Ascânio Seleme: Um homem cada vez mais só

Este é o momento de maior isolamento de Jair Bolsonaro desde o dia 18 de fevereiro de 2018, quando iniciou sua caminhada para a solidão com a demissão de seu primeiro ministro, Gustavo Bebiano da Secretaria-Geral da Presidência.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Este é o momento de maior isolamento de Jair Bolsonaro desde o dia 18 de fevereiro de 2018, quando iniciou sua caminhada para a solidão com a demissão de seu primeiro ministro, Gustavo Bebiano da Secretaria-Geral da Presidência. Aos poucos, mas com uma determinação impressionante, que parece um auto flagelo deliberado, o presidente foi construindo muros e destruindo pontes de modo a ficar praticamente ilhado. Hoje, além dos seus três zeros, de alguns ministros que se identificam ideologicamente com ele, dos puxa-sacos habituais e dos que ganharam uma boquinha no governo, Bolsonaro não tem com quem contar. Nem com os seus generais.

Não vale citar a turma desvairada das redes sociais. Muita gente ali nem gente é, todos sabem como funcionam os robôs do bolsonarismo, e com que velocidade. Os alucinados que vão às ruas com cartazes contra o STF e o Congresso tampouco importam neste cálculo. No Congresso, o centrão se aproxima, mas basta um vento leve para fazê-lo mudar de direção. O pragmatismo desse agrupamento político é que o orienta. Vai sugar o que for possível do governo, mas sem se comprometer com o seu fracasso.

O presidente nem partido tem. Ao romper com o PSL, arrumou uma dúzia de novos desafetos com mandatos federais. Está cada vez mais claro para quem faz política partidária que não vai ser fácil para Bolsonaro recompor sua base, que já era pequena, mesmo distribuindo ministérios, diretorias de estatais e de autarquias, contrariando frontalmente a sua mais importante promessa eleitoral, de não entrar no jogo de troca cargos por apoio político. No caso, aliás, o que Bolsonaro busca não é apoio para governar, mas sim para não cair antes do fim do seu mandato. Para governar, o presidente precisaria do apoio de 257 deputados. Para barrar seu impeachment, bastam 172.

Bolsonaro perdeu esta semana a cumplicidade dos generais do Palácio. Embora continuem no governo, dando suporte administrativo ao presidente, Heleno, Braga e Ramos não topam defender os malfeitos dos filhos. A prisão de Fabrício Queiroz disparou o alarme. O caso é grave e tem desdobramentos que podem chegar ao presidente, embora legalmente ele seja inalcançável. Mesmo que ele e sua mulher sejam incriminados em razão do dinheiro que Queiroz depositou na conta de Michelle, o crime terá sido cometido fora do mandato e Bolsonaro só terá de se explicar à Justiça depois de terminado o seu mandato. Ainda assim, os generais preferem não se misturar com essa bagunça.

Com a prisão de três dos 30 que se intitulavam 300, sumiram os parcos apoiadores mais barulhentos. Restam os que rasgam dinheiro e carregam faixas pela intervenção militar, mas estes também são poucos e, como já dito, importam tanto quanto uma garrafa vazia. Bolsonaro tem ainda as milícias. Estas serão suas enquanto ele estiver ajudando. Embora sejam agradecidas por portarias como a que suspende as normas de rastreamento de armas no país, as milícias podem se afastar do capitão caso ele se torne um problema tão grande que acabe jogando luz sobre a sombra em que praticam suas atividades ilegais. Outra vez o alarme de Queiroz.

Finalmente, pesquisas mostram que o presidente tem 30% de apoio popular. Este é o número mágico no qual ele se agarra para tentar provar que vai bem. O problema é que do outro lado estão os 70% que não o apoiam. Bolsonaro está se isolando na medida em que permite absurdos como os cometidos por Abraham Weintraub, que foram esquentando e aumentando até que sua permanência no ministério se tornasse insustentável. A situação do presidente é muito grave, e ao final ele pode não ter com quem contar.

