O desagregador do Planalto consegue provocar cismas até mesmo entre instituições sólidas como a Igreja Católica
O desagregador do Planalto consegue provocar cismas até mesmo entre instituições sólidas como a Igreja Católica. Na quarta-feira, enquanto o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o progressista Dom Walmor Oliveira, criticava Jair Bolsonaro por desinformar o país e “provocar um itinerário para a morte”, católicos da ala conservadora foram para a porta do Alvorada rezar pelo “enviado por Deus para salvar o Brasil do comunismo”.
Verdade que as duas alas da Igreja não se bicam há anos, mas com a chegada de Bolsonaro a separação entre elas voltou a ganhar conotação política. Lembra a guerra de 24 anos entre a CNBB e os religiosos que apoiaram a ditadura de 1964, como se fosse possível homens que acreditam em Deus aceitarem governo que censura, tortura e mata. Esta turma não se envergonhava antes e não se envergonha agora em defender intervenção militar se essa for a forma de evitar a volta da esquerda ao poder.
A ala conservadora da igreja no Brasil vê comunistas em todos os lugares. Até mesmo na Santa Sé, já que muitos chamam o Papa Francisco de comunista e enxergam em alguns de seus atos manobras para sabotar o governo de Bolsonaro. Trata-se de uma bobagem sem tamanho, mas os cristãos da Renovação Carismática Católica que louvaram o presidente na porta do Alvorada disseram que mensagens de Francisco nesse sentido seriam ouvidas durante as pregações da Semana Santa. São tolos, como Bolsonaro.
O grave é que por serem tolos são também perigosos. Defendem as mesmas teses do presidente e concordam com a cruzada pelo fim do isolamento, permitindo que as pessoas “voltem a trabalhar, produzir e salvar vidas”. E, por mais absurdo que pareça, na vigília do Alvorada disseram fazer parte de uma certa “milícia celeste” de apoio ao presidente. Estes fundamentalistas carismáticos brincaram com fogo, fizeram trocadilho com a morte, já que se conhece a proximidade de Bolsonaro com a violenta milícia do Rio.
A CNBB, por sua vez, sempre esteve ao lado da democracia, dos mais fracos, dos excluídos, dos esquecidos. Foi assim durante todo o regime militar, continuou assim ao longo do período democrático inaugurado com a eleição de Tancredo Neves e a posse de José Sarney, em 1985, e segue da mesma forma sob Bolsonaro. Sempre, sob qualquer governo, foi crítica e contundente. Em 2004, atacou o governo Lula por se distanciar dos movimentos sociais. Não é preciso ser muito sabido para dizer quem está com a razão.
Esta divisão alcança também as igrejas evangélicas. Coloca de um lado os que o ex-deputado Chico Alencar (PSOL) chama de “bolsocrentes” e do outro as igrejas evangélicas históricas. Os primeiros acham que o coronavírus é jogada política, acreditam que conseguem exorcizar a praga e vão ao Alvorada pregar ao “escolhido por Deus”. Em 5 de março, um pastor, que tomou meia hora do presidente e o fez ajoelhar no asfalto em frente ao Alvorada, disse a seguinte barbaridade: “Em nome de Jesus declaro que no Brasil não haverá mais mortes pelo coronavírus”.
As igrejas históricas entendem que o presidente precisa ser freado. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil repudiou em nota oficial o pronunciamento em que Bolsonaro disse que se fosse acometido pelo coronavírus teria apenas uma gripezinha em razão de seu passado de atleta. Na internet, alguns grupos afirmaram que Bolsonaro “segue o delírio de poder e vaidade” e defenderam a renúncia.
O cisma religioso de Bolsonaro lembra a metáfora que Frei Betto construiu no seu mais novo livro, “O diabo na corte – Leitura crítica do Brasil atual”. Ele descreve um reino em que o diabo dissemina “a confusão semântica”, onde as palavras perdem os seus significados ou os têm trocados. E cita uma princesa que diz ser uma pessoa “terrivelmente religiosa”. Certamente a palavra “terrível”, que é aquilo que causa ou infunde terror, não deveria combinar com “religiosa”. Mas naquele reino combina, graças ao diabo. E nesse aqui parece que também.
