalto foram feitas pelo novo comandante do Exército, Tomás Ribeiro Miné Paiva.

Graças também à atuação do ministro Alexandre de Moraes contra os golpistas, a situação foi controlada. Houve atuação firme e decidida dos Três Poderes. O Congresso e o Supremo repudiaram o golpismo, o governo ganhou tempo para preparar medidas econômicas de impacto para a sociedade, que começaram a ser anunciadas nesta semana. Mas houve muita fricção política com os aliados, a mídia e o Congresso, após Lula atacar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e criticar as altas taxas de juros.

A trégua proporcionada pela defesa da democracia derrapou na política econômica. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficou com a credibilidade abalada, sob ataque da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e fortes pressões do mercado financeiro. Mas o governo começou a deslanchar na economia. Haddad anunciou um aumento do salário mínimo para R$ 1.320 a partir do 1º de Maio e um alívio na cobrança do Imposto de Renda. Nesta semana, fez a manobra mais difícil: a volta da cobrança de impostos sobre combustíveis, simultaneamente à redução de preços da gasolina e do diesel pela Petrobras. Também foi anunciada a reestruturação do Bolsa Família e a rolagem das dívidas dos consumidores inadimplentes.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-governa-sob-pressao-desde-a-posse/

Desmatamento na Amazônia | Foto: AFP

Nas entrelinhas: Desmatamento internacionalizou a Amazônia

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

A visita ao Brasil do enviado especial do governo Biden, John Kerry, para tratar da participação dos Estados Unidos no Fundo Amazônia, coincidiu com o registro de recrudescimentos das queimadas na floresta. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados até 17 de fevereiro um recorde para o período. No encontro com o vice-presidente Geraldo Alckmin e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Itamaraty, Kerry se comprometeu a buscar recursos “vultosos” para o Fundo. Na visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Casa Branca, o presidente Joe Biden havia anunciado essa intenção.

Estima-se que essa participação pode chegar a US$ 50 milhões. Segundo a embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley, o montante será definido numa negociação da Casa Branca com o Congresso americano. O Fundo ficou parado entre 2019 e 2022, no governo Bolsonaro. Depois da posse de Lula, foi reativado e seus recursos liberados pelos doadores, principalmente Noruega e Alemanha. A União Europeia (UE) também pretende colaborar.

O desmatamento da Amazônia durante o governo anterior virou uma ameaça para o mundo, que reage a isso fortemente. Na prática, Bolsonaro “internacionalizou” a Amazônia, cujo impacto no aquecimento global é enorme, por causa das queimadas e derrubadas de árvores. Zerar o desmatamento é a forma mais eficiente e barata de reduzir o aquecimento global e ganhar tempo para a conversão à economia verde. Por exemplo: o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou, sábado passado, durante a Feira Internacional Agrícola de Paris, que o acordo entre o Mercosul e a UE pode subir no telhado em razão da questão ambiental.

Na COP27, no Egito, Macron fez dobradinha com Lula, então recém-eleito, com duras críticas ao ainda presidente Bolsonaro. Na verdade, a advertência é dirigida principalmente à Venezuela, que passa a ser pressionada também pelos vizinhos. Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai têm interesse no acordo. A França, por causa da Guiana Francesa, se considera “uma potência amazônica”. Macron faz alusão ao centro espacial de Kourou, que hospeda a base de lançamento de foguetes e satélites da Agência Espacial Europeia (ESA). O empreendimento gera tecnologia de ponta e informática, além de empregos.

Situada na costa setentrional da América do Sul, como o Suriname e a República da Guiana, a Guiana Francesa parece mais um território caribenho do que sul-americano. Está isolada do resto do continente pela floresta amazônica, pois é essencialmente povoada na faixa atlântica. O idioma francês e o dialeto créole, também presentes nas Antilhas, não são falados nos países sul-americanos. Por ser uma província francesa, também foi excluída dos tratados entre os países da América do Sul, porém representa a França na Associação dos Estados do Caribe, junto com a Martinica e a ilha da Guadalupe. É um enclave europeu no subcontinente.

Garimpo ilegal

Com 200 mil habitantes, mercado de consumo pequeno e fronteira vulnerável, a Guiana Francesa se manteve isolada, mas agora sofre com os imigrantes ilegais, principalmente garimpeiros brasileiros e peruanos, traficantes colombianos e refugiados haitianos. O Brasil sempre deu mais importância estratégica à cooperação com a Guiana do que a própria França, da qual é um departamento, porque a fronteira de 760km entre os dois países nos torna também vizinhos da UE.

