Bolsonaro usou argumentos absurdos para tentar desmontar a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que a demissão do diretor-geral da PF serviria para poder controlar investigações
Rodeado por todos os seus ministros, para demonstrar uma força que ele já não tem, o presidente Bolsonaro usou argumentos absurdos para tentar desmontar a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que a demissão do diretor-geral da PF serviria para poder controlar investigações em curso na instituição e que podem chegar aos seus filhos e ao seu gabinete. Foi patética a afirmação de que demitiu o diretor-geral da Polícia Federal porque ele estava cansado. Maurício Valeixo estava cansado, sim, mas da pressão de Bolsonaro. Argumentou também que a PF não investigou “quem mandou matar Bolsonaro”. Oras, já foi esclarecido que Adélio Bispo é um lunático. Por fim, e mais importante, afirmou que Moro disse topar a demissão de Valeixo, mas apenas depois de ser nomeado para o Supremo.
Alguém acredita nessa história? Só os mais fanáticos defensores de Bolsonaro acreditarão que um ministro como Moro enfrentaria o presidente e faria uma barganha dessa natureza e de forma aberta, direta, por uma vaga no STF. Moro disse que Bolsonaro demitiu o chefe da PF, acarretando por consequência sua própria saída, para poder interferir em processos determinados pelo Supremo para investigar as fake news e os responsáveis pelas convocações dos atos antidemocráticos que pediram a intervenção militar e o fechamento do STF e do Congresso. Bolsonaro participou de dois desses atos, um na porta da Palácio do Planalto, no dia 15 de março, e outro no domingo passado, em frente ao QG do Exército.
Como se não bastassem todas as barbaridades que Bolsonaro vem cometendo seguidamente, como participar desses atos e pregar contra o isolamento social, a demissão de ontem foi um ataque direto às investigações em curso. Você já ouviu e leu isso antes, mas vale repetir o que disse Moro sobre esse episódio. “O presidente mostrou preocupação com inquéritos no STF e a troca (na PF) seria oportuna por esta razão”. Todos sabem quem está por trás dos crimes sob análise, só faltam a provas que a polícia está buscando.
Bolsonaro vem derretendo diante dos seus eleitores desde o dia da sua posse. Com a fala de Moro, o presidente passou a contar apenas com os membros da manada cega que o acompanha, aqueles que fazem manifestações radicais e os que vão para a porta do Alvorada tirar selfie com o presidente. Os que votaram nele imaginando estar varrendo a corrupção do país são os mais humilhados com a demissão de Moro e de Maurício Valeixo. O que sobrou foi um governo ultradireitista construído por Olavo Carvalho nas cabeças desabitadas dos três zeros da família Bolsonaro e do próprio patriarca.
No Ministério, uma adestrada tropa de macaquinhos de circo mantém-se disposta a incensar o chefe custe o que custar. Fora alguns bons nomes concretamente comprometidos com suas pastas, há ministros desmiolados na Esplanada para dar com o pau. Nunca é demais citar Weintraub, Wajngarten, Salles, Araújo e Damares. Mas, aos poucos, a estes vão se juntando outros bobalhões da corte, como Onyx Lorenzoni. A imagem da fala de Bolsonaro, com os ministros perfilados atrás, mostra um grupo indignado, como se o chefe houvesse sido agredido, e outro visivelmente constrangido. Aliás, o que mesmo fazia ali o ministro da Saúde?
No Congresso, de quem Bolsonaro procura se aproximar pelo lado da banda podre, não há qualquer chance de reconciliação. Orientado pelos militares de seu governo, que ainda tentam encontrar saídas institucionais para as crises por ele geradas, o presidente foi procurar os políticos. E, para a estupefação dos seus generais, começou por Valdemar da Costa Neto, Ciro Nogueira e Roberto Jefferson. Pode? Pode e foi feito. E claro que para esses uma PF amiga ajuda muito. Bolsonaro colocou enfim a cereja que faltava sobre o bolo de humilhação que impôs à absoluta maioria dos seus eleitores.
O que se viu ontem foi o mais claro sinal para o impeachment do presidente. Em qualquer conversa que se mantivesse até aqui, quando o assunto eram os crimes cometidos por Bolsonaro que ensejariam a abertura do processo, dizia-se que era cedo e que o processo não poderia caminhar num ambiente de epidemia grave como a que atravessamos. Bolsonaro conseguiu ontem queimar também esta ponte de tempo que havia entre ele e o seu futuro. Um processo não deve apenas andar, mas pode ser célere, pelo modo fast-track. Se a Câmara quiser, em dois meses Bolsonaro será passado e o país voltará a respirar sem a ajuda de ventiladores.
