Não se pode negar que Nelson Teich tem um bom currículo. Seu problema é o “alinhamento completo” que disse ter com o presidente Jair Bolsonaro
Não se pode negar que Nelson Teich tem um bom currículo. Até porque, como ele próprio fez questão de lembrar na reunião em que foi convidado para o Ministério, estudou em Harvard. Aliás, parece que todo ex-aluno de Harvard precisa dizer nos primeiros dez minutos de conversa com uma pessoa que acaba de conhecer que estudou naquela universidade americana. Por isso, pelo currículo, que além da medicina tem graduações e mestrados em economia, gestão e negócios da saúde, Teich tem tudo para ser um bom ministro da Saúde. Seu problema é o “alinhamento completo” que disse ter com o presidente Jair Bolsonaro.
Não é possível se produzir uma boa gestão da epidemia do coronavírus usando o mesmo caminho de Bolsonaro. Ao contrário do que afirma, o presidente tem uma visão reduzida do cenário. Ele nega a importância da crise sanitária em favor da economia. Diz ter uma visão mais ampla do que os ministros que estão focados nas suas pastas enquanto ele pensa no todo. Não é verdade. No caso da saúde, Bolsonaro acha que o coronavírus pode gerar em pessoas como ele apenas uma “gripezinha”, desrespeita regras de distanciamento social de maneira deliberada e insiste em reabrir já a economia.
Se Teich seguir este caminho e sair por aí abraçando pessoas, cobrando de prefeitos e governadores a reabertura do comércio e debochando do vírus, o colapso hospitalar será inevitável. Claro que ele não chegará a este ponto, apesar do anunciado alinhamento total com Bolsonaro. Até porque, para seu constrangimento, o próprio presidente lhe pediu que seja um meio-termo entre ele e o demitido Luiz Henrique Mandetta, como se dissesse “nem tanto ao mar, Teich”.
No seu discurso de posse, o novo ministro voltou a repetir o óbvio. Falou que o combate ao vírus será mais eficiente se baseado em informações, o que cansou de repetir o seu antecessor. Disse que precisa do apoio dos outros ministérios para conduzir o seu, o que já vem sendo feito desde que, para tirar o protagonismo de Mandetta, Bolsonaro transferiu para o Palácio a coordenação dos trabalhos. Falou em formar time de qualidade, enquanto o que mais se ouviu nesses últimos dias foram elogios à equipe técnica do ministério.
Na véspera, ao ser apresentado, Nelson Teich disse que era hora de trazer boas notícias para os brasileiros. E deu um exemplo do que seria uma boa notícia: o número de casos de pacientes que se curam no Brasil. Apesar de esses dados já serem distribuídos pelo ministério (o último boletim informa que 55% dos infectados pela Convid-19 já se recuperaram), a proposta do ministro revela uma outra questão, talvez mais importante. Teich utiliza a boa notícia como Bolsonaro abusa do negacionismo. Ambos levam ao mesmo lugar, o relaxamento do distanciamento social.
“Temos que trabalhar dando confiança às pessoas”, disse Teich no discurso de posse. O que isso quer significar? O próprio Teich explicou que as pessoas estão em pânico e é preciso reduzir a sua ansiedade. Como se fosse um psicanalista, sugeriu que lhe cabe “administrar o comportamento da sociedade”. Disse que pode restabelecer a confiança da população oferecendo a ela informações, acrescentando que o desconhecimento gera o achismo. E então, sem nenhum detalhe ou dado complementar, fez o seu achismo particular ao anunciar que um novo antiviral está sendo estudado que pode resultar num remédio contra a doença.
O discurso do novo ministro atende à retórica presidencial em favor da reabertura da economia. Ele não é explícito, obviamente. Mas pode-se ler essa intenção nas entrelinhas das suas duas falas. Não é tarefa de um ministro da Saúde no auge do combate a uma pandemia letal como a do coronavírus gerar boas notícias, administrar a ansiedade das pessoas ou criar confiança na população. Ao contrário, talvez o medo seja o melhor companheiro nessa hora, porque segura as pessoas em casa. Também não lhe cabe gerar expectativas em torno de novo medicamento que está sendo estudado e do qual ele não sabe mais nada.