Entretanto, a ponte que ligaria a Guiana ao Amapá, o único estado brasileiro que não tem ligação terrestre com o resto do país, não saiu do papel. A estratégica ligação entre Manaus e Georgetown, sonhada pelos militares nos anos 1970, também não. A ligação com o Suriname, após a construção da estrada de Cayenne ao Oiapoque, porém, virou uma porta aberta para os traficantes colombianos e garimpeiros brasileiros — ou seja, um problema.

As fronteiras entre Brasil, Guiana, Suriname, Venezuela e Colômbia são praticamente virtuais, o que coloca em xeque a soberania efetiva entre esses países, ainda mais depois que a preservação da Amazônia se tornou um problema global. Várias operações foram realizadas pelo governo francês para combater o garimpo ilegal na Guiana Francesa. Entretanto, após cada operação os garimpeiros voltaram.

Em 12 de março de 2010, soldados franceses e policiais de fronteira foram atacados enquanto retornavam de uma operação bem-sucedida, durante a qual prenderam 15 mineiros, confiscaram três barcos e apreenderam 617 gramas de ouro. Os garimpeiros retornaram para recuperar seus saques e colegas perdidos. Os soldados dispararam tiros de advertência e balas de borracha, mas os garimpeiros conseguiram retomar um de seus barcos e cerca de 500 gramas de ouro. A cooperação com a França será fundamental para conter o garimpo ilegal e o tráfico de drogas na Amazônia.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-desmatamento-internacionalizou-a-amazonia/

Oscar | Reprodução/Wowbiz.ro

Revista Online | Cinema = Arte + Tecnologia – Uma fórmula esquecida?

Lilia Lustosa*, crítica de cinema, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição: fevereiro de 2023)

É chegada aquela época do ano em que os cinéfilos de plantão ficam ansiosos para saber quais são os melhores filmes e os melhores profissionais da indústria cinematográfica da temporada. Já tivemos o Globo de Ouro, o Critics Choice Awards, o BAFTA (do Reino Unido), e, muito em breve, teremos os César (França), os Ursos de Berlim e o tão esperado Oscar. Um prêmio que já foi considerado o mais glamoroso de todos por ser outorgado justamente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, suprasumo do sonho hollywoodiano.

Acontece que, há alguns anos, esta premiação, que deveria justamente enaltecer aquelas obras que apresentam a melhor combinação entre arte e tecnologia, vem se transformando em algo extremamente difícil de entender. O Oscar se converteu em um prêmio que se pretende politicamente correto, alinhado a seu tempo, mas que é, ao mesmo tempo (e antes de tudo), guiado pelo lobby dos grandes estúdios. Uma prática que foi ganhando cada vez mais força, importando muito mais o montante investido na campanha de divulgação do filme do que o filme em si.

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A temática abordada passou também a ter muito peso, tendo mais chance de serem premiadas aquelas tramas que se atêm à ordem do dia e que respeitam as pautas da atualidade. Até aí tudo certo. Mas e a arte e a ciência, onde ficam? O que estamos vendo ser premiado neste 2023? Sonho ou lobby? Temas da moda ou produções que seguem a antiga fórmula "cinema = arte + tecnologia"?

Se depender do número de indicações, o grande vencedor do Oscar seria Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, dos diretores Daniel Kwan e Daniel Scheinert, que, além de 14 nomeações, já levou o prêmio de melhor filme no Critics Choice Awards. O longa se divide entre a realidade do cotidiano burocrático e a ficção (quase científica e caótica) da mente humana, uma espécie de realismo mágico com pitadas de ficção científica com ar retrô. Uma bela e original análise do metaverso, tão na moda nos filmes e nas rodas de conversas da atualidade, mas com uma pegada diferente, excêntrica, bem humorada e crítica. Uma história que, em um primeiro olhar, não faz nenhum sentido, mas que, ao mesmo tempo, faz pensar tanto. Tradições, amor, relacionamentos, respeito, diferenças, quebra de expectativas, tudo está ali. Tudo que a vida poderia ter sido e não foi… e tudo que ela é também. A fórmula do cinema está ali bem presente. E os temas da moda também!

Outro forte candidato é Os Fabelmans, do já oscarizado Steven Spielberg, que, por sua vez, já levou prêmios importantes para casa: Globo de Ouro de melhor diretor e de melhor filme. Uma história simples, sem grandes originalidades, mas que abunda em sentimentos, delicadeza e precisão na técnica empregada. Uma autobiografia ficcionalizada que toca de forma elegante e respeitosa em questões muito íntimas do diretor, sem, no entanto, apresentar julgamentos de valor, nem ornamentos desnecessários. Um filme que opta por não mostrar a trajetória profissional de um cineasta consolidado, preferindo apresentar um homem (um gênio) em formação.