A OMS precisa se explicar
Trump não tem razão ao ameaçar cortar fundos da Organização Mundial da Saúde por causa do alegado centralismo chinês da entidade. Mas a OMS, que é maior que questões regionais, tem que explicar por que recomendou que não se fechassem fronteiras nem se proibissem viagens quando mais de cem países já haviam detectado o coronavírus e por que demorou tanto para declarar a pandemia. Pode não ter sido uma decisão política, mas ela com certeza agradou a China que, àquela altura, tentava evitar perdas econômicas com possíveis embargos de natureza sanitária. A OMS só foi reconhecer que o contágio se dava entre humanos em janeiro, mesmo sabendo desde dezembro que havia casos fora de Wuhan. A China fez tudo o que pôde para esconder o vírus, e a OMS aparentemente fez pouco para contestar a informação falsa. Um excelente documentário do Spotniks no ar no YouTube mostra cronologicamente como o mundo perdeu tempo por essa negligência.
Super-homem
Máscara não é capa. Ela pode proteger, mas não transforma ninguém em super-herói. Preste atenção, você não vai voar. O fato é que até os motoristas das Kombis de ferro-velho, que voltaram a circular, estão usando máscara. Cada dia tem mais mascarados andando nas ruas do Rio. Mas, pior, a cada dia há mais gente nas ruas do Rio, com e sem máscaras. Melhor mesmo é ficar em casa, não façam como Bolsonaro.
Macondo é aqui
Jair Bolsonaro parecia Aureliano Buendía, ainda menino, quando foi levado pelo pai para conhecer o gelo num acampamento de ciganos em Macondo. No seu último pronunciamento na TV, ele se referiu à cloroquina com o mesmo assombro de Aureliano ao se deparar com o gelo ou com o imã. A diferença é que em “Cem anos de solidão” “o mundo era tão recente que as coisas ainda careciam de nome”. Agora, não.
Rodízio contra o corona
O governo de Honduras inovou. Vai relaxar o isolamento social a partir da semana que vem produzindo um rodízio de pessoas. Os titulares de identidades com finais 1 e 2 poderão sair nas segundas, 3 e 4, nas terças, e assim sucessivamente até sexta. Fim de semana, todos em casa. Interessante, mas tem que ver como se fiscaliza isso.
Dr. Cloroquina
Pode dar certo? Pode. Todo mundo está torcendo para que dê, afinal ainda não existe remédio para combater a Covid-19. Se a cloroquina funcionar mesmo, será um êxito inesperado e muito mais do que bem-vindo. Por isso, o irresponsável do Palácio do Planalto pode se agarrar nela como se fosse invenção sua. Mas o que não pode é um médico infectado pelo vírus afirmar que dela fez uso e melhorou. E por que não pode? Porque esse médico tomou também antibióticos, analgésicos e antitérmicos contra a Covid-19. Ele poderia dizer que o analgésico o curou? Não. E certamente não diria. Mas para agradar um grandão do Planalto Central, dr. Cloroquina diz qualquer coisa.
Live dá dinheiro
Sensacional essa onda de artistas fazendo lives com pequenos shows para alegrar a quarentena de seus fãs. Mas tem uma turma que está ganhando dinheiro com a iniciativa. Os sertanejos Jorge e Mateus, por exemplo, estão faturando US$ 200 mil por uma série de shows patrocinados pela Ambev. São distribuídos pelo YouTube e servem como alavancas para doações de alimentos, EPIs e álcool em gel. O primeiro deles, com 23 milhões de visualizações, levantou 172 toneladas de alimentos e 10 mil frascos de gel, segundo site dos artistas. Beleza. Agora, nada contra ganhar dinheiro, cada um se defende como pode, mas tem colegas da dupla caipira sugerindo que Jorge e Mateus doem seu cachê para a mesma causa sanitária e social.
Jornalista em perigo
O prefeito da pequena Sacramento (MG), Wesley de Santi de Melo (o Baguá), declarou ao IR crescimento patrimonial de 350% entre os dois mandatos que exerceu. Detalhe que passou despercebido até a chegada na cidade de Antonio Ribeiro, ex-correspondente da “Veja” em Paris e ex-editor de Fotografia do GLOBO. Ribeiro foi passar um ano sabático na cidade em que nasceu e se deparou com o que ele chamou de “um mar de irregularidades”, como a compra de gasolina em quantidade tão grande que nem com a frota da prefeitura rodando 24 horas por dia seria possível consumir tudo. O jornalista, que publica o que descobre no Sacramento Notícias, um jornal digital local, já recebeu três ameaças de morte e as denunciou ao Ministério Público.