É histórico, dias bicudos geram pessoas bicudas. Todas as crises, não importa onde ocorram e qual seja a sua natureza, causam rebuliço no coração humano capaz de mudar dramaticamente o humor de cada um. São poucos os episódios na história da humanidade que produziram povos mais infelizes do que os europeus que viveram durante a agoniante e sanguinária Segunda Guerra Mundial, ou os africanos das nações colonizadas e escravizadas no século XIX. Quanto maior o drama, maior a crise, mais sombrio o povo. E deriva daí um mau humor sistêmico e um pessimismo contagiante. Viu-se isso ao longo dos últimos anos no Brasil, uma gangorra no humor e nas expectativas dos brasileiros.
Vivemos momentos de júbilo e esperança, como nos primeiros mandatos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Passamos períodos de incerteza, nos segundos mandatos de ambos, e de medo e ansiedade, nas administrações de Fernando Collor, Dilma Rousseff e Michel Temer. E em cada uma dessas temporadas, o humor nacional ia sendo moldado pelo ambiente político e econômico da ocasião. Não foi por outra razão que as pessoas saíram às ruas em 2013, no auge do desgaste de Dilma, no seu segundo e mais torturante mandato.
Nos pouco mais de dois anos de gestão de Temer, o país já estava dividido entre uns e outros e seu governo foi marcado por manifestações de repúdio. Esse quadro piorou ainda mais quando o presidente recebeu no Palácio do Jaburu o empresário Joesley Batista e com ele manteve a conversa em que produziu a famosa frase “Tem que manter isso, viu?”. Diante do quadro de incertezas no Brasil desde o segundo mandato de Lula, é justo afirmar que o brasileiro tem vivido inseguro nos últimos dez anos. Inseguro e intrinsecamente infeliz.
Quando uma nova eleição poderia recriar o otimismo no coração dos nacionais, o presidente que foi eleito no ano passado preferiu permanecer em campanha, mantendo permanente litígio com inimigos invisíveis e brandindo furiosamente contra castelos de fumaça. E o resultado é o que se vê no país. Um povo amargurado e indisposto. Mal-humorado e pessimista. O pessimismo, aliás, se reflete não apenas nas pessoas, mas em todo o tecido da sociedade. Na economia, o desânimo é visível. O governo de Jair Bolsonaro não empolga. Poucos mostram disposição para investir, o emprego não cresce, e a economia patina, anda de lado e em alguns setores recua.
Nas artes, o pessimismo tem reflexo até quando se olha para o futuro. O filme “Bacurau”, dos diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, mostra uma pequena cidade no agreste pernambucano que em alguns anos vai dispor de tecnologia de comunicação de ponta, sinal de internet melhor do que no Alto Leblon, mas não terá água e esgoto sanitário. A educação será uma lástima, e os políticos serão tão esdrúxulos quanto aqueles hoje encarcerados em Bangu, na Papuda ou em Curitiba. Em alguns poucos momentos se experimenta certa euforia, mas ela é localizada e passageira. Como foi o caso da Bienal do Rio, que deu uma banana e um chega pra lá no prefeito-censor Marcelo Crivella.
No mundo não é muito diferente. A mistura de mau humor com pessimismo não é uma jabuticaba. O planeta busca soluções para inúmeros problemas, do aquecimento global à crise mundial de refugiados. E o que resulta disso aparece mais uma vez nas telas e nos livros. Em 2015, o escritor Michel Houellebecq publicou seu sexto romance, “Submissão”. Nele, a França se vê na contingência de votar no segundo turno das eleições presidenciais de 2022 entre Marine Le Pen, da extrema direita, e Mohammed Ben Abbes, um candidato muçulmano radical. Ben Abbes ganha a eleição e transforma a França. Para pior, muito pior, claro.
E o que dizer da série “Years and years”, do roteirista Russell T Davies, no ar na HBO? Ela trata de um futuro tão estarrecedor quanto o imaginado em “Bacurau” e “Submissão”. Há de tudo nos seis episódios da série. Gente que quer virar transumana, transformando sua consciência num software, perseguição a gays, negros e refugiados e governos que se tornam autoritários depois de eleitos pelo voto popular. No jornalismo não é muito diferente. Como produzir boa notícia quando a sua cidade, o seu país e o mundo experimentam uma onda depressiva que parece não ter fim?