O grande "intruso" nesta lista de indicações parece ser a coprodução Alemanha-EUA-Inglaterra Nada de Novo no Front, quefez a proeza de levar 7 estatuetas no BAFTA, das 14 nomeações recebidas, incluindo as de melhor filme em língua não inglesa e a de melhor filme tout court. Uma produção que já tinha mostrado a cara em outras premiações, tendo, porém, até então ficado sem nenhuma estatueta. Para a cerimônia do dia 12 de março em Los Angeles, o “intruso" está nomeado em nada mais nada menos do que nove categorias. Uma história já laureada no passado, quando o longa dirigido por Lewis Milestone arrebatou os Oscares de Melhor Filme e de Melhor Diretor em 1930, ao levar para a telona a história, contada no livro de Erich Maria Remarque, sobre um jovem alemão que, aos 17 anos, se alista para defender seu país na 1ª Guerra Mundial. Uma história narrada pelos olhos do perdedor que, por meio de uma belíssima fotografia contrastando planos gerais super abertos com closes nas expressões faciais dos protagonistas, dá uma repaginada em um tema infelizmente super atual: a guerra e a perda de tantas vidas inocentes.

Alguns poucos filmes, porém, parecem ser unanimidade, como a animação Pinóquio, do mexicano Guillermo Del Toro, que já levou o Globo de Ouro, o Critics Choice e o BAFTA. Um exemplo perfeito do uso sa velha fórmula "arte + tecnologia" para discutir temas da atualidade: guerra, fortalecimento da extrema direita, ética, imperfeições, expectativas e tantas coisitas más.

Saiba mais sobre a autora

*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (51ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Banco Central e taxas de juros no governo Lula serão debatidos em live da FAP

Alvos de recentes polêmicas, a autonomia do Banco Central do Brasil e o seu papel de fixação das taxas de juros serão debatidos em live da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), na segunda-feira (27/2), das 18h às 19h. Economistas discutirão o assunto durante o evento online, que será aberto ao público e terá transmissão em tempo real no site e redes sociais da entidade.

https://www.youtube.com/watch?v=LJQ1xf7Lbds

Participarão da live os economistas Benito Salomão, doutor em economia e pesquisador; Larissa Chermont, doutora em Ciências do Desenvolvimento Socioambiental e professora de economia na Universidade Federal do Pará (UFPa); e José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia.

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Também têm participação confirmada na live o doutor em economia Mário Ribeiro, professor da UFPa e ex-presidente do Banpará (Banco do Estado do Pará); e a ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) Aspásia Camargo. Ela também é doutora em sociologia e ex-secretária-executiva do Meio Ambiente no governo FHC (Fernando Henrique Cardoso).

A live será mediada pelo presidente estadual do Cidadania no Pará, o ex-deputado federal Arnaldo Jordy. O público poderá acompanhar o debate online pelo site da fundação, pela página da FAP no Facebook e pelo canal da entidade no Youtube.

Polêmica

O assunto ganhou ainda mais relevância nas últimas semanas depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticar a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de manter a taxa de juros a 13,75% pela quinta vez seguida. Segundo ele, a decisão influencia no crescimento do país.

A guerra entre favoráveis e contrários ao presidente se acirrou também depois de ele afirmar que iria cobrar o Banco Central . Lula ainda chamou a independência da instituição de "bobagem".

Além da fixação da taxa de juros, o Banco Central é responsável pela emissão de moedas e atuação no câmbio e em modalidades como controle de garantias – depósitos compulsórios e mais).

A independência do Banco Central, discutida por mais de 30 anos, ocorreu para evitar interferência política nas decisões econômicas, além de intercalar os mandatos do presidente da instituição com o do presidente do país.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por exemplo, fica no posto até o fim do ano que vem, no meio do governo Lula. Ele tomou posse no cargo em fevereiro de 2019, logo após reunião privada com o então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), dentro do Palácio do Alvorada.


Tragédia em São Sebastião, em São Paulo | Foto: Nelson Almeida AFP

Nas entrelinhas: A tragédia de São Sebastião e a sagração de Lampião

Luiz Carlos Azedo/Entrelinhas/Correio Braziliense*

A tragédia causada pelas chuvas torrenciais em São Sebastião e adjacências, no litoral norte de São Paulo — provocada pela degradação ambiental nas encostas da Serra do Mar e pelas mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, para o qual contribui fortemente o desmatamento da Amazônia —, foi como uma ducha de água fria em pleno carnaval. Não desanimou os foliões de raça, principalmente nos grandes centros carnavalescos, mas mexeu com quase todos, pelo drama humano que estamos vivendo e a certeza de que o planeta realmente está passando por eventos climáticos desastrosos, que aumentam de escala a cada ano.