Quem É o manda-chuva?
A pose arrogante e desafiadora de Abraham Weintraub diante de um Jair Bolsonaro contido e visivelmente desconfortável aparentemente queria mostrar quem manda na casa. O anúncio da demissão do estrupício do Ministério da Educação foi feito pelo próprio. Ele disse também que vai preparar a transição para um novo ministro, que ainda não sabe se será permanente ou interino, e avisou que vai para o Banco Mundial, com salário de R$ 100 mil por mês. Como no vídeo o demitido parecia ser Bolsonaro, o ato apenas serviu para explicitar quem é o manda-chuva. Trata-se do chefe do estorvo, que nunca foi Bolsonaro, mas sim Olavo de Carvalho, o terraplanista de Richmond que deve indicar o substituto.

Foi péssimo, mas pode piorar
Weintraub foi o pior ministro da Educação de todos os tempos. Nunca na História desse país viu-se tamanho disparate na gestão da Educação brasileira. O ministro demitido foi um zero, um nada, um coisa nenhuma. O setor passou os últimos 14 meses paralisado com Weintraub, ultrajado pelos seus métodos, estupefato pela sua ignorância e pelo tamanho da sua incapacidade. Já que no Brasil o que é ruim sempre pode piorar, não custa esperar pelo seu substituto. E como quem deve nomeá-lo é o homem que mandou Bolsonaro enfiar suas medalhas naquele lugar, é bom estar preparado para qualquer coisa.

‘Armistício patriótico’
Talvez o objetivo do novo ministro das Comunicações, Fábio Faria, tenha sido sensibilizar o Congresso Nacional ou o Supremo Tribunal Federal. Com certeza foi essa a impressão que deve ter causado em Bolsonaro, seus zeros e sua turma mais próxima ao pregar um “armistício patriótico”. Agora, francamente, o que Congresso e Supremo poderiam fazer para atender ao pedido do ministro? O STF teria de suspender todas as ações contra os criminosos amigos e familiares do presidente? Ou o Congresso precisaria abaixar a cabeça e deixar passar todas as barbaridades oficiais, como a MP dos Reitores? A recomendação de Faria, na verdade, só cabe ao presidente da República. Mesmo assim, parece que a sugestão chegou tarde. Bolsonaro já cometeu crimes demais para assinar qualquer armistício.

Que isso, doutora?
A delegada Denisse Dias Rosas deve ser afastada do grupo que investiga as ações dos bolsonaristas determinada pelo STF. Será o mínimo que a instituição pode fazer por causa do pedido que ela fez ao ministro Alexandre de Moraes para “postergar” uma ação contra o grupo para não trazer “risco desnecessário à estabilidade das instituições”. Uma delegada tem todo o direito de sugerir alternativas ao juiz de uma causa por questões objetivas, nunca em razão de uma reflexão política. Pode recomendar o adiamento de uma operação por ter recebido dados de inteligência que recomendam cautela ou pela falta desses dados. Ou por causa da chuva. Mas não porque o presidente está irritado com a PF e a hora não é boa. Convenhamos. A delegada deve seguir a carreira sentada atrás de uma mesa no almoxarifado da corporação.

Demissão exemplar
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, não é mocinho. Não se pode dizer que é bandido, ainda é cedo, mas mocinho ele não é. Feita essa ressalva, é preciso aplaudir o governador pela demissão do coronel Sérgio Luiz Ferreira de Souza, subcomandante que ocupava o comando da PM do DF em razão da ausência do titular hospitalizado. O militar se omitiu, segundo Ibaneis, ao não impedir que os cretinos do grupo 300, que nunca passaram de 30, soltassem rojões sobre o STF. É preciso colocar algum freio nas PMs nestes dias, impedir que um viés ideológico se infiltre e acabe influenciando decisões de segurança. A demissão do coronel foi exemplar.

Avisa a mãe
Coisa mais fofa. Preso, Fabrício Queiroz usou o seu direito de dar um telefonema para ligar para casa. Falou com a filha, disse que foi preso e deu a orientação: “Avisa a mãe”. Claro que se tratava da uma senha. Poderia ter dito “avisa a mãe que me ferrei e manda ela fugir”. Márcia Aguiar, mulher de Queiroz, é “bem conectada” e pode estar longe uma hora dessas. O Ministério Público, segundo O GLOBO, baseou seu pedido de prisão de Queiroz e Márcia nas negociações da mulher com a milícia do Rio para um plano de fuga dela e do marido. Aliás, já foi dito aqui, a milícia é uma das poucas “forças” que ainda não abandonaram Bolsonaro, seus filhos e seus amigos.

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