Luiz Gonzaga Marchezan / Revista Política Democrática Online
Ataque dos cães, de início, conta com um movimento da narrativa que chama a atenção do espectador porque instala um pacto solitário de um filho, Peter (Kodi Smit-McPhee), de proteção à mãe, Rose (Kirsten Dunst), sinalizado como um motivo que ganhará força figurativa na história do filme.
Peter quer cursar medicina; no momento, estuda anatomia em animais (coelhos e bezerros mortos por lobos ou peste) e demonstra coureá-los com eficiência. Mora com a mãe, recém-casada, numa fazenda de gado do padrasto, George, e do irmão deste, Phil (Benedict Caumberbatch).
Phil também é coureiro, tem uma oficina em seu celeiro, bem equipada para seus feitos com o couro de abates do seu rebanho, que ele mesmo curte.
Acontece que Phil nutre compulsivo desprezo pela cunhada, o que ativa, silenciosamente, o pacto do filho de proteção à mãe, à medida que a percebe abalada pelas humilhações que o cunhado lhe impinge. Algo que se acirra quando Rose doa couros curtidos por Phil a um indígena, que vive do artesanato e, no momento, não tem matéria-prima para o seu trabalho. Phil vê em tal atitude da cunhada gesto de alguém para ele desprezível e com intenções de disputar um lugar de mando na propriedade, algo que consente compartilhar somente com o irmão. Tal situação empurra-o a humilhá-la intensamente.
Assim, tais circunstâncias vividas passam a exigir da narrativa um desenlace diante do que foi pactuado por Peter e dito de início, acerca da sua função como escudo protetor da mãe, ação que ele, sutilmente, passa a desenvolver aos olhos do espectador ao oferecer a Phil couro que ele curtira; no entanto, sabidamente visto como infectado com o vírus do antraz, o que levará Phil à morte por contaminação.
O filme, que é de Jane Campion, desenvolve uma narrativa econômica para debater intolerâncias entre comportamentos, modos de viver e de ser, num belo cenário de pastagens com as montanhas de Montana circundadas por pequenas estradas, bem cuidadas para o tráfego dos automóveis do início dos anos do século XX. A paisagem encontra-se também sob nova medida: não sustenta um espaço de proteção, confronto ou fuga, mas de clareza.
O cinema conta com modos de produção e recepção que lhe permitem, meticulosamente, calcular, harmonizar, dar volume a valores, sentimentos, emoções que impactam o espectador no curso de hora e meia. Cálculo e harmonia são medidas de beleza das artes, tratamento dado por Jane Campion aos significados associados ao couro e distribuídos, sob medida, para traduzirem o confronto silencioso entre Phil e Peter; o primeiro, como um paciente artesão e rude criatura; o segundo, como um indivíduo frágil, mas uma couraça, um escudo protetor da mãe.
*Luiz Gonzaga Marchezan é mestre em Letras (1987), pela UNESP, Doutor em Letras (1994), pela FFLCH-USP, e Livre-docente em Teoria da Literatura (2019), pela UNESP-Ar., à qual se vincula como Professor Associado do Departamento de Linguística, Literatura e Letras Clássicas, do Curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Seus principais interesses de pesquisa e suas publicações situam-se no domínio das relações intersemióticas manifestadas no texto literário, especialmente, no conto contemporâneo e na ficção regionalista nacional.
**Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro/2022 (40ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
***As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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