O episódio serviu para nos mostrar a grande diferença entre os governos atual e anterior, negacionista do aquecimento global. Ao contrário do comportamento do ex-presidente Jair Bolsonaro durante a tragédia ocorrida em Santa Catarina, em dezembro passado, na segunda-feira de carnaval, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a base naval de Aratu, na Bahia, onde passava os dias de carnaval, para vistoriar os estragos, confortar a população e coordenar a ação de seu governo junto ao governo paulista e à prefeitura da cidade. Além da empatia com os flagelados, Lula demonstrou disposição de trabalhar com um adversário político, o governador Tarcísio de Freitas (PR), para tratar do que é mais importante: o socorro às vítimas e a recuperação da infraestrutura da região, principalmente a Rio-Santos, cujo tráfego foi interrompido.

Vendo as cenas pela tevê, lembrei-me do último filme de Akira Kurosawa, Depois da chuva, concluído postumamente. Todo o roteiro, a escalação do elenco e pré-produção foram realizados com o diretor em vida. Ao falecer, em setembro de 1998, aos 88 anos, seu filho ofereceria a direção para seu assistente, Takashi Koizumi, que a agarrou com as duas mãos. Ilhei Misawa (Akira Terao) é um ronin em busca de emprego, que vive o dilema de lutar ou não por dinheiro. Ao lado de sua mulher, Tayo Misawa (Yoshiko Miyazaki), é obrigado a parar em uma pequena hospedaria, porque o rio que deveria atravessar transbordou.

A chuva impede que as pessoas saiam para trabalhar, sobretudo carregadores e artistas errantes. Demorará dias até que o leito do rio volte ao normal e seja possível atravessá-lo novamente, o que gera uma crise social, devido à falta de alimentos e aos desentendimentos que surgem quando o egoísmo e o altruísmo estão em confronto aberto diante da escassez. O humanismo de Kurosawa transborda na tela, ao final do filme: quando a chuva passa, o ronin vai às compras e volta com os mantimentos para alimentar os demais abrigados. A comida farta muda da água para o vinho o comportamento das pessoas, que celebram a vida.

A analogia surge por causa das notícias de que, ao lado da grande mobilização dos órgãos públicos e dos voluntários da Defesa Civil, há uma grande demonstração de solidariedade entre os moradores e da população paulista, por meio de doações de água potável, alimentos, roupas, colchões e cobertores para os desabrigados. Infelizmente, também foram registrados saques aos caminhões que transportavam essas doações, talvez por necessidade, muito provavelmente por banditismo mesmo. Vimos também um governo federal preocupado com os mais necessitados, trabalhando de forma coordenada. Ontem mesmo, o presidente Lula já estava em Brasília, liderando seus ministros.

Carnaval da Imperatriz

Mas vamos falar de carnaval. A Imperatriz Leopoldinense venceu o desfile de escolas de samba do Rio de Janeiro pela 10ª vez, depois de um jejum de 22 anos, com o enredo “O Aperreio do Cabra que o Excomungado Tratou com Má-querença e o Santíssimo não Deu Guarida”. Fez um desfile praticamente perfeito, que contou a saga de Lampião no contexto do Nordeste da década de 1920. A Imperatriz trouxe Matheus Nachtergaele e Regina Casé como Lampião e Maria Bonita, respectivamente, mas o grande destaque foi a filha do casal, Expedita Ferreira da Silva, na última alegoria, que celebrava a herança cultural de Lampião. Com 90 anos, também desfilou na Mancha Verde, no domingo, em São Paulo.

Com três mil componentes divididos em 24 alas, com cinco carros alegóricos, a Imperatriz resgatou a vida de Lampião e seu bando no imaginário popular nordestino, com seus beatos, repentistas, cordelistas, carpideiras e mamulengos. O carnavalesco Leandro Vieira desenvolveu um enredo inspirado nas histórias delirantes de cordéis nordestinos, nosso realismo fantástico, que falam da chegada do cangaceiro Lampião ao céu e ao inferno: A Chegada de Lampião no Inferno, O Grande Debate que Teve Lampião com São Pedro e A Chegada de Lampião no Céu.

Lampião é um mítico anti-herói do nosso cangaço. Na década de 1960, o historiador inglês Eric Hobsbawn incluiu Lampião entre um grupo de criminosos “sociais”, porém se baseou mais nas lendas do que nos fatos, como ele próprio admitiu. Para Alberto Passos Guimarães, foi um fenômeno do banditismo das “classes perigosas”. O cangaço serviu de inspiração para obras como Grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa; o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna; e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha. Produto da miséria, das injustiças sociais e da violência nos sertões nordestinos, Lampião foi glamorizado pela cultura popular, assim como o ronin de Kurosawa.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-tragedia-de-sao-sebastiao-e-a-sagracao-de-lampiao/