Ascânio Seleme: O traficante e o presidente

Onde estava o serviço de segurança do Palácio do Planalto que não conseguiu enxergar um dos maiores, se não o maior, traficantes de armas do Rio morando a cem metros do presidente Jair Bolsonaro?
Foto: Carolina Antunes/PR
Foto: Carolina Antunes/PR

Onde estava o serviço de segurança do Palácio do Planalto que não conseguiu enxergar um dos maiores, se não o maior, traficantes de armas do Rio morando a cem metros do presidente Jair Bolsonaro? Parece impossível ter ocorrido, mas ocorreu. Bolsonaro foi o candidato mais votado no primeiro turno, em seguida eleito presidente, e nenhum agente da Presidência bateu na porta do ex-sargento Ronnie Lessa para tomar informações? Pelo jeito, a segurança não deve ter averiguado nenhum dos vizinhos do presidente eleito. Se averiguou, apenas ouviu e nada checou.

Não conheço outras palavras para designar esse tipo de conduta que não descaso e incompetência. Alguém consegue imaginar este nível de insegurança ser oferecido a Donald Trump, Emmanuel Macron ou a Theresa May? Ou a um hermano como Mauricio Macri ou Sebastián Piñera? Nunca, em tempo algum, um presidente americano seria submetido a este risco. Imaginem Ronald Reagan morando a cem metros de Pablo Escobar. Nos EUA, a varredura da vizinhança ocorre ainda na campanha eleitoral. O FBI dá proteção total ao candidato que pode ser eleito presidente do país.

No caso de Bolsonaro, a atenção deveria ser redobrada, já que pouco antes ele fora alvo de um atentado. Ao ir para o segundo turno, todo seu entorno deveria ser checado, rechecado e higienizado. Se isso tivesse sido feito, Ronnie Lessa teria sido preso ainda em outubro do ano passado. Se não preso, ao menos isolado e investigado para se entender como um sargento reformado com salário de R$ 6 mil poderia ocupar aquela casa. A única explicação seria o próprio Bolsonaro dizer que Ronnie era amigo, e a segurança não precisava se preocupar. Como ninguém acredita nesta hipótese, pode-se tratar o episódio como de incompetência aguda.

As autoridades do Ministério Público e da polícia sabem que, ao prender Ronnie Lessa, não chegaram apenas ao assassino da vereadora Marielle Franco; alcançaram também um megatraficante de armas que há anos abastecia o crime organizado e as milícias do Rio. Além de explicações da segurança presidencial, outras questões deverão ser respondidas no decorrer da investigação. A primeira e mais importante delas, por que um executivo do tráfico de armas do porte de Ronnie Lessa agiu pessoalmente no assassinato de Marielle?

É preciso saber quantas pessoas Ronnie Lessa já executou e entender qual o critério que ele usava para agir pessoalmente como na morte da vereadora. Os responsáveis pelas investigações também precisam descobrir quantas armas em quantos carregamentos Ronnie já trouxe para o Rio. Quais as rotas que usava e quem lhe dava apoio. Tão importante quanto saber quem mandou matar Marielle é saber o modo de operação da super quadrilha do ex-sargento.

Um homem feliz
Não há pessoa mais feliz hoje no Rio de Janeiro que o ex-senador Lindbergh Farias. Denunciado por ter supostamente recebido R$ 4,5 milhões em vantagens indevidas da empreiteira Odebrecht nas campanhas eleitorais de 2008 e 2010, Lindbergh seria objeto de um escrutínio semelhante a de outros políticos que foram julgados na Justiça comum, alguns pela Lava-Jato. A maioria foi condenada, e muitos estão presos, como o ex-presidente Lula. Graças à decisão do STF de mandar para a Justiça Eleitoral todos os casos que possam ser identificados como caixa 2, o ex-senador pôde respirar aliviado. Seu caso foi mandado para o TRE do Rio. Ufa, deve ter dito o indigitado.

O ex-senador sabe, como explicou ontem ao GLOBO o procurador Rogério Nascimento, que a Justiça Eleitoral não tem meios nem quadros para fazer uma eficiente investigação sobre as denúncias de corrupção que pesam contra ele. Justiça Eleitoral serve para fiscalizar e organizar eleições, para tomar medidas urgentes durante o pleito e evitar crimes como boca de urna ou abuso do poder econômico. Nunca para investigar, no nível de acuidade necessário, caso como o de Lindbergh, onde supõe-se que favoreceu a Odebrecht durante suas gestões na prefeitura de Nova Iguaçu para receber propinas usadas em campanhas.

Alguém tem dúvida de que a decisão do STF de mandar para a Justiça Eleitoral casos de caixa 2 abre um enorme flanco no combate à corrupção? Lindbergh não tem.

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