Quem vencer a eleição presidencial de hoje terá que governar um país fraturado. Além da tarefa gigantesca de redirecionar o país para fora da crise econômica e em direção ao futuro, recuperando a confiança de investidores e parceiros comerciais, o novo presidente terá de provar que reúne não apenas os votos, mas também a esperança dos brasileiros.
O presidente, que sairá das urnas com pouco mais da metade dos brasileiros ao seu lado, dificilmente conseguirá convencer a outra metade com o discurso do “governarei para todos”. Não importa se Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad, quem for eleito hoje terá enorme dificuldade para reconstruir todas as pontes dinamitadas ao longo da campanha e atrair o outro lado.
Bolsonaro passou a vida atacando a esquerda e a todos os que não se alinhavam com suas convicções de extrema direita. Como petistas conseguirão superar a bravata que o candidato fez no Acre, ao dizer que iria “metralhar a petralhada”? Tampouco será esquecido o discurso para a militância em que o capitão ameaçou prender e banir “os vermelhos”. Suas ofensas pessoais a membros de partidos de esquerda também serão sempre lembrados.
Nas ruas, uma minoria sentiu-se empoderada e passou a agredir até fisicamente militantes do outro lado. Pelo menos um petista foi assassinado em razão da sua preferência política. Amparados pelo discurso do líder, eleitores de Bolsonaro mais barulhentos passaram a dizer coisas absurdas nas redes sociais, algumas que já foram até mesmo tipificadas como crime. Ofensas a minorias, gays, índios, negros e também a mulheres fizeram parte de sua retórica de difícil cicatrização.
Do outro lado, Haddad e o PT atravessaram a campanha chamando Bolsonaro de fascista, nazista, homofóbico. Todos os candidatos que se aliaram ou foram eleitos ancorados no nome do candidato do PSL foram engolfados pelo discurso petista. A militância, menos compromissada e mais descuidada que o candidato, ultrapassou o limite e passou a se referir também aos eleitores do adversário como fascistas e nazistas.
Reaproximar estes dois polos será a mais árdua missão do presidente que conheceremos hoje. Não é fácil vislumbrar Bolsonaro convencendo eleitores de Haddad e tampouco Haddad cativando os anti-petistas que apoiaram o capitão. Quem sair vencedor das urnas esta noite terá sido democraticamente eleito e deveria merecer o respeito e as felicitações dos derrotados. Seria assim num país menos dividido que o nosso. Já foi assim no Brasil.
Desde a redemocratização, apenas um presidente eleito começou seu mandato sendo odiado pela porção do país que derrotou. Foi Fernando Collor, que atacou Lula abaixo da linha da cintura durante a campanha. Claro que Collor também colaborou e ampliou o ódio contra ele entre os seus próprios eleitores ao confiscar a poupança dos brasileiros.
Fernando Henrique, Lula e mesmo Dilma foram eleitos e iniciaram seus mandatos em paz. Lula teve forte oposição no episódio do mensalão e Dilma acabou cassada no caso das pedaladas fiscais. Apesar de os dois episódios estarem amparados pela lei e pela Constituição, Lula nega a existência do mensalão, e os petistas chamam de golpe o impeachment de Dilma. Foi aí que nasceu no petismo o estado de ódio, que em Bolsonaro cresce desde o seu primeiro mandato de deputado.
Embora sejam remotas as chances de sucesso de uma tentativa de reunião dos brasileiros, os dois candidatos juraram nestes últimos dias que querem pacificar o país. Bolsonaro disse na sexta-feira que fará um “governo de conciliação”. Haddad, também na sexta, pregou “um governo de união nacional”. Por sorte, o eleito vai ter obrigatoriamente de buscar esse objetivo. Caberá ao novo presidente reduzir o ódio que ele mesmo construiu entre os seus adversários. Qualquer movimento que faça nesse sentido amenizará o clima político que promete ser muito tenso nos próximos quatro anos.