Se fossem levadas a sério as declarações dos políticos brasileiros, jamais encontraríamos uma pessoa sequer para responsabilizar pelas mazelas nacionais. O país tem 13 milhões de desempregados, mas a culpa não é do PT de Lula e Dilma, não é do MDB de Michel Temer, nem da turma nova que chegou agora com Bolsonaro. A economia não anda, ou anda para trás, mas não há culpados. Os dedos desses apontam para todos os outros. Os dedos dos outros indicam todos estes. E o país soçobra.
Sobre o desemprego, o ministro da Economia, Paulo Guedes, manda colocar na conta do PT. “Isso é coisa do passado. Vai cobrar do Lula e da Dilma”, Guedes gosta de repetir. É verdade também que nestes cinco meses de governo não se conseguiu registrar nenhum sinal alentador na economia que pudesse estimular investimentos e gerar novos empregos. Ao contrário. Do outro lado, o PT acusa o governo Bolsonaro por bater recorde de desemprego. Esqueceu que a estagnação econômica teve início no governo Dilma, chegou a melhorar sob Temer, mas voltou a degringolar. E, como se vê, ninguém tem culpa.
Ao novo governo cabe explicar por que, mesmo com o clima superfavorável pós-eleição, a economia estancou no primeiro trimestre, registrando PIB negativo. A explicação é a do dedo apontado. Para o PT. Mas, como não se conseguiu a confiança da população, e muito menos do mercado neste início de governo repleto de problemas, começam a ser discutidas soluções que o ministro Guedes diz não serem mágicas, mas são claramente emergenciais. Ele falou, por exemplo, em liberar o Fundo de Garantia para colocar R$ 20 bilhões na economia. Trata-se de medida de quem olha para frente e vê tempestade. Parece desespero. Pode não ser, mas parece.
Nas questões ambientais e rurais ocorre a mesma coisa. Nunca a floresta amazônica esteve tão desmatada, e a culpa não é do PT, nem do MDB, muito menos da turma dos novatos PSL e correlatos. Segundo eles próprios. O novo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, diz que desmatamento é histórico, e o que seu governo quer fazer é abrir novas fronteiras de negócios para o Brasil. Diz isso, mas age como se fosse um representante da bancada ruralista e da indústria de agrotóxicos dentro do governo. Já a turma do passado ataca o ministro e diz que o novo governo vai destruir o que resta das florestas nacionais. Os volumes de queimadas e abate de árvores na Amazônia brasileira cresceram nos primeiros dois anos do governo Lula, em seguida caíram para voltar a crescer na gestão de Dilma.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) ocupou a tribuna do Senado semana passada para acusar o governo Bolsonaro de ter parado a reforma agrária. Deve ser verdade, essa claramente não é questão que interesse ao novo governo. O curioso é como um parlamentar do PT, ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), acusa terceiros de não fazer reforma agrária depois de 14 anos de governo petista. O partido, que deveria ter zerado o estoque de trabalhadores sem-terra, assentou menos gente no governo Dilma do que na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Em 2016, Dilma assentou 1.686 famílias, contra 101 mil em 1998, no primeiro mandato de FH, ou 136 mil em 2006, no governo Lula.
A saúde no Brasil está sucateada, mas ninguém é culpado. Claro que a deterioração de hospitais e postos de saúde, umas das maiores tragédias nacionais, vem sendo operada há anos, governo após governo. O que ocorre agora é mais uma vez o festival de “não é comigo”. Petistas cobram investimentos do novo governo, mas negligenciaram da mesma forma o setor. De 2002 a 2012, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), mais de R$ 90 bilhões destinados por Orçamento para a Saúde não foram gastos pelos governos de Lula e Dilma.
Na educação, bem, na educação já sabemos que o que vinha mal seguirá mal e tem tudo para piorar. A única medida até agora anunciada pelo novo governo é o corte, ou o contingenciamento, se preferirem, nas universidades federais. E a famosa “responsabilidade não é minha” segue em frente. Todos querem fazer crer que a culpa é dos outros. Ou que ninguém tem culpa. Na verdade, o que falta nesta turma é memória. Todos são culpados.