Sem as asneiras do capitão, o governo continua sendo ruim, mas deixou de ser ele próprio um elemento desestabilizador da harmonia entre os demais poderes
Há 37 dias os brasileiros não ouvem uma ameaça ou uma bravata do presidente da República. A última foi em 17 de junho, na véspera da prisão do queridinho Fabrício Queiroz, quando Bolsonaro falou a apoiadores na porta do Alvorada sobre a quebra de sigilos de parlamentares da sua base. Ele reclamou do Supremo Tribunal Federal pela medida e acrescentou: “Eles estão abusando. Está chegando a hora de tudo ser posto no devido lugar”. Foi o seu último rompante antidemocrático. Seu isolamento em razão da contaminação pela Covid-19 também contribui para o silêncio.
Desde então não ocorrem mais aquelas rotineiras e ridículas manifestações a favor do fechamento do Congresso e do Supremo e pela intervenção militar com Bolsonaro no poder. Se havia alguma dúvida, ela não existe mais. Era mesmo o presidente, seus três zeros e o resto da sua turma do ódio que incentivavam e indiretamente organizavam aquelas aglomerações em frente à rampa do Planalto. Com o capitão mudo, os “manifestantes” recolheram suas bandeiras e faixas e sumiram. Também não se ouve mais falar dos “300 do Brasil”, que não eram nem 30 e tinham como líder a patética Sara Giromini.
Sem as asneiras do capitão, o governo continua sendo ruim, mas deixou de ser ele próprio um elemento desestabilizador da harmonia entre os demais poderes constituídos. Vida que segue. Não se pode pedir a Bolsonaro mais do que isto, embora a demissão de Ernesto Araújo e Ricardo Salles ajudasse. O fato é que sua pauta conservadora foi eleita com ele, sua política econômica foi explicitada aos eleitores ainda na campanha, quando ele apresentou o seu Posto Ipiranga ao país. Cabe ao presidente tentar aprová-las no Congresso Nacional. Uma questão normal de um governo normal que joga de acordo com normalidade democrática.
A aprovação da sua pauta é outra questão. Na verdade, um problema político para ele. A base original do governo no Congresso é pequena, desarticulada e fisiológica. Os parlamentares que seguem apoiando Bolsonaro, depois das muitas caneladas que ele deu em aliados desde que tomou posse, sofrem derrotas seguidas e agem muitas vezes como cegos em meio a um tiroteio. Seus discursos são desalinhados e muitos querem apenas mostrar a cara, fazer presença, pouco se importando com aprovação ou rejeição de matérias do governo. Os quadros com um pouco mais de tutano saíram ou foram expelidos da base.
O governo perdeu quase todas as questões que levou ao Congresso. Numa lista rápida é obrigatório citar a ampliação do acesso ao Benefício de Prestação Continuada; a flexibilização do orçamento impositivo obrigando o governo a executar as emendas das bancadas estaduais; a ajuda aos Estados e municípios sem a obrigatoriedade de não aumentar salários de todos os servidores; a rejeição do “Plano Mansueto”; e a devolução do Coaf para a Economia. Na reforma da Previdência, caiu o sistema de capitalização sonhado por Guedes, e os arranjos no Congresso reduziram a economia em dez anos de R$ 1,1 trilhão para R$ 800 bilhões.
As muitas derrotas obrigaram Bolsonaro a buscar apoio do Centrão, o que o levou a engolir uma das suas mais emblemáticas promessas de campanha, a de jamais negociar cargos em troca de apoio no Congresso. Mas essa turma também parece servir pouco para aprovar projetos. Nesta semana, mais uma vez o governo perdeu, agora na tentativa esdrúxula de desviar recursos do Fundo de Manutenção e Assistência da Educação Básica (Fundeb) para fazer assistencialismo político. Perderam Guedes e o deputado Arthur Lira, um dos líderes do bloco, que quis adiar a votação quando percebeu que não levaria. A votação não foi adiada, e o Fundeb foi aprovado com 499 votos a favor e sete contra.
O Brasil é melhor assim, sem um presidente falastrão. O problema é saber se vai durar. Tem gente que aposta que não, sobretudo porque algumas contas que ele e seus zeros devem à Justiça já foram emitidas e mais cedo ou mais tarde vão chegar.