Eu, caçador de mim
Os dois maiores programas de retomada do crescimento lançados no Brasil nos últimos 20 anos, o Avança Brasil de Fernando Henrique e o PAC de Lula, com seus erros e acertos (mais erros, é verdade) foram elaborados ao longo de meses. Uma equipe multitarefa trabalhou durante quase um ano e meiob para erguer o Avança Brasil.
O PAC foi negociado com setores da sociedade civil por pelo menos seis meses. Os ex-ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil) consultaram o Congresso e o Supremo, visitaram instituições públicas e privadas, foram a sindicatos de patrões e de empregados, percorreram redações vendendo o projeto antes de apresentá-lo formalmente.
O Programa Pró-Brasil do governo Bolsonaro para recuperar a economia após a pandemia, anunciado na quarta-feira, foi imaginado 48 horas antes. Nenhum detalhe foi oferecido, nenhum dado, nenhuma métrica. Apenas seu almejado resultado de gerar um milhão de empregos foi anunciado com pompa.
Era mais um atentado de Jair Bolsonaro contra o seu governo. E o alvo o seu ministro da Economia, que não foi ouvido.
Deixa prá lá
Enviado do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) ligou para um grande executivo paulista
do setor de logística para pedir a indicação de um nome para presidir a Companhia Docas do Estado de São Paulo, que administra o Porto de Santos. A empresa foi oferecida por Bolsonaro a Ciro em troca de apoio político. O executivo respondeu a consulta dizendo que tinha, sim, “mas é gente séria”. O interlocutor então agradeceu, desligou o telefone e desapareceu.
Ato falho
Nada como um bom ato falho para mostrar a verdadeira alma das pessoas. No discurso que fez no dia seguinte ao ato no QG, Jair Bolsonaro reclamou quando um dos bajuladores de plantão no Alvorada pediu o fechamento do Congresso. “Aqui, não, na minha casa, não”, reagiu como se fosse um democrata. Um pouco depois, o cachimbo torto mostrou a boca que frequenta, o presidente avisou que o país vai bem institucionalmente: “(Esta é) uma nação que ainda está na sua normalidade”. Ainda, presidente?
Um dia depois do outro
No já longínquo dia 2 de abril, o presidente do Brasil disse a seguinte frase para justificar sua campanha contra o isolamento: “Eu desconheço algum hospital que esteja lotado. Muito pelo contrário. Tem um hospital no Rio de Janeiro, um tal de Gazolla, que tem 200 leitos e só 12 estão ocupados”. Não se sabe de onde Bolsonaro tirou aqueles números. Hoje, apenas um dos 269 leitos do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla está disponível. E não é de UTI. No Rio, a lista de espera para um leito de atendimento intensivo tem mais de 300 pacientes.
A Constituição sou eu
Ninguém foi mais ofendido do que o ex-deputado Ulysses Guimarães com a declaração de Bolsonaro. O presidente da Constituinte de 1988 não merecia um desaforo desse tamanho 18 anos depois da sua morte. A Constituição é Ulysses.
Médicos cubanos
Pergunta de um leitor:
“Os médicos cubanos que Bolsonaro expulsou do Brasil seriam úteis hoje?”
Eu vou, eu vou
A Polícia Militar de Belo Horizonte está percorrendo as favelas da cidade tentando fazer com que as pessoas saiam das ruas e voltem para suas casas. A buzina dos carros da PM foi equipada com a batida da música dos Sete Anões: “Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou”.
E aos que continuam sem se mexer, os soldados mandam recados bem-humorados pelos alto-falantes das viaturas. “Vai pra casa, Zangado”. “Recolha-se, Soneca”. Melhor do que sair distribuindo porrada.
Um grande brasileiro
Quer conhecer melhor um grande brasileiro? Tem duas formas e estão disponíveis na Netflix e na HBO. Trata-se de um documentário e de um filme sobre Sergio Vieira de Mello, ex-funcionário da ONU e uma vez Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. O documentário é minucioso e mostra o diplomata em ação em todos os países onde atuou, até a sua morte num atentado ao QG da ONU em Bagdá. O filme, estrelado por Wagner Moura e a cubana Ana de Armas, conta a mesma história de modo romanceado. Difícil dizer qual é o melhor.