A nação assistiu estarrecida ao vídeo da fatídica reunião ministerial que culminou na demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro
A nação assistiu estarrecida ao vídeo da fatídica reunião ministerial que culminou na demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro. Foi um festival de barbaridades e palavrões capaz de fazer corar até mesmo Celsinho da Vila Vintém. Tão grave quanto a reunião, ou até mais, foi a nota do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, que ameaçou o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, e de resto todo o país, numa defesa despropositada do presidente Jair Bolsonaro. Foi a declaração mais acintosamente antidemocrática de um general desde o fim da ditadura, há 35 anos.
A nota de Heleno, sugerindo uma instabilidade nacional no caso da apreensão do celular de Bolsonaro, é tão absurda que enterra de uma vez por todas a aura de democrata que o general tenta mostrar. Como uma biruta que sopra de acordo com o vento, dois dias antes ele afirmara que não haverá golpe no país. Claro que não haverá. Estamos tratando de um aloprado, com certeza. Mas um aloprado com propósito. No mínimo, Heleno queria atrair para si a atenção do dia, toda voltada para o vídeo da reunião ministerial. No limite, queria constranger ou assustar um ministro do STF, tentando subverter sua vontade, a vontade da Justiça.
O fato é que a nota é uma ameaça ignóbil e deve ser tratada distintamente da questão que envolve o presidente e a intenção de interferir na Polícia Federal. Heleno deve responder pela nota absurda e ser sancionado adequadamente. O que ele fez foi igual ao que fazem os que carregam faixas pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo. Mais grave, na verdade, porque o ministro tem assento do Palácio do Planalto e, por ser um ex-chefe militar, alguma ascendência sobre outros oficiais. O biruta pregou um golpe.
Sobre a denúncia propriamente dita, não resta dúvida que Bolsonaro ameaça intervir na Polícia Federal por não receber dela informações que julga merecedor. Reclama que a instituição não o ajuda: “Eu não posso ser surpreendido com notícias, eu tenho a PF e não tenho informações.” Depois reclama também das que recebe da Abin e das Forças Armadas. Diz que prefere não ter informação a ser mal informado. A certa altura, afirma: “Não sou informado, eu vou interferir”, e olha para Moro.
Ao se referir à segurança no Rio, é óbvio que se referia à Superintendência da PF, mas não é claro o suficiente nesse ponto específico. Depreende-se essa conclusão ao se entender o todo. Como este é o ponto crucial da investigação em curso contra Bolsonaro, haverá argumento para quem quiser varrer a sujeira para debaixo do tapete. Significa que, se o procurador Augusto Aras for um mau entendedor, pode isolar a fala, dizer que dela não se consegue retirar nenhuma vontade intervencionista e engavetar o inquérito.
A reunião tem tudo aquilo que já se publicou. Mas é assustador ver e ouvir as sandices e os palavrões do presidente da República num ambiente que deveria ser de alto nível. Fala em liberdade com a mesma entonação com que ataca jornais. Fala em armar a população para impedir uma ditadura e diz que o povo armado não aceitaria o decreto de prefeitos regrando o confinamento contra o coronavírus. Um absurdo. Chama os governadores João Doria e Wilson Witzel de “bosta” e “estrume”. Diz que eles querem “nossa hemorroida”, não explicando direito o que queria significar.
Não há dúvida que quem inflama Heleno e outros ministros é o próprio Bolsonaro. Ele nunca fala baixo, grita muito e extrapola no uso de palavrões, mas isso é quase uma bobagem quando se observa o teor das suas colocações. Ele pinta o governo como se fosse um ente ungido por Deus sendo atacado por todos os lados, mas nomeia apenas a imprensa. E ameaça ministro que for elogiado pelo GLOBO ou pela Folha.
O ataque de Weintraub ao Supremo está lá, com todas as mesmas letras que escrevemos e lemos nos últimos dias. O ministro fala de modo inflamado em liberdade, sem explicar a que tipo de liberdade se referia, já que acrescenta que se dependesse dele “colocava todos esses vagabundos na cadeia, começando pelo STF”. Weintraub vira-se na cadeira apontando para a Praça dos Três Poderes. Ninguém o condena.