De todo modo deve-se registrar que Teich é um bom médico e muito provavelmente pensa sempre no melhor para o seu paciente. No discurso de posse disse que é importante dar atenção aos mais frágeis e que as pessoas estarão sempre em primeiro lugar. O grande problema é o anunciado alinhamento completo com o presidente, que pode ser perigoso. Mas poderia ter sido pior. Imagine se o escolhido fosse o deputado Osmar Terra.
Louco ou Psicopata?
Merval Pereira disse que Bolsonaro é louco. Ruth de Aquino discordou e o chamou de psicopata. Metendo minha colher no debate dos colegas, acho que não é nem uma coisa nem outra. Ele não é insano mas tampouco tem método. Bolsonaro é um perverso. Identificado por Freud em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, de 1905, o perverso mantém na vida adulta uma sexualidade infantil, edipiana. Em conflito interno permanente, ele segue uma vida aparentemente normal enquanto, ao mesmo tempo, mantém comportamentos considerados inaceitáveis pela sociedade. Só isso explica sua busca por aglomerações humanas em meio a uma pandemia.
Aliás
Bolsonaro iniciou seu discurso na posse de Nelson Teich com uma frase que só os muito amigos conseguiram entender e explicar. “Hoje é dia de alegria!”, sentenciou o presidente ao transferir o comando da saúde nacional no meio da maior crise sanitária dos últimos cem anos. Àquela hora, o Brasil já contabilizava oficialmente mais de 2 mil mortos e acima de 30 mil infectados. E ainda riu e fez gracinha com alguns convidados para só então tratar da coisa séria.
Abrir fronteiras
No mesmo discurso, o presidente reiterou seu desejo de acabar imediatamente com o isolamento social e fazer a economia reagir. A certa altura disse que era hora de reabrir as fronteiras. E indagou: “Por que a fronteira com o Paraguai está fechada? Tem que abrir”, afirmou sua excelência. Não dá, presidente. Foi o Paraguai que a fechou e, a certa altura, impediu que até mesmo paraguaios retidos no Brasil entrassem de volta para casa.
Tecnologia pra quê?
O pessoal que produz efeitos especiais digitais para redes sociais e os técnicos e engenheiros que fazem aquelas deep fakes, em que reproduzem falas falsas sobre imagens reais de pessoas com sincronia incrível, estão preocupados com o seu negócio no Brasil. É que na terra de Jair tem gente que acredita em tudo. Não importa o tamanho do absurdo ou da incoerência, para conseguir um certo conforto ideológico as pessoas não apenas levam essas baboseiras a sério como as compartilham. Pra que tecnologia?
Tudo para dar certo
Bolsonaro repetiu na quinta-feira o discurso do ministro Paulo Guedes: “O Brasil tinha tudo para dar certo”, disse salientando que a economia dava sinais de rápida recuperação. Guedes disse, há mais ou menos um mês, que a economia brasileira “estava decolando” quando foi alcançada pela megacrise do coronavírus. Será? Não era o que diziam os analistas. Aliás, o ministro da Economia já havia dito no início do governo Bolsonaro que com a aprovação da reforma da Previdência o crescimento seria bárbaro e haveria de jorrar empregos no Brasil. Pois é.
Guerra pós-corona
A vida nunca mais será a mesma. No plano pessoal, é muito possível que o isolamento social de hoje gere insegurança futura, tornando algumas pessoas mais egoístas e reservadas. Na economia, o mundo será outro. Ou você acha que as relações comercial e política dos Estados Unidos com a China voltarão à normalidade? Muito difícil, mas se ocorrer não será sob Trump. Só Binden pode salvar a desgastada relação entre os dois gigantes depois do coronavírus.
Isso pode?
O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército de fevereiro de 2015 até janeiro do ano passado, quando deixou o serviço público, mora numa casa oficial no Setor Militar Urbano de Brasília. Um general da reserva morar num próprio nacional é como um ex-deputado continuar num apartamento funcional depois de terminado seu mandato.
Osmar Terra
Corrigindo informação publicada no meu artigo de quinta-feira. O zap do deputado Osmar Terra dizendo que os números da epidemia estavam desabando em São Paulo foi para Flávio, e não para Eduardo Bolsonaro. Era a última e desesperada tentativa do ex-médico de ganhar do papai do Zero Um a vaga de Luiz Henrique Mandetta. Não funcionou. Mentira tem perna curta.