Festejando o quê?
A reunião de quinta-feira do presidente da República com os presidentes da Câmara e do Senado e com governadores (estes online) não seria nada mais do que um encontro importante, porém normal, se esse fosse um governo normal. Mas em se tratando de Bolsonaro, foi um sucesso que entusiasmou muita gente, dentro e fora do Palácio do Planalto. Por quê? Porque Bolsonaro não levantou a voz, não xingou, não ameaçou ninguém, comportou-se como um ser humano civilizado. Alguma coisa está muito errada quando se festeja um presidente que faz nada mais do que sua obrigação. O chato é que não vai durar.
Bobo ele não é
Curioso que o modo civilizado, para não dizer bonzinho, de Bolsonaro ocorreu no dia seguinte à divulgação de uma pesquisa em que 60% dos brasileiros dizem que seu governo é ruim ou péssimo e 76% apoiam o isolamento social contra o coronavírus. Outro fator que influenciou favoravelmente o humor do presidente foi a iminente retirada do sigilo sobre o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril. Era bom mesmo mostrar alguma inimaginável civilidade.
O uso do cachimbo
No domingo passado, dezenas de manifestantes que carregavam faixas com dizeres antidemocráticos deixaram os estandartes dentro dos seus carros antes de se agruparem na Praça dos Três Poderes para ovacionarem o capitão. Mas a coceira foi tanta que uma mulher não aguentou o novo comando do gabinete do ódio e deu uma paulada na cabeça de uma jornalista com o mastro da bandeira do Brasil que portava. É a boca torta que não consegue esconder o velho hábito da intolerância.
Oposição?
A frase que deve ter acordado o ex-presidente Lula é do filósofo e professor Luiz Felipe Pondé. “O Brasil não tem governo nem oposição”, disse Pondé numa live com o jornalista Willian Corrêa. Lula deve ter pensado “calma lá”, e rapidamente reintroduziu a oposição no festival de besteiras que assola o país (obrigado, Sergio Porto).
Restos do vídeo
Não dá para deixar passar o que falou o ministro do Meio Ambiente, o absurdo Ricardo Salles, na reunião ministerial do dia 22 de abril. Disse que era hora de aproveitar que a imprensa está ocupada com a Covid-19 para “passar de boiada” medidas que dependem apenas de parecer e caneta para “simplificar” os controles ambientais no Brasil. Parecia uma pessoa querendo cometer um crime enquanto ninguém vê. Bobagem, ministro, haverá sempre um jornalista atento aos seus movimentos.
O cientista e o sábio
O cientista Jair Bolsonaro recomenda o uso da cloroquina desde os primeiros sinais do contágio, tanto que mandou o Ministério da Saúde baixar protocolo nesse sentido, que nenhum médico assinou. O sábio Osmar Terra, que há um mês disse que o número de casos estava desabando, assina embaixo, embora ele próprio seja um ex-médico. Por sorte não estão juntos. Caso estivessem, sábio e cientista encaminhariam o país rapidamente para a beira do precipício.
Os três patetas
A última vez em que simultaneamente três oficiais generais deram as cartas no Palácio do Planalto foi entre 31 de agosto e 30 de outubro de 1969, quando uma junta militar assumiu o governo após o derrame que incapacitou o então presidente e marechal Costa e Silva. Para impedir a posse do civil Pedro Aleixo, os ministros de Exército, Marinha e Aeronáutica abiscoitaram o poder. Proibiram a imprensa de usar o termo “junta militar”, mas não conseguiram impedir que o apelido dado a eles pelo deputado Ulysses Guimarães ganhasse até os livros de História. O almirante Augusto Rademaker, o general Aurélio de Lira Tavares e o brigadeiro Márcio de Sousa e Melo ficaram conhecidos como “Os três patetas”. Eram outros tempos, hoje o pateta do Palácio tem patente inferior.
Nem o mdb
Você percebe que está mal quando convida o MDB para o seu governo e o partido gradece dizendo que neste momento prefere manter a sua “independência”.